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sexta-feira, maio 01, 2020

Dizer que hoje é o Dia do Trabalhador





Já é dia feriado e ainda bem. Não sei se me aguentaria inteira se tivesse que aguentar mais um dia assim. Aliás, a semana veio em crescendo e esta quinta explodi umas quantas vezes e estive em vias disso outras tantas. Não foi fácil. Cheguei ao fim do dia exausta. Fazem-me muita impressão as situações que não percebo e relativamente às quais, quanto tento que me expliquem, fico na mesma. Por exemplo, envolvi-me tanto num assunto que é crítico, esforcei-me, entreguei-me, expliquei, sensibilizei tanta gente que, quando estava convencida que ia deixá-lo em boas mãos, vejo que não devem ter percebido nada pois o entregam a quem tem zero competências para tal. Custa-me imenso assistir (de perto) a situações incompreensíveis. Apetece-me dar dois pares de coices. Claro que situações estúpidas há em todo o lado e aberrações é o que não falta  -- e uma pessoa vai adquirindo defesas para saber lidar com tudo. Mas pior é quando se trata de uma situação deveras crítica que requereria competências à prova de bala. Não um incompetente, não um desprovido. E a culpa não é dele, a culpa nunca é dos destituídos, a culpa é dos que, sabendo que é destituído, ainda assim o escolhem. Não se compreende. Ficou furiosa. Nem é bem furiosa. É desiludida. Descrente. Desinteressada.


Mas, tirando isso, foi todo o santo dia. Parece que, de repente, tudo entrou em roda livre.

Cansada. Dá ideia que, se uma pessoa se se distrai, é atropelada por uma manada desencabrestada. 

Acontece que, em cima disso, há cada vez aquelas expressões que tudo o que é mente fraca usa e que a mim me deixam em polvorosa. Faço de conta que não ouço. Quem me veja dirá que não reparo. Mas só eu sei. Uma violência. E já nem sei se alguém, para além de mim, fica com brotoeja na alma. A coisa quando pega de estaca desenvolve-se com viço. Rebenta por todo o lado. Erva daninha. Uma pessoa sente-se sozinha, incompreendida, com vontade de hibernar, de recolher ao convento.

Explico-me. Gente que tem mais do que obrigação de saber falar, gente com formação na área das humanidades ou sei lá o quê, gente que andou nas melhores universidades e com toda a espécie de mestrados, mba's, pós-graduações e o escambau e, quando começa a falar, enfatuadamente diz: 'dizer que este período tem sido desafiante para todos' e, a cada pausa e recomeço, iniciam a frase da mesma enervante maneira, 'dizer que estou agradecido', 'expressar o reconhecimento por todos quantos', 'transmitir que o regresso não vai ser ao normal mas, sim, ao novo normal', 'isto não tem a haver com' 'mas tem a haver com'. E, ouvindo isto, eu sinto a crescer dentro de mim aquela impaciência que me faz ficar irrequieta na cadeira pois sei que tenho que aguentar e calar.

Faz-me ainda outra coisa: ter vontade de ganhar o euromilhões. Dou por mim a pensar: se me saísse o euromilhões, viria trabalhar só para sair em beleza. Deixá-los-ia falar e, quando acabassem, diria: 'não é assim que se fala, ó seus papagaios que nem ao menos sabem escolher o que papaguear. Vou-me embora, já dei demais para este peditório, já aguentei demais, e esta maneira de falar é a gota de água, deixá-los-ei com a vossa oca prosápia'. Claro que ficariam a olhar para mim incrédulos e, quando eu virasse costas, haveriam de ficar sem perceber o que se tinha passado, concluindo: 'mulheres...' Ou, então, diriam: 'Mas quem é que ela pensa que é? Nem falar sabe. Em vez de 'deixarei-os falar disse deixá-los-ei. Loura burra''.


Por vezes, quando a reunião é alargada e o tema não me diz directamente respeito ou não me é especialmente interessante, aproveito para ver mails. Sempre me poupa trabalho à noite e sempre desanuvio. Mas, então, estava eu nisto, a ver mails, dou com esta pérola: Se estiver de acordo, podia-mos deixar o outro assunto para depois para nos pudermos concentrar no problema que temos em mãos. 

Fiquei a olhar para aquilo, a sentir-me besta. Quando recebo uma coisa assim, hesito sempre entre fazer de conta que não vejo, responder arranjando maneira de escrever aquelas palavras como deve ser ou responder, assinalando abaixo, a encarnado, os erros. Se fizer de conta que não vejo, fico a sentir-me incoerente, acomodada, acobardada. Se responder usando as palavras bem escritas, corro o risco de os broncos acharem que não sei escrever. Se assinalo os erros, vão dizer que sou mal educada, deselegante, má colega. Portanto, depois de ficar a olhar, resolvi fechar o mail e prestar atenção à reunião. O que me intriga nisto é que juraria que ele, dantes, não escrevia assim. Fiquei a pensar: terá sido o corrector automático que lhe pregou uma partida? ou estará a ficar demente? uma pandemia de bestalhice?

Santa paciência.

Bem. Não digo mais nada. Não estou nas melhores condições. Nem consigo responder aos comentários.

Tenho limpezas grandes para fazer durante este fim de semana alargado mas a ver se neste dia do trabalhador arranjo maneira de poder agradecer e responder a cada um. Não levem a mal.

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Há poetas de que gosto muito. Há poemas de que gosto muito. Há pessoas que dizem poemas de que gosto de uma forma que me agrada muito. Por exemplo. Gosto dos poemas de Michael Ondaatje. Gosto de Tom O'Bedlam. A voz dele e as pausas são preciosas. E gosto deste poema, 'What we lost'.  Partilho-o convosco não apenas porque estou a ouvi-lo mas, também, porque me custaria que aqui tivessem vindo e saíssem com a sensação de tempo perdido. Assim, talvez gostem de ouvir o poema.


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As imagens -- que acho lindas -- são de Christy Lee Rogers

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Um bom Dia do Trabalhador.
Saúde.

quarta-feira, setembro 26, 2018

O ovo




Sou muito pré-histórica. Ninguém é perfeito mas este meu defeito começa a pesar. Manifesta-se assim: quando a gente foi fadada para ser inocente, vem este defeito que começa a alastrar dentro de nós e começa a fazer com que a gente passe a ter a sensação do déjà-vu com mais frequência do que devia. Muito abusado este defeito. 

Por exemplo. Vem um inteligente e tem uma ideia e toda a gente aplaude tamanha inteligência e vai a gente, com o tal defeito da pré-história, vê logo que aquilo, mais tarde ou mais cedo, vai é dar merda. E, quando todos se levantam e batem palminhas, a gente, presa à cadeira, pensa: 'está bem, está, daqui por uns tempos a gente fala'. E se tenta alertar, 'cuidado, então não vêem?, aquilo é gato por lebre', logo vêm os zeladores pelos bons costumes dizer que a gente é avessa à mudança, desalinhada do pior, e que mais vale é estarmos caladinhos para não travarmos o progresso.

E isto de as coisas irem dar merda -- e quase ninguém perceber que a linda coisa que aplaudiu não é senão o ovo da mediocridade que vão chocar - e a gente perceber isso logo de início é uma chatice. É que, cá para mim, isto não é de a gente ser mais inteligente que os outros: isto é mas é de ser mais velha que o caraças e ser vcc nunca foi bom em parte nenhuma do mundo.


Por exemplo: vejo a Cristina Ferreira a entrar na SIC, a andar de perna aberta e ao léu, laçalhão de lado, sorriso superlativo e plastificado, dizendo lugares comuns e parvoíces como se estivesse a descobrir o mistério do bosão e penso: a SIC não vai acabar bem. É que, pior. tudo aquilo se passa em horário nobre. Os directores da SIC a prestarem-lhe vassalagem. E o dito maçador déjà-vu: isto é o inexorável caminho da decadência. A SIC está numa deriva, com perda de popularidade, perda de receitas, recorrendo a todo o tipo de cavalices e chico-espertices e, não contentes com isso, foram buscar um dos expoentes da maneira fácil de agradar às bases. Baixar o nível, banalizar, explorar o lado mais primário das emoções. Qualquer profundidade será vista pela diva Cristina como uma seca que as pessoas não querem ouvir e ver. E é imparável. A partir do momento que alguém toma a opção de contratar uma pessoa assim, vai apoiá-la, vai querer provar que tomou a decisão acertada. E o caminho descendente será percorrido.

Nas empresas acontece isto a toda a hora. Gente impreparada, gente exibicionista, gente sem um pingo de humanidade ou visão de longo prazo, gente parva -- tudo aparece posto em lugares de poder. Começam por impressionar bem os incautos. São aplaudidos. E vão trilhando o seu caminho de passar por cima de toda a folha, de pisar o que encontram pela frente. Um desastre.


Mas nas letras a mesma coisa: quantos bons escritores são ignorados enquanto tudo o que é show off, alarvidade e bajulação ou pura ignorância é levada aos ombros? 

Como querer ter uma sociedade exigente, culta, crítica quando, em simultâneo, a tolerância para com a mediocridade é a palavra de ordem?

Os States. O desastre mais vergonhoso no mundo moderno. Um país em que o grande maioria não sabe de geografia, de literatura, de história, de ciência --- como não ia acabar assim, nas mãos de uma besta quadrada? O que é o Trump senão a resultado de uma bem evidente tendência degenerativa?

Ou quando uma coisa como o Web Summit, supostamente uma plataforma de encontro entre empresas tecnológicas, se propõe ter uma Marine le Pen como oradora ou quando uma universidade convida negacionistas para serem oradores, está-se à espera de quê? Que coisa boa pode nascer daí? Alguma vez gente estúpida traz algo de bom seja para onde for?


Sermos contemporizadores, fofinhos, adeptos de brandos costumes, sermos ceguinhos, não querermos ver um palmo à frente do nariz, irmos na onda, carneiros passivos -- é a melhor maneira de abrirmos a porta a quem nos há-de destruir. Não é à toa que se choca o ovo da serpente .

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Um Leitor a quem muito agradeço enviou-me um vídeo (o que está aqui abaixo) que me pareceu interessante. Ao tentar localizá-lo no YouTube para o incorporar aqui encontrei a versão mais longa e mais contextualizada. Coloco ambos aqui apesar de o segundo não estar traduzido.

Porque é que a América é o melhor país do mundo?



Porque é que a América já não é o mais fantástico país do mundo?



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E, por falar nisso, aqui fica uma sugestão, para quem ainda não viu

O ovo da serpente, um filme de Ingmar Bergman


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As fotografias que intercalei no texto são da autoria de Christy Lee Rogers e foram feitas debaixo de água. São maravilhosas, incomuns. Valem a pena. A necessária antítese. O antídoto.

Partilho o vídeo que mostra o movimento maravilhoso das bandeiras e das gentes dançando debaixo de água -- sonho e liberdade


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