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terça-feira, maio 14, 2024

Quem esteve melhor no 1º debate, na SIC?
A Marta Temido, o Sebastião Bugalho, o Cotrim de Figueiredo ou o Francisco Paupério?

 

Ora bem, não quero fugir à questão e já lá vou.

Mas, para sermos rigorosos, temos que ser francos. Uma resposta correcta depende da perspectiva de análise e toda a gente concordará com isso.

Ora bem.

Se for quem teve a melhor presença:

  • Tenho que dar a vitória ao Cotrim. Tem muita pinta.É bonito, veste-se bem, penteia-se bem, fala bem, tem um sorriso insinuante.
  • Marta Temido nem por isso, este corte cabelo não a favorece mesmo nada.
  • O Bugalho péssimo, parece um menino velho, um puto mascarado com a roupa do pai ou do avô.
  • O Paupério, fofo.

Se for quem teve a atitude mais inteligente:

  • O Paupério. Percebeu que o Bugalho estava ali para mostrar que é o maior, o mais maduro, o melhor preparado e que o melhor era tirá-lo do sério para ele sair daquele registo e mostrar os seus maus íntimos. Bastou um risinho lateral. Bastou isso para o Bugalho mostrar que à mínima desce do tacão e tira a faca da liga. Virou-se para o Paupério e só por pouco não lhe deu logo ali uma cabeçada. 
  • Os demais, ao mesmo nível. 

Se for quem conseguiu tornar o debate mais interessante:

  • Nenhum. Um debate meio chato, por pouco não adormeci. Preferi o modelo de debate de 'Isto é gozar com quem trabalha'.

Não sei se haverá outras perspectivas de análise, creio que não, mas, se houver, podem dizer, sou toda ouvidos.


quarta-feira, agosto 31, 2022

Marta Temido e a Saúde em Portugal*

 

Há poucos médicos, poucos enfermeiros e poucos técnicos de electromedicina no país. Quem pode pagar mais rouba-os a quem tem mais limitações.

A partir daqui, começam os problemas.

Para resolver o assunto, há que atacar a raiz do problema. Alargar o número de vagas nos estabelecimentos de ensino é uma solução de médio/longo prazo. A curto prazo, há que 'importá-los'. Imigrantes nestas especialidades deveriam ser fortemente incentivados a vir e ficar por cá.

Li a sugestão do M. J. Marmelo de que quem estuda em estabelecimentos de ensino público seja obrigado a prestar serviço no SNS durante um número mínimo de anos. Parecer-me-ia uma boa solução. Não resolveria tudo mas todas as ajudas são boas.

Já aqui falei numa outra questão. A escassez de recursos humanos nas equipas obriga a que os que estão presentes tenham que fazer horas extraordinárias. Segundo a legislação em vigor e segundo os regulamentos em vigor nos diferentes acordos de trabalho não apenas há limite ao número de horas suplementares efectuadas como, consoante o número de horas, em especial à noite e/ou ao fim de semana, se adquire direito a gozar descansos compensatórios. Só que, se as pessoas gozam esses dias a que têm direito, outros terão que fazer trabalho suplementar para colmatar as faltas. É uma bola de neve. É um círculo vicioso.

Mesmo que não existissem pessoas a menos, há férias, há baixas. Só se evitam horas extraordinárias com equipas folgadas e férias muito bem distribuídas. 

Ora as equipas estão deficitárias e, com a pandemia, não houve como ter pessoal clínico em férias criteriosamente calendarizadas. Foi um toque a reunir. Todos eram poucos. Acumularam-se horas a mais, dias de férias e compensação por gozar a mais. Se agora os gozam, fecham urgências, ficam os serviços deficitários. Se não os gozam, entram em burnout.

O desastre teria, pois, que acontecer.

A única hipótese seria contratar gente para compor equipas enquanto os outros folgam. Só que não há gente disponível para isso. E, quando os há, ou são inexperientes ou ganham fortunas.

Com o SNS em exaustão (primeiro pela Covid e, depois da Covid, a apareceram todos os achaques resultantes de acompanhamento e diagnósticos tardios), muitos profissionais não aguentaram, fugiram para os privados. 

Poder-se-ia pensar que há nisto também algum maquiavelismo por parte dos privados: roubam ao público para o público ir ao tapete e eles, privados, terem maior clientela. Contudo, não o creio. Quem já tem seguros de saúde ou protocolos como a ADSE já vai maioritariamente ao privado. Os privados não têm falta de clientes. Os que vão ao SNS são maioritariamente os que não têm como ir aos privados. 

Mas cada vez as pessoas vivem mais anos e têm mais doenças. Além disso, ainda acontece que, quando a situação é grave, as pessoas preferem os hospitais públicos. 

Aconteceu-me estar numa clínica privada e ser-me diagnosticado um enfarte agudo de miocárdio. Activaram o protocolo do INEM e perguntaram para onde queria ir. Não hesitei, quis um hospital público. Assisti por dentro à confusão das urgências, à situação limite que se vive num SO, vi as imensas limitações. Na realidade não tive um enfarte mas verificou-se uma condição que fez com que tivesse que passar a ser seguida em Cardiologia. E voltei ao privado. Mas voltei porque posso. 

E, portanto, o SNS é o sistema a quem tudo se exige e que se encontra espalmado entre a falta de recursos humanos, por um lado, e falta de dinheiro, por outro.

No entanto, se houvesse gente suficiente e a possibilidade de exercer a gestão sem ser em situação de carência e crise, se calhar não seria preciso mais dinheiro.

Assim, é muito difícil. Tem solução. Tudo tem. Já o referi acima: há que injectar gente nas equipas, via imigração. Uma vez as equipas completas e com gente de reserva, pô-los a gozar as férias e as compensações em atraso. Depois organizar, repensar, reinventar. Há que pensar a longo prazo: abrir vagas nas escolas. E há que ter sangue frio e não ceder a pressões.

Portugal é ainda um país corporativista. Há coisas que são culturais, que atravessam gerações. Há que ouvir os médicos e os enfermeiros mas não ceder, por ceder, às suas múltiplas exigências, tantas vezes classistas, tantas vezes desprovidas de racionalidade. Têm razão em muitas coisas mas, pelo efectivo poder de pressão que detêm, muitas vezes exercem o que parece ser quase chantagem e não o que se exigiria, espírito de colaboração..

Ouvi há pouco na televisão que o SNS foi criado numa altura em que os problemas de saúde eram, sobretudo, agudos e com causa única e que hoje a situação é o contrário: a prevalência é de doenças crónicas e origens variadas, obrigando a tratamentos prolongados através de equipas cruzadas. Como eu, pessoas que têm que continuar a ser seguidas, se calhar para o resto da vida, há aos montes. E os hospitais e os centros de saúde não foram concebidos ou dimensionados para isso Ou seja, estamos perante uma séria questão estrutural que requer estudos e uma implementação demorada e complexa.

Face a isto, o que dizer de Marta Temido?

Do que lhe vi, só tenho a dizer muito bem. É uma pessoa resistente, ponderada, com uma imensa capacidade de trabalho. O que ela aguentou, a forma inteligente e firme como o aguentou, faz dela uma heroína. Penso que só temos a agradecer-lhe. Devemos-lhe a forma objectiva e racional, tantas vezes de improviso (porque ainda não havia ciência comprovada), como enfrentámos a pandemia, devemos-lhe a forma coesa como a sociedade soube adoptar os cuidados que se iam sabendo eficazes. Devemo-lo a ela bem como a Graça Freitas ou a Lacerda Sales que a coadjuvaram de forma leal e coerente.

Não há soluções mágicas para a Saúde e é bom que quem suceder a Marta Temido venha com humildade, nunca se esquecendo de louvar o trabalho meritório da sua antecessora que enfrentou uma pandemia terrível, com o SNS sempre disponível.

Agora estamos a pagar o tremendo esforço do período da pandemia, as consequências do corporativismo das classes clínicas, as consequências do fortalecimento dos sectores dos seguros de saúde e da saúde privada e as consequências da mudança de paradigma dos cuidados de saúde necessários -- mas, ingratos como somos, não faltará quem se esqueça disso e se apresse a crucificá-la.

Eu não me esqueço. Vi-a à beira da exaustão, vi-a à beira das lágrimas, via-a a envelhecer, a pele a ir ficando mais manchada e mais macilenta. E sempre corajosa, sempre presente. Do que ela abdicou a nível familiar nem consigo imaginar. Nunca a ouvimos queixar-se. E, por tudo isto e por tudo o que acho que lhe devemos, aqui fica o meu reconhecimento pela sua extraordinária dedicação e competência como Ministra da Saúde. Muito obrigada, Marta Temido.

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* Peço desculpa se o título deste post parece formal ou pomposo pois sei que o que escrevi é incompleto, superficial, coisa de leiga. Simplesmente, não me ocorreu outro. 

Pensei em Na despedida de Marta Temido ou Ficamos de melhor saúde depois da saída de Marta Temido? ou, ainda, Sai Marta, alegram-se as comadres. Mas, não sei porquê, apeteceu-me o comedimento.

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Desejo-vos uma boa quarta-feira

Saúde. Justiça. Generosidade. Paz.

quinta-feira, outubro 29, 2020

Em defesa de Marta Temido e Graça Freitas

 


Já o disse mil vezes: acredito desde há muito que, nisto do coronabicho, uma das grandes fontes de contaminação, para além do contacto directo com alguém que esteja contagiado, sem máscara, a pouca distância e durante um bom bocado, é o ar. Acredito que é isso que, por exemplo, explica o contágio generalizado nos lares quando lá aparece o primeiro caso. 

A mãe de uma colega minha morreu há poucos dias. Estava num lar em que todos os protocolos de higiene sanitária eram seguidos. Cada pessoa em seu quarto, sem conviverem. E, no entanto, também por lá, tem sido uma ceifa assustadora. A minha colega não encontra explicação. A mãe estava sempre de máscara, as pessoas que entravam no quarto, as funcionárias, estavam com fatos de protecção da cabeça aos pés. Os familiares estavam com ela de máscara e com um acrílico de permeio. Portanto, concluo eu, foi contagiada enquanto dormia ou comia.

E essa é uma das razões pelas quais, em minha opinião, à medida que o tempo arrefece e as janelas se fecham, ficando o ar interior mais viciado e contaminado, o número de contágios em todo o mundo (em que se caminha para o tempo frio e/ou chuvoso) vêm aumentando.

Ainda hoje eu me insurgia com a falta de atenção que está a ser dada a isto. Respondiam-me que seria impossível verificar todas as instalações de ar condicionado, substituí-las, garantir a sua qualidade. Bem sei. Por isso, por parecer missão impossível, todos os estudos que o comprovam acabam ignorados. Percebo a dificuldade em levar a cabo e percebo o pânico que poderia gerar-se se isto fosse assumido. Mas, pergunto eu, não seria possível traçar um plano de ataque, ter um plano de formação para abranger muita gente que está desempregada para que haja gente que possa verificar, desinfectar, montar, arranjar instalações deficientes, e, em cima disso, ter um plano de apoios financeiros para quem não consegue suportar esses custos? E não seria preferível isso a deixar que morra gente ao ritmo a que está a morrer (à data que escrevo já vai em 1.163.459 o número de mortes identificadas como resultantes da Covid)? Não seria preferível isso a deixar que a economia se afunde como não há memória? Que a pobreza alastre avassaladoramente? Que a tragédia do desemprego avance desabaladamente?

Não é um problema português, contudo. Por todo o lado adoece e morre gente e, para tentar conter a propagação, avançam os recolheres obrigatórios, os confinamentos -- e a onda de psicoses e pânico que isso provoca, sobretudo em quem fica sem fonte de rendimento. E, por todo o lado (salvo recentes e pontuais excepções), o tema da propagação a partir do ar passa despercebido. Ou seja, não é problema que possa ser atribuído a Marta Temido ou Graça Freitas: é geral.

Também não percebo como, mal se viu a curva a empinar (quando ainda nem se entrou no inverno), não se decretou a obrigatoriedade do teletrabalho para todas as funções que o permitam (e para todos os trabalhadores que o aceitem -- porque há quem considere não ter condições em casa... e até pode ser porque está lá a sogra...). É essencial retirar gente de circulação sem que isso prejudique a actividade normal. Já o disse mil vezes e vou continuar a repeti-lo: é essencial. Não pode ficar ao arbítrio de cada chefe que resolva armar-se em macho man, valentão das dúzias, e ache que não há que ter medo de um viruzeco da treta, há é que vencer a miúfa e ir para o local de trabalho. Não pode ser. Não pode ficar sujeito à interpretação de cada um pois, se o exemplo não vem de cima, fica difícil fazer imperar o bom senso. Tem que vir uma ordem com força de lei: teletrabalho obrigatório e imediato (nas condições que referi). 

Mas isto não é só coisa de cá e, muito menos, é da responsabilidade da Marta Temido ou Graça Freitas.

E ainda vejo muita gente que acha que isto das máscaras é importante mas não sempre, não em qualquer circunstância -- e isto mesmo que se esteja num espaço fechado com alguém que circula sabe-se lá por onde. 

Dou um exemplo. A minha mãe tem muito medo, é cuidadosa, lava as mãos, desinfecta-se, usa máscara. Mas depois faz coisas do além. Para além de ainda ter o hábito de agarrar qualquer coisa que dela se aproxime; por exemplo, se lhe aproximamos um telemóvel para que veja qualquer coisa, a primeira coisa que faz é agarrar nele. Isto com a maior das naturalidades como se não fosse um daqueles objectos que, se usado assiduamente por alguém com covid, é mais do que certinho que terá merdinhas em cima. Mas faz mais. Uma amiga fez hoje anos, noventa e três anos. Ontem tinha-me dito que se calhar ia fazer um bolo e levar-lhe lá a casa. Percebi que se estava a dizer isso é porque já tinha decidido lá ir. Temi logo o que poderia acontecer e avisei-a: 'Mas alerte-a logo que tenha máscara e, se ela quiser convidá-la para comerem juntas uma fatia, diga-lhe que sim mas na varanda, ao ar livre'. Fez aquele suspiro que sei bem que significa que não o fará. Hoje perguntei-lhe como tinha sido. Foi levá-lo, entrou em casa, a amiga não tinha máscara. Fiquei passada. Não quis aborrecer a amiga, diz que ela não liga nada a isto, que vai todos os dias às compras, que vai ao banco, que vai ao restaurante buscar take away, que não se preocupa nada e que, portanto, não ia, estando a visitá-la em casa dela, pedir que ela pusesse máscara. è aquela coisa das regras de delicadeza e boa educação que estão enraizadas mas que, agora, fruto do momento, têm que ser bem avaliadas e, em algumas situações, reequacionadas. Fiquei, pois, ainda mais passada. A outra podia estar infectada, sabe-se lá, nisto não há que recear ofender, há que recear é contagiar o outro ou ser contagiado. Alega em seu favor, a minha mãe, que não esteve lá muito tempo e que estava de máscara. Mas, em espaços fechados, e em situações de proximidade física, a máscara é eficaz se os comparsas estiverem todos de máscara. Ora eu sei que a amiga, uma senhora encantadora, uma amiga de todos os momentos, está surda que se farta. Portanto, estiveram próximas, de certeza absoluta. E se são as duas de risco... Já tiveram ambas problemas oncológicos e, pela idade, são mais do que de risco. E são ambas ex-professoras, pessoas dir-se-ia que bem informadas. E, no entanto, é o que se vê.

E aqui, sim, acho que é responsabilidade de Marta Temido e Graça Freitas: faltam campanhas de informação claras, com situações concretas, passando mensagens explícitas, inequívocas. E na televisão, na rádio, nas redes sociais, no youtube, em todo o lado onde possa chegar a públicos diversificados: o que se deve e não deve fazer.

Mas calma, não é isto que chega para crucificar quem se tem aguentado firmemente à frente desta avalancha de acontecimentos, todos desconhecidos, tentando tomar as melhores notícias no meio da incerteza que é tudo isto, dando o peito às balas, resistindo a raios e coriscos, vendavais e toda a espécie de ameaças. forces majeures, acts of God. E elas sempre ali, tentando dar o seu melhor, ouvindo especialistas, lendo relatórios, coordenando serviços, resolvendo conflitos, fazendo contas, coligindo informação, atendendo a comunicação social, respondendo em todo o lado a toda a hora, certamente mal dormidas (e já lá vão uma data de meses). O que elas têm feito e aguentado poucos mortais o aguarentariam. Só por maldade e vil cegueira se pode dizer o contrário. Admiro-as e agradeço-lhes. E espero bem que António Costa mantenha o apoio que lhes tem prestado -- bem o merecem.

E, vendo a coisa por outro prisma: se o que está a acontecer é culpa de Marta Temido e Graça Freitas, então, por acaso, são elas também as responsáveis pela desgraça que alastra na Bélgica, em França, em Espanha, em Itália, na República Checa, no Reino Unido, na Rússia, no Irão, em... quase tudo o que é sítio?

Então porquê a mesquinhez, a maldade, a estupidez de as culpar e querer punir pelo descalabro que está a ser a segunda onda um pouco por todo o lado em que coincide com a entrada no tempo frio?

Da minha parte -- e se soubesse que o que aqui escrevo lhes chega -- só poderia deixar-lhes os meus agradecimentos e desejar que se mantenham com saúde, força e disposição para continuarem a aguentar-se tão corajosamente como até aqui o têm feito. São mulheres de fibra, inteligentes, fortes e resilientes como pouca gente o conseguiria ser numa situação como esta que atravessamos. Bem hajam.

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Fotografias do Best Bird Photography of 2020 ao som da Gymnopédie No.1 de Erik Satie na interpretação de Khatia Buniatishvili 

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E tenham um dia feliz. Saúde, força, alegria.

quarta-feira, julho 01, 2020

Para agradecer a Marta Temido e a Graça Freitas.
Para dizer ao Medina que vá mas é dar banho ao cão.
Para me fazer eco das palavras de Sofia Loureiro dos Santos.
Para ver e ouvir as mãos de Carla Bley.
[E para falar da minha estranheza face ao estranho mundo que por aí vai]


A newborn baby at Praram 9 hospital in Bangkok, Thailand
Photograph: Lillian Suwanrumpha/AFP/Getty



Já aqui falei muitas vezes: parece que uma disrupção qualquer se deu em mim. Fracturei. Este confinamento, o teletrabalho, o ter vindo viver para o campo, esta deslocação no espaço e parece que também no tempo, tudo isto operou em mim um efeito que nem eu entendo. Não consigo imaginar-me a voltar a trabalhar como trabalhava antes, enfiada no carro, enfiada numa fila de trânsito, enfiada horas a fio numa torre hermética. Contudo, pode acontecer que tenha que me readaptar. Não sei porquê mas há pessoas que não percebem que há coisas que é melhor não contrariar. Se for forçada a violentar a minha vontade, talvez ceda. Mas tão contrariada que melhor fora se não.

Mas tudo é bizarro no que vejo acontecer-me. Do vendaval que as minhas células experimentam e que me levam a querer experimentar toda a espécie de mudanças já aqui falei sobejas vezes. Mas hoje quero falar de um outro efeito que tudo isto está a produzir em mim. É que parece que tudo o que vejo à minha volta, nesse tal mundo exterior, é disparatado, improvável, estúpido, dispensável. Parece que não tenho nada a ver com isso, como se eu vivesse aqui, em paz, e, lá fora, num mundo estrangeiro, só acontecessem macacadas, cenas maradas, coisas que teriam sido impensáveis há pouco tempo.

A woman shopping in Granada. Spain
Photograph: Jorge Guerrero/AFP/Getty
Por exemplo, quase ao acaso, de entre notícias do dia:

Enquanto uns já se preocupam com a segunda vaga, como a China e a Europa Ocidental, outros tentam regressar à normalidade num cenário de incerteza, como Espanha e Portugal, que deram um passo atrás em algumas regiões. Cidade inglesa de Leicester voltou a fechar após novo surto

A administração de Donald Trump adquiriu mais de 500 mil doses do medicamento contra a covid-19, o que significa toda a produção mundial de julho e quase a totalidade referente a agosto e setembro.

Nova variação do vírus da gripe com potencial para se tornar uma pandemia foi identificado na China por cientistas. É transportada por porcos, mas pode infetar seres humanos.

O bastonário da Ordem dos Médicos afirmou hoje que o hospital Amadora-Sintra "já ultrapassou o limite da sua capacidade" e que teve de transferir 50 doentes com a covid-19 para outras unidades de saúde.
A band do their sound check before live streaming a concert in Washington, US
Photograph: Eva Hambach/AFP/Getty

E li também sobre a atitude de Fernando Medina. Não gostei. Tinha-o em melhor conta. Com esta sua oportunista e desleal atitude recuo e tiro-lhe o tapete. Bem sei que ele passa bem sem o meu tapete sob os seus pés. Mas o pior é quando um e outro e outro e outro fazem o mesmo. Pode acontecer que, quando der por ela, esteja de gatas, apeado. Roma não paga a traidores. E eu nem a traidores nem a populistas.

Marta Temido ou Graça Freitas podem, uma ou outra vez, não ter sabido exactamente como agir. Mas penso que só gente burra ou estúpida acredita que poderiam ter feito melhor. Só se fossem bruxas e adivinhassem o que a comunidade científica de todo o mundo ainda não descobriu. O que tenho visto nelas é ponderação, bom senso, sangue frio, dedicação, inteligência, força anímica, resiliência, amor ao país. Deveríamos agradecer-lhes por tudo o que têm feito num contexto desconhecido, incerto, traiçoeiro. De cada vez que vejo alguém, na bancada, a dizer uma coisa ou o seu contrário, conforme sopra o vento e acusando estas duas bravas mulheres de não terem feito ou acontecido só penso que é uma pena que seja dado palco a gente burra e oportunista. Penso que António Costa, Marta Temido e Graça de Freitas têm estado bem a gerir todo este processo e espero é que muitas vozes se levantem para lhes agradecer.

A couple have lunch at a restaurant in Paris, France
Photograph: Alain Jocard/AFP/Getty

Li um post de Sofia Loureiro dos Santos que acho que deve merecer destaque. É a voz de uma médica e é a voz de uma pessoa lúcida e, do que lhe tenho lido, intelectualmente honesta.

Transcrevo na íntegra e aconselho a que o partilhem (e, se puderem, o esfreguem na cara do Medina!):


Há coisas que, por muito que racionalmente saiba que são assim, sempre me surpreendem.

Fernando Medina, após as notícias de que António Costa se teria irritado com os técnicos e com a ministra da Saúde, não sei se por iniciativa própria ou se por estratégia concertada, resolveu abrir fogo.

Instalada a ideia de que a pandemia está a correr mal em Lisboa, é preciso arranjar responsáveis por este facto (alternativo). Já ninguém se lembra, e também não interessa a ninguém lembrar, que há escassas semanas as mesmas autoridades, as mesmas chefias e os mesmos exércitos eram os melhores do mundo.

Em primeiro lugar, após a decisão de reduzir as medidas de confinamento e há já várias semanas, temos uma evolução de novos casos à volta de 1% , uma letalidade a reduzir-se paulatinamente (à volta de 4%), o número de internamentos e de camas de UCI ocupadas também controladas. Até hoje, e felizmente, temos conseguido controlar a pandemia apesar da pobreza, das desigualdades gritantes, nomeadamente na região da Grande Lisboa, da imensidade de imigrantes em situações precárias, dos bairros sociais, dos lares clandestinos, dos transportes apinhados, do escasso número e do envelhecimento dos profissionais de saúde, da obsolescência dos sistemas informáticos, da inadequação dos equipamentos, do cansaço, da necessidade de retomar a economia e a sanidade mental.

Estes problemas já existiam antes da pandemia e não desapareceram nestes últimos meses, altura em que éramos o exemplo mundial no combate à COVID-19. Por isso as palavras de Fernando Medina são ainda mais obscenas. Já agora, o que fez ele, como responsável autárquico, para tentar resolver o problema do distanciamento físico nos transportes públicos? Será que não podia, por exemplo, implementar o desfasamento de horários para mitigar as horas de ponta? Aumentar o número de autocarros alternativos? Ou mesmo usar uma varinha mágica e acabar em 2 meses o que não conseguiu em 5 anos?

É uma pena que o SARS-Cov-2 não se comporte como António Costa gostaria. Nós todos preferiríamos que ele tivesse desaparecido, que o conhecimento sobre máscaras, desinfecções, confinamentos e desconfinamentos, terapêuticas, etc, fosse maior e mais certo.

A evidência científica perde terreno nestes tempos de chumbo. Não é só Trump nem Bolsonaro. O pensamento mágico substitui a racionalidade. E a forma como os responsáveis políticos manipulam os factos e a opinião pública para os seus proveitos é tão asquerosa quanto velha.

A man cycling in Wuhan, China
Photograph: Héctor Retamal/AFP/Getty
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Rüdiger Krause, Carla Bley e Steve Swallow interpretam Lawns

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Boa sorte, alegria e saúde a todos quantos  por aqui me acompanham

terça-feira, março 17, 2020

De um lado, Fátima Campos Ferreira e os ventiladores, Jorge Buescu e as previsões e Marcelo e a self-quarentena.
Do outro, Pedro Simas e a inteligência (e o garbo), Patrícia Gaspar e a lucidez, Marta Temido e Graça Freitas e a sabedoria e firmeza, António Costa e a liderança e Rodrigo Guedes de Carvalho e o jornalismo como serviço público.
Tudo isto em tempos de COVID-19, essa besta invisível de mil patas.





Nem consigo descrever o meu dia de teletrabalho. Não sei em que mundo é que eu vivia quando imaginei que estando em teletrabalho in heaven, ia conseguir ter tempo para limpar a casa, para dar umas voltas pelo arvoredo, quiçá estar ao computador enquanto, estendida na espreguiçadeira, apanhava uns retemperadores banhos de sol. Não sei mesmo. 

Trabalhei de manhã à noite, quase sem tempo para pôr o almoço ao lume, quase sem tempo para confraternizar com o meu roommate. E limpar a casa, claro, nem pó. Estes dias têm estado a ser muito difíceis. As empresas não estavam preparadas para isto e de uma semana para a outra pô-las a funcionar com cada um em sua casa e, na frente de batalha, as baixas a começarem a acontecer, dia após dia, e a gente a querer que as tropas se mantenham no terreno, não é fácil. E, pelo meio, articular tudo, assegurar a comunicação entre todos. E a toda a hora a receber mails de outras empresas a informar que vão deixar de prestar os serviços, e as coisas que estavam encomendadas a nunca mais chegarem e a gente a pensar que, um dia que as coisas cheguem, pode não estar ninguém nos locais para as receber. 

E todo o dia, de manhã cedo à noite, mails, telefonemas, videoconferências.


E os meus filhos em casa com os miúdos e a preocupação que tenho por eles e eu aqui longe deles, que pena, que saudades. E os meus pais, que tripla preocupação. E a minha mãe que não era capaz de me encaminhar uma receita e toda ela, enervada, a suspirar, com vontade de não tentar mais com medo de a apagar. E eu aqui com medo de lá ir não vá contagiá-los, eu que até sexta-feira andei em elevadores, em salas de reunião sem janelas e com alcatifas, em restaurantes, em toda a espécie de locais públicos frequentados por gente das mais variadas proveniências. 

Mal vi televisão mas vi a excelente entrevista de António Costa: firme, transparente, lúcido, directo, consciente. Portugal deve confiar na sua mão forte na condução desta tragédia.

E o Rodrigo Guedes de Carvalho: perfeito.

E vi os Prós e Contras. Uns nervos. Aquela Fátima Campos Ferreira esteve do princípio ao fim obcecada com os ventiladores. Qualquer coisa que qualquer dos convidados dissesse ela rematava com uma pergunta ou uma observação sobre os ventiladores. Que isso é um nó górdio é. Mas antes de nos preocuparmos que não há ventiladores para todos os que precisam, temos é que nos preocupar em que não haja muita gente a precisar. Para programas destes, sobre matérias complexas, tem que haver moderadores que percebam o que os outros dizem.


Outro que parece que levou uma paulada na tola é o tal de Buescu. Não sei para que números é que ele está a olhar que o levam a extrapolar que a meio de Abril já iremos com 12 milhões de infectados em Portugal. Juro: não percebo. A ser assim, em Itália, a esta hora, uma vez que já levam um bom avanço temporal em relação a nós, já iriam com setenta e tal milhões de infectados -- e vão com vinte e oito mil. É muito infectado, claro, mas, caraças, nada que se compare com as maluqueira do Buescu. Portanto, please, percebam que em todas as profissões há profissionais que etc. e tal e este é um desses. Não é por se ser matemático que se pode levar a sério. Isto do covid é uma desgraça que se abateu sobre o mundo mas, no que se refere a nós, não é nada da catástrofe que aquele senhor para aí anda a espalhar. Começou por desvalorixar para agora andar a empolar. Não é para levar a sério.


Bem, bem esteve Pedro Simas. Por tudo o que disse e por outra coisa: é um giraço. Não sei se ainda se diz mas eu digo: um pão. Um borracho. Façam o favor de o levar à televisão mais vezes e de avisar antes para eu não o perder. Um consolo. Gente inteligente e bem apessoada daquela boa maneira são um suplemento de alma para a gente resistir ao covid.

Outra que esteve muito bem foi a Patrícia Gaspar. Serena, forte, confiante, sabedora. A forma como acabou o programa deu-me vontade de a abraçar, de lhe oferecer flores, de lhe agradecer. Grande mulher.


Saindo do Prós e Contras, outro que também já mostrou que não se pode levar a sério é o Marcelo. Depois de andar a desobedecer a todas as recomendações da DGS e, publicamente, a incentivar ao desacato, parece que caíu na real. Mas não apenas caíu na real como parece ter ficado acagaçado perante a perspectiva de poder ter infectado meio Portugal, parece ter caído num estado de estupor catatónico. Isolou-se. Mas isolou-se mais do que a conta pois parece que desertou. Não estava doente, não tinha indicações para deixar de exercer a sua função. Apareceu a falar aos portugueses como se não atinasse com o computador, quase às cabeçadas ao monitor. Um som e uma imagem inexplicáveis. Parecia que estava a falar do meio da selva, sem condições. Caraças. Alguma coisa impede que alguém contacte com ele e lhe coloque uma câmara e um microfone à frente? Passou dos banhos de multidão com beijinhos e selfies para o isolamento monástico, esquecendo-se que é Presidente da República, esquecendo-se do momento assustador que atravessamos. Parece que sem a muleta dos beijinhos e o andarilho das selfies ficou com medo de andar.


A quem eu tiro o chapéu é a Marta Temido e a Graça Freitas. Mulheres trabalhadoras, inteligentes, bem preparadas, dedicadas, fortes. Temos que lhes agradecer por todo o esforço, por toda a entrega, por toda a lucidez, por toda a angústia e stress a que certamente estão sujeitas ao longo de tantos dias consecutivos. Não sei como aguentam, devem andar arrasadas, mal dormidas, sujeitas a todo o tipo de pressões. Confio nelas e agradeço-lhes. Nelas e na Patrícia Gaspar. E no António Costa.

Vamos sair desta. Vamos mesmo. Temos é que nos aguentar. Com muita disciplina, com isolamento, com sensatez, sem pânico. Mantendo-nos em funções se o pudermos (mesmo que remotamente), garantindo que o mundo volte ao normal logo que possível. E pode ser que surja rapidamente o tratamento e que nos reinventemos em melhor. Acredito nisto. Acredito mesmo. Ainda que agora esteja muito preocupada pois não consigo avaliar a dimensão do que nos espera.


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Não tento explicar o que me ocorre pelo que não sei porque é que me apeteceu ter aqui pinturas de Lucien Freud ao som do Cálice pela Maria Bethania.

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Desejo-vos uma boa terça-feira e, vá lá, descubram lá uma receita de coisa para sairmos desta: 
seja vacina, seja tratamento, seja bolo, seja mezinha, seja reza, seja o que for. 
Ou uma mistura disso tudo.

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