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sexta-feira, novembro 02, 2012

Lídia, a mulher que era triste e que agora se descobre uma mulher bem diferente, tem a sua primeira noite de amor (e faz de Paulo um homem muito feliz) - The End





O coração de Lídia quase saltava do peito. Mesmo que lhe ocorresse tentar controlar-se não o conseguiria. Enervada, enervada. Mas, apesar disso, uma determinação inesperada batia mais forte. Não recuar, não recuar, pensava surdamente. O que fazer, como fazer, seriam perguntas a que, se as formulasse, não saberia responder. Reparou que Paulo também não estava tranquilo como habitualmente. Não conseguia abrir a porta do quarto, virava o cartão em todas as direcções e a porta não abria. Depois respirou fundo, endireitou-se, e tentou de novo. A porta abriu-se mas ele não se riu como se teria rido noutras circunstâncias.

Lídia pensou vagamente que não devia fazer sexo inseguro mas não conseguiu pensar muito mais do que isto. Não saberia como o evitar, não estava prevenida para nada. Sentia-se a tremer e já nem se lembrava da dor nos pés. Paulo disse, Se quiser, pode descalçar-se. E dê-me o casaco que eu penduro aqui no roupeiro. Lídia tremia, não disse nada, não se descalçou e quase não conseguia despir o casaco. 

Paulo disse, Quer aqui vir ver a vista do quarto? 




Lídia foi mas sem acção, É bonita, disse sem qualquer convicção e só pensava E agora? E agora o que faço? Que medo, que nervos.

Paulo perguntou-lhe, Quer que ligue a televisão?, mas sabia lá ela se queria, se não. Encolheu os ombros. Paulo ligou a televisão.

Depois durante um instante os seu olhares cruzaram-se mas logo o desviaram. Lídia pensou, Se não fosse a vergonha de fazer figura de parva, ia-me já embora. 

O quarto era pequeno e estavam os dois de pé, notoriamente atrapalhados, desconfortáveis.

Paulo disse, O quarto é pequeno, se houvesse uns sofás, eu dizia para a gente se sentar, assim só posso oferecer a cama. Mas Lídia continuou de pé. Depois pensou, Mas que situação mais ridícula, aqui de pé, especada no meio do quarto. Paulo tinha-se sentado na cama, de lado. Permaneciam em silêncio. Depois, sentindo que não seria possível prolongar por muito tempo a situação, Lídia também se sentou mas do lado contrário. E ali ficou, de lado, a olhar para o chão. Até que, olhando num relance para Paulo, lhe deu vontade de rir. Que situação, que figura. Talvez fosse dos nervos, um escape, qualquer coisa; o certo é que nem se reconhecia na incontrolável vontade de rir. Ria, ria. Paulo também se desatou a rir e, às tantas, já riam os dois à gargalhada, Lídia chorando de riso como nunca antes lhe tinha acontecido. E, então, Paulo aproximou-se e abraçou-a e, como se nem mais nem menos, beijaram-se.

Depois Paulo baixou-se e disse, Vou tirar-lhe os sapatos, vou pôr água a correr na casa de banho, senta-se na beira da banheira e põe os pés de molho que eu a seguir dou-lhe uma massagem nos pés. Pode ser? Lídia pensou, Se me sento com os pés dentro de água, na banheira, vou ficar com as calças encharcadas e então disse, Já agora tire-me também as calças.

Paulo quase caíu para trás. Sério...!?, perguntou, duvidando do que tinha ouvido. Lídia disse, As calças são justas em baixo, não dá para as pôr para cima, se me ponho de calças na banheira, molho-os todas. Paulo riu, É o sentido prático das mulheres… Mas eu tiro-lhe as calças com todo o gosto. Baixou-se e tirou-lhe os sapatos. Lídia pensou que ia ficar ridícula sem calças e de meias pelo joelho e, por isso, disse, Tire-me também já as meias. Paulo obedeceu.

Lídia, então, levantou-se e deixou que Paulo lhe tirasse as calças. E pensou, Felizmente comprei lingerie de jeito antes de vir. Quando a viu, Paulo quase ficou fulminado. As pernas de Lídia eram bonitas e as cuecas eram inesperadas, muito cavadas, de seda muito fina, cor de pele, debruadas a renda um pouco mais escura. Paulo quase instintivamente ia tocar mas Lídia não o deixou, Não senhor, não permito tais ousadias a um massagista e, alguém de fora que a visse, não a reconheceria, decidida e maliciosa. Foram então para a casa de banho.

Lídia disse então, Não sei, parece que me estou a sentir desenquadrada, assim despida. Vou fazer uma coisa. Descalce-se também. Paulo obedeceu. As meias também. Paulo obedeceu. Depois Lídia desabotoou-lhe o botão das calças. Paulo estava quase em ponto de rebuçado. Lídia lentamente pôs-lhe as calças para baixo. Paulo nem se mexia. Na verdade, quase nem respirava. Lídia disse, Tem que ajudar, levante um pé, agora o outro. E Paulo ficou assim, também sem calças, o desejo exposto. Lídia, se parasse para pensar, não se reconheceria. Mas pensar era coisa de que ela não iria ser capaz naquele momento.

Sentaram-se, então, os dois na borda da banheira, os pés lá dentro, sentindo a água quente que corria. Que bom, que bom...  E ficaram assim, por um momento, em silêncio.

Mas depois Lídia disse, Há uma coisa, Paulo.

Paulo sorriu, Sim... diga, estou preparado para tudo.

Mas Lídia atalhou, Não, não é mais nenhuma revelação. Não é isso. É que, se vai acontecer alguma coisa, acho que deveríamos ter cuidados...

Paulo abraçou-a, brincando, Oh minha senhora, esteja descansada, está tudo previsto...

Lídia ficou surpreendida, aborrecida, Mas então já veio para cá a pensar nisto...? Já estava a contar com isto?! É muito convencimento da sua parte. Ou isso não tem a ver comigo? Anda sempre prevenido para o que der e vier?

Paulo foi muito directo, Não Lídia, não ando sempre prevenido, não ando por aí à caça. Mas é verdade que admiti que, aqui, poderia acontecer qualquer coisa. Somos adultos, livres, gostamos um do outro.  Não tem mal, é normal, é saudável. O sexo é uma coisa boa, faz parte da vida, não é pecado, não deve ser encarado com culpa. Eu quero, Lídia. A si não lhe apetece?

Depois abraçou-a. Lídia suspirou. Depois disse, Vou fazer uma coisa que há muito tempo ando com vontade de fazer. Desabotoou-lhe, então, a camisa e com as duas mãos sentiu a pele de Paulo, o peito peludo, o tronco, mexeu, sentiu, acariciou. Paulo estava imóvel, deixava que ela fizesse o que queria, quase em transe com as inesperadas carícias. Lídia nunca tinha experimentado uma sensação tão boa. A pele quente de Paulo, o corpo tão desejado de Paulo. Depois, olhando-o nos olhos, disse-lhe, E eu? Não tenho direito a nada…? Paulo nem percebeu. Lídia esclareceu, Quero eu dizer: não tenho direito ao mesmo tratamento? Paulo apressou-se, Claro! e, desajeitadamente, tirou-lhe a blusa. E ficou quase de boca aberta, de olhos fixos, sem pestanejar. Lídia tinha um soutien igual às cuecas, um soutien gorge, muito decotado, muito sensual. Parecia estar quase sem lingerie, não fora a renda ligeiramente mais escura que debruava as pequenas peças. Tão bonita, Lídia, tão bonita…

Lídia sentiu-se desejada e isso ainda ateou mais o desejo nela. Numa fracção de segundo passou-lhe pela cabeça o que a sua amiga Mary costumava dizer na brincadeira, que umas gotinhas de Chanel nº 5 vinham sempre a calhar. Devia ter pensado nisso. Mas, agora, paciência, logo compraria no aeroporto.

Quando saíram da casa de banho a caminho do quarto, Lídia disse, Já anoiteceu. E foi até à janela. Andando pelo quarto apenas em lingerie, sentia-se livre, sensual, sentia-se desejada. Olhou a rua. 




Numa curva da rua, um andar iluminado de azul, uma festa, gente animada.  Chovia. E o som suave da chuva, as luzes que iluminavam a noite, tudo, tudo convidava ao aconchego, à proximidade, ao abraço quente e bom, ao calor dos corpos que se querem. 

Lídia deixou-se ficar assim, quase nua, à janela. Paulo estava quase sem reacção, tão bela e desejável a via, recortada contra a janela, impúdica, imprevisível, outra.

Depois virou-se, feminina, sedutora, e perguntou-lhe, Posso despir-me ou ainda me quer ver mais um pouco? e o sorriso era de pura malícia. 

Paulo sorriu vagamente, rendido, seduzido. Não, não dispa ainda, deixe-me ver melhor. Vire-se. E Lídia virou-se, sensual, provocante. Depois, passado um pouco, disse, Agora já chega, e, então, lentamente, começou a despir uma alça, outra alça, devagar, e depois, uma perna, e depois, muito, muito lentamente, outra perna e os movimentos eram quase felinos, provocantes. E ficou nua, disponível, olhando um Paulo extasiado, e o olhar dos dois era de desejo, puro desejo. A seguir disse, e a voz era quase um sussurro, rouco e quente, Então prepare-se para eu ver como é, que de futuro faço eu. Paulo, quase tímido, obedeceu. Lídia disse, Agora deite-se, Paulo. E Paulo deitou-se.




E, então, Lídia sentou-se em cima dele e, com cuidado, com deleite, inaugurou o prazer de ser mulher.

Depois abraçaram-se, beijaram-se, felizes, saciados, e o carinho era tanto, mas tanto, que os olhos de Lídia estavam molhados mas as lágrimas eram lágrimas de felicidade e Paulo disse-lhe, Que amor tão grande que eu sinto, Lídia, há tanto tempo que eu não me sentia assim, Lídia, gosto tanto de si, tanto, tanto. 




E Lídia, abraçou-o ainda mais, enlaçada nele, com vontade de partilhar a mesma pele, com vontade de lhe beijar o coração, E eu nunca antes tinha sido tão feliz, Paulo, meu amor mais querido. 


FIM


*
Chega assim ao fim a minha história de Lídia, a mulher que era tão triste e que, aos poucos, foi aprendendo a viver.

Começa agora a história de Lídia e Paulo. Se eles fossem de verdade, desejar-lhes ia toda a sorte do mundo. Assim, desejo apenas que permaneçam algum tempo na memória de quem, aqui, os conheceu.

Gostava muito que esta  história servisse para iluminar um pouco a vida de alguém. Ou, pelo menos, o dia de alguém. Ou, pelo menos, este momento do dia de alguém.

*

A música é de Chopin, Nocturnos 20 e 2, e é interpretada por Adam Harasiewicz.

Relembro que, caso queiram ler a história desde o início, deverão procurar nas etiquetas aí ao lado direito, lá mais para baixo, 'Lídia, uma mulher muito triste'

*

E a vocês, meus Caros Leitores, desejo que também festejem a vida e o amor e que procurem conquistar momentos que fiquem, para sempre, gravados no vosso coração.

Tenham uma bela sexta feira!

terça-feira, outubro 30, 2012

Lídia, a mulher que era triste e que agora está francamente enamorada, passeia pelas ruas e pelos canais de Amesterdão enquanto pensa que não pode continuar a esconder de Paulo o segredo que tanto a atormenta



*

Mal chegou, Lídia, de coração apertado e ainda com um certo sentimento de culpa, telefonou a Nita. Mas esta tranquilizou-a, Por aqui está tudo bem, tudo na forma do costume, os gatos continuam a entrar pelos buracos, as janelas estão todas escancaradas a deixar entrar a chuva, os homens têm vindo fazer visitas e, de caminho, roubam tudo, já sabe como é, a taralhouquice do costume. Mas tem comido bem, está calma. Por isso, não se preocupe, D. Lídia, aproveite bem, goze a estadia, namore muito. Nós cá tratamos da sua menina, não se preocupe com isso, descanse a cabeça, tire daqui o sentido e esteja descansada, se houver alguma coisa eu ligo, mas não vai haver, vá mas é curtir, dizem que isso aí é uma maravilha, descontraia, não ande preocupada. Lídia sorriu. Era este desprendimento e boa disposição de Nita que tanto a ajudavam.

Sara estava à espera que Lídia acabasse o telefonema para passar à parte prática: instalá-la, Vai dormir aqui, ali é a casa de banho, ali é a cozinha, não se assuste com a desarrumação, isto aqui é a bagunça total, mas é uma bagunça organizada...

Sem nunca antes ter vivido tempos de liberdade e despreocupação, Lídia via-se agora num pequeno apartamento habitado por jovens buliçosas, irreverentes, cheias de vida. Sara cedeu-lhe a cama e passaria a dormir no sofá. Rapidamente tomaram Lídia de assalto, fazendo-lhe perguntas, O que faz?, Onde vive? Vive sozinha? Já cá tinha estado? Quantos anos tem?, e sempre rindo, rodeando-a de alegria e futuro. Para Lídia tudo isto era uma novidade.

Depois de Lídia instalada, Sara pegou nela e de braço dado, como se fossem velhas amigas, foram rua fora, conversando, para se irem encontrar com Paulo. Quando as viu chegarem assim, Paulo desatou a rir-se. 




Na Dam Quare, a praça principal da cidade, passaram pela feira de diversões, parecia uma feira popular, e, no meio daquela música e daquelas luzes feéricas, Lídia teve vontade, mas não o confessou, de ir andar nas cadeiras que balouçavam a muitos metros de altura. 




Talvez quisesse, sem o saber, voltar ao tempo em que era menina para, agora, viver a meninice. ou talvez quisesse voar.

Depois Sara levou-os à Biblioteca nova, onde se maravilharam com aquela arquitectura moderna, com a cultura à disposição de todos os cidadãos, sete dias por semana, doze horas por dia. E depois ao Nemo, o centro de ciência, e toda aquela arquitectura moderna.




Depois, já cá fora, junto à Centraal Station, Sara deu-lhes um mapa, assinalou o local de encontro para jantarem, marcou o ponto em que estavam e riscou a vermelho o percurso que sugeria. E, com ar malicioso, despediu-se, Se precisarem de alguma coisa, liguem-me. Agora deixo-os sozinhos… Portem-se bem…  e afastou-se a dizer-lhes adeus, brincalhona.

Ficaram, então, os dois. Paulo pegou no braço de Lídia e enfiou-o na curva do seu para que ficassem de braço dado. Um casal passeando numa grande cidade. Lídia respirava fundo, como se quisesse absorver aquele ar tão livre, tão novo, como se quisesse reter aqueles doces instantes para sempre no seu coração.

E lá foram. Nunca imaginara uma coisa assim. Tanta gente. Tanta gente alegre. 




Tanta gente de bicicleta, tanto movimento, tanta liberdade, parecia que tinha chegado a outro mundo. 




Paulo ria-se, chamava-lhe a atenção para os prédios, para as pessoas, para as montras, Olhe, repare ali, no tecto, vacas pregadas ao tecto, e riam-se. 




Lídia e Paulo pareciam, pois, duas crianças caídas num outro planeta, um planeta habitado pela diversão e pela alegria.



Depois havia os canais e era como se toda a cidade fosse atravessada por pequenos rios dourados. O outono dourava as árvores e as folhas douradas caíam sobre a água dos canais. 




Lídia sentia um aperto no peito, tanta era a felicidade, tão desconhecida era esta felicidade. Queria falar mas não conseguia, não estava habituada a exprimir a felicidade, quase nem conhecia as adequadas palavras para falar desta suavidade, desta paz que a invadia.

Paulo olhava para ela e sorria, contente de a ver assim, olhos abertos de espanto, rosto rejuvenescido. 

Depois passaram por um mercado de flores, uma rua cheia de tendas brancas vendendo flores. 




Quando as viu, Lídia que tanto gosta de flores, parou, ficou em silêncio e depois Ah…, tantas flores, olhe este colorido, nunca imaginei nada assim, tantas, tantas flores, que bonito, ah se eu pudesse levar os braços cheios de flores.

Paulo olhava as flores e olhava-a a ela, luminosa, colorida, feliz, percorrendo as tendas, curvando-se para ver melhor, passando as mãos ao de leve, cheirando, encantada. Depois comprou para lhe oferecer uma pequena cesta de flores, todo contente pelo cavalheirismo do gesto. E lá foram, rua abaixo, um casal enamorado, cheio de esperança numa vida que se desdobrava em felicidade.

A seguir passaram por um mercado de arte no meio de um jardim. O chão atapetava-se folhas douradas, todo o ambiente era dourado e as peças, Que beleza, que beleza Paulo… bailarinas, barcos, árvores, pinturas. 



Depois Lídia parou, encantada, numa tenda de sedas pintadas, lindas. Écharpes, gravatas, lenços, peças originais, divertidas, macias. Tocou-lhes, Que suavidade, que toque, suspirou. Viu o preço, impossível. Não vivesse ela com os tostões contados, permitir-se-ia uma loucura, mas assim… Paulo não resistiu. Também eu. Eu e quase todos os portugueses, todos vivemos agora com os tostões contados mas olhe, um dia não são dias. Escolha que eu faço questão de lhe oferecer, Lídia.

Lídia corou, Nem pensar, que ideia, é caríssimo, nem pensar, nem era isso que eu queria dizer, era só um sonho, a sério, não quero, oh Paulo, que ideia, não quero mesmo... Mas Paulo insistiu, Faço questão. E Lídia escolheu, tímida, agradecida, um lenço num estampado em tons de azul alfazema e azul violeta. 

Depois, quando se iam afastar, voltou atrás e disse, Vou comprar aquela écharpe do gato, ou do tigre, não sei que bicho é, mas é lindo, vou levar para a minha amiga Mary que está a passar por um momento menos bom, acho que ela vai ficar feliz por ver que me lembrei dela.

Paulo admirou-se, Tem a certeza, Lídia? Mas Lídia atalhou, Tenho; é o que diz, Paulo, um dia não são dias e a minha amiga Mary bem merece, é um gesto, é um mimo, e ela bem precisa de um miminho assim. 

E, quando se afastaram, Lídia e Paulo iam felizes na sua generosidade, no carinho que sentiam um pelo outro e pelos amigos.

Abraçados, um casal enamorado, continuaram o passeio, admirando a beleza dos canais.




Contudo, dentro de si, Lídia transportava um segredo. Desde há algum tempo que esse segredo a atormentava, sentia que teria que falar sobre isso com Paulo mas nunca conseguia, e ia adiando. Ali, passeando em Amesterdão, sentia que o momento de o revelar se estava a aproximar. Estava feliz, claro que estava, mas, lá no fundo, uma sombra de medo e vergonha escurecia os seus pensamentos.

A cada momento ocorria-lhe que tinha que ganhar coragem mas a verdade é que os momentos iam passando e a coragem não aparecia.

O frio começava agora a acentuar-se, o fim de tarde convidava ao aconchego. 




Paulo debruçou-se numa das muitas pontes que atravessam os canais. 




Olhe, um cisne. Lídia espreitou, sorrindo, Tão bonitos. Olhe, olhe, vêm lá outros, são três. Paulo passou-lhe a mão pelos ombros, E olhe os barcos, Lídia, disseram-me que há barcos que são casas




Lídia olhava e eram tantos os motivos de admiração e encantamento, Tão bonito tudo, Paulo, tão bonito, nunca pensei.




E passeavam ainda, enlevados, em silêncio, sorrindo ao de leve, quando Paulo, ao passarem por um banco junto a um dos canais, lhe disse, 

                                 Vem sentar-te comigo Lídia, à beira do rio.
                                 Sossegadamente fitemos o seu curso e aprendamos
                                 que a vida passa, e não estamos de mãos enlaçadas.
                                 (Enlacemos as mãos.)

Sentaram-se e, então, segurou-lhe as mãos. Lídia sorriu. Conhecia muito bem este poema. Nunca imaginara era que Paulo o conhecesse. E então, com a voz trémula de emoção, as lágrimas a aflorarem, continuou ela:

                                  Depois pensemos, crianças adultas, que a vida
                                  Passa e não fica, nada deixa e nunca regressa,

Paulo, em voz baixa, grave e quente, acrescentou – e Lídia sentiu as palavras dele como uma suave carícia sobre a sua pele, que se arrepiou:

                                  Amemo-nos tranquilamente, pensando que podíamos,
                                  Se quiséssemos, trocar beijos e abraços e carícias,

Tocou-lhe, então, devagar, no queixo, virando o rosto de Lídia na sua direcção e, de olhos fechados, beijou-a. Lídia deixou-se beijar. Depois, quando o beijo estava a terminar, com uma inesperada energia, encostou-se mais a Paulo e era como se toda ela se entregasse e beijou-o com paixão, muita paixão. Paulo abraçou-a muito, muito, o desejo muito forte.




Nem por um instante Lídia se lembrou que estava na rua, no meio de uma pequena multidão. Depois pensou que era forçoso, cada vez mais forçoso, confessar o seu segredo, impossível continuar a ocultar aquele facto que a feria de vergonha. Fechou os olhos para ganhar coragem.

Mas Paulo levantou-se, puxou-a pela mão, Vamos, daqui a nada a Sara está à nossa espera, venha.

Lídia suspirou, contar-lhe-ia mais tarde, talvez nessa noite. Quando estava de pé, Paulo disse-lhe ao ouvido,

                                Ser-me-ás suave à memória lembrando-te assim - à beira-rio,
                                pagã triste e com flores no regaço

Lídia sorriu e fez-lhe uma festa no rosto. Depois deu-lhe um beijo na face e rectificou, Já não sou triste, Paulo, agora sou apenas uma pagã. Ele sorriu. E ela ouviu-se a dizer e tinha a certeza que os olhos se toldavam de malícia. 



Uma pagã cheia de vontade de pecar, Paulo…


**

A música é Ancora da autoria e interpretado pelo pianista compositor Ludovico Enaudi. 

A poesia dita por Paulo e por Lídia é parte do poema Vem sentar-te comigo, Lídia de Ricardo Reis. 

As fotografias foram feitas por mim, tal como as anteriores, durante a visita que fiz a semana passada a Amesterdão.

Recordo que, caso queiram ler esta história desde o primeiro dia, poderão procurar nas etiquetas aí do lado direito, lá mais para baixo 'Lídia, a mulher triste'.

*

Caso ainda tenham disposição para continuar na minha companhia, gostava muito de vos ter no Ginjal e Lisboa, a love affair. Hoje as minhas palavras choram e o tom é de desalento em volta do poema Allegretto de Vasco Graça Moura. A música é de Monteverdi.

*

E, por hoje, já chega, não é?
Tenham, meus Caros Leitores, uma bela terça feira.

segunda-feira, outubro 29, 2012

Lídia, a mulher que era triste, recebe um inesperado convite




*

Lídia já tinha regressado ao trabalho e agora a vida parecia-lhe um pouco mais leve. A D. Fátima dissera-lhe que tinha arranjado uma cliente que lhe dava mais jeito, eram mais horas de seguida e Lídia deixou-a ir com algum alívio (financeiro, sobretudo). As senhoras do voluntariado revezavam-se, uma ia à hora de almoço, outra ao fim da tarde, esperando até Lídia chegar a casa. Assim, Lídia não tinha que andar sempre com o credo na boca, temendo atrasar-se. Nita, por seu lado, era uma ajuda muito preciosa a todos os níveis, um suporte. E, depois, claro, havia o Paulo.

A amizade entre ambos estreitava-se de dia para dia, quase todos os dias arranjavam maneira de se ver e, se não era possível, telefonavam-se.  Aos poucos, em grande parte por influência e insistência de Nita, Lídia foi ganhando coragem para ser ela mesma, foi ganhando coragem para superar o medo da opinião alheia, conseguindo, a custo, ir fazendo aquilo que lhe dava gosto.

Perto dos cinquenta anos, Lídia sentia, finalmente, sem medo, o carinho de uma relação que começava a esboçar-se.

Sendo Paulo um homem vivido, seria normal que a relação avançasse sem delongas ou mil cuidados. Mas Paulo era também um homem bom e compreensivo e cedo percebeu que Lídia era uma mulher que toda a vida vivera inibida, constrangida, e que, apenas agora, estava a viver a adolescência venturosa que as mulheres costumam viver antes dos vinte anos. Por isso, com uma ternura quase cerimoniosa, cada passo era dado com muito vagar. E, talvez por isso, Lídia foi aceitando que a relação fizesse o seu caminho e já não conseguia passar sem a voz reconfortante e viril de Paulo, sem o seu olhar compreensivo e doce, e Paulo também não conseguia passar sem a atenção e o cuidado de Lídia, sem a sua visão sensível e curiosa, sem o seu enorme sentido de humanismo.

Até que, um dia, Paulo lhe ligou e a voz era ansiosa, tinha uma coisa para propor, tinha tido uma ideia, estava entusiasmado.




Foi buscá-la ao trabalho e, mal ela entrou no carro, disparou, Como sabe, a minha filha está a fazer o Erasmus em Amsterdão e eu pensei em ir lá vê-la. Tenho dias de férias para gozar, íamos num sábado logo de manhãzinha, vínhamos na terça à noite, eram só dois dias. A minha filha diz que aquilo é outro mundo, que não há preconceitos, que ninguém censura ninguém, e que é um sítio muito bonito. Lídia assustou-se, ir assim sozinha com ele para o estrangeiro? Nem pensar. E ter que andar de avião, só andou uma vez, há muito tempo, uma vez que foi com os pais numa excursão à Madeira, tem medo, nem pensar. Com tantos medos ao mesmo tempo, tão inesperada a proposta, não conseguiu dizer nada. Paulo deve ter percebido porque continuou, e a voz era de quem queria transmitir tranquilidade, Ela está num apartamento com outras estudantes, diz que arranja maneira de lá ajeitar um sofá para si e eu arranjo um hotel em conta lá perto. O que diz?

Lídia fechou os olhos, preferia não ser confrontada com propostas destas. Mas, por outro lado, que vontade de ir conhecer o mundo. Paulo disse-lhe, eu gostava muito de ir ver a minha filha e gostava que vocês se conhecessem e gostava muito de ir conhecer aquela cidade, tenho ouvido falar tanto. Mas, para ir, só vou se for consigo. Vamos…, e o tom era quase de súplica.  Já pensou, nós dois a passearmos nos canais? E a Sara diz que depois nos vai mostrar os sítios e nos ensina o caminho para os pontos mais interessantes. Venha Lídia… gostava tanto… Que mal tem? Você tem que dar justificações a alguém?





Lídia pensava agora na mãe. Nunca se separou dela, aquilo já era uma dependência mútua, já não conseguia estar longe dela nem deixar de se preocupar. Não posso, quem é que fica com ela? E se piorar, e eu lá tão longe?

Paulo respondeu-lhe, Calma. Primeiro tem que resolver se quer ir ou não. Se não quiser, nem precisa de se preocupar com a sua mãe; se quiser ir, então arranjamos uma solução. Entre a Nita, as senhoras do voluntariado e, se calhar, até a D. Fátima, alguma solução se há-de arranjar. 

E arranjaram. Quase como se estivesse a agir debaixo de hipnose, quase como se se tivesse forçado a deixar de pensar, quase como se nem fosse ela, pela primeira vez na vida Lídia deixou-se levar pela sua vontade própria.

Foi Sara, a filha de Paulo, quem lhes arranjou voos muito baratos numa companhia low cost, foi  Sara quem escolheu um hotelzinho barato para o pai, foi Sara que enviou um mail com alguns pontos de interesse e uma proposta de roteiro para que eles pudessem ver na internet de que se tratava e decidir se queriam fazer aquelas ou outras visitas.

Perto do dia da partida um medo, daqueles medos antigos, que a deixavam incapacitada, quase tomou conta de Lídia – medo que a mãe piorasse, medo que alguma das mulheres não fosse ver a mãe nos horários, que não lhe desse a medicação, medo de andar de avião, medo de que se perdessem, medo de que o fraco inglês não bastasse para se entenderem por lá quando andassem sozinhos e, sobretudo, muito, muito medo da intimidade que se poderia vir a proporcionar. Até agora, a esse nível, ainda não tinham passado de beijos, de estar de mão dada, uma ou outra carícia, nada de muito mais que isso – e, mesmo assim, sempre que isso acontecia, ela ficava inibida, quase sem acção, o coração num sobressalto que quase a sufocava.

Mas Nita e Paulo não a deixavam vacilar. Sempre que a sentiam hesitar mudavam logo a conversa para a roupa que ela devia levar, para a mala que devia usar, para que não se esquecesse de levar isto, aquilo e o outro.

E, assim, no dia combinado, depois de uma noite em claro, tamanha era a ansiedade e a excitação, antes das cinco da manhã já Paulo estava num táxi à espera à sua porta. Lídia reparou como ele estava animado, feliz mesmo, bonito, rejuvenescido.




A caminho do aeroporto, depois no aeroporto surpreendentemente cheio de gente àquela hora, depois a entrar para o avião já com Paulo a dar-lhe a mão, carinhoso - Está tão bonita hoje, mais ainda que nos outros dias, fica-lhe bem o baton, e está com os brincos que lhe ofereci, está tão linda, Lídia, tão linda... - era como se Lídia vivesse o espírito adolescente das excursões de finalistas, aquele frenesim nervoso e expectante das viagens em que tudo está por descobrir, as paisagens, as sensações, tudo.

No avião, Lídia sentiu as mãos geladas e húmidas, era o seu velho medo. Mas Paulo estava tranquilo e essa tranquilidade sossegou-a.




Durante a viagem, Lídia tentava imaginar como seria Sara, receava que a jovem não gostasse dela, receava que a achasse antiquada, triste, mas não comentou sobre isto com Paulo. Ele estava tão entusiasmado com a perspectiva de rever a filha, tão entusiasmado, tão feliz que Lídia quase sorria com a perspectiva de os ver juntos, de pensar que, dentro em pouco, andariam os três a passear numa cidade estrangeira, quase como se fossem uma família.

À chegada, Sara esperava-os. Era uma jovem alta, moderna, bonita. Tinha traços do pai. Paulo estreitou-a nos braços, beijou-a com carinho e ela retribuíu. Via-se que eram bastante amigos. Depois Paulo apresentou-as e Lídia sentiu um sentimento de proximidade em relação à jovem. Quando Sara a beijou, Lídia desconheceu-se ao perceber que estava a fazer uma festa carinhosa no braço da miúda.

Bem vindos a Amesterdão! Vão ser quatro dias inesquecíveis, vocês vão ver, exclamou Sara.

Paulo estreitou Lídia entre os braços. Vão ser, sim, disse ele em voz baixa, com ternura, quase como quem faz uma promessa. Lídia deixou-se abraçar; o calor do corpo de Paulo e o sorriso de Sara transmitiam-lhe uma segurança e uma tranquilidade nunca antes sentida.


*

As fotografias retratam Kristin Scott-Thomas e Harrison Ford.  Philippe Jaroussky, interpretando Farinelli, canta Cara Sposa de Handel.

*

Muito gostaria de ter a vossa visita também no meu Ginjal e Lisboa. As minhas palavras hoje acolhem-se da chuva, na companhia das palavras de Eugénio de Andrade, quase molhadas pela chuva. A música é um momento especial no qual convergem a dança, o canto e a música de Monteverdi. Gostaria muito que vissem e ouvissem (mas, se não estiverem para isso, paciência, fico contente na mesma). 

*

E, por hoje, é isto. 
Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa semana a começar já por esta segunda feira. 
E que viva o romance e o amor!


PS: Ainda há Homens na política deste país. José Manuel Rodrigues, do CDS, uma vez mais mostrou que o é e que os tem no sítio. Acabo de o ouvir dizer que é tempo de agir por convicção, dizendo não às conveniências. Demitiu-se do cargo no partido e diz que o deputado da Madeira deverá votar contra o OE 2013 e sujeitar-se às sanções. Até que enfim que vejo alguém a agir de peito feito! 

sábado, outubro 27, 2012

Galerias de arte, antiquários, alfarrabistas, escultura, pintura e muito, muito design. E ainda a droga (não, a resposta à pergunta 'por que andam todos tão felizes, não é: 'porque andam todos ganzados') e, ainda, o sexo e a prostituição no Red Light District. É Amesterdão, senhores e senhoras!


Música, por favor



Port of Amstredam, 
não por Jacques Brel (pois a incorporação nos blogues é interdita) 
mas pelos The Dresden Dolls

*

Em tempos falei-vos aqui de como o cérebro reage de forma muito parecida  quando se está apaixonado ou quando se está em contacto com arte. Como não encontro esse meu texto, deixo-vos aqui o link para o artigo da Ciência Hoje onde se fala nisso.

Pela parte que me toca, confirmo. O convívio com arte, seja pintura, escultura, literatura, música, fotografia, etc, deixa-me com aquela boa disposição esperançosa, empolgada e feliz tão própria de quando estamos apaixonados. 

Talvez seja, pois, também porque o sítio onde estive é tão pródigo em arte e a disponibiliza de forma tão franca que as pessoas tenham todas um ar tão feliz.

Há muitas galerias de arte, abertas, convidativas, há lojas de design que são, elas próprias, autênticas galerias, há museus fantásticos e, sobretudo, há em todo o lado um ambiente informal e descontraído que convida ao convívio e ao deleite. O leque de visitantes percorre todas as idades, desde as inúmeras crianças às muitas pessoas de idade e esta diversidade traduz-se em que se sente, nestes locais, o pulsar da vida. É frequente ver crianças pequenas sentadas a fazer desenhos olhando para um quadro ao lado de pessoas de muita idade, contemplando longamente a mesma obra.

Como agora só lá estive quatro dias, não consegui fazer todo o périplo que tinha em mente mas fica para outra vez. E o que vi é stock que dá para muito tempo de boas recordações.

Começo pelo design. Muita vezes temos que nos aproximar das peças para perceber o que são ou para que servem e, geralmente, quando o percebemos, ficamos fascinados. Que imaginação! Por vezes o design tem funções utilitárias, outras é meramente lúdico. Seja como for, em Amsterdão, o design é omnipresente e isso é bem o símbolo da criatividade exuberante que por aqui impera. Mas que não se pense que é uma exuberância espalhafatosa. Não, nada disso. Pelo contrário tem tudo um cariz prático, bem disposto. Outras vezes ressalta, sobretudo, a beleza e a vitalidade.

Falo-vos agora da Droog. Mostro esta em particular porque é muito completa e muito agradável (mas há muitas deste género). Para terem uma noção das peças e dos preços (eventualmente para encomendarem algumas), o site é este. Tem objectos vários desde pequenos utensílios para uso pessoal ou doméstico, peças de mobiliário, peças de jardim, vestuário.

Mostro-vos apenas algumas das peças, as que achei que vos poderiam dar ideias que vocês próprios possam pôr em prática.



Puff e banco forrados com rosetas de crochet e com bolas ou pompons de lã.



Candeeiro feito a partir de um molho de lâmpadas suspensas em fios
que estão presos em cima.
Se repararem bem, lá em cima, aquelas pecinhas que acho
que são caixinhas de derivação,
 estão à vista e parecem um enfeite, parecem florzinhas



Banheira que tem acoplada uma braseira.
À volta da braseira estão os tubos por onde passa a água
que circula dentro da banheira para manter a água sempre quente



Jardim com peças feitas artesanalmente
Um enorme cogumelo feito com pequenos troncos de lenha justapostos e revestido
por uma rede
A cobertura é lenha metida igualmente dentro de rede de capoeira pintada.

As flores cor de rosa são também feitas manualmente com rede de capoeira pintada,
presos a uma estaca  como se fosse o caule da flor


No último piso, tem uma deliciosa, muito acolhedora sala de chá.



As pessoas bebem um chá, um sumo, uma fatia de bolo caseiro, ou nada,
apenas conversam - e parece que estão em casa


Talvez porque o pé direito da sala é muito grande, apesar das pessoas falarem animadamente, quase não se ouve barulho.



Candeeiro artesanal e espelho colorido
Jarra branca com flores brancas
E duas amigas conversando tranquilamente



Eu optei por me sentar aqui, um sofá largo, confortável, aconchegante e macio


Mesmo muito agradável este espaço, vocês haviam de ver.



Depois as galerias. Há-as por todo o lado.



Eu devia ter podido estar em Amsterdam não 4 dias mas um mês inteiro para poder entrar, ver, mexer
E reparem na cor das árvores que se reflectem nas montras
(nas montras e nas águas mas, para os canais, terei que fazer um post autónomo, tanta a beleza)



Abertas no sentido de que convidam a que se entre, variadas, de todas as dimensões e características, as galerias são uma tentação.



'Carpe fucking Diem' e por aí vai, tudo louco e divertido


Há algumas que dá ideia que estão disponíveis para que, quem o queira, lá possa ir pintar e expor livremente (como a que se vê acima) e, claro, há outras mais clássicas, isto é, de aspecto mais normal.

E há as pequenas galerias no mercado de arte na rua.



Mulheres, bailarinas, animais -
Esculturinhas em papier mâché ou em barro pintado, pintura, cerâmica, etc



Écharpes ou lenços de seda estampada ou pintada - tudo maravilhoso
Se não fosse tão cara, teria trazido a écharpe do gato mas custava cento e tal euros


Mas vou agora mostrar-vos uma que me agradou sobremaneira. Se vivesse por perto acho que nunca de lá saía e estaria em permanente estado de tentação.



Pequenos objectos, pequenas esculturas, pintura -
 aqui há de tudo, mas quase todas peças de um colorido que me encantou


Que coisas tão ao meu gosto e a preços tão acessíveis.



Galeria vista de dentro, de um piso inferior
Como vêem, as pessoas entram, mexem - a dona está no piso de cima, disponível mas discreta


Encaixo aqui neste texto também uma referência aos antiquários e, sobretudo, às lojinhas de bric-a-brac, de velharias, e alfarrabistas.



Um dos inúmeros alfarrabistas de Amsterdam, que livros,
que maravilhosos objectos antigos ligados à escrita



Também que tentação, senhores, que tentação. E que belos preços!

Numa pequena rua, residencial, das muitas e muitas do centro, junto aos canais, encontrei uma que me encantou. Se pudesse tinha vindo carregada de coisas. Mas houve uma pequena peça a que não resisti. Como já vos contei gosto muito de galos (pelo colorido, pelo garbo). Pinto-os em tela e tenho muitas peças que os representam. Por isso, quando vi numa cesta no chão, junto com muitas outra pequenas peças, um pequeno quadro redondo de madeira, pesado como chumbo, com um galo pintado na própria madeira, peguei logo nele. Seis euros. Resolvi trazê-lo.

Quando estava a pagar, falando em inglês, claro (porque não pesco uma da língua autóctone), um senhor fisicamente muito parecido com o Jeremy Irons e que percebi que deveria ser o dono da loja disse-me num inglês carregado de sotaque dutch, invulgarmente muito pouco british (os holandeses falam todos um inglês perfeito), you are very happy for buying this piece. This is an happy piece. This is a portuguese piece.

Espantei-me, really? Que sim, que era uma antiga peça portuguesa. Disse-lhe, então, que eu era portuguesa. Ficou de olhos muito abertos a olhar para mim, acho que não acreditou. Eu insisti. Desatou-se, então, a rir, muito espantado ele também.

Ele há coisas….



Um galo português que foi passear até à Holanda e que agora, curiosamente, volta a Portugal


É esta peça que fotografei agora para vos mostrar. Se calhar amanhã, se me lembrar, fotografo-o de dia porque agora de noite ficou com um reflexo que também distorceu um pouco as cores.

Mostro-vos tudo isto pois pode ser que alguma destas coisas vos motive para fazerem algo igual ou parecido, e estou a pensar especialmente nos que gostam de se ocupar com este género de trabalhos manuais.

Quanto a escultura de rua, há também bastante, completamente integrada na paisagem, mas, porque isto já vai exageradamente longo, mostro-vos apenas esta que acho uma delícia, bem perto da Red Light Zone.



Reparem na expressão dela... a fazer-se cara


Já escrevi que me fartei e ainda nem comecei com os museus... Por isso, não me levem a mal mas vou deixá-los para amanhã; e hoje abro aqui um parêntesis para falar de um dos lados mais conhecidos de Amsterdão, o da droga e do sexo.

Quando lá estive há uma meia dúzia de anos, fez-me impressão ver tanta gente drogada estendida à porta das casas, no meio da rua. Fumavam e via-se que eram grandes as trips.

As coffee shops são conhecidas e lá estão (sobretudo naquela zona central, junto ao Red Light District) e, em grande parte delas, mesmo cá fora o cheiro a erva é intenso. Como é sabido, na Holanda o consumo é legal. Mas já não é permitida a venda a estrangeiros nem se vê já nada daquelas cenas na rua. Havia um turismo à volta disto e eram essencialmente os estrangeiros, que iam lá consumir até cair para o lado, que enchiam aquela zona. Isso agora já não se vê.

Quanto à prostituição, ela continua a ser uma actividade legal, praticada às claras, regulamentada, vigiada.



Adereços eróticos, divertidos, para todos os gostos

Para quem não sabe, há uma zona da cidade, justamente a da Luz Encarnada, muito conhecida e um grande foco de atracção turística. Nessa zona (porta sim, porta sim), as portas são largas e de vidro, ou as janelas são até ao chão, autênticas montras, e, aí sim, há cortinas. Em cada uma dessas divisões está uma prostituta em roupa interior, fio dental e under bra, à janela, encostada ao vidro, meneando-se, batendo na janela, ou sentada em poses eróticas, atraindo a atenção dos passantes. Quando está livre, no exterior, por cima da janela, a luz encarnada está acesa. Quando entra um cliente (e entram na maior das descontrações, à vista de toda a gente) a cortina é corrida e a luz apaga-se. Lá dentro está uma cama, um bidé, um lavatório, papel, gel de banho, um espelho, alguns pormenores decorativos. Lá dentro a luz é velada, geralmente também em tons vermelhos. As mulheres podem ser muito jovens, com corpos esculturais, bonitas, longos cabelos, ou podem ter um ar mais intelectual, com um penteado mais discreto e com óculos, ou podem ser mulheres já mais velhas, algumas muito gordas. Estão sempre sorridentes, com ar folgazão. Muitas usam lingerie fluorescente o que chama bastante a atenção naquele ambiente pouco iluminado. Estou a descrever o quadro durante a noite mas de dia é a mesma coisa. A diferença é que, de dia, há menos mulheres a trabalhar e as luzes no interior logicamente estão apagadas. Apenas a luz encarnada cá fora apaga ou acende consoante a ocupação. As ruas estão pejadas de gente, desde clientes a meros passeantes. Não há turista que não se desloque àquela zona.

Devo dizer que não fico chocada com isto. Claro que encaro a prostituição sempre como uma situação de último recurso e penso que poucas mulheres a praticarão de ânimo leve mas, admitindo que prostituição sempre houve e sempre haverá, acho que mais vale que seja assim, em ambiente vigiado, protegido, regulamentado, sujeito a normas de higiene e saúde pública onde não correrão tantos riscos como as que o praticam na rua, na beira da estrada.

Não vos mostro imagens porque elas não permitem fotografias e eu compreendo e respeito. Mas mostro uma imagem geral do local, desfocada. Como tirei as fotografias sem flash, enquanto andava, ficaram assim, abstractas. Neste prédio, como em tantos outros, a cada janela corresponde o compartimento individual e, em cada compartimento, uma prostituta.



Red Light District by night
(caso queiram ver imagens mais representativas, basta clicarem aqui, são imagens disponíveis na net)


E, curiosamente, na rua principal que ladeia um dos canais, há belos cisnes brancos que deslizam com langor e vagar ou que adormecem, alheios ao bulício nocturno.



Cisne branco dormindo na beira do canal, um símbolo de pureza numa noite
no Red Light District 



A ver se, então, amanhã me dedico aos museus, aos maravilhosos museus. Rembrandt, Vermeer, Van Gogh, Mondrian e muitos outros – e é verdade: saí de lá sentindo-me completamente apaixonada!

É amanhã! E depois dirão se depois de verem o que vos tenho estado a mostrar também não se sentem em estado de paixão...!

**

E é isto. Tenham meus Caros, um excelente fim de semana.

sexta-feira, outubro 26, 2012

Ok, já que adivinharam, tenho mesmo que confessar: a cidade onde as pessoas parecem andar sempre bem dispostas é Amsterdão. Bicicletas, ar livre, um local repleto de água, criatividade, arte, informalidade, descontracção: estes são alguns dos aspectos marcantes desta terra habitada por gente feliz.


Hoje estava mesmo a querer falar de arte, de galerias, de museus e, claro, preparava-me para continuar a manter o mistério. Mas o segredo foi desvendado e, portanto, falarei disso amanhã ou depois e, então, hoje aqui estou essencialmente para confirmar o local a que me venho referindo. 

Estive durante quatro maravilhosos dias em Amsterdão.

Embora a Holanda seja um país muito rico, com ordenados altos, os preços são muito equivalentes ao de Portugal. Podem fazer-se boas compras, os preços das peças em antiquários ou lojas de velharias são muito acessíveis, o preço da roupa é idêntico ao de cá e o preço nos restaurantes é mais ou menos o de cá. Claro que assim aquela gente só pode andar feliz, não é?

Por razões circunstanciais fui numa altura não muito aconselhável quando o objectivo é arranjar hotéis ou aviões a bons preços. 




Decorreu naquele fim de semana a Maratona de Amsterdão e essa foi uma das razões pelas quais os hotéis estavam repletos.

Quanto à Biblioteca é de facto a OBA, Openbare Bibliotheken Amsterdam. Quando escolhi fotografias tive o cuidado de não usar as que a identificam muito claramente, como, por exemplo, esta aqui abaixo.




Sugiro que vejam o filme que consta do site. Dá uma boa ideia do que é aquele maravilhoso local.

Não vos referi, no outro dia, um aspecto (que se vê no filme) que me encantou. 




Logo à entrada há um piano. Na fotografia está mais ou menos no centro. Quem quiser, senta-se e toca. A minha amiga, que sabe tocar, ainda tocou uns acordes. 

Nas fotografias que mostrei nos posts anteriores vi-me, pois, aflita para não evidenciar aspectos que identificam a cidade e que são omnipresentes naquela cidade: as bicicletas e os canais. 

Toda a cidade é atravessada por canais e por todo o lado há bicicletas, milhares e milhares de bicicletas.




Por exemplo, quando falei de chapéus apetecia-me mostrar esta mulher tão elegante mas, lá está, ela estava de bicicleta e eu não queria que vocês descobrissem logo à primeira.




E quando falei de moda e graça e informalidade, apeteceu-me mostra esta outra. Mas, uma vez mais, lá estava a bicicleta.




Toda a gente anda de bicicleta. Capacetes, nada.

Todas as ruas, mas todas, têm ciclovias.

Para quem não está muito habituado, e vai tranquilamente naqueles largos passeios, os sustos são frequentes. É que as bicicletas reinam. Não são apenas as estradas, são também os passeios. Os passeios têm a parte pedonal e têm também a ciclovia e, oh senhores, eles andam numa velocidade...

E andam novos, velhos, homens, mulheres, mulheres com crianças, crianças à frente, crianças atrás.




E ninguém, mas ninguém, senhores, usa capacete. A grande velocidade, lá vão eles, inclusivamente com crianças ali no meio da confusão.




Já pensaram no dinheiro que eles poupam: não pagam transportes públicos, não gastam dinheiro em gasolina?

As bicicletas frequentemente têm um cesto à frente ou atrás onde colocam as compras ou as pastas. E é frequente vê-los com uma mão no volante e a outra mão com uma sandes, um sumo, o telemóvel.




Passam pelo meio dos automóveis, dos autocarros, do metro de superfície, e sempre a grande velocidade, sem capacete. Nas fotografias que aqui mostro só se vêem as bicicletas nas ciclovias e não no meio do trânsito mas é que ali, no meio da confusão, não deu para estar parada a tirar fotografias. 

Depois, quando chegam ao destino, apeiam-se e prendem uma corrente com um cadeado.

Presumo que ali ninguém roube bicicletas. São aos milhares por todo o lado, para que haveria alguém de roubar uma em particular?




Por isso, se voltar à minha pergunta: porque andam todos tão felizes? presumo que uma justificação está também nisto, na vida saudável, no desporto útil que é isto. Pedalam, pedalam. E a cidade, nesta altura do ano, está linda. As árvores estão douradas e reflectem-se nas águas do rio e dos canais. E eles vão para o trabalho, vão às compras, ou seja, deslocam-se maioritariamente de bicicleta. É saudável para as pessoas e, também, para as finanças do país, pois há um muito menor consumo de combustíveis.

Até os táxis são maioritariamente bicicletas e aqui é uma área em que a criatividade pontifica. 




Cada um decora-os e arranja-os conforme a imaginação dita. São cobertos ou descobertos, pintados ou forrados, conduzidos por homens ou por mulheres.




E até os homens estátua usam o motivo da bicicleta para as suas composições, como este aqui em baixo que me impressionou pela expressão e pela posição.




Mas se, nos posts anteriores, tanto quanto possível, tentei esconder-vos as bicicletas, tive, no entanto, o cuidado de ir deixando algumas pistas...

A carteira amarela que trouxe tem uns girassóis em relevo, num dos cantos. Isso não vos faz soar uma campainha...?



Claro, os girassóis de Van Gogh. Comprei-a na loja do Museu Van Gogh. Aliás, para ser mais precisa, o Museu está fechado para obras e as obras estão num espaço cedido pelo Hermitage. Portanto, foi no Hermitage que vi a maravilhosa, maravilhosa, exposição de obras de Van Gogh.

Estão a ver as malas amarelas ao fundo, à direita da coluna? Foi uma dessas que eu trouxe. São da bela cor das searas e dos girassóis de Van Gogh.

E reparem nas cestas giríssimas que estão em primeiro plano, na coluna. São de vime pintado de um verde planície e têm, de cada lado, dois orifícios. Por esses orifícios passa uma écharpe que serve de fecho à cesta.

Também vos disse que a blusa era um Mondrian. Referia-me, claro, a Piet Mondrian, um pintor holandês.

Comparem o padrão da minha blusa com esta pintura original de Mondrian, tal como a fotografei no Stedelijk, o museu de arte moderna (e, já agora, reparem na atenção das crianças...).




Mas a presença da arte é tão marcante em Amsterdão que amanhã escreverei exclusivamente sobre isso. 

Hoje fico-me apenas pelo air du temps.

Estou quase a terminar o texto de hoje, que já vai tão longo que vocês já devem estar a espumar de impaciência. Mas ainda vos quero falar de um outro aspecto peculiar. Por aqui, as janelas não têm estores ou portadas. A luz deve entrar sem barreiras. Mas sem barreiras nem filtros - porque também são raras as cortinas. E, então, como podem imaginar vê-se tudo dentro das casas. Uma coisa...




Esta, por acaso, até tinha uns estores e era uma excepção mas o que se passa é isto: a gente vai a passar na rua e vê para dentro das casas. Eu não devia ter feito isto, fotografar para dentro da casa das pessoas mas achei esta imagem tão bonita, tão acolhedora, que não resisti.

Mas agora vejam esta outra. Quase parece uma cena da Red Light Zone, em que as meninas estão despidas à janela como numa montra. Este casal estava simplesmente em casa, tinham estado a olhar a rua, ele em tronco nu, tudo sempre na mais incrível das à vontades.




Uma vez que andávamos a passear à noite, o meu marido exclamou, acabei de ver umas pessoas a enfiarem-se na cama. E, claro, especulámos: como será nos momentos de intimidade?

Enfim, são costumes e este deixa bem antever a total descontracção e o total desprendimento desta gente, indiferente às pequenas opiniões alheias. Se não incomodam ninguém, porque haveria alguém de se sentir incomodado?

Amanhã, em princípio, falar-vos-ei das galerias, dos museus, das lojas. É arte e design por todo o lado, dá gosto uma coisa assim.

*

No meu Ginjal e Lisboa continuamos com Pergolesi e hoje as minhas palavras andam em volta de quem se passeia olhando as águas junto a um certo restaurante, tal como andam as palavras do intruso de José Alberto Oliveira. Gostava de vos ter também por lá. O texto é curto e o poema também (digo isto, porque imagino que já estejam fartos de tanta conversa; isto comigo é sempre assim, entusiasmo-me a contar-vos coisas, penso que alguns de vocês nunca lá poderão ir e que talvez gostem de saber como é, e esqueço-me que a vossa paciência tem limites).

*

E, portanto, sem mais: desejo-vos uma bela sexta-feira!