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segunda-feira, novembro 21, 2022

A depressão e a ansiedade de Marta Rebelo, a corajosa maluquinha assumida

 

Mais um testemunho muito sincero sobre um problema de saúde mental vivido na primeira pessoa. E, uma vez mais, uma surpresa. Desta vez é Marta Rebelo de que me lembro quando era deputada da Nação, socialista e fashionist. Looks sempre modernos, por vezes arrojados, ela era uma imagem arejada em meios que tantas vezes tresandam a convencionalismos.

Depois perdia-a de vista e nunca mais me lembrei dela. Algum tempo depois houve aquele episódio sobre o fim de uma relação porque o namorado tinha deixado fugir o gato. Foi o fim do mundo em cuecas, a gargalhada geral. Nestas coisas há sempre quem queira parodiar o desgosto e as aflições dos outros. Mas a verdade é que os tempos mudam e talvez hoje não houvesse a crueldade jocosa a que então se assistiu. Depois despareceu outra vez do meu radar.

Surge agora em mais uma das utilíssimas e muito bem conduzidas entrevistas do Observador, na Série Labirinto - Conversas sobre saúde mental.

Aqui Marta Rebelo fala da depressão que a atormentou durante anos e sobre a ansiedade, nomeadamente os terríveis ataques de ansiedade, que condicionaram toda a sua vida.

Conta como disfarçou e escondeu a sua condição, por vezes quase incapacitante, com receio do estigma a que certamente estaria sujeita se se soubesse. Uma deputada maluquinha? Ficar em casa, incapaz de sair da cama, e telefonar a dizer isso, que não conseguia ir trabalhar...? Nem pensar.

Acredito. Aconteceu com ela e deve acontecer com muita gente: o receio de ser visto como fraco, o receio de ser considerado incapaz de estar à altura dos desafios profissionais, incapaz de dar conta do recado com os filhos, o receio de ser olhado de lado pelos outros. 

Para evitar isso, muita gente esconde, tenta fazer de conta que está tudo bem. Marta Rebelo conta como ria e disfarçava mesmo quando se sentia como se estivesse a ter um ataque cardíaco fulminante. Hoje espanta-se como conseguiu enganar tanta gente durante tanto tempo. Diz que hoje 'fareja' quem está a passar pelo mesmo e fala em geral sobre o tema mas não assumindo, na primeira pessoa, que vive essa circunstância. Mas não se admira pois ela própria fez isso.

Marta Rebelo tentou o suicídio. Não foi apenas o pensar nisso. Não, tentou mesmo. 

E todos os que estavam junto a ela ajudaram a esconder o que se tinha passado. Fizeram-no para a proteger, para a ajudar a melhor superar esse momento terrível.

E, no entanto, Marta Rebelo, às tantas, começou a sentir que o secretismo em volta da sua condição estava a atrofiá-la e a prejudicar a sua recuperação. Quando decidiu falar no assunto, sentiu que o sofrimento pelo qual vinha passando há tanto tempo talvez fosse útil para chamar a atenção para os problemas e os estigmas associados às doenças mentais.

E é verdade: é da máxima importância que se fale nisso.

Há contudo um tema que ainda não vi abordado e que seria útil que viesse para o conhecimento público: como se deve lidar com alguém que tem uma depressão ou que sofre de crises de ansiedade?

Eu não sei. Se eu estiver junto a alguém que pressinto que está a padecer de depressão ou com crises de ansiedade mas se a pessoa o negar e disfarçar, como devo agir para ajudar? Intuo que não se deve forçar... mas não sei o que fazer. Assistir ao sofrimento de alguém que se ama e que não quer tratar-se nem quer assumir o seu problema é uma coisa terrível, uma pessoa sente-se impotente. Seria importante que esse tema fosse abordado. A depressão ou a ansiedade não são apenas problema para quem disso sofre mas também para os que os amam.

Marta Rebelo e a depressão. “Cheguei a tomar nove medicamentos diferentes”

Esteve “no inferno” várias vezes durante mais de 10 anos. O ponto mais duro chegou quando era deputada. Sente que se escondeu e isso pesa-lhe, por ser “cúmplice” do estigma. Parceria Observador/FLAD


Precisa de ajuda? Estas são as linhas de Apoio e de Prevenção do Suicídio em Portugal

SOS VOZ AMIGA
Horário: 16:00 – 24:00
Contacto Telefónico: 213 544 545 | 912 802 669 | 963 524 660
Linha Verde gratuita: 800 209 899 (21:00 – 24:00)

CONVERSA AMIGA
Horário: 15:00 – 22:00
Contacto Telefónico: 808 237 327 | 210 027 159

VOZES AMIGAS DE ESPERANÇA DE PORTUGAL
Horário: 16:00 – 22:00
Contacto Telefónico: 222 030 707

TELEFONE DA AMIZADE
Horário: 16:00 – 23:00
Contacto Telefónico: 222 080 707


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Continuo sem responder a mails ou a comentários. Por bizarro que possa parecer (a mim parece-me), continuo submersa numa onda de moleza absoluta e de grande sono, com mais frio do que é costume e com algumas dores nas pernas. Sei que estas vacinas têm este efeito em algumas pessoas. A mim nunca tal me tinha acontecido pelo que é novidade. Presumo que amanhã ou depois esteja melhor. Também estive, este domingo de manhã, com um familiar que veio a saber horas depois que está com Covid. Mas estivemos ao ar livre pelo que não há-de ser nada. Mas isto para pedir a vossa compreensão para a minha ausência de respostas. Haverei de sair em breve desta letargia.


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E queiram continuar a descer. Abaixo há um comovente momento de união e afecto em torno de Jorge Palma. Muito bonito. Não percam, por favor.


domingo, abril 24, 2022

Entretanto, desde a invasão da Ucrânia, alguns oligarcas russos desataram a cair como tordos

 

A ver se daqui a nada mudo um bocado de agulha pois, apesar da minha mente continuar ocupada com a tragédia ucraniana e com a impensável selvajaria de Putin, sinto alguma necessidade de falar de outras coisas.

Mas, ao preparar-me para mostrar qual a última moda, ao ir procurar um vídeo que o ilustrasse, apareceu-me este que aqui abaixo partilho. 

Na verdade, um caso é um caso isolado, nada a dizer, coisas destas acontecem. Dois casos são dois casos, violência e crimes acontecem, nada a dizer. Mas quando aparecem mais, na verdade, já se começa a achar estranho. Além do mais, o historial da Rússia nestas matérias não é coisa pouca. Qualquer série que meta serviços secretos, kgb ou kremlins, inclui também crimes que não deixam rasto.

Seja como for, não me pronuncio. A realidade anda alucinada, supera a mais tresloucada ficção. Limito-me a partilhar o vídeo.

Curious Number Of Russian Oligarchs Have Died Since Invasion Of Ukraine

Ali Velshi reports on four separate instances of Kremlin-connected, extremely wealthy Russians with ties to the oil industry who have died by suicide since Russia's war in Ukraine began. 


E até já

quinta-feira, setembro 09, 2021

A dor dos outros

 






Uma vez, não me lembro porquê, fui a casa à hora de almoço e regressei de autocarro. Foi há muito tempo. Ao meu lado sentou-se uma mulher mais velha do que eu mas que, certamente, seria mais nova do que sou agora. Eu ia calada, do lado da janela. Ela começou a falar. Contou-me que o filho se drogava, que a roubava, que lhe batia. Eu estava quase petrificada. Era muito nova nessa altura e ainda não estava habituada a que estranhos me contassem os seus dramas. Não sei o que lhe disse, não sei se na altura estava preparada para dizer o que, numa situação de angústia, uma pessoa precisa de ouvir. A senhora contava que morava num rés-do-chão e que tinha mandado colocar grades para o filho não entrar. Dizia que, sempre que ele conseguia entrar ou sempre que ela ia buscá-lo à esquadra ou que o apanhava caído na rua e acabava por deixá-lo ficar em casa, ao fim de pouco tempo, ele acabava por desaparecer e que, sempre que desaparecia, ela já sabia que ele tinha roubado alguma coisa. E que outras vezes, quando ela escondia o pouco que tinha, ele a ameaçava e agredia. 'Já me bateu tantas vezes...', disse 'tenho tanto medo dele'. Tinha a voz presa, por vezes quase não conseguia falar. Quando cheguei à minha paragem tive pena de sair antes dela, sentia que deveria continuar a ouvi-la. Nunca mais me esqueci desta mulher. Lembro-me perfeitamente dela e do que me disse. Não me lembro de uma única palavra que eu tenha dito.


Outra vez foi a senhora que, por vezes, via a passear o cão e que tinha um filho estranho que devia morar com ela. O filho deveria ter uns trinta e tal ou quarenta anos e era esquisito. O meu marido dizia que, se calhar, ele tinha tido problema com drogas e estaria a recuperar. Costumava andar com uma grande máquina fotográfica, uma objectiva das boas, equipamento dir-se-ia que profissional, e estava quase sempre a fotografar não sei bem o quê, acho que pormenores. Quando eu estacionava o carro, por vezes via aquele trio, a mãe, o filho e o cão. Uma vez estacionei e ela estava sentada no muro de uma das casas que dá para o pequeno parque onde eu tinha estacionado. Vi-a levantar-se e vir na minha direcção. Penso que, na altura, descrevi essa situação aqui no blog. Chegou-se ao pé de mim e disse-me: 'Morreu o meu filho', um fio de voz. De facto, estava vestida de preto. Lembro-me de me ter sentido aterrada perante a dor imensa daquela mãe. Estava numa angústia imensa. Disse que não conseguia estar em casa, que só queria estar no cemitério. Que ele tinha adoecido e que ela nunca tinha percebido que a doença era tão grave. Não lhe tinha ocorrido que o filho estivesse em vias de morrer. Que tinha sido muito rápido. Que quando lhe disseram que o filho tinha morrido não conseguia acreditar. E eu ouvia, esmagada pela dor dela, também sem saber o que dizer. Não sei o que lhe disse. Só me lembro do que ela me disse. Fiquei ali na rua a ouvi-la até ela querer, esmagada pela dor. Quando contei ao meu marido ficou muito admirado não apenas pela morte do filho da senhora como pelo facto da senhora, sem me conhecer, sem nunca antes ter falado comigo, ter chegado ao pé de mim para me dizer tudo aquilo.

Uma vez íamos, à noite, para a nossa casa no campo e, pelo caminho, parámos no supermercado da cidade mais próxima. Eu tirei a senha para o peixe e o meu marido foi comprar fruta, legumes, queijo -- essas coisas. Eu fiquei à espera da minha vez. Estavam várias outras pessoas à espera. Então, uma das pessoas, uma mulher, abeirou-se de mim e começou a contar-me sobre os problemas que tinha com o filho, separado, incapaz de se fixar num emprego, só a falar em ir para fora, com uma criança pequena de quem não queria saber. A mulher, à beira das lágrimas, dizia que não sabia o que seria do filho se fosse para outro país, que ficaria sem saber como é que ele estava. E que perderiam o contacto com a criança. Que não sabia o que fazer. Que achava que ia perder o filho e o neto. O meu marido, que se tinha despachado, ao ver a senhora a falar comigo, ficou de longe, penso que era alguma pessoa minha conhecida. Quando chegou a vez dela ser servida, ao ir-se embora, agradeceu-me. Quando contei, o meu marido voltou a dizer que não percebe como é que, do nada, alguém chega ao pé de uma pessoa que nunca viu e começa a falar de assuntos tão pessoais. Também acho estranho. Mas é isto que acontece.

Ultimamente, quando percebo que isso está prestes a acontecer, afasto-me um pouco, agarro-me ao telemóvel para que as pessoas se retraiam. Aconteceu no outro dia à porta da farmácia. A lotação é limitada pelo que a espera se faz no exterior, esperando a vez da nossa senha. Estava ali e vi uma senhora que se foi chegando. Percebi que não haveria de faltar muito para me falar de assuntos muito seus. Fiz de conta que não tinha percebido e dei uma volta por ali. Não sei porque agora evito. Creio que é porque receio não estar à altura e não ter a palavra ou a atitude certa. 

Lembro-me de quando salvei uma mulher que tinha tentado suicidar-se. Também o contei, não sei se aqui se no outro blog. Andávamos a caminhar à beira rio e o meu marido foi por um lado e eu quis ficar ali, não sei se a fotografar, se quê. Já era lusco fusco ou noite, também não recordo com exactidão. Havia o barulho das ondas a bater na amurada. Só eu estava ali. O meu marido detestava que eu ficasse para trás, em locais ermos, ainda por cima já sem luz. E, então, pareceu-me ouvir uma voz, um choro, a vir da água. Abeirei-me e vi que estava uma mulher dentro de água, tentando segurar-se ao muro. Mas as ondas puxavam-ma e, por vezes, desaparecia. Quando me viu, suplicou-me que a ajudasse, suplicou-me que ficasse ali, que não a deixasse sozinha. Sem ver vivalma, sem ver o meu marido, sem saber se haveria de ficar a falar com ela se sair dali para ir em busca de alguém, vivi uns instantes de aflição. Não vou descrever em pormenor mas consegui chamar ajuda. Estive o tempo todo a dizer-lhe que se aguentasse, que tudo se iria resolver. Ela, mesmo quando estava a ser puxada com cordas, não parava de me pedir que não a deixasse, que a ajudasse. A custo, os bombeiros conseguiram resgatá-la. Estava gelada, perturbada. Pediu-me que ligasse ao marido, quis que fosse eu a falar. Pedi ao senhor para ir ter ao hospital. Ela não me largava a mão, pedia-me 'ajude-me, ajude-me'. Disse-me: 'sou muito infeliz'. Queria que eu fosse com ela na ambulância mas os bombeiros não deixaram. Fiquei muito perturbada. A mão gelada dela agarrada à minha não me sai da memória. Não a procurei no hospital. Pensei que ela deveria ter apoio clínico especializado, não o apoio de uma leiga, de uma desconhecida. Mas não sei se fiz bem.

Mesmo aqui já recebi apelos aflitos, pedem-me que lhes ligue e enviam-me o número de telemóvel ou pedem-me que vá ter a alguns lugares, já me disseram que não sabiam a quem mais recorrer, pedem-me ajuda, que não aguentam mais, percebo que estão no limite. Não acedo, não ligo, não me encontro. Tento ajudar de outra forma, tento que procurem ajuda especializada. Não tenho preparação para lidar com situações limite. Tenho receio de falhar.

No outro dia, quando fiquei em observação no hospital, perto de uma jovem suicida que toda a noite gritou e chorou, tive muita vontade de ir falar com ela. Várias vezes me soergui e me preparei para me ir sentar ao lado dela. Mas ela estava rodeada de enfermeiros que a seguravam e atavam à cama, e eu própria tinha que estar em repouso -- não iam aceitar. E, depois, que lhe diria eu? 

Mas, se calhar, em situações assim, não é preciso dizer muito, se calhar basta ouvir e sentir o sofrimento que os outros sentem.

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Excerto de pinturas de Pieter Bruegel, o Velho, ao som de A Garota Não que interpreta Mediterrâneo

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Desejo-vos um dia bom

domingo, junho 21, 2020

Pedro Lima, Anthony Bourdain e outras pessoas bem sucedidas





Não sigo telenovelas portuguesas pelo que o que conheço de Pedro Lima, enquanto actor de novelas, é o que vejo nos pequenos anúncios aos episódios do dia que, de vez em quando, de passagem, apanho. A ideia que tenho é que tem tido sempre trabalho, o que é natural dado ser um homem muito bonito, um galã que dá sempre jeito em qualquer 'peça'. Tenho também ideia de que, volta e meia, o via, sempre sorridente, em actividades daquelas para as quais convidam os actores. Sem exuberâncias mas com afabilidade. Mas não sei, pois, ajuizar sobre o seu talento. Nunca o vi em palco, no teatro, pelo que, também daí, não poderei pronunciar-me. Pessoa que me é próxima conhecia-o do surf mas também apenas hoje soube disso. 

A ideia que tinha dele é que seria um actor sóbrio, discreto, pouco dado a mediatismos. Mas simpático, sereno. Tenho ideia de vê-lo sorridente. Tenho ideia dele com a mulher e com um bando de filhos. Uma família feliz. Um homem bem resolvido.

Soube também hoje dos seus feitos desportivos. Não fazia ideia. Contudo, com aquele corpo é natural que tivesse força e energia para vencer as provas que venceu e que, por outro lado, aqueles músculos tenham vindo da prática continuada de desporto.


Por isso, o espanto ainda foi maior quando li que aparentemente se terá suicidado. A minha filha esteve a mostrar-me fotografias dele no Instagram. Bem disposto, apaixonado, amável, brincalhão. Tentei perceber se o sorriso e a boa disposição seriam máscaras para algum desconforto ou tristeza mas, nas fotografias, não detectei nada disso. A última fotografia mostra-o escultural, pronto para o surf, festejando o regresso à vida normal.

A mesma surpresa senti quando soube da morte de Anthony Bourdain. Gostava muito de ver os seus programas. Irreverente, empático, amante do insólito, curioso em relação ao pouco óbvio. Dizia ele dele próprio ser uma pessoa cheia de sorte: fazia o que queria, quando queria, onde queria, com quem queria. Com amigos em todo o lado. Um homem de aspecto possante, viril. Uma pessoa absolutamente bem sucedida, conhecida em todo o lado. Brincalhão, bon vivant.

Até ao dia que se soube que, ao contrário do que parecia, era tímido, frequentemente inseguro e com um fundo depressivo. Há um vídeo feito pouco antes de ter decidido pôr fim à sua vida: nos copos com os amigos, divertido. Certamente encobrindo o que lhe ia na alma.

Estava a escrever e a pensar em Bernardo Sassetti, cuja morte também muito me impressionou. Não sei se caíu sem querer ou se também não suportou mais. Mas sei que me custou muito.

Em tempos o vocalista de uma banda suicidou-se e a mulher mostrou fotografias em que ele aparecia pouco antes, com ela e creio que com os filhos. Estava sorridente, parecia feliz. A mulher, em sofrimento, perguntava: vendo-o assim, rindo, em família, quem é que poderia adivinhar o que estava prestes a acontecer?

Não sei causas. Não sei o que se passou com o Pedro Lima. Não sei se foi suicídio (embora as notícias o indiciem) e, se foi, se foi por depressão, problemas financeiros ou outros. Sei que, a ter sido suicídio, deve ter sido pela mesma razão que leva alguém -- mesmo as pessoas mais talentosas, na flor ou a meio da vida -- a pôr termo à vida: não aguentam mais. Quem está de fora não percebe: mas não aguentam mais o quê? Com a vida quase inteira pela frente, amados pela família e amigos, respeitados pelos conhecidos e pelo público em geral, como não aguentam mais? O que lhes falta para que, como a maior parte das pessoas, consigam superar algum constrangimento, algum escolho, alguma ameaça ou temor? O que lhes falta, se os conhecemos tão talentosos e se os sabemos tão especiais?

Não sei. Talvez lhes falte a coragem para pedirem ajuda.

A minha filha referia o caso de um nosso conhecido: pessoa descontraída, praticante de desporto, do mais divertido que há, profissionalmente bem sucedido, na altura com uma namorada linda e amorosa, com uma família que o adorava, com um nível de vida a que nada faltava. E, no entanto, quem poderia dizer que, contra toda a lógica, viesse a ter um problema de droga? Quem poderia dizer que gastava tudo o que ganhava e se endividava por todo o lado, junto de familiares, amigos e sabe-se lá de quem mais, sempre arranjando desculpas convincentes, vindo a ter sérios problemas por não poder pagar as dívidas que ia acumulando? Quem poderia antever que viria a deixar o trabalho e ter que ir viver para um lugar recôndito não apenas para ver se se curava como para os traficantes e demais amigos e inimigos dessas andanças deixassem de persegui-lo? E, no entanto, ninguém, ninguém mesmo, nem mesmo os mais próximos, sequer suspeitaram do que estava a passar-se.

Quem vê caras não vê corações, quem vê sorrisos não sabe o que se esconde por debaixo. A mente por vezes cava sulcos ou abre buracos negros de que é difícil sair. 

Nestas histórias não há, muitas vezes, fins felizes. Há desistência. E muita dor e perplexidade por parte dos que ficam.  E se há alguma coisa que se possa retirar de situações que se aproximam do limite é que há que lhes prestar muita atenção para tentar ajudar. Não é fácil. Quem está com depressões profundas ou quem tem problemas muito sérios frequentemente não quer preocupar a família e os amigos pelo que não quer assumir aquilo por que está a passar, prefere disfarçar, prefere esconder as trevas que os assombram, mostrando uma alegria que é apenas aparente. Estas coisas deveriam ser mais faladas para que as pessoas que sofrem em silêncio se encham de coragem e peçam ajuda, para que pensem um pouco nelas e não apenas em poupar os outros.

A vida breve dos que não aguentam mais deveria ser uma vela acesa na opinião pública para que nunca nos esqueçamos de fazer sentir aos que precisam de ajuda que devem pedi-la: por eles e por aqueles que os amam.


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Pinturas de Mark Rothko que pintou as trevas antes de nelas mergulhar, 
com acompanhamento de Noite por Bernardo Sassetti

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Desejo-vos um bom dia de domingo

sexta-feira, outubro 25, 2019

Em homenagem à Filipa
[Segunda carta de Maria Luísa a sua filha Filipa Bragança]



Querida Filipa,


Faz hoje três anos que ficámos todos em choque. Tu serias a última pessoa a querer partir mais cedo, pensávamos nós.

Espelhando bem o que nos ia na alma, o Nuno, vosso amigo de infância, compôs em tua memória "Sorrow of those who stayed" que em junho foi estreada num concerto pela ESML

Os amigos que assistiram filmaram com os telemóveis e disseram-me que tinha sido muito comovente porque te tinham sentido por lá, quem sabe se não conhecias já por cirandares à volta dele quando a compunha!

Aquela música era exatamente o que vinha sentindo sem parar, muito triste, como disse o teu irmão.

Quando me deram o programa, estava lá tudo nas palavras do Nuno, sinto tal e qual como ele diz:



(O aplauso, no final, ao Nuno)

Um grande abraço, sem lágrimas, porque sei que não gostas, sequer, de despedidas. Se estiveres bem, eu também fico bem.

Mãe

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Como se fosse um agradecimento ao Nuno, aqui fica a fotografia de ambos no dia do casamento do irmão da Filipa
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Disse-me a Maria Luísa num mail: 
Acreditamos no que queremos para continuarmos a viver. Não há outra maneira, e o nosso cérebro ajuda-nos a acreditar no que for preciso.
Só partem se deixarmos, só deixamos partir se quisermos. Não posso deixar que os que partiram não estejam comigo, especialmente ela. Por isso, nunca estou só, esteja onde estiver.
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Nota: A Maria Luísa não conseguiu enviar-me o vídeo do concerto pelo que apenas aqui consegui colocar o vídeo, mais pequeno, dos aplausos no final. 


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quinta-feira, outubro 17, 2019


A ansiedade de Cara, a bela, e outros casos.
E mitos e verdades sobre a depressão


Porque penso que os exemplos de quem consegue lidar com os seus estados de ansiedade e de quem consegue ultrapassar as crises depressivas são relevantes, partilho o vídeo no qual a modelo Cara Delevingne fala da sua experiência de depressão e ansiedade. 


E porque neste tipo de doenças -- que ainda se encontram envoltas em tabus e que envergonham ou assustam quem as sofre -- é importante que se perceba que há mais quem tenha passado por isso e que ajuda falar, pedir apoio, procurar tratamento, deixo o link para um artigo em que se fala de 30 pessoas famosas que já passaram por elas. E ponho o link para este artigo porque este tipo de pessoas costuma ser visto como se sempre rodeadas de brilho e glamour e, afinal, sofrem dos mesmos problemas que toda a gente.


Hugh Laurie, o Dr. House, 'herdou' a depressão da mãe
e começou a ser depressivo na adolescência
(aspecto para o qual a Luísa tem chamado a minha atenção)

Acresce que estes exemplos ilustram bem uma das características que aparentemente é comum: a capacidade que as pessoas com depressão ou ansiedade têm de disfarçar e que lhes permite apresentarem-se perante os outros como pessoas sempre felizes, desenvoltas, bem dispostas, bem resolvidas. Talvez seja mesmo aquela coisa que o funâmbulo refere: a imposição da ditadura do sucesso e da sua jocosa irmã, a animação 24/7.

Mas se conhecesse outros casos, de gente anónima, que me parecessem ser também um bom exemplo, também deles me faria eco.

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A psiquiatra Ana Beatriz Barbosa Silva e o psicólogo Alex Rocha falam de
 Depressão - mitos e verdades 


E aqui falam de Suicídio 
(e falar nisto, segundo leio e ouço, nomeadamente neste vídeo, pode ajuda a evitá-lo)

Falemos -- sem vergonha, sem culpas
(como refere a Isabel Pires)



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Não respondi aos comentários nos posts abaixo pois acho que eles falam por si e terão mais força se puderem respirar sem palavras minhas a atrapalhar. Mas a todos muito agradeço. As vossas palavras são muito importantes e acredito que tocarão muito especialmente alguns dos que por aqui nos acompanham. Muito obrigada.

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E a todos desejo um dia muito bom.

quarta-feira, outubro 16, 2019

Lauren: médica, 26 anos


No dia 10 deste mês um artigo no The Guardian chamou a minha atenção: The grief over my daughter's suicide never ends, but I can help other junior doctors. Um médico fala da dor que ainda sente dois anos e meio após o suicídio de Lauren, sua filha, jovem médica. 
Something I thought was unthinkable and only happened to other people had happened to me. (...) 
I wondered why and how someone successful, solvent, resilient and outwardly happy could reach such a state of despair. How did I, her father, not know that Lauren was in such a dark and hopeless place? (...)
Nesse artigo, há um link para um vídeo que ele gravou não apenas para falar do seu espanto e sofrimento mas também para ajudar quem esteja a passar por situações similares, seja por se sentir persistentemente atormentado, atolado em tristeza, cansaço, desamor ou medo ou num estado de desesperança quase incapacitante, ou a quem esteja por perto e não consiga identificar os sinais ou não saiba o que fazer para ajudar.

Tendo eu já lidado com pessoas com problemas desta natureza, embora felizmente não tão graves, sei bem como é terrível a impotência de quem não sabe como ajudar aqueles que aparentam não querer ser ajudados e que, além do mais, geralmente se esforçam por disfarçar e exibir desenvoltura e alegria. 
Não sei porque é que isto acontece. Se tivermos crises alérgicas, não receamos falar nisso e tomar anti-histamínicos, se tivermos enxaquecas não nos custa nada queixarmo-nos e não nos importamos de tomar analgésicos, se tivermos uma contractura muscular não o disfarçamos e procuramos ajuda mas, do que sei, frequentemente quem tem ataques de pânico, ansiedades persistentes ou uma sensação de tristeza ou medo faz de tudo para que ninguém o descubra. E essa necessidade constante de disfarçar vem cavar ainda mais fundo o negrume que vai alastrando, esvaziando a alma e corroendo o ânimo de quem atravessa esse sofrimento.
No vídeo, o pai de Lauren conta que filha, apesar do que a devastava por dentro, era capaz de representar perante amigos e família, fazendo de conta que tudo estava bem com ela. 
Porque será isso? Será porque o estigma contra problemas do foro mental ainda se faz sentir e quem se sente frágil receia enfrentar os olhares desconfiados dos outros? Será porque pensa que, tentando conter e esconder a inquietação, menores serão os danos que ela pode causar? Será porque receia que, expondo-se, isso acabe por se virar contra si? Ou será porque receia causar apreensão e sofrimento àqueles que se ama? 
Das palavras que tenho trocado com a Maria Luísa muitas me têm deixado a pensar. Numa vez a Luísa contou que, por vezes, quando estava com a Filipa e sentia que alguma coisa poderia não estar bem, querendo saber o que se passava, ela se queixava que a mãe estava a 'embirrar'; e os que estavam mais próximos achavam que ela deveria deixar a filha em paz. Não parece nada de mais -- são apenas as pequenas coisas de que é feita a intimidade das pessoas muito próximas. Mas, a posteriori, conhecendo-se o que aconteceu, como saber qual deveria ter sido a melhor atitude? Insistir mesmo correndo o risco de a filha se fechar ainda mais, esforçando-se ainda mais por disfarçar? Ou nada dizer?
Ou no caso da Filipa, da Lauren ou de outras e outros, faça-se o que se fizer, o seu destino está traçado porque, simplesmente, são pessoas que nasceram para viver sem o peso dos dias, são anjos, seres intemporais, espíritos muito livres que não suportam peias e enleios espúrios e que inevitavelmente chegarão ao ponto de não retorno, o ponto em que querem libertar-se porque não sabem o que mais fazer para conseguir suportar este mundo?

Deveria falar-se mais sobre estes temas, expor o que se sente e como é que os outros devem lidar com isso. 

Por exemplo: como devem agir os que querem ajudar?
  • Devem  forçar que quem está assim assuma o seu problema e procure ajuda? 
  • Ou devem ter a arte de os ajudar a sair desse fosso, fazendo de conta que não percebem o que se passa? 
  • Ou devem conseguir estabelecer confiança para que quem está mal exteriorize as suas angústias e, conversando, vá conseguindo perceber que precisa de ajuda para identificar e extirpar a raiz do problema?
Eu não sei, sou completamente leiga e, pior, é domínio em que a minha intuição falha, anda às cegas -- mas há quem saiba e, por isso, seria bom que o tabu fosse desaparecendo e que as pessoas perdessem o pudor ou o receio e procurassem ajuda. Tal como era bom que toda a gente soubesse ajudar quem precisa mesmo que quem precisa não seja capaz de pedir ajuda.

Não tenho como incluir aqui o vídeo de que acima falei senão deixando o link. O amargurado pai dirige-se em especial a outros médicos jovens que enfrentam a mesma sobrecarga de trabalho e o mesmo stress a que Lauren estava sujeita. Mas, vejam, cliquem aqui, o vídeo é, na verdade, para todos nós.

Verão um pai ainda não refeito mas muito contido, muito digno e, ao mesmo tempo, muito sofrido, muito tocante. Infelizmente não tenho como ter uma versão legendada. Mas Jonathan Phillips fala muito pausadamente, percebe-se bem o que diz. E retenho e trago para aqui o apelo final: que quem está a atravessar um mau período não tenha receio de embaraçar os outros, de magoar alguém, de incomodar. Peça ajuda. Fale. Seja a que horas for, seja a quem for.



E a todos desejo um dia feliz

terça-feira, outubro 15, 2019

Carta de Maria Luísa a sua filha Filipa Bragança
[E outras palavras desta mãe que tenta compreender e aceitar a decisão da sua filha]

E o Filipa Bragança award for the best female solo performance by an emerging artist que tenta preservar a memória de como Filipa era 'calorosa, brilhante, divertida e bela por dentro e por fora'.



Querida Filipa,
A Tasmânia! Que doloroso deve ter sido deixar Hobart, provocando mais uma vez, soube mais tarde pela Sophie, uma ruptura num caso amoroso, que se vinham repetindo sem fim à vista, dado que essas habituais rupturas/desentendimentos só existiam na tua cabeça.
Mas, chegada a Melbourne, da Austrália decidiste não sair, dizendo que te sentias mentalmente doente, confusa, sem saber o que fazer.
A Sophie, habituada, segundo me disse mais tarde, aos teus permanentes altos e baixos, disse-te que regressasses porque em  Londres, mais uma vez, tudo se resolveria.
O Tom, espantado pela tua saída inesperada de Hobart, respondia que regressasses a casa como previsto, daí a dois dias, que mais tarde iria a Londres e resolveriam nessa altura a vossa vida. Mas, a sua última chamada, já não a ouviste, desligaste o telemóvel e, assim, decidiste ficar entregue a ti própria e à decisão que já terias definitivamente tomado.
Questionada a Sophie e o teu irmão sobre o teu silêncio, mesmo em dia de início de viagem, o que não era habitual, responderam, ela que achava que estava tudo bem e ele que podias estar a fazer uma pausa nas redes sociais, que devíamos respeitar.
Na segunda feira, dois dias depois da ausência de sinal de presença no facebook, resolvi contactar um rapaz que estava numa foto contigo e tinham ambos um sorriso bom, sim porque nos teus sorrisos, por vezes, eu via uma nuvem de tristeza no olhar. 
Disse-me que estavas em casa de uma amiga dele mas que tinhas regressado na véspera, domingo, via Singapura. Propôs-me esperar que chegasses aqui a casa, na terça feira, por volta do meio dia, como previsto. Como habitualmente chegarias de comboio, pois não querias que te fossemos esperar.
Terça feira, dia 25 de Outubro de 2016, já dia 26 aí, não chegaste, de Londres e, de Melbourne, confirmaram que não tinhas embarcado. Avisei o teu amigo. Pouco tempo depois recebemos uma chamada da Tessa e ficámos em choque, até hoje!
O pai faleceu três meses depois, mais cedo do que o esperado, segundo os médicos do IPO, sem se ter pronunciado, respondendo-me, quando questionado, que estava "apardalado", e assim partiu pois não tive coragem de perguntar mais nada.
Recomendou ao teu irmão, que nos foi lá representar, vindo de Cabo Verde, que queria que fosses encomendada numa cerimónia religiosa, não interessando qual a religião, e tratasse da incineração.
Quando partiu, a 2 de Fevereiro, sem deixar instruções, fiz exactamente o mesmo, bem como à tua tia, nesse mesmo mês, no dia 26.
E assim ficámos, eu e o teu irmão, sem querer acreditar, até hoje, não esquecendo o Rafael que, com três anos, deixou de vos encontrar quando vem de férias de Cabo Verde e, na ausência de respostas, foi acrescentando estrelas no céu por cada um de vós e já me disse que a seguir vou eu, porque tenho rugas na cara e depois os outros avós porque são mais novos.
Um dia destes escrevo-te mais, sobre o muito que ficou por dizer, por explicar, por esclarecer. Tanta coisa!
Um grande abraço, como aqueles que já por três vezes me deste, em sonho.
Mãe
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Compilação de algumas das palavras de Maria Luísa Bragança sobre a sua filha Filipa

Quando fomos para Londres, a Filipa tinha feito a pré primária e a 1ª classe em Portugal, não falava nada de inglês mas fez um sucesso porque tinha aprendido a escrever o abecedário em letra francesa e toda a gente queria que ela escrevesse o nome de cada um, naquela letra. 

Fez toda a escolaridade em Londres, primária e secundária - numa escola cuja especialidade eram as Performing Arts, perto de casa. No ano do gap year, aceitou a nossa proposta de frequentar a Universidade em Lisboa, onde fez o 1º ano de Sociologia. Tentou ficar cá a estudar teatro mas teve uma branca (!?) no exame de admissão e não conseguiu, regressou e estudou francês e espanhol na Universidade de Nottingham. 


No ano do Erasmus esteve um semestre em Anglet, perto de Biarritz, a dar aulas de inglês, no segundo semestre foi para Cuba, para o Universidade de Havana. Fez um curso de teatro no Drama Studio London.

Nas férias, fez voluntariado, uma vez na ilha da Boa Vista, em Cabo Verde, na Turtle Foundation  protegendo-as dos pescadores e outros perigos, na desova, com a protecção de meia dúzia de soldados, destacados para o efeito. E em Marrocos, onde deu aulas de inglês em escolas perto do Monte Atlas. 


No dia 23.10.2016, domingo, era suposto a Filipa ter apanhado o avião em Melbourne, de regresso a Londres, como previsto e no final do visto de permanência de 2 meses, para participar no Festival Fringe em Brisbane e Melbourne, com a peça Angel que o Henry Naylor tinha escrito para ela e tinha estreado com muito êxito em Edimburgo no mês de Agosto. 






Tal como no ano anterior, onde foi pela primeira vez, com a peça Echoes, de Henry Naylor, adorou Adelaide e depois do Festival foi até à Tasmânia terminar o visto.


A minha filha, com 26 anos, que vivia em Londres e estava na Austrália a gozar férias, depois de ter participado ali num festival de teatro, suicidou-se, em vez de apanhar o avião de regresso a casa, como todos pensávamos que tinha feito, os amigos lá e nós aqui.

Sossegou da incerteza da vida e de tudo o que a preocupava: a sua vida pessoal e profissional; as alterações familiares com o nosso regresso a Lisboa e a constante preocupação de não ter alojamento em Londres, o casamento do irmão, a doença fatal e inesperada do pai; as alterações ambientais do planeta, que ela antecipava sem solução, a indiferença e incapacidade dos políticos e população em geral para com os mais desfavorecidos, deficientes, sem casa, refugiados. O Brexit também a preocupava muito, e com razão. Antecipou todos os males do mundo como se fossem só seus. Desiludiu-se com as grandes cidades: de Nova Iorque mandou um postal a dizer que havia tanta gente a dormir na rua, que era uma cidade sem compaixão!

Saber que sofria de depressão, sem pedir ajuda, é o que nunca me vai deixar de fazer pensar no que terá sofrido sozinha, sem querer maçar ninguém, nem os próprios pais. Como é que foi possível uma coisa destas! O esforço que ela fez para superar esta doença mental sem tratamento, pensado que conseguiria por si só ultrapassar isso.

Foi ao saber isto que comecei a perceber porque é que ela nunca nos atendia o telefone. Ela sabia que pelo tom da sua voz eu perceberia se ela estava bem ou não e desculpava-se que o contrato do telemóvel não dava para receber chamadas gratuitas e mais tarde lá dava noticias, quando ela queria. Reclamávamos sempre mas sem resultado. 

Eu pensava que poderia ter esperança de vir a ficar próxima dela e dizer-lhe tudo o que sempre tinha ficado por dizer entre nós, por esclarecer, os silêncios, os sorrisos tristes, a nuvem que eu via nas fotos mesmo quando estava feliz...

Eu tinha tido a arrogância de pensar que teria hipótese de esclarecer as dúvidas que me assaltavam, que, mais uma vez, podia adiar essa conversa, para mim, para ambas, indispensável e eis que me provam que não mando nada e não mais vou voltar a vê-la.


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A new award for the best female solo performance by an emerging artist at the Edinburgh Fringe has been announced by Gilded Balloon.

The Filipa Braganca award has been set up in memory of the actor, who starred in Henry Naylor’s award-winning productions of Echoes (2015) and Angel (2016).

Braganca died in Australia in 2016, half way through a second world tour of Echoes, which had just completed dates at the Brisbane Festival and Melbourne Fringe.

She was 25 when she was cast in the two-hander Echoes and had just graduated from Drama Studio London. She played Samira, a radical schoolgirl who runs away to join Islamic State.

The production was a critical and commercial hit, and subsequently toured the world for over a year, with Braganca’s performances helping the show collect 11 major international fringe awards.

In 2016, Braganca returned to collaborate with Naylor on Angel at the Edinburgh Fringe, about a Kurdish woman reputed to have shot and killed more than 200 Isis fighters in northern Syria.

In a statement announcing the award, the Gilded Balloon said: “At a time when many commentators were fanning suspicion towards the Muslim community, she resisted, portraying a young Jihadi schoolgirl with warmth, humanity and intelligence.

“It was an astonishing – and brave – performance that reduced audiences to gales of laughter one minute, and tears the next.”

Karen Koren, the artistic director of Gilded Balloon, which produced both Echoes and Angels at the Edinburgh Fringe, said: “Filipa Braganca made an impact on everyone she met. She was warm, bright, funny and beautiful, inside and out.

Her acting was sensitive, meaningful and performed with incredible depth. She was destined for great things; her talent was boundless and she cared deeply about world issues. I hope that this award in some way keeps her memory alive.”


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Pétalas da "Remembrance tree",
feita a partir das mensagens que os amigos de Filipa enviaram a Maria Luísa

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Sabemos, Luísa, que partem cedo aqueles que os deuses amam. Mas a memória do seu brilho para sempre cintilará nos corações dos que tiveram a felicidade de conhecer a sua centelha de paixão, humanidade e alegria.


E vejam a maravilhosa alegria de Filipa, para sempre inocente, jovem e bela
in a little dirty dancing in Lisbon



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Que a ternura de todos nós para sempre envolva, como um longo abraço, a memória de Filipa Bragança, filha de Maria Luísa.

E daqui envio um abraço afectuoso para a Maria Luísa, tão corajosa, que tem tantas razões para se sentir orgulhosa pela sua talentosa filha, Filipa Bagança, que deixou marcas tão fundas em quem teve o privilégio de a conhecer.

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domingo, junho 10, 2018

A palavra a uma Leitora que há pouco tempo percebeu porque se suicidam as pessoas




Na sequência do meu post de ontem sobre o suicídio de Anthony Bourdain, recebi um mail de uma Leitora que me impressionou e, porque acho que quem se sente mal ficará melhor se souber que não é a único e que é importante que saiba que pedir ajuda é essencial e que há tratamento, pedi~lhe autorização para o partilhar convosco. Cá está:
Há cerca de um ano percebi porque se suicidam as pessoas, percebi que temos uma energia que nos motiva, que nos faz levantar da cama com projectos, uma energia que nos faz enfrentar e aguentar tudo. Só me apercebi dessa energia quando a perdi.
Não é tristeza, como dizem, porque tristeza temos todos. 
Pedi ajuda a um amigo médico, disse-lhe "dá-me qualquer coisa". Adversa que sou a drogas rasguei o folheto informativo e tomei tudinho. Ainda tomo (pela primeira vez obedeci a um médico).
Eu queria desistir mas não posso, pelos filhos, pela minha família -- não podia mesmo.
No outro dia, uma colega, meia idade -- um marido bem sucedido na sua profissão, um filho a acabar um curso superior, uma querida, nada dada a mostrar riquezas exteriores, saiu da empresa, e atirou-se ao mar. O corpo foi encontrado no dia seguinte.
Via sempre Bourdain. Fora da caixa, inteligente -- e dizia asneiras como eu gosto de dizer.
Infelizmente não se fala de depressão, não se fala nem se usa a TV para falar das doenças mentais que, se não matam, também não deixam "viver". Quando acontece uma desgraça chamam um psiquiatra ao telejornal e ficam por aí.
Estamos a viver de forma errada e nesta loucura esquecemos o essencial.

PS: Não sei se se apercebeu mas a CNN ao dar a notícia aparecia no ecrã um nº de ajuda


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Tendo em atenção a dica da Leitora a quem muito agradeço, permito-me colocar aqui a linha de apoio ao suicida que, apesar de não ter ligado para lá a confirmar, admito que esteja activa.

 213 544 545 - 912 802 669 - 963 524 660 / Diariamente das 16h às 24h 

Linha Verde gratuita - 800 209 899 / Entre as 21.00 e as 24.00 horas

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sexta-feira, abril 06, 2018

'O homem pendurado na ponte'
-- e o Waze, a Google, o Facebook, a Microsoft, a Amazon, etc.

Este é o mundo que, alegremente e às cegas, estamos a construir.
(Melhor dizendo: a destruir)





Afinal, não foi só lá longe. Leio que a Cambridge Analytica pode ter usado dados de 63 mil utilizadores portugueses. Claro. Porque haveriam os portugueses de ficar a salvo do regabofe? E o que se vai sabendo é apenas a ponta do iceberg -- já o disse e repito-o. Agora qual a dimensão do iceberg, isso não sei. Nem ninguém sabe.

Não há como ter certezas de nada porque não há como controlar. Apenas se pode saber que o que se sabe é apenas uma pequena parte do que há para saber. 

Da mesma forma que.

Estava, na quarta-feira, ao fim do dia, na fisioterapia. Desculpei-me: 'Peço desculpa por ter chegado a esta hora'. O fisioterapeuta já desistiu de protestar. Ou não chego a horas ou nem chego a ir. Saturada dos engarrafamentos, aborrecida por chegar tão tarde, acrescentei: 'Um trânsito... Tudo parado... Deve ter havido acidente na ponte porque parece que tudo o que vai lá dar está parado e, por isso, à volta, tudo parado está'. Ele esclareceu: 'Não foi um acidente. Foi um incidente'. Não percebi. Ele disse: 'Quando há coisas assim, dizem incidente'. Nunca tinha ouvido tal. Perguntei: 'Mas sabe o que se passou?'. Ele disse: 'Vi a fotografia'. Continuei sem perceber. Ele explicou: 'Um doente mostrou-me. Um tipo num cabo da ponte. Um suicida.'. Fiquei ainda mais tolhida pela incompreensão. 'Um doente mostrou-lhe?! Mas mostrou-lhe o quê??'. Ele disse: 'Quem está lá parado fotografou e pôs nas redes sociais'. Fiquei gelada.

A insensibilidade humana é assustadora.

Li agora 'O homem pendurado na ponte', escrito pelo Ferreira Fernandes. Arrepia.


Portanto, no Waze também. Claro. São os utilizadores que fazem o upload das imagens e podem pôr o que quiserem. Um homem em pleno e triste processo de desistência de viver, um homem pronto a cair no vazio -- e algumas pessoas, indiferentes à presença da dor alheia, fotografaram-no e, sem qualquer respeito por aquela pobre pessoa desesperada, exibiram-na perante o mundo. Apenas por estarem dentro dos carros, não foram fazer uma selfie com aquele homem que conduziu o carro até à ponte, parou, saíu e trepou para um cabo para acabar com o sofrimento. Assim fotografaram-no apenas.
Quem cometeu tão torpe acto são as mesmas pessoas que escrevem comentários malvados, que destilam veneno, que agem a coberto do anonimato para amedrontarem gente de bem, que mostram invejas, raivas, vontades de vinganças. As mesmas que falam de si próprias como sendo gente boa, amigas de gatinhos e do ambiente. As mesmas que se alimentam das redes sociais e que as alimentam.
Digo isto, usando eu o blogger. Mas escrevo aqui como poderia escrever um diário só para mim, um livro de contos, memórias, crónicas para um jornal inventado, cartas de amizade, cartas de amor. 

E, sabendo eu que, apesar da minha aversão a redes sociais ou a auto-exposições, a minha pegada é, certamente, imensa, tento manter-me consciente em relação aos riscos que corremos. E corremos muitos riscos. Muitos mesmo.

E não os corremos apenas pela profusão da informação pessoal que inunda as redes sociais -- e que pode ser usada contra a liberdade e contra a democracia -- mas também pela proliferação de ferramentas que usam inteligência artificial.

Leio:


Boicote foi assinado por mais de 50 académicos e surgiu uma semana antes de uma reunião das Nações Unidas sobre armas autónomas

Investigadores especialistas em inteligência artificial de quase 30 países estão planear um boicote a uma universidade na Coreia do Sul em reação a uma parceria de um laboratório da instituição com uma empresa ligada ao setor da defesa: há o medo de que o projeto possa criar "robôs assassinos", revela o Times Higher Education. (...)


Leio também:


In this open letter to Google’s CEO, over 3,000 employees urged the company not to work on a Pentagon ‘AI surveillance engine’ used for drone warfare (...)


Amid growing fears of biased and weaponized AI, Google is already struggling to keep the public’s trust. By entering into this contract, Google will join the ranks of companies like Palantir, Raytheon and General Dynamics. The argument that other firms, like Microsoft and Amazon, are also participating doesn’t make this any less risky for Google. Google’s unique history, its motto “don’t be evil”, and its direct reach into the lives of billions of users set it apart. (...)



A classe política e a sociedade em geral parecem continuar indiferentes ao que está a passar-se. Não vejo verdadeiras preocupações, vontade de regular, vontade de vigiar. As coisas vão acontecendo e ninguém parece perceber que é preciso actuar enquanto ainda é tempo.

O mundo está a caminhar para um precipício desconhecido e que intuo ser deveras perigoso e quase ninguém parece ter vontade de parar para pensar. Ninguém parece ter vontade de recuar até ao tempo da inocência.


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