Lembro-me sempre de quando um colega de trabalho veio a minha casa. Quando apontei as carpetes de Arraiolos (por exemplo, esta aqui ao lado) e disse que tinha sido eu a fazê-las, ele ficou espantado. Na brincadeira disse: 'Mas como? Quando vou ao seu gabinete, nunca a vi a fazer...'. Na realidade, chegando a casa sempre bastante tarde, tendo filhos, tendo jantar a fazer, levantando-me sempre cedo, como conseguia eu fazer aquelas grandes carpetes apenas à noite ou ao fim de semana, sendo que, ao fim de semana, íamos para o campo com toda a demorada logística que isso acarretava, lá andava nas jardinagens e noutras actividades, como conseguia...? E, no entanto, conseguia. Adorava fazer. E bordava a um ritmo impressionante.
Hoje fotografei duas colchas de crochet, uma das quais feita por mim (a que está aqui abaixo). Em que momento a consegui fazer, tão grande? Creio que a fiz ainda solteira. Ora, como se, durante a semana, estava por minha conta e muito longe de crochets, e se, ao fim de semana, tinha o meu namorado lá em casa? Custa-me a perceber. Mas a verdade é que a fiz.
Da mesma maneira quando vejo as dezenas, dezenas, muitas, muitas, telas que pintei. Como? Como consegui eu pintar tudo aquilo?
Talvez seja o mesmo espanto com que fico quando me ponho a seleccionar ou a tentar organizar textos que escrevi aqui (e no Ginjal & Lisboa, a love affair). Não sei como consegui escrever tanto, em especial quando a maior parte foi escrita estando eu a trabalhar de sol a sol, carregada de trabalho até à ponta dos cabelos.
Olho para trás, para todas estas fases e espanto-me como se não fosse eu. Na verdade, não me lembro de qualquer esforço, nem tenho ideia de que fosse grande feito. Apenas sei que o fazia com prazer. E, em qualquer dos casos, apenas deixei de fazê-lo por não ter onde pôr o que fizesse, se continuasse a produzir.
E não estou a falar de tudo, pois, por exemplo, também houve a fase do tricot. Fiz camisolas, casacos, até que chegou a Zara com malhas giríssimas e a bom preço e já não fazia sentido usar as minhas peças.
Mas o que, nisto, para mim é mais espantoso não é nada do que falei: o mais espantoso é que, durante todos esses anos, a minha actividade principal não teve nada a ver com nada disto. Era uma executiva, creio que bem sucedida, exigente, creio que uma boa profissional. Contudo, olho para trás e parece que pouco ficou. Do resto ficaram colchas, tapetes, pinturas. Mas das longas décadas de trabalho o que ficou foram memórias que com o tempo se esbaterão pois parece que tudo aquilo só fazia sentido naquele contexto, naquele tempo. Saída desse contexto, o que vivi parece que pouco ou nada interessa, nem a mim nem a ninguém.
De facto, nunca se sabe o que fica daquilo que é a nossa vida.
Estou agora numa outra fase.
Hoje fomos almoçar a um restaurante naquela zona da cidade de que tanto gosto, Alvalade. Felizmente arranjámos facilmente estacionamento e felizmente fomos muito bem servidos. E aproveitámos para passear e ver o pequeno comércio tradicional, de que tanto gosto. Mas o ruído da cidade, o trânsito, isso já nos incomoda um bocado. Parece que estamos melhor no nosso sossego, nas nossas insignificantes tarefas domésticas, respirando o ar puro, jardinando, cozinhando, passeando com o nosso cão.
Aqueles tempos exigentes do traçado dos objectivos, das sempre difíceis avaliações, dos projectos complexos, das fusões de empresas, das grandes reorganizações, na negociação de grandes contratos internacionais, parecem coisas meio difusas das quais não sobrou prova, pelo menos nada que possa pôr no chão, numa parede, numa cama.
________________________________________________
Mountain Girl
- Documentary Short Film
Award-winning (Silver Telly 2024 - Documentary Under 40 Minutes) inspiring mini-documentary about aging gracefully and overcoming the obstacles in life with an 80-year old retired fashion model (Vogue, Bazaar) and a star of a cult classic film "Manos: The Hands of Fate" (as Diane Mahree).
Quando fomos à Expo de Sevilha, já lá vão uns duzentos anos, estava um calor de ananases mas eles, os da organização, atenuavam-no borrifando os espaços ao ar livre e criando áreas de sombra. Soluções simples para resolver problemas chatos.
Por acaso, não vem agora ao caso, mas guardo gratas memórias dessa Expo. Fomos em grupo, vários amigos com os respectivos filhos e gostámos imenso.
Em ponto pequeno, ou melhor, em pontinho mini-minúsculo, refiro o meu jardim. Quando fazemos as nossas caminhadas, debaixo de uma caloraça, mal transpomos o portão sentimos logo o frescor. Uns graus a menos. E já desbastámos bastante a cerejeira japonesa e a outra de que não sei o nome bem como o loendro para ver se a relva consegue minimamente sobreviver. Mas, mesmo assim, mesmo desbastadas, as árvores refrescam extraordinariamente o ambiente. É como no campo. Quando não havia árvores, não se conseguia andar por lá pois não havia onde nos abrigarmos do sol. Agora há sombras que é uma maravilha. E, quando está vento, o arvoredo faz um som que mais parece o mar.
Na sexta-feira, esteve muito calor. Estávamos na sala com a portada de vidro aberta e o cão deitado como ele gosta, meio dentro, meio fora, como se estivesse a guardar o redil. De repente, começou a levantar-se um vento e um frio que entrou por ali adentro e nos refrescou a casa, coisa mais boa.
Mas o trabalho que estas senhoras aqui do vídeo, em Espanha, estão em fazer parece-me um encanto: estão juntas, convivem, fazem uma coisa que é boa para a comunidade, embelezam a sua terra, dão um pouco de si. Acho uma maravilha. E refrescam as ruas.
Não é a solução para os calores insuportáveis que as alterações climáticas nos estão a trazer mas não vai haver 'a solução' milagrosa. Provavelmente vão existir milhões de soluções, umas a grande escala e outras a micro escala. E esta aqui é uma das micro-pequenas soluções mas que, em si, é virtuosa pois atinge vários objectivos.
How Grannies Are Saving Spain From a Heat Wave
Their colorful creations are making Alhaurín de la Torre an amazing destination for tourists and locals
Vou dizer a verdade: o dia foi produtivo. Para os great achievers o que eu consegui é menos que nada. Mas, para mim, agora que me comparo comigo na versão pessimista, foi um feito. Pensava que estava perante uma missão impossível e, afinal, está cumprida.
Reformulei o conteúdo das gavetas da escrivaninha que aqui tenho num recanto bem como o das gavetas de um móvel de meia altura que tenho na entrada. Claro que tive que dar destino ao que lá estava.
Agora tenho sete gavetões, sete, 7, sept, seven, com toalhas de mesa compactadas.
Uma gaveta, uma senhora gaveta, tem só renda, toalhas rectangulares gigantes, rectangulares médias e redondas, todas em renda.
Uma segunda tem híbridas: toalhas bordadas com rendas. Ou quadrados de renda, quadrados de tecido com bordado, ou bordadas com cercadura em renda. Ou outras combinações.
Outra tem toalhas de linho ou alinhadas. Ocupam espaço que se fartam. O tecido é encorpado para burro.
Outra tem quase só guardanapos. Tanto guardanapo, senhores. Uma loucura. Cada uma das toalhas bordadas ou de renda tem doze guardanapos similarmente decorados. Uma loucura. A minha mãe acharia esta arrumação um disparate, diria que os guardanapos, quais filhotes, têm que estar sob as saias da respectiva mãe-toalha. Mas não. Se é altamente improvável que eu dê uso àquelas obras de arte pois nem imagino a mão-de-obra necessária para as engomar, ainda mais é que use os guardanapos. Bem sei, bem sei, que não há nada como um belo guardanapo de pano. Compreendo. Concordo. Mas num restaurante. Aqui, de pano, só se forem de pano liso. Na maioria, quase totalidade das vezes, os guardanapos são de papel. Agora estar a pôr guardanapos bordados ou com rendas, só se receber uma rainha mas, ainda assim, só se for uma rainha a sério. E com o Goucha a acompanhar como comentador. Por menos que isso, não vão guardanapos de renda para a mesa.
Outra tem toalhas mais normais, mas em bom.
Outra toalhas mais banais, estampadas, ora estivais ora natalícias.
Enfim. Algumas gavetas tiveram que ser fechadas com o joelho. Que remédio. Já não tinha mais gavetas... O meu marido diz que não vou conseguir abri-las. Vou...
Depois das toalhas passei para o castigo dos lençóis. Outra reformulação prévia, claro.
Desocupei a prateleira grande do roupeiro grande do corredor dos quartos. Tive que arranjar espaço para o que de lá tirei, como é óbvio. Tudo isto é um puzzlezinho de fazer queimar os neurónios a uma santa.
Os meus bordados e arrendados (arrendados de carregadinhos de rendinhas, não arrendados do programa mais-habitação) transitaram também lá para cima. Portanto agora tenho carradas de lençóis do mais artístico e elaborado que se possa imaginar. Os meus, os da minha mãe e não garanto que não também os das minhas avós. Lindos. A sério. Nunca usados.
Depois há uma pilha, igualmente numerosa, de lençóis lisos, ditos 'de baixo'. Claro que uns são de linho para emparelharem com os correspondentes bordados ou cheios de rendas, outros de algodão, uns têm ajour no remate e etc, ou seja, a combinação não deverá ser aleatória. Mas algumas vez irão ser usados...? Muitas dúvidas.
Depois descobri umas peças não identificadas. Um formato incompreensível, nem lençol nem toalha de mesa, um algodão branco mais fino, uma renda imensa, bordados maravilhosos. Depois vi que cada um tinha duas letras bordadas. A inicial do nome da minha avó materna e a do meu avô. Depois de pensar, concluí que deveriam ser toalhas de casa de banho, quiçá as maiores a fazer a função de toalhão. Não sei. São obras de uma delicadeza e beleza extraordinárias. Deviam estar em vitrinas, expostas.
Há ainda um outro monte, uma pilha enorme: as fronhas. Identicamente umas bordadas, outras com rendas, umas de um tecido, outras de outro. Se um dia quiser preparar um leito a preceito, teremos que fazer uma caça ao tesouro para conseguir acasalar o de cima com o de baixo e com as respectivas fronhas.
Mas, com isto, a verdade é que o tema de conseguir arranjar espaço para o que me parecia impossível de concretizar está resolvido. Todas as peças feitas com tanto carinho, tanto trabalho, tantas e tantas horas de um minucioso trabalho manual, amoroso, atento, estão guardadas, preservadas.
Claro que imagino o pesadelo que será quando outros que não eu tiverem que resolver o que fazer a tantas relíquias... Mas, enfim, com sorte já cá não estarei para assistir a isso.
Tirando isso o dia teve de tudo, Umas coisas menos boas e outras boas, incluindo visita a exposições, passeio à beira-rio e etc.
Conclusão: de debates só vi parte do último, o Pedro Nuno Santos em aceso duelo com o insuportável boçal-trauliteiro. Para dizer a verdade, tive alguma dificuldade em manter-me atenta pois tudo naquele arruaceiro fere a minha sensibilidade: o que diz, a forma como diz, a forma como se comporta, tudo. É um desordeiro, um perigo, uma pessoa sem princípios, sem pudor, sem vergonha.
Prazer tenho em ouvir (e ver) o Paixão Martins. Não há nada como uma pessoa inteligente, com sentido de humor, sem medo. Foi uma boa ideia a CNN tê-lo contratado para comentar os debates.
Por isso, tirando o Paixão Martins e o fofo Raimundo, naturalmente por motivos diametralmente opostos, pouco mais prende a minha atenção nesta cegada dos debates a contra-relógio que, segundo as questões que os moderadores lançam, parece que têm como único propósito discutir os temas engendrados pelo Ventura. Não há pachorra.
O meu marido de vez em quando vinha dizer-me que, na cave, ainda há sacos com coisas que vieram da outra casa e que ficaram para arrumar quando eu tivesse tempo. Era aquele tipo de coisas que, na altura, não sabia bem onde pôr talvez porque eram de utilização dúbia.
E o tempo foi passando e a vontade para abrir os sacos, ver o que lá está dentro, decidir o que fazer, não apareceu.
Primeiro era porque estava a trabalhar, tinha mais que fazer. Depois deixei de trabalhar e ainda tive menos tempo livre.
E o meu marido sempre a picar. Para ele parecia-lhe inconcebível que havendo aquilo por fazer eu não me importasse e fosse deixando estar.
Então, resolveu ele deitar mãos à obra. Só que descobre coisas que ou não sabe o que são ou não sabe o que lhes fazer nem onde guardar.
Eu sei o que são mas também não sei o que lhes fazer.
Por exemplo, termos. Um para líquidos, outro para sólidos. Ou uma caixa tabuleiro em madeira com uma grelha também de madeira que acho que é para cortar o pão, se calhar para as migalhas caírem para o tabuleiro. Ou um rechaud. Coisas assim. Coisas que na altura devem ter tido uma justificação mas que depois caíram em desuso. Por acaso o rechaud até teria dado jeito no outro dia. Puxei pela cabeça para tentar perceber onde estaria até que deduzi que lhe tinha perdido o rumo. Afinal apareceu.
Poderia guardar na cozinha se os armários não estivessem cheios ou se a despensa não estivesse identicamente repleta. E pior que isso. Nesta cozinha, num dos lados, o armário de cima vai até ao tecto. Mesmo que me ponha em cima daquele banquinho desdobrável do ikea, não chego lá. Ou seja, não faço ideia de que é que o meu marido para lá encafuou.
Trouxe as coisas para cima e depois deixei de vê-las. Devem ter ido fazer companhia às coisas lá de cima.
Veio também dizer que havia uma coisa que não sabia o que era e que estava toda cheia de bolor. Fui ver. Uma toalha de mesa de renda, grande, rectangular, feita por mim. Não com bolor mas com ferrugem. O tempo que levei a fazer aquela toalha... Rosetas e rosetas de crochet em linha branca. E nunca mais a usei e nunca mais de tal me tinha lembrado. E o espaço que aquilo ocupa. As gavetas já estão cheias. Agora, ainda por cima, tenho que ver como se tiram as manchas de ferrugem. Ainda mais essa.
Quando lá fui ver a toalha vi uns jogos turcos de toalhas de casa de banho, ainda na embalagem. Houve uma altura em que a minha avó materna me levava turcos e mais turcos, coisas para o enxoval. Também não sei onde pôr. Mas custa-me desfazer deles tendo sido presente da minha avó.
Outra coisa que lá estavam eram lençóis bordados, outros com grandes rendas. O trabalho que deram. A minha avó materna e a minha mãe faziam rendas enormes, numa linha finíssima. Depois contratavam uma senhora que fazia bordados e que pregava as rendas. Obras de arte. Nunca usadas. Onde é que eu ia pôr lençóis daqueles na cama? Não dariam jeito nenhum. Nem podem ser usados sem ser passados a ferro. Os que uso são muito maiores do que aqueles, as camas agora são bem maiores, e não precisam de ser passados a ferro. Portanto, onde é que os ponho aquelas peças de arte?
Tralha, tralha, tralha. Na prática é o que tudo aquilo é.
E já sei que mesmo que queira impingi-los aos meus filhos, não vão nessa. Têm as coisas deles, não querem coisas que nada têm a ver com o seu gosto e com o seu estilo de vida. E também não têm espaço. Compreendo-os. Fazem bem.
É um assunto que me incomoda: a quantidade de coisas que tenho cá em casa. Quando via alguns programas de reabilitação de casas nos Estados Unidos ficava admirada ao ver que as pessoas compram as casas mobiladas e, quando vendem as casas em que viviam, vendem-nas mobiladas. É mais fácil do que andar com a tralha atrás.
Nestas alturas lembro-me do meu amigo que morava num andar em que ele e a mulher tinham comprado o direito e o esquerdo e feito obras para unir. Ficou um mega-mega-apartamento. Segundo ele dizia, carregado de toda a espécie de tralha. Não conheci essa casa, só a casa que tinham no campo. Aí, era uma moradia grande. Ela era o cúmulo da vitalidade, de entusiasmo, e isso abarcava também a sua actividade de decoradora. Andava por antiquários e lojas de velharias e arranjava peças fantásticas. Carradas de coisas fantásticas. Carradas. Em Lisboa devia ser a mesma coisa. E por cima do giga-apartamento deles, de um dos lados, morava a sogra. Quando a sogra morreu, a casa ficou para eles. A senhora tinha um belo apartamento requintadamente mobilado. Ele estava doido com tanta tralha. Dizia que só tinha vontade de comprar um apartamento minúsculo no Chiado e mudar-se para lá, deixando tudo para trás, tudo.
Eu também acho que uma bela coisa poderia ser mudar-me para a casa quase vazia, a casa dos sonhos do meu marido. E esta ficava como casa-museu. Quando os meus netos, bisnetos e trinetos quisessem descobrir raridades do passado, vinham até cá.
Mas, enfim, também não é caso para lágrimas.
Caso para lágrimas é ver como jovens estudantes, gente supostamente não totalmente burra, adere ao Ventura. Não consigo perceber se é mérito do Ventura, que é capaz de ser perigosamente inteligente, ou se é demérito da malta que se deixou enredar nas conversas muito elaboradas do aparelhismo partidário e se mostra demasiado instalada, afastando a malta que é jovem e rebelde, ou se é uma idiossincrasia desta juventude que parece alienada e não aprendeu a dar valor à democracia e à liberdade. Uma tristeza e uma preocupação.
Mas é o que é. Face a isso, saibamos agir com inteligência. E bola para a frente.
Não encontrei cogumelos. Ou, para ser mais precisa, apenas dois, grandes, mas ambos já em processo de definhamento. Talvez por isso, não havia pegadas ou terra lavrada por javalis. Tudo muito verde, tudo molhado, tudo muito bonito.
O pequeno urso estava estupefacto com tudo. Não andou a pé, em duas patas, agarrado às nossas pernas, não mordiscou pés, não brincou com o que encontrou. Andava ao nosso lado, a observar e cheirar tudo. O alecrim deixou-o doido. Nem queria andar, só cheirar. Quando passámos na zona do grande eucalipto, onde o perfume é intenso, também ficou muito admirado.
Foi extraordinário como se portou de forma comedida, calmo, a andar ao nosso lado. Estávamos receosos não fosse aparecer algum cão ou não fosse ele querer comer alguma porcaria. Como ainda apenas tem uma dose das vacinas, não pode correr o risco de ser contagiado. Eu tinha sugerido que lhe puséssemos coleira para o termos pela trela. Mas o meu marido diz que isso não é assim, que o uso da coleira e da trela não são imediatos, requerem treino.
Mas felizmente não apareceu nenhum cão e felizmente ele portou-se como gente grande.
Tinha comido qualquer coisa, pouco, em casa, de manhã. Só voltou a comer, e pouco, à noite, quando regressámos. Durante o dia, quer no campo quer, ao fim do dia, em casa da minha mãe, não comeu. Estava desconcentrado.
Dentro de casa, lá, in heaven, também andou a explorar tudo, quase intrigado. Cheirava tudo, por vezes dava ao rabinho. Se calhar, as coisas, embora desconhecidas, cheiravam-lhe a nós.
Outras vezes, sentava-se a observar. Não sei como é que os cães pensam mas se calhar percebia que era uma casa desconhecida mas que, estranhamente, sentia como sua.
A chuva ainda lhe faz alguma espécie. Quando estava dentro de casa e, lá fora, chovia copiosamente, deixou-se ficar a olhar pela janela.
À ida, de manhã, no carro, quis ir de pé, encostado a mim, a ver a janela. À vinda de lá, quando íamos para casa da minha mãe, já veio deitado no banco. No entanto, sempre atento. Se o carro abrandava ou curvava ou se a chuva estava mais intensa, levantava a cabeça para perceber o que se passava.
Vinha eu, no carro, a dizer que estava espantada com a forma tranquila e bem comportada como se tinha portado no campo quando, ao chegarmos a casa da minha mãe, desencabrestou. Louco, aos saltos, agarrado à minha mãe, a correr pela casa, eufórico, a puxar a mantinha do sofá, a querer estraçalhar o saco das lãs, a empoleirar-se nela, a mordiscá-la. A minha mãe quase estarrecida, mas divertida, com o potencial de estrago que ali estava: ''Seu maluco! Quieto! Ai!'
Ainda fui às compras com a minha mãe. Não queria, que já era tarde, que já era praticamente de noite, que estava mau tempo. Mas o meu marido fez o favor de ir connosco -- ficando no carro com o ursinho de peluche que ficou aconchegado ao seu colo -- pelo que nos deixou perto do nosso local de passeio.
Quando fomos, depois, deixar a minha mãe a casa, a fera quis lá ficar. Não queria vir connosco. Virava-se, punha-se a caminho da cozinha. Teve que vir à força, ao colo. A minha mãe fica contente por ver como a pequena criatura gosta de lá estar.
No regresso, veio a dormir, deitado no banco. Chegou a casa, espapaçado. O dia todo sem dormir (nem comer) deixou-o de pantanas. Consegui que comesse umas bolinhas de ração mas pouco. Depois veio pôr-se a querer vir para o meu colo. Aqui ficou, aninhado e quentinho, muito macio e fofo. Contudo, ao fim de pouco tempo já estava a mordiscar-me os dedos e os braços. Deveria haver chuchas para cães bebés.
Finalmente, começou a apreciar os ossinhos de couro de roer. Enquanto os rói está sossegado e nem deixa que nos aproximemos. Mas não podemos andar-lhe a dar desses ossinhos a toda a hora.
Este domingo esteve feérico, parecia que lhe tinham dado corda mas com rotações a mais.
Corre, salta, rói tudo e mais alguma coisa, rouba sapatos, tira almofadas de cima dos sofás, puxa tapetes para o meio da casa -- desenfreado, alegre, feliz da vida.
De tarde, aprendeu a subir para as cadeiras espreguiçadeiras. E fica todo orgulhoso. O pior é que logo de seguida começa a roer a cadeira. Por mais que me zangue, finge que está a dormir mas está a ver se a come.
Fez também uma que me deixou passada. Na sala da lareira temos um cadeirão que tem, ao pé, um pequeno banco que funciona também como descansa-pés. Pois o little baby bear pôs as patas da frente no banquinho e, dali, saltou para o cadeirão. Então, meio molhado -- pois tinha vindo do jardim -- lá estava ele no cadeirão. Nem queria acreditar quando lá o vi. Não tarda tenho os sofás todos sujos.
De notar que isto tudo começou com o alerta de que um cachorro tão bebé não regula ainda bem a temperatura do corpo. Portanto, em vez de ficar na casota que tínhamos posto no pátio junto à cozinha, entre muros e sob um telheiro, passou a dormir numa caminha na cozinha. Estando dentro de casa, daí até cirandar por toda a casa foi um ápice. E, num instante, toda a casa passou a ser um imenso parque de diversões ao seu dispor.
Hoje a trupe do meu filho esteve cá.
A pequena fera perseguiu a bom perseguir, a correr e a latir, a minha menininha mais linda que estava halloweenescamente maquilhada e que ainda não ganhou à vontade para lhe pegar ou mexer, perseguiu o mais novo que estava de vampiro e que voou de sofá em sofá para lhe escapar e apenas poupou o mano do meio porque tinha vindo de uma festa de anos e estava mais cansado, mais sossegado e passou despercebido.
E brincou com o meu filho e com a minha nora. Mas, curiosamente, parece que não tenta mordiscar ou encavalitar-se no meu filho. Parece que há ali um certo respeito.
Entretanto, enquanto eles estavam a ver se programavam a caldeira, enfiou-se por lá e, enquanto o tentava tirar, pelo sim, pelo não, fez cocó. Depois, quando eu, zangada, zangada a sério, fui limpar, rosnou e não queria que eu me aproximasse. Tive que lhe dar uma palmada.
E, já depois de eles se irem embora, fugiu com um chinelo e o pior é que me apanhou uma caixinha pequenina de veludo que eu, sem querer, deixei cair e fugiu pela casa toda com ela na boca. Estava a ver que ma estragava e isso é que nem pensar, é muito bonita e de estimação.
Obviamente a esta hora já dorme o sono dos justos.
É impressionante como um serzinho pequeno e peludo consegue a proeza de preencher tanto as nossas vidas.
Eu que, em condições normais, escreveria um post inteiro a falar das maravilhas do outono in heaven, dos líquenes, dos cheiros, das cores, da caruma molhada, dos musgos, do silêncio, da paz... agora não faço outra coisa senão falar dele.