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quarta-feira, maio 12, 2021

Verde que te quero verde

 

Aqui em casa gritou-se a plenos pulmões Spoooooooooorttiiiiinnnnng....!!!!. Sendo contido como sempre é, quando toca ao seu Sporting, a efusividade do meu compagnon de route é total. 

De casa da minha filha, mal a coisa se confirmou, veio a alegria dos meninos. Um deles vestido a preceito, o outro mais contido, todos contentes, o meu marido de cachecol ao peito para festejar com os netos, uma videochamada de alegria partilhada.

O pai dos meninos, também sportinguista, já lhes prometeu que, no fim de semana, também vão festejar para o Marquês (de carro). Ora bem. Quem pensava que o Marquês era encarnado, que encaixe lá esta.

De casa do meu filho, encarnado convicto, veio, para o grupo da família, um desportivo 'Parabéns aos Sportinguistas'.

Quanto ao ajuntamento e à molhada que as televisões têm mostrado, uma onda verde e feliz a inundar as ruas de Lisboa (e, se calhar, do País inteiro), o que posso dizer é que hoje até o corona se vestiu de verde. 

Corona versão campeão

[E, se é certo e sabido que os sportinguistas são gente fina, só espero que o corona, certamente also in green dress code, também esteja a portar-se bem, educadamente, e que, numa de ser polite, esteja a bater as asinhas e a encolher os totós para não se enfiar na boquinha dos patuscos que, no meio da confusão, se esqueceram de usar máscara]

E viva o Sporting! E vivam os verdes de Portugal!


Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco vai sobre o mar
e o cavalo na montanha.
Com a sombra pela cintura
ela sonha na varanda,
verde carne, tranças verdes,
com olhos de fria prata.
Verde que te quero verde.

[Excerto de poema de Federico García Lorca]


sexta-feira, fevereiro 12, 2021

Algo de sonolência resignada e amável. Sem dúvida uma coisa que sucede no passado

 


Depois de me terem falado num funeral que teve que ser feito longe pois, na cidade, não havia 'vaga' tão cedo, alguém conta de um seu conhecido também com covid, mal, nos cuidados intensivos. No fim da reunião, um dos participantes tentou encurtar a reunião dizendo que tinha várias chamadas da mesma pessoa, estava preocupado. Ligou-me algum tempo depois: um amigo tinha caído inanimado, um enfarte fulminante. Os médicos batalharam e conseguiram reanimá-lo mas estava muito mal, nos intensivos. Um outro colega tinha-me contado, de manhã, que a mãe estava mal, nos intensivos, tudo nela a ir-se abaixo. Não covid: apenas tudo a correr mal.

Hoje uma pessoa perguntava sem esperar resposta: o que é isto? está tudo a desaparecer?

Também não saberia responder. A quantidade de pessoas a quem têm morrido o pai ou a mãe -- uma até, com pouco intervalo, ambos -- já nem sei dizer. Um bocado assustador.

Ouvi ao telefone o meu marido com um colega: tinha estado mal, em sofrimento. Tinha ido para o hospital, estava sem oxigénio, ficou lá. Agora está em casa mas mal, com oxigénio. Um homem novo a falar como um velho sem força.

Tento não pensar em nada disto, não ouvir noticiários que explorem a desgraça. Mas a desgraça chega até mim pela voz de colegas e amigos. Não sei se contei. No outro dia, ao telefone com um amigo, perguntei-lhe pela mãe. Sempre foi muito cuidadoso e preocupado com a mãe. Respondeu: morreu há poucos dias. Fiquei sem saber o que dizer. Perguntei se tinha sido covid. Disse que não. Apagou-se, disse ele. Estava sentada a ler, morreu. 

Não sei explicar isto. 

Só quero que venha o bom tempo. Hoje nem consegui ir ao jardim. Choveu todo o dia. Muito escuro, ventoso, frio. O tempo assim é uma tristeza. 

No trabalho, os tempos não vão tranquilos. Gente doente, gente em isolamento, equipas reduzidas. Difícil traçar planos, difícil exigir alguma coisa. Apetece também dizer que façam o que puderem, apetece deixar toda a gente em paz.

Na televisão ouço falar no dia dos namorados e fico a pensar: coitados dos namorados que não vivem juntos. Depois penso que também não é extraordinário para os que vivem juntos. Algum espaço é bom. O confinamento não é bom para ninguém. E há o carnaval. Tantas vezes que me lembro do carnaval na Galiza. O que nos espantámos com o que aquela gente se divertia, famílias inteiras mascaradas da mesma maneira. Riam, andavam pela rua a cantar, a rir. No ano em que o descobrimos, os miúdos ainda adolescentes, connosco, ficámos num hotel por cima das rias. Víamos a água debaixo de nós, o chão era de vidro. 

Tanto que me apetecia agora sair por aí, de carro, ouvindo música, descobrindo terras. 

Agora não saio daqui e não sei quando poderei sair. Ainda bem que há cuidado, tem que ser. António Costa pede regras. São fáceis. Qualquer matemático sabe estabelecer as métricas: x infectados por dia quando os hospitais estiverem a y% da sua capacidade. A dificuldade está em saber a quantos internados correspondem a montante os x infectados uma vez que, se bem percebo, isso é variável consoante as estirpes. E são estas variantes e estirpes que baralham a equação. Então, é jogar pelo seguro. Mas, como não se pode confinar-desconfinar-confinar semana sim, semana não, o melhor é garantir que a sociedade funciona com um mínimo de perturbação e um mínimo de gente em circulação. 

Por exemplo: teletrabalho obrigatório para todas as funções que o permitam. Não é ao gosto do freguês, como era. É mesmo obrigatório. Quanto às escolas, é, pelo menos, fazer secundário e universidades remotos até ao fim do ano lectivo. E é inspeccionar os sistemas de ar condicionado e obrigar a ter injecção de ar exterior. É impedir que várias pessoas estejam em espaços fechados não ventilados com ar do exterior. Obrigar a que as janelas e portas estejam abertas, caso não haja garantia que o espaço está a ter extração de ar e injecçção de ar limpo. É fazer anúncios, anúncios, anúncios. É substituir as notícias e as reportagens catastrofistas por reportagens didácticas, facilmente perceptíveis. Por exemplo: como fazer exercício em casa, como fazer uma alimentação racional em confinamento. Reportagens agradáveis, bem feitas, que saibam bem ver. No outro dia vi uma da BBC. Um gosto.

Bem. Estou cansada.

Ontem, quando fui apanhar uma laranja, vi uma coisinha branca no chão. Não percebi o que era. Baixei-me. Era metade de uma casquinha de ovo. Pequenina. Olhei para o lado. Se calhar, dali nasceu um passarinho. Tentei fotografar mas estava a chover, as fotografias saíram-me desfocadas.

Gostava ainda de contar que ontem tinha para o jantar lombos altos de atum congelado. Não bifes: não, mesmo lombos altos. Então fiz assim. Deixei a descongelar. Quando andava a fotografar o ovinho, reparei que estava uma lima caída. Muito madura. Então, numa taça de vidro transparente (e isto é relevante pois fica bonito e deve ser visto em toda a sua transparência) juntei o sumo da lima que, por sinal, era muito sumarenta, azeite, um pouco de sal, um pouco de orégãos e... claro... mel, uma colher de chá de mel. Com um garfo, bati até que virou uma bela emulsão dourada. A importância da tacinha ser de vidro incolor e transparente está aqui: a cor e a textura da emulsão ficaram lindas.

Despejei-a sobre os lombos do atum, já descongelado, que tinha colocado numa taça funda. Ficaram mergulhados. De vez em quando, virava-os. Com um garfinho de plástico, daqueles de criança do ikea, piquei-os grosseiramente, apenas para que a emulsão melhor os atravessasse. De cada vez que fiz isso, mergulhei um dedo e lambi-o. Estava deliciosa.

Umas horas depois, hesitei se não deveriam ficar assim, crus. O meu marido disse que não. Eu preferia cru mas tudo bem. Claro que poderia ter deixado um lombo cru para mim mas tenho destas coisas meio parvas, gosto que tenhamos a mesma coisa para comer.

Entretanto, num tacho, juntei água, um pouco de sal, umas cenouras, feijões verdes, batata normal e batata doce cor-de-laranja, tudo aos bocados. Cozi. Depois temperei um azeite.

Então, numa frigideira, deitei a emulsão e deixei que aquecesse. Juntei os lombos e selei vagamente em cada lado, baixo, cima, dos lados. 

Acompanhámos com salada de alface e rúcula. 

Perdoem-me a imodéstia mas acreditem: estava mesmo bom. Mesmo bom.

Mas tudo tem um lado mau. Tinha aquecido pão. Então, para além da comida que tinha no prato, comi uma bolinha molhada no molho. Aos bocadinhos, aos bocadinhos, sempre a desejar parar. Não sei quantos quilos terei a mais no fim disto tudo. A ver se consigo fazer umas refeições só de chá e fruta para ver se perco o que ganho nestes exageros.

É que, ainda por cima, descobri umas bolachas de chá e aveia cobertas de sementes que estavam quase a perder a validade. São simplesmente deliciosas. Mas imagino as calorias. Melhor nem pensar.

Portanto, é isto que tenho a reportar. A seca do costume. 

Que venha o sol e os dias grandes a ver se consigo sair desta invernia que me envolve a escrita.

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La lluvia tiene un vago secreto de ternura,
algo de soñolencia resignada y amable,



Cae o cayó. La lluvia es una cosa
Que sin duda sucede en el pasado.


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A chuva segundo Federico Garcia Lorca e Jorge Luis Borges

Pinturas de Inès Longevial ao som de Julia Stone - We All Have Feat. Matt Berninger

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Desejo-vos uma boa sexta-feira.

Saúde. Ânimo.

terça-feira, abril 07, 2020

Em dia de chuva o tema é cozido à portuguesa e outros temas de suma relevância





Todo o santo dia choveu. Mas choveu muito. Muito, muito. Água forte ao longo de todo o dia, água escorrendo por todo o lado.

E o dia muito escuro, muito frio. Não consegui sair de casa. E tive muito frio. A casa é grande, difícil de aquecer. Tenho que estar com um aquecedor por perto. Noutra ponta da casa está o meu marido, também com um aquecedor. A princípio da manhã, acerquei-me de uma porta de vidro que dá para a rua e por onde entra mais generosamente a luz. Relativamente perto dele. Mas, às tantas, estávamos os dois em vídeo-conferência, cada um na sua, uma estereofonia difícil de orquestrar. Levantei-me e fui para longe, para um canto resguardado. Mas mais escuro, mais frio. 


No primeiro dia de teletrabalho, ele abriu a escrivaninha que está ali ao canto e, sem hesitação,  aí se instalou e aí se mantém, dia após dia, de manhã, à tarde e, se necessário for, à noite. Eu já corri meia dúzia de sítios, em busca do melhor lugar. Ou me dá o sol de frente, ou fica numa zona de sombra e fica escuro mais cedo do que é suposto, ou está numa zona mais de passagem, ou isto, aquilo e o outro. O meu marido pasma com a minha procura pelo lugar ideal. Ri, encolhe os ombros, acha uma maluqueira. Não ligo. 

Claro que, quando em videoconferênia, desfoco o fundo, senão a procura teria que ser ainda mais exigente.


Mal me levantei, depois de ver os primeiros mails e de ter encaminhado um tema, fui a correr para a cozinha e pus a sopa a fazer. Sopinha de legumes temperada com ramalhete de hortelã. 

Antes de almoço, mal me despachei da última reunião da manhã, fui de novo para a cozinha e, num tacho, coloquei azeite, cebola cortadas aos bocados, três dentes de alho e frigi levemente. Juntei cinco tomates maduros de tamanho médio, um bocado de alho francês às rodelas largas, uns quantos feijões verdes cortados aos bocados, salsa que tinha congelada. Deixei amolecer. O cheirinho começou a desenvolver-se. Depois juntei dois lombos de salmão que tinha deixado a descongelar. Passado uns cinco minutos, juntei um pouco de sal e duas quantidades de água em relação à quantidade de arroz basmati que iria colocar a seguir. Quando a água ferveu, juntei, então, o arroz. Ao fim de uns oito a dez minutos, o arroz tinha absorvido o caldo. Desliguei o fogão, destapei o tacho, deixei respirar. Um cheirinho apetitoso a envolver a cozinha. Não desfazendo, ficou bem bom. E ainda sobrou um bocado que comemos ao jantar, depois da sopa.


Logo a seguir, voltámos ambos ao trabalho. Não gosto de não dar um tempo a seguir à refeição. Parece que a comida nem aterra nem acama. Mas teve que ser. Foi um dia estrafegado para ambos. Lá do fundo, o telefone não parava de tocar e, no intervalo, chegavam-me vozes de toda a espécie e feitio. E eu na mesma, atarefada, a casa invadida por sucessivas meetings. Novos tempos.

Ao fim do dia, quando pensava que já pouco faltava para encerrar o expediente, ao receber uma chamada, decidi que estava na hora de fazer a transição. Abri uma janela que é mais abrigada e fiquei, de janela aberta, a ver e ouvir a chuva em directo, quase a senti-la. Enquanto tinha ouvido o telemóvel a tocar, tinha ido a correr buscar a máquina, pendurei-a ao pescoço e, assim, enquanto falava sobre o dilúvio de pouca sorte que ameaça desabar sobre a tesouraria das empresas e sobre mudanças que são necessárias nas estratégias e nas estruturas organizativas, olhava as gotas e apontava a objectiva para captar a beleza límpida do que o meu olhar alcançava. 

Do outro lado, um colega partilhava as suas dúvidas e preocupações e eu referia alternativas e a coragem que é necessária para enfrentar decisões que aí estão para ser tomadas mas, enquanto isso, a minha alma já estava a voar de mim, já estava em busca dos verdes e dos pássaros e de tudo o que é independente das conjunturas. Ouvia-me e parecia que estava a ouvir outra pessoa. Nessas alturas desconheço-me.


Mas o dia foi bom: os números covidianos foram animadores, as notas que já chegaram de dois dos meninos muito boas, meus meninos mais queridos, um projecto de uma das meninas crescidas foi aceite como altamente promissor, e é, os telefonemas mostraram os meninos a brincarem nas respectivas casas, todos bem, bem dispostos, o meu bebé mais lindo, mais lindo, já tão crescido e a falar como um rapaz grande, os meus pais também. Tudo é frágil e nada é garantido e eu, a cada instante, penso nisso. Mas a gente vai levando. E, quando está tudo bem, sinto-me agradecida e feliz da vida.

Já vi que vai continuar a chover forte e feio até de manhã desta terça-feira e que depois vai aliviando até à hora de almoço e que só volta a chover na quarta-feira. Gosto da chuva. A chuva lava a terra, lava o mundo, lava as almas. Claro que tanta chuva, quando a gente está a trabalhar fechada em casa, acaba por ser uma coisa confinante. Mas não faz mal, não é problema, não é tema. A chuva é bonita, é boa, deixa tudo limpinho e luzidio e a terra fica com cheiro de mulher fértil e os musgos ficam grandes, macios, de uma cor requintada de veludo antigo.


Há pouco estava a fazer a lista das compras do supermercado: escrevi 'carnes, legumes e enchidos para fazer cozido à portuguesa'. Quando estava a escrever, e juro que é verdade, um plim no whatsapp. Uma fotografia. Um big tabuleiro com croquetes, uns cilíndricos e outros bolinhas. Como legenda que eram croquetes de cozido. Dizia o meu filho, chef de mão cheia, que eram bons mas difíceis de pôr bonitos. Fiquei a salivar. Logo de seguida, um plim da minha filha, a pedir que lhe dissessem receita simples de cozido para encomendar ingredientes para fazer cozido pelo Páscoa. E eu fiquei a olhar para o telemóvel: de repente, o cozido à portuguesa estava na convergência das nossas ideias. Achei curioso. E bateu-me uma saudade deles. Se no próximo domingo houvesse almoçarada em minha casa, como costuma haver, perguntar-lhes-ia se achavam bem um cozido à portuguesa e, pelo que vejo, haveria de merecer o apoio de todos. Mas paciência, este ano é um ano diferente e enquanto tivermos todos saúde para nos batermos com um belo cozido tudo estará bem.


Nestes dias em que estamos longe, destas pequenas coisas se vai fazendo a nossa proximidade.

E destes pequenos nadas se vão fazendo os nossos dias. Um após outro. A caminho do que será a nova normalidade.

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La lluvia tiene un vago secreto de ternura,
algo de soñolencia resignada y amable,
una música humilde se despierta con ella
que hace vibrar el alma dormida del paisaje.

Es un besar azul que recibe la Tierra,
el mito primitivo que vuelve a realizarse.
El contacto ya frío de cielo y tierra viejos
con una mansedumbre de atardecer constante.
(...)



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Um bom dia a todos.