Este domingo foi muito bom. Houve plantação de tomate. Leitor amigo tinha recomendado o tomate coração de boi e, tendo eu retransmitido a recomendação, o meu filho e família resolveram segui-la e plantá-los na sua horta e também ir expandir a horta plantada in heaven.
Portanto, dia de alegria, com os meninos radiantes. Tão bom para todos a largueza de movimentos, a liberdade em contacto com a natureza.
O bebé também já adora o lugar. Ri, chilreia, pega em flores, anda, senta-se, brinca. Uma alegria.
Acontece que a parte da manhã foi usada para apanhar flores, espreitar a gruta -- agora posta a descoberto depois de termos desbastado as árvores que a encobriam --, para espreitar a maravilhosa vista do terreno limpo do lado de lá da vedação, para ver como os nabos já estão a dar as caras, para bordejar por aqui e por ali.
A seguir ao almoço, o bebé foi dormir, eu e a belezura mais linda fomos também, cada uma de seu lado do bebé, o bebé ferrado e ela sempre na conversa, eu cheia de sono e ela sem se calar nem por um minuto, salvo nos segundos de intervalo em que dizia que, se entrasse alguém, nós fingíamos que estávamos a dormir. Depois quis ir pintar. E eu que não e ela que sim e eu que não e ela já a ir buscar uma tela. Lá fomos. O meu filho, que estava na sala, igualmente perdido de sono, tomou o nosso lugar na cama, ao lado do bebé. Do lado livre, pus uma almofada e encostei uma cadeira à cama.
E as pinturas começaram. Ela pintora e logo o mano a seguir também pintor.
Depois o bebé acordou -- para surpresa de toda a gente apareceu a rir à porta da sala, depois de ter saído sozinho da cama -- dei-lhe também de lanchar e, quando estava na hora de ir plantar os tomateiros, desatou a chover torrencialmente.
Portanto, a plantação, debaixo de chuva, deu-se ao pé de uns pinheiros e de uma azinheira perto de casa e não lá em baixo, na horta. A ver se vingam também aqui, no meio da caruma, apesar de pouco sol irem apanhar.
Quando a chuva amainou, ainda tentámos ir dar uma voltinha -- e os meninos até estavam munidos com binóculos, uma lanterna e uma lupa para irem espreitar para dentro da gruta -- mas desatou, de novo, a chover a bom chover e tivemos que regressar, a correr. A temperatura baixou. Ficou um dia de inverno perfeito. Ela disse ao avô: 'Devem estar uns 10º'
Quando entraram no carro, para se vir embora, o pai viu a temperatura e disse: 'Estão 10º'. Consta que ela nunca se engana.
Ainda fui apanhar couves para trazer. E, como sempre, pensei que a vida pode ser uma coisa boa, simples, vivida em harmonia com a natureza, entre afectos.
Entretanto, agora já na cidade, já fiz sopa com as ditas couves, as portuguesas e as chinesas, com as flores amarelas e tudo.
Também fiz frango estufado para o jantar de amanhã, uma espécie de jardineira, e usei um dos nabos que trouxe de lá.
E já estive a ver as fotografias e a escolher algumas para mandar à minha filha, que ela me pediu.
E já estive a ver o filme Do you trust this computer, sobre Inteligência Artificial, que ela me enviou ontem. Depois de um dia in heaven, um filme mostrando o lado estranho e perigoso do desenvolvimento. O mesmo mundo mas um parece o avesso do outro. Diferentes perspectivas sobre o mundo em que vivemos.
Passo pelos cartazes autárquicos e interrogo-me sobre a eficácia dos meios usados nas campanhas eleitorais.
Por exemplo, vejo a Cristas da Coxa Grossa em grandes cartazes mas em todos eles não é ela, a conhecida peixeira das arruaças e dos papéis coloridos com bonecos levados à Assembleia para ilustrarem ideias imaturas; quem ali está é uma figura em versão Nossa Senhora da Assunção, toda ela photoshopada, uma verdadeira santinha, sem rugas, expressão beatificada.
Depois é a Teresa Leal ao Coelho com dizeres fúteis, infantins, certamente inventados por marketeers saídos da escola.
E fico a pensar que esta gente acha que pode ser o que lhe dá na bolha mesmo que não tenha vocação ou preparação para issoou mesmo que ninguém as queira para tal. Retoques nas fotografias e slogans a la minute e aí estão elas e eles, geralmente gente do aparelho, sorrisos plastificados em caras pespegadas em cartazes de beira de estrada.
Depois, em cima disto, há as guerras figadais entre candidaturas: gente que parece odiar-se como se isto fosse uma guerra de seitas e não uma coisa limpa entre gente que, com nobreza de carácter, quer servir as populações.
Não sei qual a utilidade de cartazes, não sei qual a utilidade das tretas das campanhas nem sei se tudo isto das lutas autárquicas não devia ser limpo à mangueirada.
Claro que há executivos de grande competência e claro que há gente que está ali para pugnar pela sua terra. Não é isso. Aquilo de que falo é do clima tribal, é da falta de senso na forma como encaram as campanhas eleitorais, é do espírito caciquista que parece estar frequentemente presente nas gentes por esse país fora, como se um lugar numa Junta de Freguesia fosse caso de vida ou de morte, é do vale tudo para fazer uma lista e para tentar tornar credíveis candidaturas que não valem um caracol.
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Olha, a propósito: tantos patinhos.
Ah, não, não são patinhos, são cisnes.
Ah não, espera lá, cisnes não devem ser porque têm pescoço curto... Serão patos marrecos?
(Olha, e um pombinho...)
de Jeff J Mitchell em Edinburgh, UK, in the Guardian
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Olha, aqui abaixo quatro patinhos saltitões. Tão lindos. Tão fofinhos.
Ah, não. Espera lá... São quatro meninas disfarçadas de cisnes.
Ups... Não... São quatro calmeirões disfarçados de bailarinas.
[Les Ballets Trockadero de Monte Carlo no Lago dos Cisnes]
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Olha, os patinhos agora transformaram-se em príncipes.
Ah não, espera... transformaram-se foi em sapos...
E olha como eles dançam bem... Ah não, também não são sapinhos, são homens.
Caraças.
(Mas nada é o que parece, caraças...?)
[Guangzhou Military Performance Group - Os cisnes transformam-se em sapos]¨
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Olha... outro cisninho...!
Mas este é um cisninho-gordinho. E tem uma franja loura. Que lindo.
Não... espera... não... não é um cisninho. Nem sequer um patinho...
É uma galinha. É a galinha Donald.
E aterrou ao pé da Casa Branca...
(E logo agora que o pato Trump está a trabalhar no campo de golfe e, para se desenfastiar, a ver se arranja um sarilho nuclear).
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Eu e as pessoas que conheço, sem excepção, sabemos em quem vamos votar desde sempre. Para quê estas campanhas, feitas nestes moldes? Alguém me diz...? E aquelas duas, as pafiasas Cristas e Leal ao Coelho, estão nisto para quê? Para ver se conseguem um lugar de vereadoras? Para salvar a honra do convento e terem candidato? Senão é para quê? Para irem armar peixeirada para a Câmara?
Haja paciência.
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E assim estou, como aqui me vêem, cheia de dúvidas existenciais. Assuntos profundos que me tiram do sério, é o que é.
Portanto, permitam que me mantenha no mesmo registo e termine com alguém que, bem mais do que eu -- oh, bem mais -- sabe tecer reflexões verdadeiramente filosóficas.
E é, até, caso para dizer: ena, Jorge, tanto patinho...!
(Ah, não, perdão, também não é bem isso, é mais: Ena, Jorge, tanto patinho...!)
[João César Monteiro em Vai e Vem -- Diálogo entre pai e filho]
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma feliz sexta-feira.
Bom. Agora que já tinha falado dos ataques de fúria que a Catarina Martins tem quando está com o TPM e daquela cena marada dos bloquistas quererem mudar o nome do Cartão de Cidadão, deixei-me estar na maior preguiça, a passear por alguns blogues, a ouvir a música deles. Boa música que descubro. Este mundo tem coisas surpreendentes, e esta das descobertas ao alcance da mão é uma delas. Depois resolvi partir para a rêverie, pôr-me para aqui a efabular, coisa entre o brejeiro e o bucólico. Estava já a ver mentalmente o filme e já me preparava para arranjar uma banda sonora e umas fotografias a preceito, estava lançada na prosa, sorrindo enquanto escrevia, em estado de fluxo, uma animação.
Mas eis senão quando ouço nas notícias que o Bloco agora quer legislar no sentido de facilitar a mudança de sexo. Parei, parei com tudo.
No meio da crise dos bancos, dos offshores, da crise em Angola e das nossas exportações para lá a caírem a pique e os emigrantes a regressarem, e de mil problemas e de mil coisas que afectam meio mundo, será que facilitar a mudança de sexo é coisa assim tão prioritária? Pergunto.
Ouvi: querem que seja possível a partir dos 16 anos e mesmo sem consentimento médico. Caraças. Uma coisa na base do levezinho. O jovem quer e toma, muda lá de sexo e não se fala mais nisso.
Caraças, não é que o assunto, em si, não mereça atenção. Imagino que quem padeça do mal da indefinição ou do desajustamento do sexo sofra perdidamente mas, bolas, o que não falta é gente com problemas tão ou mais graves: os que estão acamados e sem dinheiro para pagar a cuidadores, os cuidadores que ficam quase escravos daqueles a quem cuidam, o drama dos deficientes em cidades, vilas ou aldeias sem condições de mobilidade, as pessoas que precisam de fisioterapia e não têm como pagar deslocações ou que não têm quem as acompanhe ou os prepare para irem sozinhos, as mães trabalhadoras (pior ainda se forem solteiras, divorciadas ou viúvas) que não têm com quem deixar os filhos quando estão doentes, os desempregados sem subsídio de desemprego e sem perspectivas de arranjarem trabalho... sei lá, mil, mil problemas, mil, a carecerem de solução.
Porquê, então, esta fixação nestas questões do género?
Numa rápida pesquisa pela internet, vejo que a questão não deve ser vista de uma forma simplista como se estivéssemos perante uma causa fracturante, mas sim como uma patologia que carece de tratamento e cuidado acompanhamento psicológico. Veja-se, por exemplo, o vídeo abaixo para se perceber de que se está a falar, um caso em que dinheiro para lidar com o problema nunca terá faltado.
“Call Me Caitlyn” - Documentário
Não tenho conhecimentos sobre o assunto nem nunca pensei o suficiente nele para sentir vontade de me informar melhor.
O que sei, assim de repente, ao ouvir a Catarina desembestada a atacar o António Costa, ao mesmo tempo que a paródia do Cartão de Cidadão que elas querem que seja de Cartão de Cidadania por uma questão de género, imagine-se!, e logo a seguir, esta de legislar para facilitar a mudança de sexo -- o que penso é que há aqui uma questão de agendamento de temas que, a continuar neste comprimento de onda, ainda leva o Bloco para o ponto em que estava há uns anos atrás.
É que podem ser temas importantes mas tal a inoportunidade e a simultaneidade com que se lançam em assuntos deste género que a coisa tenderá, naturalmente, para a paródia.
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Acabemos com dança: meninas para o palco, please.
Ballet Trocadero - Pas de Quatre do Lago dos Cisnes
No post abaixo já mostrei o Super-Juiz-Alex no Terço da Farinheira. Vale a pena ver para se perceber como ele é. Só gostava é de ver a letra do supersónico catador de milhões de provas (conforme li num jornal: no decorrer das buscas foram recolhidas milhões de provas. Gostava é de saber como é que se dá a volta, em tempo útil a milhões de provas mas, enfim, isso também não interessa para nada). Não sei se há documentos na net que tenham a sua letra manuscrita. Gostava de exercitar os meus dotes de grafóloga e, de caminho, tirar-lhe a pinta.
Mas, enfim, o Super-Alex não é agora para aqui chamado, é só no post a seguir.
Aqui a conversa é outra. Noite de sexta-feira é noite de descompressão. Faz hoje uma semana que, quase acabada de chegar, pronta para uma noite descansada in heaven, recebi um sms da minha filha: 'Já sabes que o Sócrates foi preso?!'. Então, estupefacta, quase à medida que ia sabendo do que se passava, fui escrevendo. Foi uma noite de sexta-feira atípica essa de há uma semana.
Uma semana depois, acabo de saber que Sócrates telefonou para o Expresso e disse que se sente mais livre do que nunca.
Ri ao saber disto. É dele. E acredito que seja verdade, que se sinta livre. Se ele se sabe inocente, se tem grandes reservas de dignidade - e acredito que as tenha -, deve sentir que, quando tudo se tiver provado, voltará de novo a andar em liberdade, forte e lutador. Ou seja, se sabe que está inocente, José Sócrates sabe que sairá a ganhar desta guerra tão violenta.
E, portanto, a vida continua e uma sexta-feira continua ser uma sexta-feira. E esta sexta feira é a badaladésima black friday e o Um Jeito Manso, que gosta de se armar em fashion, alinha.
.. 1 ..
Debica indícios cronista, debica, e bolça certezas [diz Ferreira Fernandes a propósito de João Miguel Tavares, essa criatura que é uma de muitas que infestam os meios de comunicação social e que, sem rigor e ao sabor das suas inimizades pessoais, se arrogam o direito de insinuar acusações sobre quem querem - no DN ]
João Miguel Tavares que,
segundo Ferreira Fernandes,
é um pedaço de asno
(e eu é rara a vez que o leia ou ouça
que não pense a mesma coisa)
João Miguel Tavares julga que por olhar muitas vezes para uma mulher a consegue engravidar. Ora, o indício de um interesse não garante a prova do teste positivo. Ontem, defendeu, no Público, que os "fazedores de opinião", a expressão é dele, deviam culpar Sócrates porque "ali entre 2007 e 2011, (...) se não havia provas, havia infindáveis indícios". A tese é velha, muitos dizem-na assim: "Não há fumo sem fogo...", "Eu cá não sei, mas dele já ouvi do piorio..." Geralmente ouço o mesmo sentado no banco de trás, enquanto o taxímetro avança
NB: Este assunto tem uma sequela. João Miguel Tavares replicou e escreveu 'As 50 sombras de Fernandes' dando assim a resposta a Ferreira Fernandes. Sobre isto, falo aqui.
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.. 2 ..
Aproximadamente [diz Fernanda Câncio no DN, respingando algumas das muitas contradições de Felícia Cabrita, revelando como, com o mesmo tom de suspeição, esta diz uma coisa e o contrário: ora são luvas, ora é herança, ora a casa é dele, ora é de outra pessoa, mas, seja como for, de tudo e do contrário Sócrates é culpado ]
Laura Passos Coelho com Felícia Cabrita,
a bógrafa do marido
Felícia Cabrita, 22 de novembro de 2014, TVI: "Estamos a falar de corrupção, toda a gente percebe. Este dinheiro tem a ver apenas com este período em que José Sócrates [JS] esteve à frente do país, de 2005 a 2011. (...) Terá recebido luvas no montante de 20 milhões de euros aproximadamente."
Felícia Cabrita, 22 de novembro de 2014, TVI: "Assim [com o esquema que imputa a JS, em que os alegados 20 milhões estariam em nome de um amigo mas seriam de JS, usando o amigo o dinheiro para comprar casas à mãe, que por sua vez o entregaria ao filho] JS pode justificar publicamente a vida que tem e a casa que tem Paris é paga com a herança que recebeu da mãe."
Desculpem que transcreva o texto que acompanha o vídeo. Como sempre acontece, o texto não tem nada a ver com o vídeo mas, enfim, abre o apetite. O palavreado não é de salão mas a história não mete salão: mete sala de averiguações, mete um investigador a não conseguir dar conta do suspeito. Pode parecer que estou a escrever a propósito do Rosarinho ou do Super-Alex mas não, juro que é mesmo matéria da Porta dos Fundos. A ver é se nunca aparece um destes ao Super-Alex senão nem sei que medida de coação lhe iria ele aplicar. Credo, nem imagino. Se calhar frigideira - nem que tivesse que mandar construir uma lá no pátio da prisão de Évora.
Suspeito basicamente é o cara com cara de suspeito que se desconfia que tenha feito alguma merda. Quando não se tem um suspeito, enfia-se a porrada em algum cara suspeito pra que ele confesse ser suspeito mesmo não sendo suspeito de merda nenhuma. Quando se tem um suspeito, enfia-se a porrada do mesmo jeito pra ele deixar de ser otário e aprender que não devia ter cara de suspeito. Em outras palavras, ser suspeito não depende de você. A não ser que ser suspeito seja alguma tara erótica e te dê tesão. Mas aí eu sou suspeito pra falar.
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.. 4 ..
A melhor short story
Um jornal dava um prémio a quem fizesse a melhor short story que envolvesse sexo, religião e mistério.
Depois de apurada selecção, o prémio foi para a seguinte:
"Oh meu Deus... estou grávida... Quem terá sido...?"
.. 5 ..
A ESTRANHA BELEZA DA LÍNGUA PORTUGUESA
Um político que estava em plena campanha chegou a uma pequena cidade, subiu para o palanque e começou o discurso:
“Compatriotas”, “companheiros”, “amigos”!
Encontramo-nos aqui, “convocados ”, “reunidos” ou “juntos” para “debater”, “tratar” ou “discutir” um “tópico”, “tema” ou “assunto”, o qual me parece “transcendente”, “importante” ou de “vida ou morte”. O “tópico”, “tema” ou “assunto” que hoje nos “convoca”, “reúne” ou “junta” é a minha “postulação”, “aspiração” ou “candidatura” a Presidente da Câmara deste Município.
De repente, uma pessoa do público pergunta:
- Ouça lá, porque é que o senhor utiliza sempre três palavras, para dizer a mesma coisa?
O candidato respondeu:
- Pois veja, caro senhor: a primeira palavra é para pessoas com nível cultural muito alto, como intelectuais em geral; a segunda é para pessoas com um nível cultural médio, como o senhor e a maioria dos que estão aqui; a terceira palavra é para pessoas que têm um nível cultural muito baixo, pelo chão, digamos, como aquele alcoólico, ali deitado na esquina.
De imediato, o alcoólico levanta-se a cambalear e 'atira':
- Senhor “postulante”, “aspirante” ou “candidato”, (hic) o “fato”, “circunstância” ou “razão” pela qual me encontro num estado “etílico”, “alcoolizado” ou “mamado” (hic), não “implica”, ”significa”, ou “quer dizer” que o meu nível (hic) cultural seja ”ínfimo”, “baixo” ou mesmo “rasca” (hic). E com todo a “reverência”, “estima” ou “respeito” que o senhor me merece (hic) pode ir “agrupando”, “reunindo” ou “juntando” (hic) os seus “haveres”, “coisas” ou “bagulhos” (hic) e “encaminhar-se”, “dirigir-se” ou “ir direitinho” (hic) à “leviana da sua progenitora”, à “mundana da sua mãe biológica” ou à “puta que o pariu”!
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.. 6 ..
Paquita Grand Finale
[Os Trocks em grande estilo]
Les Ballets Trockadero de Monte Carlo,
Música de Ludwig Minkus, Coreografia de Marius Petipa
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The end - atéporque, à hora a que aqui estou a chegar no texto, já é sábado
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Relembro: para procissões cantadas nas quais desfila o Super-Judge Alex desçam, por favor, até ao post que se segue.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um bom fim de semana.
Depois do cão misógino e dos ursos vingativos que andam a violar ministros espertalhões (ver dois posts seguintes), faço agora agulha para o mundo real.
Como já vos disse estou em retiro. Não é que se lixe a troika ou que se lixem as eleições mas apenas um interregno na minha disposição para me indispor.
Os dias têm sido passados na maior paz, sem sombra de noticiários radiofónicos; e telejornais viste-os.
Apenas há pouco ligámos a televisão mas, estando eu, ao mesmo tempo, agarrada ao computador, pouco prestei atenção. Um ou outro comentário, uníssonos, sobre o conjunto vazio que continua ser a Reforma de Estado do Portas, um desavergonhado chorrilho de banalidades e imprecisões, misturando coisas que são gestão corrente com intenções avulsas.
Mas qual o espanto? Esperavam o quê?
Aquilo é o exemplo acabado do Princípio de Peter. Como já várias vezes aqui me deitei a analisar, é minha opinião que Paulo Portas, algures no seu percurso de vida, se perdeu de si mesmo. Muito ambicioso, inteligente, quase involuntariamente metido em intrigas, obcecadamente agarrado ao telemóvel, sempre a cruzar informações, refém da sua rede e de si próprio, de Paulo Portas, na política, pouco mais haverá a esperar. Diz-se e desdiz-se, pinta a manta, reformula o que disse, troca as tintas, baralha e dá de novo. Um bailarino, o rei das piruetas.
Em três anos não conseguiu fazer o bendito Guião para a Reforma do Estado nem é agora, a caminho do fim do governo, que o vai conseguir. De cada vez que for chamado a mostrar o que tem andado a fazer, constataremos que o que andou a fazer é nada. Zero. Bola.
Constrangedor.
Depois nem sei bem o que mais para aí andam a armar, pois ouvi toda a gente a insurgir-se contra o desbragado uso eleitoralista de tudo o que mexe, que a propaganda mais miserável está no terreno e que os atentados à inteligências dos portugueses são permanentes. Mas estas críticas, segundo me pareceu, não são exclusivamente para o Portas, são até mais para o Coelho. Nada de mais, portanto.
Posso, pois, continuar alienada à vontade que o mundo continua a girar à mesma velocidade e a coligação está afanosamente a afogar-se na porcaria que faz a uma velocidade cada vez mais acentuada.
De resto, parece que a Judite recomeçou com as suas Grandes Entrevistas mas o meu marido disse que tinha visto num anúncio que era com o Porta Moedas e, portanto, não estivemos nem aí. A quem é que, à superfície da terra, interessa saber a opinião de tão cinzenta e desinteressante criatura?
E, portanto, não tendo visto, também não me posso pronunciar sobre a toilette da Judite, se estava de bela perna ao léu ou de bota botilde, se a maquilhagem e o cabelo estavam bem, etc.
E estou tão cheia de sono que ainda não é hoje que vou conseguir cumprir com o que tinha em mente. Queria falar-vos das minhas leituras e transcrever algumas passagens mas já não dá.
Mas, ao menos, mostro-vos umas conchinhas tão bonitas que apanhei esta manhã. Claro está que o meu marido não percebe isto. Ao fim de tanto tempo, ainda não conseguiu perceber, lá anda ela a apanhar conchas..., ar vagamente reprovador. Não ligo, claro, e prossigo. Lindas. Vou ver se consigo fazer um buraquinho no topo de cada uma para, à vez, as usar no fiozinho de ouro que uso rente ao pescoço.
Preciosas, lindas na sua fragilidade. A natureza está cheia de milagres.
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As jeitosas lá de cima fazem parte do Ballet Trocadero e estão a dançar o Pas de Quatre do Lago dos Cisnes
A imagem manipulada é obra do autor do blogue We Have Kaos in the Garden.
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Para ursos felpudos e castigadores desçam, por favor, até ao post seguinte.
Para cães maricas desçam ainda mais um.
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Por agora, fico-me por aqui. Não apenas o meu marido volta e meia dá meia volta na cama e refila, todo zangado, que isto não são horas para estar de luz acesa como eu própria me apetece é ir dormir.
Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo dia.
Ia dizer um belo dia de praia mas, enfim, não vos quero fazer pirraça. :)
Os funcionários públicos vão levar com mais um corte? E então? Deviam era estar contentes por ainda receberem ordenado.
E os pensionistas do Estado também vão levar mais um corte? Coisa pouca, para aí mais uns 10 ou 11%? Ora! Comprem menos remédios ou gastem menos dinheiro em fraldas... Temos lá nós, os não reformados, que andar a sustentar extravagâncias. Vão trabalhar!
E que mal tem que a história da taxa do Portas fosse mesmo só uma cortina de fumo para disfarçar o chumbo grosso que se prepara? Nenhum. É uma táctica usual, ora essa.
E vá lá, não sejam picuinhas, que mal tem que uma vez mais o desGoverno ande a divulgar medidas a conta gotas, pelos jornais? Que mal tem isso?
Tanto protesto até já chateia. Para que é que vocês, ó pobrezinhos, desempregados, reformados, doentes e acamados, andam tão refilões? Então não vêem que os vossos protestos são tão maçadores....?
Vamos mas é todos comer e calar, certo? Ser meninos lindos, caladinhos, fazer de conta que não percebemos nada e irmos ficando cada vez mais pobrezinhos, mas um pobrezinhos bem educadinhos, se faz favor.
E olhem lá: quanto àquilo da administradora do Banif, banco intervencionado, quase 100% nas mãos do Estado, ter ganho quase um milhão de euros, vamos também ficar de boca caladinha, está bem? Afinal, que mal tem que a D. Conceição Leal até se ande a rir com esta crisezeca...? Então porque não haveria a Sãozinha do Banif, que foi responsável pelas operações no Brasil (ruinosas, por acaso), receber um prémio de gestão de mais de meio milhão de euros? Vá, não sejam invejosos...
Austeridadezinha é que é bom, sermos todos cada vez mais pobrezinhos também é bonito e está tudo bem e malcriados são os que protestam. Entendidos?! Vamos lá a andar contentinhos com isto tudo, certo? Parem de protestar, não gosto nada de gente indelicada. Gente com mau feitio, senhores! Faz favor de se deixarem morrer com delicadeza.
Vocês acham que os senhores do desGoverno não sabem o que andam a fazer e ficam para aí todos incomodados. Não sei porquê. Acham que eles batem com a cabeça na parede uma e outra e outra vez e não aprendem e ficam todos revoltados porque é a vossa vida que está em causa. Mas, ó meus Amigos, que interesse é que tem a vossa vida? Vá lá, caiam na real, não se achem importantes... Além disso, o que vocês mostram, com a vossa tristeza e indignação, é que não têm sentido de humor. Quem é que vos disse que aquilo a que estamos a assistir não é um filme cómico? Eu inclino-me para isso.
Até porque eu, cá por mim - vocês conhecem-me, sou toda sorrisos e gracinhas, falo sempre com o meu jeito manso - não sou nada de refilices. Querem cortar? Cortem à vontade. Um braço? Querem cortar-me um braço, é isso? Está bem e levem também o outro. Sou toda peace and love.
Além do mais, eu cá até nem gosto nada de política. E números...? Zero. Sou um zero. Não percebo nadica. Acho que ainda sei menos que a nódoa do Gaspar. Atenção que não estou a chamar nódoa ao Gaspar, estava mesmo a referir-me a uma nódoa que ele tem na cabeça, dentro da cabeça. Desculpem-me, enganei-me, queria dizer que ele tem uma nódoa nas cuecas. Ai desculpem, nas cuecas não, que ele é todo prá frentex, não usa roupa interior, consta que anda sempre sem cuecas. Como andava sempre com elas na mão, agora já desistiu. Bem, mas isso também não interessa.
Vamos mas é ver gente inteligente e engraçada que é o melhor que fazemos.
***
E tenham, meus Caros Leitores, um domingo vivido na maior das boas disposições!
Num dia em que já se levantavam vozes pedindo uma prova de vida de Cavaco Silva ou, então, que fosse declarado incapacitado, eis que, inesperadamente, o senhor saíu do recato a que se tinha votado e disse umas coisas aos jornalistas. Ia inaugurar um hotel, fizeram a gentileza de o convidar e ele fez a gentileza de se mostrar vivo. Pareceu-me um bocado parado, por momentos pensei que a minha televisão estivesse com um desfasamento entre a imagem e o som, o senhor abria a boca e não saía nenhum som. Mas depois, quando arrancava, a imagem estava sincronizada com a fala; talvez fosse apenas que estava destreinado de falar.
Tirando isso, nada de especial aconteceu.
Seguro foi a Belém e Cavaco diz que o encontro foi muito frutuoso (ou seria frutado...? - desculpem, esta foi influência de ter visto uma reportagem sobre um perfumista, um nez português).
O Tozé, por seu lado, diz que está pronto para governar. Ora bem, temos homem.
Vítor Gaspar, por seu lado, para não o acusarem de não acertar uma, agora, logo à partida, diz ele próprio que não acredita em nada. Diz que não garante que nada disto corra bem, que o regresso aos famosos mercados vai ser quando tiver que ser, que não precisa da Constituição para escaqueirar o Estado Social e que controlar a dívida não é para já, nem sabe para quando será, talvez dentro de algumas décadas. Porreiro, pá, diria o outro.
O melhor do dia foi para o homem que parece que foi de propósito aos Açores para se meter com o Relvas. Parece que foi de véspera, instalou-se no mesmo hotel, num quarto mesmo ao pé do de Relvas e, imagine-se, terá tentado entrar no quartinho do senhor doutor ministro. Para lhe fazer uma visitinha? Apenas para lhe deixar uma lembrancinha? Gastou o dinheiro do avião e do hotel só para ir visitar o Relvas ao quarto?! Querem lá ver que o Relvas arranjou um amigo especial? Um amigo colorido, será?! As fotografias mostram um homem com as calças um bocado descaídas e, como o estavam a agarrar e, na fotografia está de costas, vê-se o início do rabiosque. Foi preso, tenho pena. Dizem que insultou o senhor doutor, coisa mais chata. E é tudo o que tenho a dizer sobre o caso.
Lá por fora, o que retive é que os socialistas europeus se preparam para apresentar uma moção de censura a Durão Barroso. Não percebem o que tem o homem lá andado a fazer. A UE a desfazer-se, a Alemanha a pôr e dispor, e ele ali, cherne de águas profundas, na moita, caladão. Não percebem qual é a dele. Ninguém percebe.
*
E, como não sei ainda quem é que vai ganhar as eleições nos EUA (seria possível que pudesse ganhar um sujeito como o Romney?!), vou antes mostrar-vos os meus últimos livros.
Estive aqui a fazer uma instalação para os fotografar. Sabem que sou dada a coisas artísticas e, por isso, instalei-os em cima de peças de roupa que hoje vesti. Juntei ao conjunto, para a fotografia, uma pequena estola de pseudo pele tigreza para dar um certo toque selvagem. Tenho destas coisas.
Os tons de Outono e os meus últimos livros
Passo então a reportar, dando uma de professor Marcelo - a ordem é a dos ponteiros do relógio e a escolha de um pequeno excerto de cada um dos livros é totalmente aleatória.
Óleo sobre tela de Gina Picart
Aqui passo os meus dias e as minhas noites. Não espero nada, não espero ninguém. Habito esta casa sem saber até quando; já não me pergunto, limito-me a permanecer. Pinto o céu, as rochas, o mar e as vastas extensões de areia até onde chega a minha vista. Pinto para mim.
Mel de Ian McEwan
Chamo-me Serena Frome (rima com plume) e há quase quarenta anos fui enviada numa missão secreta para os serviços de segurança britânicos. Não regressei incólume. Dezoito meses depois de ingressar fui despedida, tendo caído em desgraça e destruído o meu amante, embora não reste dúvida de que ele teve um papel activo na sua ruína.
Os monstros também amam de Clara Sánchez
A minha filha achava que eu era um velho louco e sem remédio, obcecado por aquele passado que já não interessava a ninguém e do qual não era capaz de esquecer nem um dia, nem um pormenor, nem um rosto, nem um nome, mesmo que fosse um nome alemão comprido e difícil, e no entanto era frequente ter de fazer um grande esforço para me recordar do título de um filme.
Diários de Al Berto
Perturbam-me estes versos que avançam, as sombras das mãos, suaves como o perfume das ilhas. E não consigo dormir. Fumo cigarro atrás de cigarro, conto e reconto os nós da madeira das portas, e não consigo dormir. Nada me pertence aqui, no entanto tenho medo destes móveis, destes objectos, como se fossem meus e não soubesse que destino dar-lhes.
O concerto interior, evocações de um poeta de António Osório
Começo por lembrar Beppa, como lhe chamava meu Pai, e era invenção sua, corruptela amorosa de Giuseppina. Entre as minhas figuras femininas, ocupa o primeiro lugar. Sem nunca ter vindo a Portugal, antes de se casar em Florença na Basílica di S. Lorenzo, tirou um curso de puericultura num instituto dessa cidade - tenho ali o diploma. Por isso, depois de eu nascer em Setúbal, fui tratado como exigiam essas imperiosas normas (alimentação rica em cálcio, verdura e fruta, pouco sal e mínima gordura).
A arte do romance de Milan Kundera
CS: Mas os romances não são todos necessariamente psicológicos? Isto é, debruçados sobre o enigma da psique?
MK: Sejamos mais precisos: todos os romances de todos os tempos se debruçam sobre o enigma do eu.
Resgatados, os bastidores da ajuda financeira a Portugal de David Dinis e Hugo Filipe Coelho
6 de janeiro de 2011, quinta-feira
Impaciente, José Sócrates saíu do seu gabinete para a sala lateral. Aproximou-se do computador que estava em cima do móvel e carregou no teclado. O ecrã negro encheu-se de números e letras, dados financeiros quase encriptados. Em baixo, um cursor piscava, pedindo um comando que ele nunca tinha de memória. Entre as suas qualidades não se contava a de lidar com computadores. Chamou a secretária e pediu-lhe que o pusesse a funcionar.
A vista desarmada, o tempo largo - Antologia, Poetas em homenagem a Vasco Graça Moura
Que porque Vasco
Vai um abraço e a consoante muda
e espero que me acuse a recepção
com p e pau e uma vogal mamuda
e até um til com barbas e brasão.
E se alguém perguntar
tu lhe dirás
que porque como ele contra acordo
estás
até o ver no chão
que nem
um tordo.
E mais dirás canção
que porque Vasco e porque tem
a língua de Camões no coração
Manuel Alegre
*
O primeiro clip é de bailado e mostra-nos O Lago dos Cisnes interpretado pelos divertidos Trocks, isto é, pelo grupo Les Ballets Trockadero de Monte Carlo.
O segundo é uma animação representando auma das músicas da banda sonora de O piano.
*
Pronto, fico-me por aqui - passa da 1:30 da manhã e continuo sem perceber se as tendências apontam no sentido do Obama ou se há verdadeiro risco de ganhar o outro. Ficava giro o mundo, com uma esperteza como o Mitt à frente dos EUA, ficava, ficava...
Mas, antes de me ir deitar, vou ainda convidar-vos a virem comigo até ali ao meu Ginjal e Lisboa. Hoje as minhas palavras brincam com palavras, em volta de um poema de Maria Teresa Horta dedicado a Vasco Graça Moura. A música é uma maravilha, Isis de Jean-Baptiste de Lully.
*
Desejo-vos, meus Caros Leitores, um dia muito feliz (apesar do vendaval que se anuncia e que já se passeia aqui na minha janela).
Estive ocupada todo o dia, sem receber telefonemas. À
hora de almoço vi que tinha, entre as chamadas não atendidas, duas da minha
amiga, duas do marido. Contudo não deu para ligar de volta.
Apenas ao fim da tarde pude devolver algumas e comecei
por ela – estava cheia de curiosidade, eu. Esta minha brincadeira tem perigos
vários e nem toda a gente tem estômago para digerir a gracinha.
Música, por favor
Para Elisa - Beethoven
Mas ela continuava
no mesmo registo, solta, inocente, ‘então ontem gostaste do sítio. É giro, não
é?’. E eu pensei cá para mim, ‘mas querem lá ver que agora deu em pomba-lesa..?
Então, depois do que eu relatei, aquilo a que ela prestou mais atenção foi à
descrição do local…? Mamma mia…!’.
Mas entrei no registo, ‘há quanto tempo está
aquilo ali, que eu nunca tinha ouvido falar?’, que ‘está muito agradável’, que ‘as
bolachinhas com sementes estavam uma delícia’, 'as de gengibre também, tens razão', que ‘o chá era muito bom’, que ‘nunca
tinha experimentado aquela mistura’ (lembro-me lá eu que chá é que bebi!) e ‘quem
são as donas daquilo?’, e contou-me que eu as conheço (e eu sei lá de quem é
que ela estava a falar!) mas, enfim, converseta simpática de fim de tarde. Até
que, finalmente, a voz fica outra, quase adolescente, e me diz ‘O que achaste
dele? Já sei que achas giro, que achas que cheira bem, que achas que é um
sedutor, que achas que a voz é boa para dizer poesia, já li isso tudo… mas, de
resto, conta lá…’.
Fiz uma pausa, respirei, o que havia eu de dizer? Mas,
enfim, ‘olha, não tinha esta ideia dele, costumo vê-lo na televisão a
invectivar o capitalismo selvagem, a apresentar propostas num tom sempre super
engagé, não me passaria pela cabeça que afinal houvesse ali uma alma de poeta,
sei lá, olha, fiquei muito admirada, que queres que te diga…?’. E ela: ‘Pois,
já viste, quem vê caras não vê corações, não é? Ao princípio também fiquei
admiradíssima. Um espanto. E tenho aprendido imenso com ele, tem uma cultura
fantástica, e tem-me incentivado como tu nem imaginas’ e a voz era de devoção.
‘Incentivado como?’, perguntei, ‘incentivado a fazer o
quê?’
‘Mas, olha, é que nem ias acreditar!’ e riu. Depois, sem
pausa, mudando de assunto: 'Não pode com o meu marido; aliás, quando se refere a
ele é o vendido do teu marido, o chinês, o botões de punho. Farto-me de rir’ e
eu outra vez sem saber o que dizer. Do outro lado, ela ria. Quando eu ia
começar a tentar perceber ‘…mas olha lá, afinal…’, interrompeu-me, ‘olha,
linda, vou ter que desligar… adivinha quem me está a ligar…?’
Beijinho, beijinho.
A meio do telefonema tinha-me levantado e tinha falado a
olhar pela janela. Quando a chamada acabou, deixei-me cair na cadeira. ‘What
the hell…!?’, interroguei-me.
Bebi água, respirei, olhei lá para fora e liguei então para o chinês (esta é boa…!)
Muito seco: ’Sim, diz’ e eu ‘digo nada. Estou apenas a
responder às tuas chamadas’.
Como se acordasse, ouvi-o a respirar fundo, pausa, pausa,
como se estivesse a ganhar fôlego, e então ouvi-o a cantar:
A Nau Catrineta - Fausto
[‘Lá vem a nau Catrineta/ que tem muito que contar/ouvide,
agora, Senhores/ uma história de pasmar. Passava mais de ano e dia/ que iam na
volta do mar/ Já não tinham que comer / já não tinham que manjar’ (...)]
Desatei-me a rir: ‘Engraçadinho..! Fausto? Almeida
Garrett? Mas que bem...’ e ele a rir também: ‘Já que ficaste derretida com o diseur... eu
faço ainda melhor, até canto…! Mas olha lá, por falar em não ter que papar,
então ontem foste conhecer a bicha?’
‘O quê?!’, quase gritei.
‘Ouviste bem. Queres ver que não
percebeste…, a bicha, a grande amiga da minha mulher. Andam sempre as duas a
fazer programinhas juntas, ele é leituras de poesia, ele é concertos de fim de
tarde, ele é bailados, acho que a bicha gosta muito de ballet, já para não
falar nas longas conversas ao telefone às tantas da noite…, nem sei até se não
vão ao cabeleireiro juntas…’
‘Estás parvo. Só pode. Bicha?! Não estás bom da cabeça’,
respondi-lhe.
Conheço-lhes os tiques. Para começar, dão-nos sempre uma
espreitadela corpinho abaixo, não com ar de quem está interessado mas para
verem o que a gente traz vestido. Bicha?! Nem pensar.
Mas ele ria-se, ‘Estou a
dizer: bicha, bicha. Aliás, aquilo lá está cheio delas.’
‘Aquilo lá…?!
De que é que estás a falar?, eu sem perceber.
‘Sim, mais do que uma organização política aquilo lá é o
braço esquerdo da ILGA, ou da LGBT ou lá como eles chamam àquilo, elas umas
sapatonas, eles uma bicheza, intelectuais, reivindicativas, azedas.’
‘Estás parvo, credo. Conservador, preconceituoso, que
horror, cada vez estás pior, agora até homofóbico, que coisa...!’, e rematei: ‘Nem sei como é que a tua mulher ainda tem
paciência para te aturar’.
Riu-se: ‘Nem eu. E, olha, tomara que não...’
‘Não percebi. Tomara que não o quê?’, perguntei-lhe. Esta
gente tem o condão de falar por meias palavras, que chatos.
Mas já ele mudava de conversa: ‘Olha, ontem tive um
jantar e depois os tipos não quiseram ir logo para o hotel, quiseram dar uma
volta a pé. Entrámos numa livraria e vi um livro de que vais gostar. Amanhã ou depois passo por tua casa para o deixar. Pode ser?’
‘Podes. O que é?’
‘Nada de mais, logo vês’. E depois, voz sisuda: 'Escuta. Esta conversa não pode, obviamente, ser reproduzida. Estás a ouvir? Senão ainda me aparece aqui, na companhia, a bicha a desafiar para um duelo. Ouviste? Estou a falar a sério. Acho que já chega de te armares em menina má. Desta vez, por favor, não o faças, estás a ouvir? Mas olha, se te queres meter com as duas, põe lá um clip com aqueles gajos que dançam ballet vestidos de mulheres.'
Beijinho, beijinho. Fim de chamada.
E eu fiquei ali a rebobinar o filme de ontem e de todas
as vezes que vi o caviar gauche na televisão. Bicha?
No way. Deve ter sido ela que inventou esta para o despistar.
Só pode.
!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
E, portanto, para te fazer a vontade, meu amigo, aqui deixo a oferta, em teu nome, para a tua mulher e para o sedutor e interessante diseur (qual bicha, qual carapuça!)
(E, já sabem, estas peripécias encontram-se arrumadas no separador 'Folhetim' que, caso queiram ler de seguida, poderão seleccionar aí ao lado à direita, lá para baixo)