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A newborn baby at Praram 9 hospital in Bangkok, Thailand Photograph: Lillian Suwanrumpha/AFP/Getty |
Já aqui falei muitas vezes: parece que uma disrupção qualquer se deu em mim. Fracturei. Este confinamento, o teletrabalho, o ter vindo viver para o campo, esta deslocação no espaço e parece que também no tempo, tudo isto operou em mim um efeito que nem eu entendo. Não consigo imaginar-me a voltar a trabalhar como trabalhava antes, enfiada no carro, enfiada numa fila de trânsito, enfiada horas a fio numa torre hermética. Contudo, pode acontecer que tenha que me readaptar. Não sei porquê mas há pessoas que não percebem que há coisas que é melhor não contrariar. Se for forçada a violentar a minha vontade, talvez ceda. Mas tão contrariada que melhor fora se não.
Mas tudo é bizarro no que vejo acontecer-me. Do vendaval que as minhas células experimentam e que me levam a querer experimentar toda a espécie de mudanças já aqui falei sobejas vezes. Mas hoje quero falar de um outro efeito que tudo isto está a produzir em mim. É que parece que tudo o que vejo à minha volta, nesse tal mundo exterior, é disparatado, improvável, estúpido, dispensável. Parece que não tenho nada a ver com isso, como se eu vivesse aqui, em paz, e, lá fora, num mundo estrangeiro, só acontecessem macacadas, cenas maradas, coisas que teriam sido impensáveis há pouco tempo.
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A woman shopping in Granada. Spain Photograph: Jorge Guerrero/AFP/Getty |
Por exemplo, quase ao acaso, de entre notícias do dia:
Enquanto uns já se preocupam com a segunda vaga, como a China e a Europa Ocidental, outros tentam regressar à normalidade num cenário de incerteza, como Espanha e Portugal, que deram um passo atrás em algumas regiões. Cidade inglesa de Leicester voltou a fechar após novo surto
A administração de Donald Trump adquiriu mais de 500 mil doses do medicamento contra a covid-19, o que significa toda a produção mundial de julho e quase a totalidade referente a agosto e setembro.
Nova variação do vírus da gripe com potencial para se tornar uma pandemia foi identificado na China por cientistas. É transportada por porcos, mas pode infetar seres humanos.
O bastonário da Ordem dos Médicos afirmou hoje que o hospital Amadora-Sintra "já ultrapassou o limite da sua capacidade" e que teve de transferir 50 doentes com a covid-19 para outras unidades de saúde.
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A band do their sound check before live streaming a concert in Washington, US Photograph: Eva Hambach/AFP/Getty |
E li também sobre a atitude de Fernando Medina. Não gostei. Tinha-o em melhor conta. Com esta sua oportunista e desleal atitude recuo e tiro-lhe o tapete. Bem sei que ele passa bem sem o meu tapete sob os seus pés. Mas o pior é quando um e outro e outro e outro fazem o mesmo. Pode acontecer que, quando der por ela, esteja de gatas, apeado. Roma não paga a traidores. E eu nem a traidores nem a populistas.
Marta Temido ou Graça Freitas podem, uma ou outra vez, não ter sabido exactamente como agir. Mas penso que só gente burra ou estúpida acredita que poderiam ter feito melhor. Só se fossem bruxas e adivinhassem o que a comunidade científica de todo o mundo ainda não descobriu. O que tenho visto nelas é ponderação, bom senso, sangue frio, dedicação, inteligência, força anímica, resiliência, amor ao país. Deveríamos agradecer-lhes por tudo o que têm feito num contexto desconhecido, incerto, traiçoeiro. De cada vez que vejo alguém, na bancada, a dizer uma coisa ou o seu contrário, conforme sopra o vento e acusando estas duas bravas mulheres de não terem feito ou acontecido só penso que é uma pena que seja dado palco a gente burra e oportunista. Penso que António Costa, Marta Temido e Graça de Freitas têm estado bem a gerir todo este processo e espero é que muitas vozes se levantem para lhes agradecer.
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A couple have lunch at a restaurant in Paris, France Photograph: Alain Jocard/AFP/Getty |
Li um post de Sofia Loureiro dos Santos que acho que deve merecer destaque. É a voz de uma médica e é a voz de uma pessoa lúcida e, do que lhe tenho lido, intelectualmente honesta.
Transcrevo na íntegra e aconselho a que o partilhem (e, se puderem, o esfreguem na cara do Medina!):
Há coisas que, por muito que racionalmente saiba que são assim, sempre me surpreendem.
Fernando Medina, após as notícias de que António Costa se teria irritado com os técnicos e com a ministra da Saúde, não sei se por iniciativa própria ou se por estratégia concertada, resolveu abrir fogo.
Instalada a ideia de que a pandemia está a correr mal em Lisboa, é preciso arranjar responsáveis por este facto (alternativo). Já ninguém se lembra, e também não interessa a ninguém lembrar, que há escassas semanas as mesmas autoridades, as mesmas chefias e os mesmos exércitos eram os melhores do mundo.
Em primeiro lugar, após a decisão de reduzir as medidas de confinamento e há já várias semanas, temos uma evolução de novos casos à volta de 1% , uma letalidade a reduzir-se paulatinamente (à volta de 4%), o número de internamentos e de camas de UCI ocupadas também controladas. Até hoje, e felizmente, temos conseguido controlar a pandemia apesar da pobreza, das desigualdades gritantes, nomeadamente na região da Grande Lisboa, da imensidade de imigrantes em situações precárias, dos bairros sociais, dos lares clandestinos, dos transportes apinhados, do escasso número e do envelhecimento dos profissionais de saúde, da obsolescência dos sistemas informáticos, da inadequação dos equipamentos, do cansaço, da necessidade de retomar a economia e a sanidade mental.
Estes problemas já existiam antes da pandemia e não desapareceram nestes últimos meses, altura em que éramos o exemplo mundial no combate à COVID-19. Por isso as palavras de Fernando Medina são ainda mais obscenas. Já agora, o que fez ele, como responsável autárquico, para tentar resolver o problema do distanciamento físico nos transportes públicos? Será que não podia, por exemplo, implementar o desfasamento de horários para mitigar as horas de ponta? Aumentar o número de autocarros alternativos? Ou mesmo usar uma varinha mágica e acabar em 2 meses o que não conseguiu em 5 anos?
É uma pena que o SARS-Cov-2 não se comporte como António Costa gostaria. Nós todos preferiríamos que ele tivesse desaparecido, que o conhecimento sobre máscaras, desinfecções, confinamentos e desconfinamentos, terapêuticas, etc, fosse maior e mais certo.
A evidência científica perde terreno nestes tempos de chumbo. Não é só Trump nem Bolsonaro. O pensamento mágico substitui a racionalidade. E a forma como os responsáveis políticos manipulam os factos e a opinião pública para os seus proveitos é tão asquerosa quanto velha.
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A man cycling in Wuhan, China Photograph: Héctor Retamal/AFP/Getty |
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Fotografias do Guardian - Coronavirus and the return of plastic – in pictures
Rüdiger Krause, Carla Bley e Steve Swallow interpretam Lawns
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Boa sorte, alegria e saúde a todos quantos por aqui me acompanham