domingo, dezembro 31, 2023

Agora que me despeço deste 2023, eis o que se me oferece dizer sobre ele e sobre o que desejo para 2024

 

Penso muitas vezes, se calhar quase todos os dias, que não quero ocupar o meu tempo com situações que não me agradam e que podem ser evitadas. Tento ser rigorosa nisso pois de grande parte das desagradáveis não posso fugir. Por isso, ao menos das que não me interessam e que estão nas minhas mãos, tento fugir.

Desejei tanto reformar-me, desejando imenso usufruir do meu tempo em plena liberdade. Tive que protelar esse momento sobretudo por amizade e solidariedade para com uma pessoa por quem nutro grande estima e a quem não ia abandonar numa altura em que estava a passar por uma delicada situação de saúde. Por ele mas também pelos trabalhadores que poderiam sentir-se também abandonados se viesse a verificar-se um vazio na gestão da empresa caso eu saísse, pois ele estava com algumas limitações (que não queria que ninguém soubesse, contando comigo para o ajudar a gerir esse momento). Portanto, aguentei-me para além do que tinham sido as minhas expectativas.

Quando finalmente o consegui, arranjei uma inflamação num joelho que quase me impedia de andar e que me obrigou a exames. A seguir tive covid. A seguir à covid não conseguia parar de dormir.

Por essa altura a situação clínica da minha mãe teve um surpreendente agravamento, tendo sido internada. Quando teve alta, julgando eu que tudo se apaziguaria, não. Todos os dias a minha mãe tinha sintomas que a angustiavam e para os quais nem eu nem os médicos encontrávamos explicação. 

Por sua vontade, quis recentemente ir para um local com corpo clínico residente, julgando-se sentir aí medicamente mais apoiada. Pensei que, nessa altura, poderia eu descansar pois alguém haveria de conseguir lidar com a situação. Contudo, sem que ninguém conseguisse perceber porquê, aconteceu o contrário, a situação agravou-se. 

Está há já quase duas semanas internada e todos os dias há razões de preocupação. Chego, pois, ao fim deste ano que não me tem sido nada fácil, submersa em apreensão.

Isto faz-me lembrar o que aconteceu com os meus pais. A minha mãe reformou-se mais cedo, o meu pai um pouco depois. Nessa altura, o pai do meu pai e a mãe da minha mãe estavam vivos mas de vez em quando estavam doentes e os meus pais, por um motivo ou por outro, nunca queriam ir de férias para longe pois primeiro pelo meu avô e depois pela minha avó, temiam sempre que houvesse algum problema mais grave, algum desenlace, e queriam estar por perto.

Quando a minha avó morreu, a última, pensei que talvez nessa altura os meus pais conseguissem usufruir em tranquilidade da sua reforma. Mas não. Algum tempo depois o meu pai teve um AVC, responsável pelo seu progressivo declínio ao longo de cerca de doze anos.

Pensei eu que a minha mãe, que tinha acompanhado o sofrimento do meu pai, quando ele partiu, faz três anos e meio, iria poder usufruir da sua liberdade. Ainda andou na universidade sénior, estava connosco, ainda foi de férias connosco para o Algarve e ainda foi a uma excursão com uma amiga. Mas foi sol de pouca dura. De há cerca de ano e meio a esta parte começaram os problemas com ela.

E eu acompanhando todas estas evoluções, ou seja, na prática, também sofrendo eu estes problemas.

É a vida. Nada a fazer. Quando se vivem vidas longas acontece isto.

Tive um colega que, pelo telefone, tinha longas e audíveis discussões com a mulher. Eu estava no gabinete ao lado e não podia deixar de me rir com o despautério dos temas que os levavam a pegar-se daquela forma inflamada. Contudo era inseparável dela, a quem tratava por 'a minha namorada'. Reformou-se, todo feliz por poder ver-se livre de chatices e poder gozar a vida em liberdade com a sua namorada, ir com ela para uma casa de família no norte. Pois, imagine-se, ao fim de poucos meses, sem qualquer aviso prévio, um dia, na sala, julgando ele que ela tinha adormecido no sofá, percebeu que afinal tinha tranquilamente morrido, sem um ai. Foi um choque, claro, sobretudo para ele e para as filhas. Mas também para todos nós que não conseguimos ver como vai ele poder viver sem a sua eterna e fogosa namorada.

Enfim. É o que é. Não se escolhe. Todos gostaríamos que não houvesse sofrimento envolvido mas, quando não há, também custa pois as partidas são inesperadas, uma amputação precoce.

Enfim. Uma conversa meio triste, esta. Que chatice, estar a maçar-vos com estes assuntos. Preferia estar aqui na brincadeira. Mas não consigo.

Há muitas situações que não dominamos, que nos condicionam, que nos obrigam a ocupar o nosso tempo com elas e não com o que queríamos. E a que a nossa consciência não permite que nos soneguemos a elas. Ainda hoje a minha tarde foi passada com uma tarefa que me custou bastante, quer física quer, sobretudo, psicologicamente. Vim esgotada. E, quando fico fisicamente esgotada, parece que fico desidratada e com a tensão baixa de mais. Mesmo em baixo. Não conto porque não me apetece estar a falar de coisas que me custam. Um dia contarei.

Vou entrar no ano novo e, para mim, nem sei bem o que deseje. Claro que quero saúde, vida longa e boa, alegria, boa sorte e felicidade para mim, para a minha família, para os meus amigos. Penso sobretudo nos meus queridos filhos e nas famílias que constituíram, e, muito em especial, nos meus tão amados netos. Para eles, do mais fundo do meu coração, desejo tudo, tudo, tudo de bom. 

Mas, dada a situação da minha mãe, sei que os meus votos, no caso dela, devem ser adaptados mas, sinceramente, nem sei como adaptá-los. Ainda há pouco uma das minhas primas me lembrava que a complexidade do quadro não permite optimismos. Bem sei. E isso é uma sombra que me acompanha, uma sombra muito escura, muito pesada, quase esmagadora, nesta recta final do ano, nesta entrada num ano novo.

Mas tenho que relativizar. Obrigo-me a isso. Na minha situação deve haver muito mais gente, pessoas com familiares doentes e relativamente aos quais manda o bom senso que não se alimente a esperança em aparatosos milagres. Para quem me lê e que esteja nessa situação desejo ânimo, força, coragem, aceitação. 

E o que dizer, então, dos que vivem em cenários de guerra, gente corajosa que não tem culpa de ter nascido num local onde caem mísseis, onde há fome, falta de apoio na doença, onde a esperança é um conceito muito abstracto...? Nestes casos, só posso desejar que alguém consiga apear os bandidos, os assassinos, os facínoras, e que a paz seja possível. E para os que sofrem os horrores da guerra desejo que acreditem que melhores dias virão. Devaneio meu, certamente, este desejo por justiça e por paz. Mas é o que desejo.

Desejo também que a democracia e a liberdade sejam respeitadas e amadas em todas as partes do mundo em que as há e que possam ser uma realidade onde as não há. Desejo lírico também este, bem sei. Mas é também o que desejo.

Cá em Portugal, desejo que o Partido Socialista ganhe as eleições legislativas e consiga formar um Governo estável e forte que saiba honrar os votos que receber dos eleitores e que saiba desenvolver e modernizar o País, levando melhorias a todos os portugueses e a todos os imigrantes que queiram trabalhar, viver e contribuir para o crescimento sustentável do País. Gosto muito do meu país. Para ele quero o melhor. 

E agora, descendo à realidade aqui deste cantinho, do blog onde nos encontramos à fala, quero agradecer a vossa presença aí desse lado, uma presença que me acompanha e anima. Espero que compreendam a minha ausência de resposta a comentários e mails mas, ainda assim, aceitem as minhas desculpas. Para todos vão os meus votos de um feliz 2024. Desejo-vos tudo de bom. Tudo o que desejo para mim e para os meus desejo-vos também, meus queridos Leitores. Que continuemos a encontrar-nos por aqui ao longo de 2024. 

sábado, dezembro 30, 2023

Os altos voos e as estrondosas quedas dos Unicórnios....

 

Acontece-me, com alguma frequência, pensar que devo ser mentecapta por não ver o que que todos os outros parecem ver. Acontece que, quando isso acontece, sou uma verdadeira mula: obstinada. Dizem-me que o caminho é por ali, ouço louvar a maravilha do caminho e, não o vendo, não apenas me questiono sobre a minha falta de perspicácia como me recuso a encarneirar, a fazer coro. Nem consigo disfarçar. Nem consigo estar por perto.

Se não padecesse eu um pouco do síndrome do impostor em que, de vez em quando, penso que se expuser abertamente todas as minhas convicções ou pensamentos corro o risco de passar por convencida e parva, e diria que já era tempo de dizer abertamente que quando uma coisa não me convence é porque não tem pernas para andar, tarde ou cedo, a maravilha vai ao fundo.

Já me aconteceu isso com diversos unicórnios ou tendências ou negócios altamente auspiciosos, louvados, incensados, levados ao colo pela comunicação social, pelos investidores, pelos deslumbrados. 

Em tempos, lá onde eu trabalhava, convidavam um ícone da inovação e do empreendedorismo, na altura quase uma pop star. Não digo a quem me refiro pois não vale a pena bater num ceguinho que já passou à história. Mas, na altura, em reuniões mais restritas ou em encontros de quadros, lá estava a estrela convidada a dissertar sobre o sucesso dos seus métodos, dos seus negócios, de como motivava as equipas, de como todos eram o máximo. Ar blasé, ele sorria de mansinho ouvindo os elogios vindos de todo o lado. E eu agoniada, achando tudo um bluff, desde a ideia, o negócio, até ele próprio. Baldei-me a uma ou duas, sendo considerada deselegante, quiçá de vistas curtas, conservadora. Mas não aguentava. Era demais para mim.

Inclusivamente, assisti a forjaram-se joint ventures, entrar como investidores, apostar no boost, injectar dinheiro para a coisa alcançar a lua. E eu achava que devia estar tudo parvo, que eu não meteria um euro meu naquilo, que aquilo nem do sítio onde tinha nascido conseguiria sair.

E não saiu. Anos depois fui tudo ao fundo, falido, um bluff, um balão cheio de nada, uma treta. Não se aproveitou nada de nada.

O meu colega e amigo que gostava de me aconselhar e que se cansava a apelar à minha contenção e moderação, viria a dizer uma vez mais: concordo, tinha razão. Mas ter razão antes de tempo é o mesmo que não ter razão. 

O que aquilo me cansava.

No meio de néscios sempre prontos a deslumbrarem-se com quimeras e 'modernidades' (e ponham aspas nas modernidades), os chico espertos vingam que só visto. 

Agora é a Farfetch. 

Antes era o máximo. A bolha crescendo, o homem como um astro. Grandes artigos sobre ele. 

[São os mesmos jornalistas burros que não conseguem ver um palmo à frente do nariz e que se entretêm a maldizer todos os que querem genuinamente trabalhar enquanto endeusam os fazedores de unicórnios e os vendedores de banha da cobra.]

Muitos colaboradores meus falavam-me dos amigos que trabalhavam na Farfetch. Grandes edifícios cheios deles, jovens entusiasmados com o desafio da grande empresa internacional cotada em Nova Iorque. E eu abria o site e só via treta a preços absurdos e interrogava-me com a lógica e o interesse daquilo. Nunca vi um único artigo que me desse vontade de comprar. Nada. Zero. Tudo aquilo me parecia desprovido de sustentabilidade. Mesmo que visasse um público de mau gosto, que nade em dinheiro e que se pele por marcas pensava que o unicórnio tinha perna curta. 

Claro. Já foi. Os investidores ficaram a chuchar no dedo, agora a marca é coreana, vai ser injectado dinheiro a uma taxa de juro de 12,5% (imagine-se!) e vamos ver o que será feito daqueles jovens que andavam tão entusiasmados. Estão revoltados, claro. Arranjarão outro trabalho, claro. Mas, pelos vistos, também tinham embarcado, não tinham percebido que o fulano, com ar de actor de novelas da Globo, deveria ter tentado a carreira artística.

Rodrigo Lombardi, gémeo separado à nascença, é Moretti em Travessia

Mas o que fico sempre a pensar nestas situações é isto: como podemos confiar na presciência dos jornalistas económicos quando falam da economia real se já os apanhámos tantas vezes em falso? Ainda por cima nunca se retratam. Poderiam vir depois pedir desculpa, reconhecer que se tinham enganado, poderiam vir prometer que doravante seriam mais escrupulosos, mais exigentes, mais rigorosos.

Mas não.

Assim andamos. Parece que gostamos de ser iludidos, parece que mais depressa endeusamos os bluffs do que reconhecemos o mérito a quem realmente o tem. O mundo parece que é uma gaiola de malucos. Essa é que é essa.

sexta-feira, dezembro 29, 2023

Imortais...?

 

Daqui por algum tempo deixará de haver velhos tal como hoje os conhecemos. "É possível voltar atrás no tempo", diz bióloga.

Rostos enrugados, carnes flácidas, peles cansadas, cabelos sem viço... serão coisa do passado. 

Bryan Johnson antes e agora
Poderosos deste mundo, alguns dos quais não apenas almejam a juventude eterna como, também, a vida eterna, financiam investigações que vão de vento em popa. Jeff Bezos é um deles. Bryan Johnson, outro. 

Até que haja produtos testados e aprovados ainda demorará algum tempo. Por enquanto os bilionários vão injectando o sangue fresco dos filhos, fazendo tratamentos experimentais e, certamente, ao olharem-se ao espelho, sentir-se-ão pioneiros ao fazerem recuar o tempo.

Há qualquer coisa de compreensível nesta vontade de fazer parar os efeitos do tempo no nosso corpo. Podendo uma pessoa manter uma pele firme, lisa, iluminada, qual o gozo em deixá-la vergar sob os efeitos da erosão?

Dizem que o caminho da extensão da esperança de vida é para continuar, e claro que é (assim não apareçam vírus ou catástrofes que o interrompam), mas que, com a crescente longevidade, virão novas doenças. É natural.

Jeff Bezos antes e agora
Por muito que gostemos de nos abstrair do lado físico da questão, a verdade é que o corpo é uma máquina e, por muita manutenção preventiva e preditiva que lhe façamos, lá virá o dia em que uma peça, uma pequena peça, um inofensivo órgão, se desgasta e, desgastando-se, desestabiliza o equilíbrio do todo. Também aqui há avanços pois a manutenção reactiva de hoje quase consegue reverter todas as crises mas, por muito que queiramos, milagres, milagres, não os há. Pode haver surpresas, coisas incríveis, mas milagres, travar indefinidamente o tempo, travar o curso da natureza, isso não há.

Vive-se mais e mais e mais anos e isso é bom mas não será isso, ao mesmo tempo, perverso? Não se corre o risco de que, aos poucos, insidiosamente, se vá criando, nas mentes, a ilusão da vida eterna?

Quando um dos meus tios, um que me era particularmente querido e a quem pedi para ser meu padrinho de casamento, irmão mais novo da minha mãe, soube que tinha cancro no pulmão, reagiu com bonomia. Sorrindo, disse que já tinha vivido mais do que muita gente e que tinha tido uma vida boa, que estava tudo bem.

Quando eu soube que havia em Cuba um tratamento muito esperançoso, falei com a embaixada de lá, tratei de saber quais os caminhos para ele lá conseguir ir tratar-se, informei o meu primo, ele falou com o médico, eu transmiti à embaixada as dúvidas processuais. E durante toda essa minha demanda, o meu tio não quis saber, já não estava para se meter em aventuras, em experiências, em viagens, achava que não valia a apena, preferia estar quieto e esperar tranquilamente pela sua hora. E essa hora afinal chegou cedo, bem mais cedo do que se pensaria, pois no dia em que ia a mais uma consulta e em que o meu primo ia tratar com o médico do que eu lhe tinha transmitido, o meu tio, ao sair do carro para ir para o consultório, sentiu-se mal e morreu ali mesmo. Não chegou a sofrer o sofrimento que talvez lhe estivesse guardado nem sentiu as angústias da morte.

Mas para quem está agarrado à vida, com vontade de viver muito mais anos, com o sonho de continuar a ver ainda por mais alguns anos a evolução da família, com vontade de continuar a ter saúde e a mesma vitalidade, destreza e agilidade que teve a vida toda, a perspectiva de que a incontornável parede está a poucos passos e que todos os caminhos conduzem a esse beco sem saída traduz-se num desgosto imenso, numa tristeza intratável. Nesses casos, a vida longa, em ver se ser vista como uma bênção, acaba, na recta final, por ser uma fonte de ansiedade, temor, pavor, angústia mortífera, negação, infelicidade.

Como referido acima, dizem os artigos sobre as investigações em curso que, com a maior duração da vida, virão novas doenças. É natural. Não apenas as células, quando atingido o fim do prazo de validade, entram em descontrolo, algumas multiplicando-se desordenadamente, entrando por onde não devem, como alguns mecanismos, 'preparados' para um determinado funcionamento, entram em disrupção, em falência, não cumprindo a sua missão, produzindo substâncias indevidas ou deixando de filtrar outras que acabam por funcionar como veneno.

É isto que queremos? É para aí que caminhamos?

Tudo muito ilógico, parece-me. 

O que aconteceu nas nossas sociedades para que tantas loucuras aconteçam? Porque nos esquecemos da nossa condição efémera? Porque desaprendemos a arte de viver e apreciar as coisas simples e o 'agora'? Porque passámos a querer tocar a eternidade? Porque só pensamos no futuro e, ao mesmo tempo, deixamos que o medo do que nele possa acontecer passe a infectar as nossas existências?

Eu não sei. Só sei que não me parece saudável nem me parece que nos traga mais felicidade.

quinta-feira, dezembro 28, 2023

Em cima de tudo, a gripe

 

Quando passeamos por aqui à noite não encontramos ninguém. As luzes dentro de casa estão acesas, as pessoas estão lá dentro mas as casas, por fora, apresentam-se silenciosas. Por vezes passamos por casas em que há muitos carros à porta. Percebemos que deve haver festa. E, no entanto, não se ouve nada cá fora. 

Naquele corredor do hospital é a mesma coisa. Estive um bom bocado fora do quarto, a minha mãe estava a dormir e eu queria falar com uma enfermeira ou com uma médica, estava a ver se as via, e tive uma estranha sensação. Parece que se está numa ala deserta. Passado um pouco ouvi uns sons estranhos, não percebi se era alguém que ria com voz de criança, se era alguém que chorava. Depois, logo a seguir, de novo, o silêncio. Apenas de vez em quando um piiiii, o som de algum aparelho. Mas logo depois o silêncio. Quando veio o carro com os lanches, vi que as funcionárias iam deixar o lanche a cada quarto. Percebi depois que alguns doentes conseguem alimentar-se sozinhos. Outros não, vai uma funcionária dar a comida ao doente. Mas tudo em silêncio. 

No meio daquela ausência branca, saiu um homem de um quarto. Cumprimentou-me com um ar também um pouco ausente. Passado um bocado regressou trazendo consigo um rapaz -- um homem jovem com ar assustado, olhos baixos, silenciosos -- que devia ser o filho. Pensei que deveria ser a mulher do homem que estava no quarto, a mãe do rapaz. Julgando pelas idades deles, pensei que a mulher deveria ser da minha idade. Pensei também: tomara que nunca eu dê tamanha preocupação ao meu marido e aos meus filhos. Mas estas coisas não se escolhem. É uma questão de sorte. Uma roleta russa.

Com a minha mãe, tal como a minha filha disse desde o início, continua a ser um dia de cada vez. Não é uma realidade linear em que a evolução seja previsível. Uma mistura de montanha-russa e, lá está, de roleta russa. 

E há outra coisa. A sensação de impotência, sempre esta sensação. A todos os níveis mas também a um nível mais prático: o não se saber quando e o que será o day after, quando tiver alta, o não saber como funcionam as diferentes possibilidades, o não haver um local único onde possamos informar-nos de todas as hipóteses. Ando de site em site, procuro aqui, procuro ali, tenho dúvidas, percebo que antes compreendi mal. Assim ando.

No meio disto, depois de vir de lá, resolvi que devia ir ao shopping trocar uma coisa que recebi de presente e que não me ia bem. O prazo para trocas era o dia 2 mas pelo meio há o fim de semana e o ano novo e nunca sei o que vai ser. Se calhar também me apetecia distrair-me. Fomos. Muita gente. E, pelo meio, telefonemas. Vim cansada. 

E continuo engripada. Penso que devo estar com a dita gripe A. Lá no hospital, de máscara P2, com tosse e calor, estava a ver que a tensão me baixava, que o ar me faltava, estava mesmo a sentir-me mal. Estar assim, nariz tapado, cheia de tosse e não poder tirar a máscara durante muito tempo foi uma coisa um bocado má, custou-me mesmo. Em situação normal, uma pessoa tosse à vontade, bebe água. Com máscara, naquela ala, não dá para espalhar micróbios. Portanto, foi resistir. 

Consolei-me, ao chegar a casa, com um belo banho quente. Mas sinto-me cansada. Cansada. E com os pés gelados (apesar das meias bem quentinhas).

Mas, enfim, todos os males fossem as gripes e as tosses e os cansaços. 

Sobre notícias e televisões e etc., nada, não vi nada, não tenho nada a comentar.

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Desejo-vos um dia feliz

Saúde. Ânimo, Paz.

quarta-feira, dezembro 27, 2023

A desonestidade intelectual já chateia
-- A palavra ao meu marido --

 

O António Costa fez a comunicação habitual de Natal e, como também é habitual, todos lhe caíram em cima. 

Como agora é moda, tudo quanto é  politico da oposição (não sei se alguma das chamadas Fontes de Belém também já comentou) vem dizer que o PM se esquece das dificuldades das pessoas, que vivemos pior que mal, que os portugueses não têm dinheiro nos bolsos e mais uma enorme quantidade de desonestidades intelectuais que, essas sim, têm uma fraca adesão à realidade. 

Vamos a factos. 

Se por acaso os políticos tivessem o cuidado de ler as estatísticas, tanto nacionais como estrangeiras, e fossem intelectualmente honestos verificarão que houve uma evolução muito positiva durante os anos de governação do António Costa que se reflete na evolução dos salários, no crescimento da economia, no aumento significativo da percentagem de exportações que contribuem para o PIB, na gratuitidade do pré-escolar, na baixa taxa de desemprego e tudo isto com as contas certas. Claro que isto causa um enorme embaraço à direita e  uma não menor dor de cotovelo ao Cavaco e aos seus "descendentes". A inflação parece estar controlada. E isto aconteceu com uma pandemia e duas guerras pelo meio. Se por acaso os comentadores tivessem o cuidado de se documentarem e analisarem correctamente a informação existente  ou se fossem isentos teriam um discurso diferente e consentâneo com a realidade do País. Mas geralmente são tão pouco conhecedores e tão pouco letrados nas matérias que comentam que a percentagem de disparates que dizem é enorme.

Esta ideia de penúria do País expressa nas televisões e nas rádios e escrita nos jornais quando confrontada com os factos que presenciamos no dia  a dia também não tem pernas para andar. 

Vejamos:  

    • Este ano os portugueses gastaram mais 10% no Natal do que o ano passado. Estamos em situação de penúria? 
    • Sempre que ouvimos anunciar um concerto referem na mesma notícia que o mesmo esgotou de imediato  e que o artista teve que anunciar novas datas. Estamos em situação de penúria?
    • Este ano fui várias vezes às compras  a vários Centros Comercias e estavam todos a abarrotar. Estamos em situação de penúria? 
    • Os restaurantes estão cheios, os hotéis estão cheios, as viagens vendem-se muito bem, como nunca, o número de automóveis vendido disparou,... Estamos em situação de penúria? 

Um pouco de honestidade intelectual não ficava mal aos políticos da oposição e aos comentadores. E os jornalistas melhor cumpririam o seu papel se soubessem, com lisura, competência e isenção, exercer algum contraditório.

Informem-se, leiam, estudem e transmitam a realidade e não as efabulações que congeminam. Para começar, posso sugerir, meramente a título de exemplo, a leitura de Assim vai a economia (4): Desmentindo o "ciclo do empobrecimento"

terça-feira, dezembro 26, 2023

Agradecer e abraçar

 

Afinal o dia de Natal não foi cá em casa. Eu com dores de garganta, meio engripada mas sob controlo. O meu filho, depois de bem atacado, já quase bom, embora ainda com tosse, mas a minha filha pior, a sentir-se doente, a sentir que não devia sair de casa.

Estávamos a ver as coisas mal paradas. Natal sem estarmos juntos e, em especial, sem que a criançada esteja junta não é Natal. Mas, felizmente, tudo se resolveu pelo melhor. Fomos nós ter com ela. Esteve com máscara e almoçou fora da mesa, embora perto de nós, não fosse contagiar os demais (os demais que ainda conseguem aguentar-se livres do bicho).

Eu e ela provavelmente apanhámo-lo nos hospitais por onde temos andado. Parece que está meio mundo apanhado.

De tarde, ver a minha mãe, por via das dúvidas, só meu filho e a minha nora. Encontraram-na menos queixosa, melhor encarada. Face ao estado em que a vimos, quase parece milagre que esteja a recuperar tão bem.

O meu marido foi para o parque com os rapazes. Não passam sem uma futebolada. Até o mais pequeno já gosta de se pôr à baliza. Se daqui por uns anos derem conta de dois irmãos mais dois irmãos, primos uns dos outros, todos guarda-redes, provavelmente dois pelo Sporting e dois pelo Benfica, já sabem que serão os meus quatro queridos rapazes.

Desta vez, despassarada e atordoada como tenho andada, incapaz de atinar com combinações, foi o meu filho que cozinhou as carnes. Óptimas, no ponto, saborosas e bem cozinhadas. É um chef, o meu filho. Eu limitei-me a fazer batatas raclette e molho de tomate.

Desta vez não levámos o cão maluco. Impossível num apartamento cheio de gente, com miúdos barulhentos, com o momento de agitação que sempre é o da troca de presentes, com bolas de futebol à mistura, com comida à mão de semear, com um movimento permanente. Portanto, foi mais tranquilo pois se, em cima disso, tivéssemos um cão a querer abocanhar tudo e toda a gente a zangar-se com ele, teria sido mais complicado.

Quando chegámos a casa, de noite, o bichinho, coitado, estava como sempre está nestas ocasiões: nervoso, amedrontado, com receio de vir à vontade ter connosco. Temos que lhe fazer festinhas e fazer-lhe perceber que não ficou de castigo, que não estamos zangados com ele. Quando percebe isso, fica numa alegria desmedida, salta e atira-se para o chão para lhe fazermos festas, brinca à nossa volta. Fomos fazer uma caminhada nocturna, o ar gélido, eu agasalhada e a recear piorar. E se calhar piorei mesmo. Estou para aqui cheia de frio, cheia de arrepios. Já bebi um chá quentinho e daqui a nada vou chupar outra pastilha. A ver se isto não se complica para aqui.

Entretanto, enquanto escrevo, vou vendo o que os meus amigos vão enviando sobre os seus natais, outros vão publicando piadas. E a minha filha encaminhou a fotografia de uma amiga comum, em casa, com as suas crianças. Todos muito bem vestidos, chiques, mesmo, as meninas vestidas de igual, todos sossegados, direitinhos, a fazerem pose para a fotografia. Fico sempre intrigada. Como conseguem? As nossas fotografias são o desconchavo habitual, uns sentados no chão a jogarem ao 'vírus' (se é que percebi bem), outros estendidos no sofá relax, um deles quase a fazer a cambalhota, por fim esse em tronco nu. Tinha pensado que neste dia de natal iria tentar que ficássemos na escada, todos sentados, a família toda junta. Afinal não aconteceu. A ver se no ano novo.

Não falei dos doces. Estou desconcentrada e a sentir-me meio adoentada. Gaita. Adiante. A minha filha tinha pavlova de chocolate e arroz doce e eu levei dois bolos da padaria portuguesa. E a minha nora levou mousse feita pela mãe. E bombons. E, uma coisa muito boa, um prato de belas bolachinhas, muito saborosas, feitas pela minha menina mais linda, tão querida, que gosta de também colaborar na confecção da ementa natalícia. Com tudo isto, sobraram muitos doces. Trouxe algumas bolachinhas e o que sobrou dos dois que levei, e congelei. Descongelo no ano novo.

E, com isto, a semana começa numa terça-feira. Não parece, não é? Diria que, no máximo, seria segunda-feira. Mas não senhor. Terça feira. Continuo desfasada das rotinas mas, agora que parece que a esperança numa recuperação não é ficção, a ver se consigo encaixar as idas ao hospital sem quebrar a rotina da piscina ou das leituras ou da escrita. Não sei bem como consegui-lo mas acho que terei que tentar porque senão parece que nem sou bem eu. Isto já para não falar que há não sei quanto tempo que não conseguimos ir ao campo, à nossa maravilhosa casinha in heaven. Enfim. Uma coisa de cada vez. É o que me dizem, é o que a minha filha está sempre a dizer-me: um dia de cada vez.

E pronto. O Natal já passou e daqui a nada o ano também já se foi. Mas estamos aqui e isso é o que importa. Agradecer e abraçar. E seguir em frente. É isso, não é?

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Maria Bethânia - "Agradecer e Abraçar"


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Muito obrigada pelas vossas palavras simpáticas e não levem a mal que não agradeça a cada um, está bem?

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Um dia feliz
Saúde. Força. Paz.

segunda-feira, dezembro 25, 2023

Uma borboleta natalícia

 

O almoço foi o resto do arroz de peixe do jantar da véspera. Para o jantar de Natal, da parte que me tocava, só tinha que levar o bacalhau para fazer lá. Mas lembrei-me de fazer uma empada de aves para levar. Depois logo conto como a fiz. Parece que foi apreciada. 

Cozinhei as aves na parte da manhã, antes de irmos fazer a caminhada. 

Depois de almoço, montei-a e levei-a ao forno. E, entretanto, fui deitar-me no sofá cá fora. Não estava ao sol e foi pena pois arrefeci um bocado. Pensei que seria bom se dormisse um pouco. Mas não dormi.

Então, vi um esvoaçar ao de leve na buganvília por cima de mim. Umas asas pequenas. Pensei que seria uma borboleta grandinha. Por ali andava, de flor em flor. Mas então vi que era um passarinho pequenino. Uma doçura. Pequenino, clarinho, um gracioso pom-pom. Eu imóvel, tentando que não se assustasse. Foram momentos mágicos. Esvoaçou, brincando, dançando, fofíssimo. 

Depois, o urso felpudo que estava deitado aos meus pés deu um salto e a borboleta natalícia, mais propriamente um passarinho-borboleta, voou para longe. E eu enchi-me de coragem para me levantar e ir à minha vida.

Tirei a empada do forno, acondicionei-a, guardei o que era de levar nomeadamente os sacos com os presentes e lá fomos.

Paragem no hospital, claro. A médica disse-me que, se ela estivesse a dormir, eu não a acordasse. Mas estava acordada. Confirmou que no dia seguinte, isto é, hoje, seria dia de Natal. Perguntou-me as horas, diz que ali acaba por não ter bem noção das horas que são. Melhor encarada, mais desperta, menos queixosa, a reagir. Perguntei-lhe qual o pin do telemóvel para o caso de se desligar. Sabia-o na ponta da língua. Eu, por via das dúvidas, tenho sempre que ir confirmar o meu. A médica diz, com algum espanto, que está totalmente orientada, totalmente lúcida. Mesmo nos dias em que estava num estado periclitante o estava. Quase sem voz, quase a dormir, dizia o que queria, dava instruções, respondia a todas as perguntas. Uma memória e uma capacidade de raciocínio perfeitas. Melhores que as minhas.

Vim de lá mais animada.

Acontece que agora, para além do mais, estou mal da garganta. Obviamente ao pé dela estou de P2 (já para não falar de bata e luvas). Tenho estado a chupar pastilhas e espero que não vá a mais. 

De lá segui para os festejos das vésperas natalícias. Pelo caminho mais mensagens amigas, algumas de ex-colaboradores. Mesmo alguns que já não trabalhavam comigo há anos não esquecem as palavras amigas. Um deles, de que me lembro ainda tão bem da festa que lhe fizemos quando lhe nasceu o primeiro filho, manteve-se sempre em contacto e sempre muito amigo. Agora os filhos já andam na universidade. E as mensagens dele continuam a não falhar. Isto enche-me de alegria. Os anos passam e não se esquecem de mim. Gostava de saber retribuir de uma forma mais intensa para que saibam que também a mim eles me marcaram.

Depois seguimos, então, para os festejos. Todos bem dispostos como deve ser. Comida boa, sorrisos, alegria. A casa com luzinhas, decorações natalícias, um ambiente bonito, acolhedor, um conforto afectuoso. Tudo muito bonito, tudo aconchegante.

E festejámos e brindámos e trocámos presentes. A vida é assim mesmo. 

Por fim, viemos para casa e aqui estou. Cansada, com sono e tomara que não adoentada. A situação da minha mãe, apesar de estar melhor, preocupa-me. Não é só o agora, é também o que se segue. Mas, enfim, tento afastar esses pensamentos pois já basta o que é presente, não preciso de arranjar coisas com que me pré-ocupar.

E agora é o dia de Natal e é cá em casa. A ver se de manhã consigo arranjar vontade para fazer algumas decorações natalícias, nem que seja colocar umas luzinhas a piscar. 

Quando há pouco chegámos, havia grande festa na casa ao lado que estava altamente iluminada. Muitos carros na rua, muitas vozes, uma grande animação. Ao regressarmos da nossa caminhada, perto da hora de almoço, tínhamos visto o vizinho empoleirado numa alta escada a colocar fiadas de luzinhas não apenas em volta do beiral como no próprio telhado. Desejou-nos bom natal e nós a ele. E o meu marido virou-se para mim e disse: Vai haver festa. Fazem muitas e, de cada vez, são altas produções. E, mais uma vez, o meu marido não se enganou. O meu marido disse: Temos que lhe pedir que venha também tratar das iluminações cá de casa. Seria uma boa ideia pois parece que lhes sobra em imaginação e energia o que a nós nos falta.

E é isto. Vou chupar mais uma pastilha. 

E já estamos no Natal. Sim, porque, podendo parecer que o Natal é um período festivo que começa em fins de Outubro, a verdade é que, pelo menos em termos objectivos de calendário, o Natal é apenas um dia, o dia 25 de Dezembro.

Para os que têm com quem passar o dia de Natal em família ou entre amigos, desejo que seja um dia de amor, carinho, aconchego, harmonia, alegria. Para os que não têm com quem partilhar o dia, vai daqui o meu abraço amigo.

E muito obrigada pela gentileza dos vossos comentários e mails. Agradeço-vos de coração. 

E agora deixo-vos com o talentoso Jon Batiste interpretando a sua Butterfly.

Dia feliz.

Saúde. Afecto. Paz.

domingo, dezembro 24, 2023

Parece que é quase Natal

 

Quando, há muitos anos, aterrei em Luanda tive uma sensação estranha. O ar era morno e húmido, muito diferente do ar que eu conhecia. As ruas eram diferentes das ruas que eu conhecia. As praias também eram outras. Parecia que tinha entrado num mundo que, embora sendo habitado por humanos, era um mundo muito diferente daquele que eu conhecia.

Estou a viver este natal da mesma maneira. Reconheço os símbolos, fiz algumas compras, vejo as iluminações de natal. Reconheço que estou no natal. Mas é um natal que me é um bocado estranho. 

Quando penso no que terei que cozinhar, parece-me que é coisa distante, que 'até lá não me doa a mim a cabeça'. Disse ao meu marido que deveríamos decorar a casa, pôr luzinhas. Também anda cansado, disse que não. E eu também não.

Todos os dias, uma parte significativa do dia é retirada ao que era tempo gerido por nós. Saímos pouco depois de almoço e regressamos já tarde. Hoje não vim de lá assim tão tarde mas tive que ir ao supermercado. Mas no supermercado estava um bocado desorientada, não me lembrava exactamente do que já tinha ou não comprado. Trouxe algumas coisas repetidas, a mais. E tento perceber como vou gerir o tempo para fazer o que é preciso e fico sem saber bem pois fazem-me falta as horas em que não vou estar em casa.

Também não tenho a certeza de que tenha todos os presentes.

É que, em cima de tudo, há os telefonemas, alguns longos. Hoje estava a fazer o jantar, e já era quase nove da noite, vi que uma das minhas primas tinha ligado para a minha mãe. Como tenho o telemóvel dela comigo, devolvi a chamada e, claro, estive a explicar a situação. Ficou também muito surpreendida e, como é médica e logicamente quer compreender o que se passa, a conversa foi detalhada e, portanto, longa. Pelo meio aparecia o meu marido a querer saber o que poderia ele ir fazendo ao tacho que estava ao lume. Acabámos de jantar tardíssimo. Mas gostei bastante de falar com a minha prima. A especialidade dela é outra, diria mesmo que está nos antípodas, mas aventou umas hipóteses que talvez expliquem algumas coisas. E como fala sempre com uma total objectividade e franqueza transmitiu-me algum do seu pragmatismo.

No hospital hoje também tive uma boa conversa com uma das médicas e ao senti-la com as mesmas perplexidades com que me debati no último ano e meio (mais coisa menos coisa) também fiquei como que mais resignada, como se fosse mais uma prova de que não houve burrice da minha parte por não ter percebido o que se passava já que nenhum dos muitos médicos e enfermeiros que se têm ocupado dela também não percebem. Não que isso resolva alguma coisa mas ouvir o que dizem, ouvir o que pensam ser as perspectivas e as abordagens, atenua um pouco a minha preocupação. Vejo que toda a gente, mesmo com dúvidas, ao verem goradas as tentativas, isto é, quando as terapêuticas não resultam (mesmo que não percebam porquê), não desistem, tentam e tentam, uma e outra vez.

Portanto, no meio disto tudo, constato que, apesar de tudo, vou conseguindo estar mais calma. Claro que venho de lá sempre angustiada e apreensiva, com severas dúvidas existenciais, severas, severas. Mas começo a encarar as coisas com menos dramatismo, com uma maior dose de aceitação.

Mas isto desconcentra-me do espírito natalício. Tomara que consiga abstrair-me quando estiver com a família, em especial com os miúdos. O natal deve ser um dia feliz e, em especial para as crianças e jovens, deve ser um dia leve, alegre, luminoso. Os miúdos sabem qual a situação da bisavó e têm pena mas a sua vitalidade e dinamismo é mais forte, e ainda bem.

Volta e meia lembro-me do mais velho ter perguntado, há uns anos, certamente há uns quatro ou mais, ou seja, deveria ter uns dez ou onze, talvez nem isso, se o bisavô afinal, naquela vez, tinha sobrevivido. Achei imensa graça na altura. Quando o perguntou, o meu pai estava vivo mas acamado e, quando os miúdos lá iam, queixava-se imenso que faziam muito barulho, ficava muito incomodado, pedia para se fechar a porta do quarto. Por isso, os miúdos estavam lá, brincavam na sala ou no jardim, lanchavam, andavam na boa, mas acabavam por nem ver o bisavô. Nos últimos tempos o meu pai estava praticamente cego, estava surdo e mal falava pois estava com sonda nasográstrica e, por fim, também oxigénio. Por isso, já nem levávamos os miúdos ao pé dele pois sabê-los a verem-no tão diminuído só o faria sofrer. Mas esse meu neto referia-se a uma vez em que, na sequência de uma pneumonia, o meu pai entrou em descompensação e informaram-nos do hospital que, se queríamos despedir-nos dele, era melhor irmos de imediato pois poderia não chegar à hora da visita. O meu genro trabalhava fora pelo que ela pegou nos filhos e foi. Fomos cada um à vez à dita despedida, o meu pai completamente off no meio de outros tão ou mais off que ele. E os miúdos, logicamente, ficaram cá fora. Apesar de perceberem a gravidade da situação, pequenos como eram, deveriam estar na brincadeira um com o outro. E, passados ano e tal ou dois anos, já nem sei, lembrou-se de perguntar se o bisavô tinha sobrevivido daquela vez. 

Um outro, já não sei na sequência da morte de que bisavô, perguntava-me o que é que acontecia para que, de repente, tivesse virado esqueleto. Eu nem percebia a pergunta. Depois percebi que pensava que a pessoa morria e acto contínuo se transformava imediatamente em esqueleto. No meio da situação triste, lembro-me de me dar imensa vontade de rir.

Mas, enfim, não é conversa para as vésperas de Natal. Que disparate. Caraças. Peço desculpa, a sério. Caraças. A sério que tenho tido indícios de que não ando a bater bem da bola e isso preocupa-me. Parece que ando desmemoriada, obcecada, parva. Esqueço-me das coisas, ando com a cabeça nem sei onde. E nunca sei onde deixo o telemóvel ou as chaves. E combino coisas das quais me esqueço quase instantaneamente. Digo que é porque, na rectaguarda da minha cabeça, ando com mil outras preocupações mas começo a achar que é de mais. A ver se não dou em maluca. Que chatice. Só faltava mesmo, no meio disto, ainda eu pôr-me maluca.

Pronto. Calo-me. Não vos maço mais. 

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Desejo-vos, isso sim, um bom Natal. 

Desejo-vos dias felizes, muita saúde, muita harmonia, boa disposição. Desejo que saibam dar graças pela vida e pela beleza que nos rodeia. Desejo-vos boa sorte. E tudo de bom. 

E peço desculpa por não agradecer comentários e mails, sempre tão carinhosos e amigos. Parece que a minha energia se esgota ao escrever isto, já não dá para mais. Não levem a mal. Isto é mesmo uma questão física, acho eu (falta de bateria ou coisa do género).

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Aqui chegada, penitencio-me pelo que escrevi, totalmente a despropósito da quadra festiva. Só não apago porque senão ficaria com o post em branco. De qualquer forma, para tentar compensar o disparate, partilho um vídeo muito bonito de ver. O grande, o talentoso Jon Batiste e a sua mulher Suleika, que está a tratar-se de uma leucemia, abrem-nos a porta da sua casa. E é uma casa maravilhosa. E eles também o são. Quanta empatia, quanto amor, quanta alegria.


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Sejam felizes, pelo menos tanto quanto puderem
Saúde. 
Harmonia, bondade, afecto e tudo de bom. 
Paz (da boa, da que não resulta da submissão)

🎄🎄🎄🎅🎄🎄🎄
🌟🌟🌟🌟🌟
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sábado, dezembro 23, 2023

Telefonemas, mensagens... e a vida a seguir num carril paralelo...

 

Estou muito cansada. Não foi a manhã nas compras com a minha menina linda, quase da minha altura, ligeira e apressada. Ela gosta de fazer compras e, por isso, o presente não será tanto o que compra mas o prazer de andar às compras. Decidida, objectiva, pragmática, ela já traz a lista das lojas onde quer ir. Chega, olha em volta, circula, vai direita àquilo que lhe agrada, pega no que lhe interessa e vai aos provadores. Isto se for roupa, claro. Como as medidas que levou são as dela, veste, fica-lhe bem e, sem hesitação, decide: 'Por mim, está feito'. 

Nos adereços ou nas agendinhas a mesma coisa. Depois ajudou na escolha de presente para os manos. 

Depois fomos almoçar e é também ela, sem pestanejar, que resolve o que vai comer. 

Um prazer andar às compras com ela. Sempre bem disposta, sempre conversadora, sempre com ideias.

O irmão mais novo andar às compras é coisa que não pratica. Para o do meio, se tem que ir, é uma tortura, fica furioso, impaciente. Os primos são igualmente despachados e resolutos. Nem vale a pena eu tentar sugerir alguma coisa pois a resposta é invariavelmente: 'Com todo o respeito, Tá, mas eu teria vergonha de usar isso'. 

Como a mãe do menino do meio tinha sugerido para esse filho uma camisola de malha, no outro dia aproveitei as compras com os primos para me ajudarem a escolher uma camisola à maneira. Ficaram estupefactos. Não acreditavam. Não podia ser, já ninguém usa camisolas de malha, diziam-me os dois. Por mais que eu lhes pedisse que se deixassem de preconceitos e me ajudassem a escolher, recusaram-se: 'Com todo o respeito, mas não vamos sujeitá-lo a isso. Uma camisola de malha? Vão gozar com ele.... Com todo o respeito mas já ninguém se veste assim...'. Liguei ao meu filho, passei-lhe o sobrinho mais velho, ele que ajudasse a esclarecer. Disse que esse era pelouro da mulher. Passou o telefone. Ouvi o mais velho a falar com a tia. Não estava nada confiante. Quando desligou, vencido mas não convencido, disse: 'Diz que é para ele vestir quando for almoçar a casa dos avós... Só mesmo se for para isso...'.

Lá arranjámos uma solução de compromisso. E só espero que não façam daqueles comentários junto do primo que vai receber a dita camisola....

Este ano as compras foram feitas sem grande (ou pequena) inspiração. Nem decorações natalícias ainda fizemos. Temos duas árvores estilizadas que se ligam e ficam com luzinhas e são as únicas que aqui temos.

Temos que arranjar mais qualquer coisa mas a verdade é que não nos tem sobrado tempo. 

A tarde inteira foi como as anteriores. Para agravar, um trânsito dos diabos. Depois, como é natural, muitos telefonemas, amigos de longa data a telefonar, a dar notícias. E depois quem sabe do que se passa a desejar bom natal e a querer saber da situação. E as mensagens. Várias, amigas, palavras de conforto e estima. Gosto, fico sensibilizada, aquece-me o coração. Mas estou a falar com uma pessoa e, ao mesmo tempo, várias outras chamadas a quererem entrar. Às tantas fico em stress. o meu marido enerva-se, diz que não sabe como consigo estar tantas horas ao telefone e trocar dezenas e dezenas de mensagens. Mas é natural: juntam-se os votos de boas festas aos votos de boas melhoras. 

Lá, no hospital, a minha mãe pediu para eu fazer chamadas em nome dela, a algumas amigas. Não me é fácil. Estava ao pé dela. Por isso, como é lógico, não entro em pormenores, relativizo, aligeiro. Mas há um esforço permanente para não usar nenhuma palavra a mais nem a menos, não mentir mas também não falar verdade, não desvalorizar mas não valorizar. 

Um dia, mais tarde, não sei quando, hei-de conseguir falar destes tempos tão complicados, tão difíceis. Nos primeiros dias ia-me completamente abaixo, não tinha mão em mim, não era sequer capaz de falar com os médicos, estava arrasada, incapaz de processar. A minha filha é que teve que se chegar à frente. Mas agora está constipadíssima tal como o meu filho. Ambos apanhadíssimos. Portanto, hoje fui sozinha. Não fazia sentido ir o meu marido. Não costuma ir. Se o visse, a minha mãe era capaz de estranhar e preocupar-se ainda mais. Portanto, enchi-me de coragem e fui sozinha. 

Dito assim pode parecer uma fragilidade ou cobardia excessivas da minha parte. Pode parecer e, se calhar, é. Quando eu for capaz de falar de forma explícita talvez compreendam a especificidade, o insólito e inesperado da complexa situação e o brutal impacto que está a ter em mim.

Mas começo a reagir. E, como sou extrovertida, falo sobre os assuntos e, por isso, a quem me pergunta como estão as coisas, a algumas das pessoas que sei que têm capacidade para compreender, conto e ouço o que me dizem -- tal como leio com muita atenção e carinho os comentários que aqui me deixam ou os mails que me enviam --- e, portanto, parece que o peso que me caiu em cima começa a pesar-me menos. Sinto-me mais conformada e resistente, talvez mais corajosa e, até, talvez comece a ganhar a capacidade de encarar as coisas com algum pragmatismo.

Mas a longa tarde lá e os longos telefonemas e as múltiplas mensagens deixaram-me muito exausta. 

Fomos caminhar à noite, quando chegámos. Um gelo ártico. Mas soube-me bem. Tal como me soube bem o banho quente a seguir. Temos comprado comida pois nem há horários nem disposição para culinárias. Valha-nos isso pois, a seguir aos banhos, o jantar está só à espera de ser aquecido.

E agora está a começar a dar-me o sono. 

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Um dia feliz

Saúde. Coragem. Força. Paz.

sexta-feira, dezembro 22, 2023

Enquanto não tirarem a Clara Ferreira Alves do Eixo do Mal sou obrigada a ver o 24 Kitchen

 

Depois de termos visto a Bardot na 2, tentei passar para a SIC N para ver o Eixo do Mal. Estava o Pedro Marques Lopes a falar e estava a falar acertadamente, com ponderação. Ouvimo-lo. A seguir passaram para o Daniel Oliveira e distraí-me.

[Embora toda a gente me diga que deixe de tentar saber tudo pois não sou médica e hei-de sempre fazer leituras incompletas, não resisti e fui ao ChatGPT investigar uma coisa que ouvi a uma enfermeira, no hospital, e que não percebi. Pensava que tinha sido engano embora a minha filha, que me tem acompanhado -- e, desta forma, impedido de soçobrar [e que, com a ida ao CCB, conseguiu a proeza de me distrair e de fazer entrar ar fresco na cabeça] -- tivesse ouvido o mesmo. Quando contei ao meu filho, constipado, cansado e acabado de chegar de fora, acho que também lhe soou estranho. Na altura, pareceu-nos uma coisa tão fora de contexto que nem a minha filha, apesar de dominar bem muitas das matérias com que nos confrontamos, nem eu questionámos a enfermeira. E agora, enquanto o Daniel Oliveira dissertava, fui ver e já percebi. Faz sentido no âmbito em que foi dito. Compreendo melhor o que estão a tentar fazer. Relojoaria fina. Com pinças, um toque aqui, um toque ali, disse a enfermeira e disse o médico.]

Nisto, no Eixo do Mal, passam para a Clara Ferreira Alves e ali ficou por breves instantes. Foi o suficiente para o meu marido se enfurecer. Tentei que se acalmasse para tentar conseguir ouvir a conversa dela. Também não consegui. 

Se aquela mulher a mim me causa brotoeja, no meu marido o efeito é verdadeiramente anafiláctico. 

Com aquele arzinho arrogante e pesporrente, a empertigada senhora começou a dizer as alarvidades do costume. Não sei se está boa da cabeça pois tem ódios de estimação tão absurdos e tão insustentados que chega a causar aflição, isto já para não falar em vergonha alheia. 

O meu marido imediatamente passou para o 24 Kitchen e eu não tive como argumentar. Concordei. Qualquer coisa é melhor que a dita comentadeira.

Esta Clara Ferreira Alves é, neste momento e desde há algum tempo, um activo tóxico, muito tóxico, não apenas para a SIC Notícias como, direi mesmo, para o País.

Não sei o que leva a SIC a manter o contrato com esta criatura que se diz e desdiz, inconsequente, maledicente, fútil, inútil, impreparada, manda-bocas. Uma troca-tintas armada em chica-esperta.

Portanto, estou a ver a preparação dos repastos natalícios pela Nigella Lawson. É o que é.

Quanto ao demais, mormente ao tema que me tem trazido doente, parece que começo, aos poucos, a mentalizar-me para que a vida é isto mesmo. A gente pensa que já o sabe mas, quando nos bate à porta, parece que esquece. A enfermeira hoje dizia que o nosso corpo é uma máquina complexa, poderosa, incrível na forma como se ajusta e se recupera mas que, também, ao mesmo tempo, por uma pequena coisa se descontrola, por uma pequena coisa quase se perde. É mesmo. Se já o tinha constatado com outros casos, e muito fortemente, com o meu pai que tantas vezes estava mais lá do que cá e que perdia o andar, a fala, numa das vezes a capacidade de reconhecer números e que, depois, recuperava (até que deixou de recuperar e entrou numa recta descendente que o deixava angustiado e infeliz), agora, com a minha mãe isso parece ser ainda mais evidente e, por vezes, incompreensível. Mas, enfim, não vou falar no assunto senão começo, de novo, a enfiar-me naquele caminho estreito do qual me custa a sair.

Portanto, fico-me por aqui. 

quinta-feira, dezembro 21, 2023

Um pouco de oxigénio

 

Um dia que vos conte o que se passa, e posso já dizer que é algo de inesperado, insólito e muito perturbador, talvez compreendam que a situação pela qual estou a passar justifica o abalo a que fui sujeita e o quão atarantada e triste tenho andado.

A família está a atravessar o mesmo mas talvez porque o meu vínculo é o mais forte e porque a estreita ligação me tornou também o objecto de todas as queixas, medos e desabafos, os outros encaram todo este processo com uma racionalidade e aceitação que não se comparam com as minhas. E quase me forçam a distrair-me e a não estar sempre a pensar no mesmo, temem que me afunde. 

Obviamente, não quero afundar-me. Acho que vou conseguir racionalizar e superar tudo o que se passa e tudo o que ainda está por vir. Mas não me é fácil. À medida que vou sabendo mais coisas, vou reprocessando a informação dos últimos tempos e vou tentando interpretar tudo o que vivi à luz dos novos factos. Nada disto me é fácil. E tem sido uma tal sucessão de acontecimentos que nem me dá tempo a processar. A família quer que eu deixe de estar sempre a pensar no mesmo, deixe de estar a querer perceber tudo senão fico pirada pois entre a preocupação e a incompreensão pelo que se passa pouca disponibilidade mental me sobra.

Mas hoje de tarde, depois de virmos de lá, eu sempre trémula por dentro, inquieta, com medo, a minha filha falou em irmos ao CCB para fazermos uma compra que estava em falta. Soube-me muito bem. Distraí-me, ri-me, comi um gelado, soube-me maravilhosamente. Por momentos, lembrei-me que estava ali na boa e ela lá e, sem querer, fiquei com os olhos cheios de lágrimas. Mas consegui ultrapassar. Aqueles momentos ali foram, na realidade, um pouco do oxigénio de que, se calhar, sem o saber, eu estava necessitada.

Quando eu e o meu marido chegámos a casa, já eram quase nove da noite, fui ao supermercado comprar bacalhau, batatas, cenouras, feijão-verde, grão para a ceia de natal. Para o dia o meu filho encomnedou coisas que devem ser boas e ofereceu-se para ser ele a cozinhá-las. Custa-me. Gosto de cozinhar e, para além disso, detesto dar trabalho. Mas, sinceramente, ando sem qualquer vontade e cabeça para me atirar a culinárias. 

Mas não posso esquecer-me, não posso mesmo, que, no meio de toda esta crise, é natal e penso que tenho a obrigação de fazer de tudo para que, apesar das complexas circunstâncias, o espírito natalício esteja vivo e que todos, em especial as crianças, tenham uns momentos de aconchego familiar.

Quando chegámos a casa, fomos arrumar as coisas e depois dar um passeio com o urso felpudinho. Enquanto andávamos, fomos conversando. Como sou extrovertida falo de tudo o que penso o que faz com que o meu marido tente impedir-me de fazê-lo por achar que não me faz bem falar tanto no que me intriga e atormenta. 

Tenho esperança de conseguir ultrapassar as minhas dúvidas e receios e angústias. Dizem-me que devo deixar-me disso, ou seja, de pensar tanto, de querer compreender tudo, e, simplesmente, aceitar. Tenho esperança de lá chegar.

Hoje, apesar da constatação da complexidade da situação, apesar dos mil receios e do desgosto das coisas estarem a acontecer desta maneira, acho que estou a sentir-me um pouco mais calma. Hoje ainda não tomei nenhum ansiolítico. Se calhar foi do bocadinho no CCB, se calhar foi de ter vindo a tentar interiorizar que contra factos não há argumentos, se calhar vem de pensar que a vida continua e tem que continuar, até para não preocupar as crianças. 

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Um dia feliz para todos

Saúde. Ânimo. Paz.

quarta-feira, dezembro 20, 2023

Mais um dia

 

Sabia que o dia não ia ser fácil. Mas como agora sempre acontece, foi ainda pior.

Eu sei que tenho que relativizar e encarar as coisas -- seja qual for a forma com que se apresentam -- com a naturalidade de que elas, em boa verdade, se revestem. Eu sei. Eu sei e esforço-me a não esquecê-lo.

Sei que deve ser difícil para quem me conhece, quer por aqui, quer até ao vivo, compreender como, sendo como sou, me tenho ido tão abaixo. No caso da minha família mais próxima, ao acompanharem todo o percurso, percebem um pouco mas não estão habituados a verem-me tão longe do lado racional que, em mim, costuma ser o prevalecente. 

Esse meu lado, o que ainda existe dele, atribui o meu estado ao facto de estar a acontecer em cima de um período prolongado e difícil, desde o declínio lento e difícil do meu pai que culminou na sua morte até, a seguir, o que tem vindo a acontecer com a minha mãe. 

Neste último caso, no que se refere aos tempos mais recentes (último ano e meio, talvez), um dia explicarei e talvez compreendam como, depois de um tão longo período de angústia e impotência por não conseguir perceber o rumo incompreensível e descendente, se têm vindo a suceder, agora, em catadupa, muitas surpresas (e todas tão complexas) que têm trazido consigo uma inesperada e rápida evolução --- e como isso mal me deixa respirar.

No outro dia a minha filha recebeu um relatório e disse que achava que eu não deveria lê-lo, que não valia a pena, que só ia atormentar-me mais. Concordei. Já sabia mais ou menos o que continha pelo que pensei que saber pormenores só iria preocupar-me ainda mais. É que eu tenho uma característica inata, involuntária, genética, a que dei largas ao longo de toda a minha vida: de cada vez que sei de um problema, eu investigo, estudo à minúcia, tento saber tudo o que há para saber e, com os dados na mão, de imediato parto para a solução. E, desta vez, não tenho soluções para nada. E, de cada vez que penso que já estou a ver o 'filme' todo, logo aparecem mais novidades. Por isso, achei bem não ler aquele relatório. Não ia servir de nada, só preocupar-me ainda mais.

Pois, imaginem que agora, ao ligar o computador, vou ver o meu mail e vejo um relatório emitido por aquele hospital. Não estava à espera de receber nenhum relatório. Fui ver, julgando que era engano. Não era. Em tempos devo ter deixado o meu mail para receber por correio os exames dela. E cá está, na minha caixa de correio, o dito relatório. E, na realidade, mais novidades. Eram os dados adicionais a que a minha filha tinha querido poupar-me. Sendo leiga, muitas coisas não percebo. Pensei que deveria ficar apenas na intuição em relação ao que não percebia. Mas é mais forte que eu. Já estive a investigar. Não devia tê-lo feito. Já fui tomar mais metade de um ansiolítico pois sei que se não o fizesse não iria dormir, iria ter horríveis pesadelos.

Sei que é aborrecido falar sem ser explícita. Para quem me lê deve ser uma chatice, devem pensar que se não quero ser clara mais vale que fique calada. Mas não é fácil. Parece que tenho necessidade de falar mas o sentimento e a reserva impedem-me de ser explícita. Há coisas que não se explicam e esta deve ser uma delas. Mais tarde, talvez o faça. Há sempre, da minha parte, a preocupação de que o que escrevo sirva para alguma coisa: seja louvando as boas práticas alheias seja chamando a atenção para os malefícios das más práticas. Podem ser alertas, conselhos úteis.

Mas agora estou a viver o momento, não consigo nem quero ser mais clara.

Agradeço do fundo do coração os comentários e os mails amigos. A vossa simpatia tem sido importante para mim.

terça-feira, dezembro 19, 2023

O efeito deste comprimido

Depois de outro grande susto, o dia acabou menos mal. Só que, ao ser confrontada com um telefonema que me pareceu trazer uma má notícia e que me fez decidir ir logo para lá, fiquei de tal maneira que não apenas o meu marido me recomendou como eu própria senti que tinha que ser, tomei um comprimido. Mais propriamente metade. Não mais do que metade tomada por volta das três da tarde.

É certo que passado um bocado estava mais calma e que, lá, aguentei com razoável serenidade as coisas que, afinal, não estavam no ponto dramaticíssimo em que, por telefone, me foi dado a perceber.

Mas depois, no regresso, senti que a coisa estava a começar a bater a sério. Ou porque era a ressaca do mega susto ou porque o verdadeiro efeito do comprimido só se faz sentir umas horas depois, o certo é que só depois de jantar caí naquele estado de torpor quase comatoso do qual não consigo cair.

Lembro-me de ouvir o meu marido dizer que eu devia ir para a cama, lembro-me que o disse indo ele para a cama. Mas não consegui mexer-me ou reagir. Só agora, passa das duas da manhã, consegui abrir os olhos e escrever isto. 

Ainda por cima, tenho que me levantar cedo. Ou seja, não vou consegui dormir até tarde pois mais uma outra dura provação me espera. Aliás, na realidade mais dura, muito mais, para ela que para mim. Mas assistir e acompanhar o sofrimento dela, dá cabo de mim. Salva-me e muito o grande apoio da minha filha que nasceu com a coragem e o savoir faire que a mim me falta para estas coisas. 

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Alice, mil vezes obrigada. Pensava que ia consegui agradecer o mail tão amigo, explicar um pouco do que se passa, e desejar-lhe boa sorte na sua nova vida, mas não consigo, estou anestesiada.

Pode ser que lá mais para o fim da tarde esteja mais calma e com capacidade e vontade para escrever aqui. 

Lamento que continue assim, incapaz de escrever sobre temas interessantes ou animados. Não sei da actualidade nem tenho inspiração para puxar assunto.

Estes comprimidos são do caraças, lá isso, são. O Nuno bem me avisou, dizendo-me, por mail, que fuja das benzodiazepinas. Se meio comprimido me deixa assim, faria se eu passasse dessa conta... Ficaria de cama, sem me mexer de todo. Bolas. 

segunda-feira, dezembro 18, 2023

Fernando Alvim e o défice de atenção
[LABIRINTO - CONVERSAS SOBRE SAÚDE MENTAL]

 

Creio que já falei aqui de uma colaboradora que tive que era deveras obesa. Chegou a fazer cirurgias para reduzir o peito e para reduzir o estômago. Mas se, mais ou menos, víamos o efeito logo a seguir, a verdade é que um ou dois anos depois já não víamos diferença nenhuma, continuava obesa.

Quando vi os filhos fiquei um pouco chocada pois as crianças eram também obesas. Dizia-me ela que os miúdos só queriam comer pão de forma daquele muito branco e sem côdea, só queriam beber coca cola, comer gomas. Eu dizia-lhe que não desse isso aos filhos, que isso as engordava, que tivesse cuidado. Ela ria-se e dizia que eles saíam a ela, eram uns gulosos, e se recusavam a comer outro tipo de comida.

Entretanto, o rapazinho era muito problemático. Dizia ela que o menino era hiperactivo e tinha défice de atenção e que tinha que tomar ritalina. Pensei -- mas não disse -- que se calhar a quantidade de calorias que a criança ingeria tinha alguma coisa a ver com isso. Contudo, se andava a ser clinicamente seguido, certamente a obesidade tinha sido tida em atenção e, se calhar, o défice de atenção tem causas distintas, ou seja, não tem a ver com terem energia a mais, fruto do excesso de calorias.

Naqueles dias em que as crianças estão de férias mas os pais não, ela pedia se podia ter lá os miúdos com ela. Claro que sim. Ela levava os tablets para os miúdos estarem entretidos. Eu ia lá vê-los e falar com eles e tentava que fizessem desenhos, escrevessem histórias, mas os miúdos não estavam nem aí. Mas até aí eu ainda compreendia. Mas ficava era muito estupefacta com os pacotes de bolachas, daquelas altamente amanteigadas ou com chocolates e recheios, bebidas completamente desaconselháveis e toda a espécie de farnel hipercalórico que a mãe lhes punha em cima das mesas. Com o máximo de diplomacia, eu perguntava à mãe se não podia evitar aqueles alimentos em tal quantidade e ela, com o ar mais natural, dizia que tinha que ser para ver se estavam sossegados e sem levantarem ondas, senão não conseguiria aguentá-los quietos durante tanto tempo. Eu ficava estarrecida.

Com os meus filhos fui fundamentalista e eles ainda hoje se queixam disso. Não havia internet para me informar mas tinha livros de medicina infantil que não largava e seguia à risca todas as recomendações. Não havia produtos com aditivos suspeitos na alimentação deles. Só lhes dava comida tida por saudável. Por mais que se sentissem infelizes por eu não lhes dar o que eles viam os amigos comer, eu não abria mão com medo que um cagajésimo de miligrama de algum produto menos saudável viesse a fazer-lhes um mal terrível para o resto da vida. Em contrapartida, queria que comessem todos os dias os alimentos tidos por recomendáveis. Quando eram bebés ou pouco mais que isso, para onde eu ia, ia com caixinhas de comida feita em casa pois era a única maneira de ter a certeza que as vitaminas, os sais minerais, as proteínas, os hidratos, etc, estavam todos na dose certa e que tinham sido cozinhados como mandavam as boas regras. Os meus pais e o meu marido e o resto da família achavam que se poderia abrir uma ou outra excepção e eu, por vezes, com pena das crianças, violentava a minha consciência e lá deixava que acontecesse uma extravagância, dizendo a mim própria, que era uma vez sem excepção. 

Por exemplo, os meus cunhados eram o oposto. Iam com os filhos, ainda bebés, sem levarem nada a não ser cerelac. Não me esqueço de um dia em que resolvemos ir fazer um grande picnic perto da praia. Outros tempos. Fomos antes ao mercado comprar peixe e o resto da comida e fomos fazer uma sardinhada. Era um grupo enorme. Um dos meus sobrinhos teria um sete ou oito meses, nem sei, talvez menos. Éramos talvez tantos miúdos quantos graúdos. Entre irmãos e primos era um grupo grande de miudagem. Pois bem, o bebé foi entregue ao cuidado dos diversos primos. Os rapazinhos talvez jogassem à bola ou trepassem às árvores e as miúdas ocuparam-se do bebé. Era literalmente um boneco na mão das primas, todas pequenas. Pois deram-lhe à boca sardinhas assadas, pão com molho de sardinha, batatas, deram-lhe melão. E ele tudo comeu. Ao lanche já não me lembro o que comeu mas qualquer coisa foi, certamente o mesmo que os outros, e, como ficámos até tarde, mais para a noite, fizeram-lhe uma papa cérelac. Comeu tudo que se regalou, sem protestar. E este regime liberal mal não lhe fez pois, que se saiba, é um adulto saudável. 

De todos, comparando-o com a irmã e com os vários primos, o mais irrequieto de todos sempre foi o meu filho. Muitas vezes eu pensava que ele era hiperactivo. Muitos vezes penso que ainda é. A quantidade de actividades que ele faz, parecendo ter sempre necessidade de fazer coisas para se cansar sempre me deixou espantada.  Mesmo quando estava na minha barriga, deixava-me até incomodada com a violência das cambalhotas que cá dava dentro. E quando estava já enorme, mais para o fim da gravidez, a violência dos esticões que dava fazia-me sentir que me ia pontapear o estômago para fora da boca. E, quando nasceu e ficou a dormir no porta bebés, virava-se de tal maneira que punha uma perna quase de fora, parecendo, por diversas vezes, que ia virar o porta bebés ou cair de lá. Eu não conseguia perceber a força que ele tinha para, tão pequeno, fazer aqueles movimentos. Por isso, apesar de ainda tão bebé, tive que pô-lo logo na cama de grades que era da irmã e tivemos que comprar à pressa uma cama grande para a minha filha. E depois, quando tinha dez meses, começou a fazer birras diabólicas durante a noite, puxava os vómitos e vomitava-se, levantava-se e recusava-se a deitar-se e uma vez, não sei como, trepou e atirou-se da cama, pregando-nos um susto do caraças ao darmos com ele caído no chão. Exausta, sem conseguir dormir, sem sabermos já o que fazer (ainda por cima, sempre se recusou a usar chucha), resolvemos fazer uma experiência: pô-lo a dormir na cama grande da irmã. E ela, coitada, foi dormir para o sofá cama. Pois foi remédio santo. Passou a dormir que foi uma maravilha. Eu punha almofadas no chão não fosse ele, irrequieto como era, cair da cama. Mas caía e levantava-se. Nunca mais deu noites desgraçadas, nunca, nunca mais. E, claro, tivemos outra vez que encomendar à pressa uma cama para a minha filha. 

Mas se era hiperactivo, défice de atenção não tinha, nem tem. Focava-se totalmente, concentrado no que lhe agradava. Por isso, nunca considerei que fosse caso para preocupação. 

Mas ocorreu-me isto, certamente a despropósito, ao ver a entrevista do Fernando Alvim no âmbito da rubrica Labirinto, as interessantes entrevistas do Observador sobre temas de saúde mental. 

Quando trabalhava, se o horário coincidia, vinha na companhia do Alvim na sua Prova Oral. Quando dava na televisão também não perdia. Ainda agora, se calha virmos no carro àquela hora, é certo e sabido que nos colocamos na Antena 3 para virmos de gosto na companhia do grande Alvim. É ímpar. É genuíno. Muito bom. E o seu testemunho é importantíssimo para sensibilizar as pessoas para a necessidade de identificar e tratar as perturbações de comportamento que têm origem em alterações a nível da saúde mental.

Fernando Alvim e o défice de atenção. "É muito difícil estar concentrado numa coisa"

Cresceu como um miúdo agitado, sempre a fazer muitas coisas, mas só em adulto, há muito pouco tempo, o apresentador foi diagnosticado. Um acaso que, diz, lhe mudou a vida. 

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Agradeço os comentários e os mails. Têm sido muito importantes para mim.

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Desejo-vos uma boa semana

Saúde. Coragem. Força. Paz.

domingo, dezembro 17, 2023

Pois, é isso: talvez amanhã consiga estar acordada...

 

Depois de o meu marido me chamar mais de vinte vezes, consegui abrir os olhos. Na televisão o Pedro Nuno Santos fala cheio de ênfase e contentamento mas nem isso consegue puxar-me do estado em que o comprimido me deixou.

O dia foi muito pesado como sempre mas, ao contrário do que aconteceu nos outros dias, não estou aqui com vontade de chorar como nos outros dias nem a querer interpretar e conhecer tudo o que há a saber sobre as novas conhecidas circunstâncias, e isso deve ser também efeito do comprimido.

Espero que o efeito perdure até amanhã e que não tenha que tomar outro para poder estar acordada e dizer aqui qualquer coisa.

E obrigada por tudo.

sábado, dezembro 16, 2023

Os tempos em que meio mundo se reunia via Zoom ou via Teams

 

Ao ler o comentário da Janita, que muito agradeço, não apenas me comovi como fiquei com alguma vontade de recordar os tempos em que tinha a cabeça sempre tão ocupada que conseguia encaixar as preocupações num canto da cabeça que era compaginável com o que se passava nos outros cantos. Nesses tempos, passei por situações deveras complexas e, embora por vezes a grande custo, sempre consegui continuar a trabalhar, gerindo as emoções com pinças mas também com alguma ponderação e a racionalidade possível.

Com a situação que estou a viver agora, uma situação deveras complexa, sinto que estou, na realidade, a ir-me abaixo. O meu filho no outro dia também me disse isso: que estou a precisar de voltar a trabalhar para não ficar entregue, a tempo inteiro, às preocupações. Não sei. É uma situação que me custa tanto, que me abala tão profundamente nos alicerces, que não sei se o trabalho seria suficiente para não ficar entregue a ela a tempo inteiro. Também é certo que o que se passa agora é o corolário do que vem acontecendo desde há algum tempo e que, pela continuidade em crescendo, sem um dia de tranquilidade, provavelmente me esgotou, me deixou fragilizada. Não sei.

Mas a Janita puxou-me pelo braço e a Ana tentou confortar-me, o que também muito agradeço, e alguns leitores têm-me enviado mails simpáticos (aos quais não tenho respondido, pelo que peço desculpa) e, por isso, hoje decidi que ia aqui falar não do que me traz tão preocupada e triste mas dos tempos em que trabalhava de sol a sol sem tempo para coisa nenhuma e com energia e alegria para ultrapassar todos os contratempos e desgostos.

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Em Março de 2020 todas as empresas que puderam mandar os seus trabalhadores para casa o fizeram. Claro que isto se aplicou sobretudo ao sector de serviços pois quem estava nas fábricas, nos hospitais, nos sectores de água, electricidade, comunicações, manutenção, etc., esses tiveram que se manter em funções, alguns deles com mais trabalho que nunca.

As escolas também recuaram para as trincheiras e os artistas foram apeados. 

Tempos difíceis.

Na altura trabalhava em mais que uma empresa e durante não sei quanto tempo trabalhei horas a fio, debaixo de stress, horas e dias consecutivamente. Estava em casa, no campo, em teletrabalho e não tinha um minuto de descanso.

Pela natureza das minhas funções, tinha que fazer muitas reuniões e via-me forçada a ir de umas para as outras sem intervalo, sem tempo para mudar o chip, frequentemente sem tempo para me preparar para elas. Muitos dos participantes estavam também em casa. Mas havia os que estavam em trânsito e faziam a reunião no carro, outros estavam em instalações operacionais e, para fugirem ao barulho ambiente, enfiavam-se em buracos em que quase não havia rede.

Nessas reuniões, em especial nos primeiros tempos, quando as reuniões por Teams ou por Zoom ainda eram uma novidade, acontecia de tudo. 

Uma das directoras estava em casa com o marido e três filhos. O mais novo tinha quatro ou cinco anos e sistematicamente ia agarrar-se à mãe a dizer que tinha fome. A mãe a querer impor a sua vontade perante os colegas ou a negociar e o filho a mendigar uma côdea de pão. Antes de a coisa se consumar, nós víamo-la a enxotar a criança um bocado à sorrelfa, tapando a câmara do computador. Por fim, já éramos todos a solidarizar-nos com o miúdo e a pedir à nossa colega que fosse arranjar qualquer coisa para o filho comer. Outras vezes ouvíamos o cão a ladrar no jardim. Ou à porta de casa que ficava no alinhamento do sítio onde ela estava. Sei que o pastor-alemão ladrava de uma maneira que impedia a reunião. E, então, nessas ocasiões, geralmente víamos o marido passar por trás dela, vindo não se sabe de onde, e escapar-se com cuidado pela porta, certamente para o cão não entrar. E a reunião prosseguia como se nada se passasse.

Outro, com quatro filhos, corria a casa tentando não os apanhar nas aulas deles e, ao mesmo tempo, instalar-se num sítio em que tivesse boa rede. Punha-se sobretudo no piso de cima, num recanto ao topo das escadas. Contudo, era inevitável que, volta e meia, aparecesse algum dos filhos a subir ou a descer as escadas a correr. De vez em quando perseguiam-se uns aos outros, por vezes em tronco nu. O pai tapava a imagem e desligava o microfone e ia tentar impor limites aos filhos. Mas, por vezes, enervado como ficava, esquecia-se e nós ouvíamo-lo a ameaçar correr com todos à bofetada e os putos a protestarem, a queixarem-se uns dos outros.

Uma das cenas mais engraçadas passava-se de vez em quando com um colega que colocava um fundo falso, uns prédios ou umas estantes, já não me lembro. E, de vez em quando, aparecia a mulher, atrás, meia desfocada, num canto, a espreitar para o ecrã, certamente para ver os interlocutores do marido. E nós víamo-lo, com a mão, em baixo, a sacudi-la, a mandá-la afastar-se. E ela desviava-se um bocado mas depois víamos a cabeça dela esticada e ela, de óculos, a olhar atentamente para nós. Depois ele cortava a câmara e o microfone e, certamente furioso com ela, devia ir despachá-la para outra divisão.

E, ao princípio, um colega já de uma certa idade, pouco dado às tecnologias, via-se aflito para entrar nas reuniões. Então, ia chamar a mulher, por sinal uma conceituada neurologista, identicamente pessoa também já de alguma idade, para o ajudar. Estavam os dois numa pilha de nervos, sem atinarem, ambos com os óculos na ponta do nariz, ela com uma mantinha sobre os ombros. Só que nós os víamos e ouvíamos: carrega aqui, experimenta ali, não é aí, é aqui, não isso também não, porcaria, todos à espera e nós aqui, grande porcaria esta. Acabávamos sempre a ligar-lhe para o telemóvel para tentarmos guiá-lo(s) e dizer-lhe(s) que ele(s) é que não nos via(m) e ouvia(m) mas que nós estávamos a seguir aquela saga em directo. Mesmo o atenderem o telemóvel era um filme pois nunca o tinha ao pé dele, ouviam tocar e não sabiam onde... e nós, por vezes uns dez, a postos, à espera que ele atinasse e conseguisse participar na reunião.

E muito mais poderia contar pois foram tempos épicos em que muita coisa divertida acontecia. Divertida e não divertida... Por exemplo, acompanhávamos a preocupação de um colega que estava sem saber o que se passava com o pai, o senhor com uma dor nas costas, sem se conseguir mexer, um jeito, qualquer coisa, ciática, coisa assim, a mãe sem força para o ajudar, e esse nosso colega por vezes chegava tarde às reuniões pois as coisas em casa dos pais estavam cada vez mais complicadas. Até que estranhou a prostração do pai, já a achar que o senhor podia ter tido um avc, chamou a ambulância e, creio que no dia seguinte, o senhor morreu. Um dos primeiros casos covid. 

Enfim.

Nunca gravei nenhuma reunião mas, mesmo que tivesse gravado, obviamente não poderia partilhá-la. Mas vou partilhar um vídeo que mostra uma reunião também fantástica: desentendidos, mal enquadrados, desorientados.

Reunião caótica do conselho paroquial torna-se viral: 'Você não tem autoridade aqui, Jackie Weaver'


Um bom sábado

Saúde. Coragem. Paz.

sexta-feira, dezembro 15, 2023

Tentando recolocar-me nos carris em que gostaria de me mover

 

O dia foi tão duro que a minha fragilidade ficou muito mais patente do que eu desejaria, e não apenas perante os outros como perante mim mesma. Por isso, percebi que não havia volta, tinha mesmo que tomar um ansiolítico. Tomei metade agora à noite e vamos ver se resulta. Por vezes, tomando um ben-u-ron para alguma dor, durmo como uma pedra durante horas. Com este meio ansiolítico, com sorte dormirei umas doze horas de seguida. Bem precisada estou. A noite passada, antevendo (ou temendo) as notícias que o dia me traria, mais uma vez praticamente não dormi e, nos escassos minutos em que dormi, foi para ter pesadelos.

Uma coisa sou eu a opinar a propósito das situações difíceis pelas quais os outros atravessam: ouço, aconselho, penso com todos os neurónios disponíveis. Ainda ontem, em conversa com uma amiga, cuja mãe, idosa e naturalmente vulnerável, está a atravessar aquele momento delicado em que se percebe que, apesar de ser essa a sua vontade, já é arriscado continuar sozinha, falei acho eu que ponderadamente, alertei para os prós mas também para os contras. Nesse papel sou não apenas compreensiva como racional.

Mas quando sou eu aquela que se encontra perdida e assustada, a minha racionalidade evapora-se. Fico incapaz de me posicionar de forma objectiva e corajosa. Felizmente tenho quem me apoie e ampare neste doloroso exercício de me manter de pé e de cara sorridente para tentar transmitir a possível tranquilidade a quem dela precisa muito, muito, muito mais que eu. É que, objectivamente, o drama maior não sou eu que estou a vivê-lo e, por isso, não posso portar-me como a parte mais frágil desta situação.  Pelo contrário, eu deveria ser a pessoa com mais força para ser capaz de transmiti-la. Mas não estou a ser capaz de sê-lo. Sozinha eu cairia.

Quem passa por estas situações sem ter quem o/a ajude a manter a cabeça no sítio, os pés na terra, o corpo erguido, o coração inteiro, e, ao mesmo tempo, boa cara, deve chegar a ponto de sentir que está a lutar pela própria sobrevivência. Imagino que as forças faltem com muita frequência.

[Tão avessa que sempre fui a falar dos meus problemas, desta vez, por muito que tente impedir-me, não tenho conseguido. Pode ser que o ansiolítico e que alguma racionalidade que consigam enfiar-me na cabeça consigam voltar a colocar-me nos meus próprios carris. 

Por isso, não tenho conseguido responder e agradecer aos comentários (e, por isso, vos peço desculpa) nem tenho conseguido escrever sobre assuntos divertidos ou diversos e, apenas a custo, tenho conseguido escrever sobre a actualidade. Felizmente, de vez em quando, o meu marido, ao insurgir-se com o que se passa na nossa vida política, resolve escrever ele. Bem lhe agradeço.]

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Estive a ver se descobria vídeos interessantes para partilhar pois custa-me que aqui venham e apenas encontrem esta recorrente ladainha. Mas nem para isso tenho paciência. Vou aqui colocar um apenas pelo título pois, a bem dizer, só o espreitei por segundos. Pode ser que, a seguir, vá ver se vale a pena.

O que liga Rothko e Mozart?

Mark Rothko was obsessed with Mozart's music, considering him the 'alpha & omega' of composers. But what can we learn from this obsession? In this essay, I look at the parallels between Mozart's music and Rothko's paintings and consider how both artists aim to achieve the same goal - the simple expression of the complex thought.