Agora que, a propósito dos Panama Papers, já falei nas vítimas dos offshores, já deixei informação de como passar informação para quem dela pode fazer bom uso e já trouxe para a nossa companhia o bom do João Vuvu e a sua mulher a dias entretidos numa prosa muito didáctica sobre pichas* (sic), partilho convosco um dilema que me traz aporrinhada.
Contextualizo. Não conheço pessoalmente praticamente ninguém que tenha um blog. Por isso, não posso testemunhar aquilo que se diz que muitas pessoas, ao escreverem, criam personas que pouco têm a ver com o que são na realidade. Ouço dizer que se apresentam como belas, elegantes e muito felizes e que, regra geral, são criaturas feias, baças, solitárias, tristes. Ou que se armam em desenvoltas e desempoeiradas e, ao vivo, são umas atadas, enjoadas, pouco entusiasmantes. Se isso é a regra, não sei.

Não faz parte da minha natureza ser hipócrita ou vendedora de banha da cobra. Se mantenho o anonimato, como já algumas vezes o disse, é apenas porque, trabalhando num grande grupo, não quero que as opiniões que aqui manifesto a título meramente pessoal se possam confundir com o que sou a nível profissional. Era o que me faltava que alguém andasse a dizer 'olha o que ela diz, trabalhando onde trabalha...' ou que os meus colegas se benzessem 'Jasus, c'a ganda maluca' e nunca mais me levassem a sério. Nunca transportei a minha profissional para dentro da minha vida pessoal nem vice-versa e não é agora, aqui, que me vou arriscar a que alguém as misture. Talvez não tivesse mal nenhum mas eu é que me sentiria limitada e não me passa pela cabeça sentir-me condicionada enquanto aqui escrevo.

Mas tenho que confessar que, por saber que os meus filhos me lêem, volta e meia modero o volteio, abrando a maluqueira, controlo o desbragamento. Só em relação a eles, não ao meu marido que ele já me conhece de ginjeira, já não se admira com nada. Pelo contrário, quando às vezes temo ter pisado o risco, fico surpreendida por ele encolher os ombros, achar que não tinha nada de mais. Provavelmente, já está vacinado, já nada o deixa chocado. Mas, em relação aos meus filhos, não quero que se sintam incomodados (se calhar, volta e meia, ficam mas, enfim, há muito tempo que já devem ter percebido que não é por eu ser mãe deles que vou deixar de ser como sou e, portanto, se ficam é apenas ao de leve e também já devem estar mais do que vacinados)
A minha mãe nunca quis ter um telemóvel dos mais recentes, queria um simples, com teclado e poucas funções. Temia baralhar-se e querer fazer uma chamada e andar ali a dar ao dedo e não deslizar em cima do sítio certo.
Só que, agora, decidiu aderir a um tarifário diferente, com dados incluídos, e, portanto, resolveu que desta é que ia para um smartphone, touch screen -- tudo aquilo que sempre esconjurou. Está só à espera que fique concluído o processo de portabilidade do número entre operadores para dar o salto quântico da vida dela. No meu telemóvel já estive a ensiná-la a usar o google, a fazer pesquisas, e toda se entusiasmou com receitas de culinárias, modelos de ponchos, dúvidas de saúde, etc. Fiquei caladinha como um rato no que se refere a isto do Um Jeito Manso mas não tenho dúvidas de que os meus filhos, que gostam de me atazanar o juízo, não vão perder a oportunidade de me encalacrar. Estou mesmo a ver: 'Então, vó, já viste o que a mãe escreve todos os dias...? Anda cá que te explico como vais ver...'. Ora, nem me imagino a escrever à vontade, sobre todas as maluqueiras que me ocorrem, sabendo que a minha mãe vai ler. Ou como escrever coisas que sei de antemão que a vão fazer chorar? Não é possível.
Por outro lado, custa-me pensar que, se calhar ia gostar de ler algumas coisas, e que não será justo privá-la disso. Mas aquilo que a fará envergonhar? Ou deixar perturbada, por pensar que afinal não conhece a filha?
Tenho estado aqui a pensar se não devo tentar fazer um pacto de silêncio com os meus filhos. Mas não sei se eles vão nessa. Aliás, tenho ideia de que já uma vez lhe falaram nisso, ela é que nem deve ter prestado bem atenção.
Um dilema isto, palavra de honra. Que chatice.
Como será que as pessoas destravadas como eu fazem? Deixam que os pais leiam o que escrevem?
A sério. Que coisa. Isto anda a ralar-me. Não sei mesmo que fazer.
A sério. Que coisa. Isto anda a ralar-me. Não sei mesmo que fazer.
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* As pichas referidas na conversa entre o João Vuvu e a mulher a dias, segundo fiquei a saber, são camarões minúsculos.
As fotografias de Mature Women provêm do The Sartorialist.
Lá em cima, Maria Bethânia e Caetano Veloso cantam com a mãe, Dona Canô, Tristeza do Jeca.
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Recordo que, abaixo, encontrarão mais informação sobre os Panama Papers, nomeadamente um vídeo sobre as suas vítimas e, para não acabaram a vossa jornada por aqui com um amargo de boca, terão à vossa disposição a inenarrável conversa entre João Vuvu e a sua mulher a dias.