Os media andam doidos, cheira-lhes a confusão com futebol à mistura, coisa do melhor que há.
À falta de tremores de terra, naufrágios ou atentados bombistas, descarrilamentos ou atropelamentos, roubo de esticão, provocações passistas, sms para maria-amélias,
À falta de tremores de terra, naufrágios ou atentados bombistas, descarrilamentos ou atropelamentos, roubo de esticão, provocações passistas, sms para maria-amélias,
(e andando a ministra-loura de bico calado, o c-rato tão disfarçado de bom menino e todos os outros tão caladinhos, tudo na moita a ver se a gente se esquece deles;
e sendo já um déjà-vu que o Super-Judge Alex esteja em todas tal como que o Prof. Marcelo comente sobre tudo e apresente livros em todo o lado, ambos a comprovarem que a ubiquidade é um dom com que foram abençoados, mais omnipresentes que Deus nosso Senhor)atiram-se como cães a bofe à confusão armada no fim do jogo do Benfica. Os polícias bateram nos adeptos, os adeptos bateram nos polícias e o frenesim que isso gera nas redacções é uma festa. Mas não é só nas televisões, é também nos jornais online. Já nem é tanto aquilo do Benfica ter ganho o campeonato que interessa, é mesmo o furdunço que houve a seguir.
O momento mais épico aconteceu quando a polícia bateu num senhor à frente dos filhos e do pai. O BE já pediu explicações, o senhor sub-comissário diz que o pai das crianças ameaçou cuspir-lhe, a criança já não quer jogar futebol, toda a gente esqueceu o menino que apanhou estalos ou o outro das orelhas grandes, agora toda a gente se concentra na tareia que o senhor levou.
Note-se que não estou a sub-valorizar o episódio -- que acho a todos os títulos lamentável -- mas sim a desviar-me da forma histérica como a comunicação social repete até ao enjoo imagens de violência, quase a banalizando, quase banalizando a forma como toda a gente é levada a manifestações de repúdio instantâneas que apenas duram até à próxima.
E agora, enquanto escrevo, já estão os comentadores todos num excitex, animadésimos, uns contra uns, outros contra outros, advogados, ex-ministros, tudo opina minha gente, tudo disserta sobre leis, sobre moral e sobre costumes - e já ninguém quer saber das crianças que assistiram à violência sobre o pai ou do pai que assistiu à violência sobre o filho.
Ora quem sou eu para me pôr a competir com tão ilustres opinadores...? Ninguém.
Viro para a RTP1, Prós e Contras, a Fátima Campos Ferreira tão dramática, invasiva e grandiloquente como sempre. Falam da desregulação do trabalho. Até poderia ser interessante mas a esta hora estou sensível, ouvidos sensíveis, alma sensível, toda eu a precisar de paz e sossego, vozes em pianíssimo. Por isso mudo-me.
A seguir é o FMI que quer mais austeridade, parece. Não se sabe se é a Lagarde -- o Blanchard não é de certeza -- talvez seja o Subir, quiçá até o careca. Mas não vou comentar, que aqueles lá gostam é de jogar aos jogos de soma nula, um diz uma coisa, outro diz logo a seguir o contrário. Uns brincalhotos.
E aí vou, eu, portanto, tentando em vão descobrir alguma coisa que se aproveite. Mas qual quê? Só disto.
Por isso, com vossa licença, vamos mas é dar uma voltinha ao jardim dos amores.
Descobri, na Revista Bula, um cronista mesmo à maneira: sabe do amor à brava e partilha o que sabe, nada destes nossos experts, mais doces ou mais salgados, que gostam de se armar em bons, apregoando conhecimentos, conquistas aos molhos, e, com ar displicente falam de decotes assim, decotes assado, e, como se desdenhassem, vão deixando cair umas dicas de quem supostamente é grande connaisseur na matéria, minhas senhoras para aqui, minhas senhoras para acolá - mas de onde nunca sai ensinamento útil ou dissertação que possa fazer escola.
Descobri, na Revista Bula, um cronista mesmo à maneira: sabe do amor à brava e partilha o que sabe, nada destes nossos experts, mais doces ou mais salgados, que gostam de se armar em bons, apregoando conhecimentos, conquistas aos molhos, e, com ar displicente falam de decotes assim, decotes assado, e, como se desdenhassem, vão deixando cair umas dicas de quem supostamente é grande connaisseur na matéria, minhas senhoras para aqui, minhas senhoras para acolá - mas de onde nunca sai ensinamento útil ou dissertação que possa fazer escola.
Pois este André J. Gomes parece saber do que fala e escreve com aquele torrãozinho de açúcar nas palavras que faz a prosa rolar gostosa, não se limitando ao título ou a duas ou três frases soltas que chamam clientela mas que insinuam mais do que fundamentam. Não, aqui o André percorre com sabedoria todos os caminhos do amor: a insegurança, o medo, a persistência. Tudo. No que abaixo transcrevo limito-me a extractos de três crónicas mas tem lá para um tratado das paixões da alma.
E não estou a brincar, concordo com tudo aquilo que ele diz. Capaz de toda a gente concordar que, quando a prosa é solta, a gente gosta mesmo que seja só por gostar e, enfim, nisto também já não há muito a inventar.
E não estou a brincar, concordo com tudo aquilo que ele diz. Capaz de toda a gente concordar que, quando a prosa é solta, a gente gosta mesmo que seja só por gostar e, enfim, nisto também já não há muito a inventar.
O AMOR É PARA OS ATREVIDOS. DEIXE DE COISA E VÁ BUSCAR O SEU
Então fica assim. Para o bem de todos os amantes, para a saúde de todo ser amado, quem quiser um amor verdadeiro vai ter de ir buscar. Esse negócio de esperar no sofá, a TV ligada, o olhar perdido, a vida em estado de suspensão por longos fios de baba enquanto a pessoa perfeita não vem, tudo isso fica revogado até segunda ordem. Desista que do céu não vai cair.
Quer amor? Levante e vá buscar. Não tem delivery, compra por catálogo, encomenda, disque-pizza. Não se pode pedir pela Internet. Faça por merecer!
Aos distraídos de boca aberta, os encalhados na correnteza, os pesos mortos e os zumbis sentimentaloides só chegam moscas, mariposas, lesmas, vermes e outros pequenos bichos. O amor é para quem sabe o que quer e, sobretudo, para quem sabe o que oferecer.
É para quem se atreve, se arrisca e se lança. Para os que ousam devolver o prato mal feito e o que mais não serve, para os insubordinados e os insatisfeitos, aqueles que procuram sem fim. Procuram até achar. E se acaso encontram e perdem de novo, retomam a busca sem frescura.
NINGUÉM SOFRE POR AMOR. A GENTE SOFRE É QUANDO ELE FALTA
Quem já andou de amores por aí sabe bem do que se trata. Entende como funciona. Sentir amor é a maior sorte que a vida nos dá. Do sentimento amoroso brota um mundo inteiro de possibilidades novas, vontades honestas, intenções felizes, projetos abençoados. Do amor vem todo o resto.
O amor nos empurra para a frente, nos leva adiante. Faz nascer em nós razões irresistíveis e toda sorte de desejos, ímpetos e motivos para romper amarras mesquinhas, vencer torcidas contrárias, superar encalhes derrotistas, evoluir, melhorar. E merecer mais amor.
Aos sortudos escolhidos na roda dos acasos, o amor chega trazendo fortuna. Melhora a pele, desopila o fígado, clareia a vista. Amor jamais segura, não atravanca e nem atrasa. Amar faz bem e ponto.
Sentir amor faz de nós bombas atômicas ambulantes, reagindo em cadeia aqui e ali com outros seres amorosos, varrendo a terra de ternuras. Quem sente amor o espalha pela vida, transborda o mundo de festa. É o que nos salva da sanha dos patifes, invejosos, cretinos, estúpidos e patetas tão dedicados a distribuir descaso e apatia e desamor.
Amar o ser amado, um ofício, uma ideia, um sonho, não importa o quê. Amar faz bem e só. Sempre! Quando faz “mal”, como acontece a quem ama e não se sente correspondido, já não é amor. O que machuca quando o amor não é recíproco é a frustração, a carência e esses sentimentos decorrentes da indiferença do outro. Não o amor.
Isso também acontece com o amor não declarado, não vivido: o que castiga é a ansiedade, a aflição, a espera do que nunca vem. Não o amor.
(...)
Ninguém sofre de amor, não. A gente sofre é da falta dele. Amar nos dá sorte. Enche os olhos de sonhos e os dias de esperança. Quem ama não faz jogos. Ama simplesmente. Jogos são para apostadores. Amor é para os amantes.
(...)
QUANTO MAIS AMOR A GENTE TEM, MAIS MEDO A GENTE SENTE
Quem tem amor tem medo. Eu tenho. Todo mundo tem. É assim mesmo, sempre foi. Uns têm mais. Outros, menos. Outros tantos, quase nada. Tem ainda os que morrem de pavor mas vivem negando. De qualquer jeito, toda criatura que sente amor, toda alma que já amou alguém na vida também já sentiu medo.
(...)
É medo de ver o amor acabar como acabam a água, o leite, a comida da despensa. Medo de não ter para onde ir buscar mais. Medo da sombra que paira no olhar da pessoa amada depois do riso, medo de não ser aceito, medo das conversas pontuadas de silêncios tensos.
Também tem o medo da insegurança que vira e mexe nos acomete e, por ironia suprema, nos afasta de quem amamos pelo simples pavor de perder.
Há quem sinta medo de deixar o medo travar-lhe as pernas e endurecer-lhe o coração. Medo de se permitir paralisar. E tem aqueles que sentem medo de não perceber o óbvio: aos que amam, o medo é um aviso sublime. É o alerta divino para cuidar do amor. É a consciência de que o ser amado pode partir, de que o amor periga fraquejar ninguém sabe quando. Então é melhor amá-lo agora e amanhã e depois e depois e depois. Só assim o medo esmorece. E se esconde no escuro solitário do porão.
Amor é sentimento irmão do medo. Quem tem um, tem o outro. Pode ser pouco, pode ser muito. Mas há sempre um medo repousando no coração dos amantes. Ou para que serviria a tal coragem de quem ama se não há medo nenhum a enfrentar?
Então, que o amor nos venha cheio de medos inevitáveis. Que venha! É melhor viver com amor e sentir medo que morrer de medo e viver sem amor.
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O eterno ele-ela
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- A música lá em cima é Fadinho de António Chainho com Marta Dias
- A primeira imagem é photoshop puro, uma pintura de antanho transposta para uma estação de metro, da autoria do ucraniano Alexey Kondakov.
- As restantes ilustrações são aguarelas de Elena Romanova
- As crónicas completas, estas e outras, de André J. Gomes podem ser vistas na Bula.
- O bailado está a cargo de The Nederlands Dans Theater, numa coreografia de Jiří Kylián
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um dia muito feliz.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um dia muito feliz.
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