sexta-feira, maio 31, 2019

Uma recordação em forma de alerta e uma capela no céu ao pé de coisas cá de casa





Não sei se é por andar com muitos programas e não conseguir respirar entre eles, se é por andar sempre com a sensação (real) de ter deixado trabalho por fazer e não saber quando vou conseguir ter tudo em dia, se é por ter que madrugar amiúde não me deixando descansar de permeio -- ou se é disso tudo mais do efeito deste calor abrasador. Ando verdadeiramente sem energia. 

Ao fim do dia, fomos fazer a nossa pequena caminhada; mas foi um esforço tão grande. Ainda por cima, não tínhamos água. Estava sedenta, estafada, com a pele a ferver.  Quando cheguei, como o jantar estava feito, depois de me pôr à fresca, estendi-me no sofá e fiquei imediatamente à beira de dormir. 

E, depois de jantar, cheia de calor, cheia de sono, a pensar que deveria ir acabar um trabalho mas incapaz de pegar nele, para aqui fiquei a navegar em seco.


No entanto, penso às vezes que há cansaços que não devem ser subestimados. Já não me lembro há quantos anos mas não foram muitos, o meu pai que, na altura, ainda andava por si em casa -- embora com muita dificuldade e agarrado aos móveis -- caíu e partiu uma perna. Teve que ser operado. 

Todos os dias, a minha mãe ia vê-lo ao hospital. Na maior parte dos dias eu ia buscá-la a casa à hora de almoço e íamos as duas. Depois ia pô-la a casa e voltava ao trabalho. Outras vezes, ela ia com o meu tio, outras com a minha nora. Nos outros dias ia de autocarro ou táxi. O pós-operatório foi uma complicação total e ele esteve internado muito tempo. Para a minha mãe, um susto permanente e uma canseira. Depois, foi para casa porque não arranjámos um lugar decente com fisioterapia onde ficasse internado. Ficou acamado, numa situação complicada. Para a minha mãe, um desgosto por vê-lo assim e uma nova canseira. Ao fim de algum tempo, arranjámos uma espécie de clínica onde ele poderia tentar a reabilitação. Odiou lá estar e veio de lá sem ter feito quaisquer progressos. Não colaborava, não percebia sequer porque lá estava. Mas achávamos que era para bem dele, queríamos que pudesse voltar a andar. Todos os dias a minha mãe ia vê-lo. Eu ia ao sábado e ao domingo e ia buscá-la e levá-la mas, durante a semana, ela ia de autocarro -- e aquilo ainda era longe da paragem. De vez em quando ia de táxi mas na maior parte do tempo a de autocarro.


E estava um calor horrível e ela queixava-se disso, como lhe custava tanto. Eu dizia-lhe que não fosse todos os dias, que naquelas tardes de grande calor ficasse em casa, a descansar. Mas ela isso não fazia, não queria que o meu pai lá estivesse à espera e que ela não aparecesse. Até que o meu pai foi para casa. Para a cama. 

E, então, aí, a minha mãe foi-se abaixo. Cansada. Dizia que andava sem acção. Foi no verão e estava um calor verdadeiramente insuportável. Pensávamos, por isso, que o cansaço nascia daquele calor. Também tem um pequeno desequilíbrio a nível da tiróide, pensámos que talvez pudesse ser disso. Ou tensão baixa. Ou o somatório do cansaço daqueles meses todos em que andou a ir e vir todos os dias a caminho do meu pai. Ou a idade. Dizia: 'É que também já não sou nova, não é?' Arranjávamos explicações lógicas para aquele cansaço. Por vezes não percebo como, com a idade que tem, ainda conserva aquela energia. Por isso, pensando bem, com o desgaste psicológico e físico a que tinha estado sujeita, com aquele calor e com a idade que tem, parecia mais do que normal que estivesse cansada.


Mas às tantas achou que era cansaço a mais. Não se queixava de mais nada, só isso, mas isso era invulgar nela. Foi ao médico, um bacano da idade dela. Pensava ir pedir-lhe um suplemento qualquer ou ver se precisava de alguma coisa para a tiróide. Mas o médico, experiente e intuitivo, mandou fazer análises, incluindo às fezes. Mas nem ela veio de lá preocupada nem eu o fiquei. Tantos meses a cuidar do meu pai, não tendo tempo e disposição para si própria, era bom mesmo que fizesse uma revisão geral. Só que o resultado não foi tão bom quanto se queria. Estava com uma anemia e havia sangue nas fezes. Fui à net. Nem sempre isso é perigoso, há muitas causas benignas. Além disso, fazia bem a digestão, não tinha incómodos de qualquer tipo. Tranquilo. Mas o médico mandou fazer colonoscopia. 

Não quis que eu fosse, que estava bem, que ia com uma amiga (por acaso, mais velha). Ia tranquila e eu também não estava muito preocupada. Pouco depois da hora, liguei. Já tinha feito, estava à espera. E afinal, depois, pouco depois, ligou-me com a voz aflita, que a médica tinha ido falar com ela e que era melhor eu ir ter lá casa já, havia coisas a combinar. Fui a conduzir nem sei como, na maior ansiedade, horrorizada, cheia, cheia de medo. Quando cheguei, a minha mãe estava numa aflição, 'o que vai ser do teu pai? no estado em que está... nem quero pensar no que vai ser...' e chorava, angustiada, amedrontada, estávamos cheias de um medo terrível, aquele medo fundo, cavado, que acompanha as ameaças de morte. 


Depois foi uma corrida contra o tempo. Exames que nos matavam de medo, sempre sob o terror de virem ainda piores notícias. Depois foi a operação. Ficou sem metade do intestino mas teve alta num instante e saíu a andar, sem dores. Não havia metástases, ficou bem, e o médico, outro boa-onda, disse-lhe que daquilo ela não morreria. E todos disseram que a sorte foi ter ido ao médico por se sentir cansada. Se não se tivesse investigado, se tivesse tomado medicamentos para ganhar energia, se tivesse achado que era normal e deixasse andar, poderia ter sido bem pior. Não tinha qualquer outro sintoma senão o cansaço. Assim, felizmente, atalhou a tempo. 

Não conto isto para alarmar ninguém. É apenas um testemunho que, sabe-se lá, pode ser útil a alguém.

E eu, cansada que ando, sem energia, penso que não é o meu caso pois acho que tenho razões de sobra para me sentir assim. A ver é se, no fim de semana, consigo retemperar-me. 

Que me desculpem os que aqui vêm procurando algumas palavras mais animadas ou interessantes. Agora não consigo dar mais que isto.


Uma vez mais, à falta de melhor ideia, abonequei o texto com umas coisas cá de casa. E deixem que vos mostre porque é que a minha canseirinha é bobagem tola quando comparada com a canseira a sério que deve ter sido construir o que aqui abaixo se vê ou com a canseira de quem, para estar num lugar assim, espantoso, tem que subir tudo aquilo (e que vertigens sinto ao ver).

Uma capela no céu


Dias felizes para todos

quinta-feira, maio 30, 2019

Palavras em silêncio





No domingo, antes de irmos votar, não resisti a ir comer um gelado. O meu marido disse que sim, que era coerente com a minha vontade de fazer dieta. Não liguei. Pelo-me por gelados. Estava tão desejando... Só de pensar já antecipava o bem que me ia saber. Afinal não havia o kumquat que era o que eu queria mesmo. Fiquei decepcionada e não recuperei logo: vacilei na escolha. Hesitei entre rum com passas e o do dia, que era de banana com creme de caramelo e amêndoas. Mas pensei que o do dia era capaz de ser muito doce e o de rum com passas se calhar um bocado sem graça, só se fossem duas bolas e a outra fosse de gianduja. Mas duas bolas já seria uma afronta. O meu marido, à espera de vez na caixa, fazia-me sinal para me decidir. E eu ali, em frente ao balcão e a olhar para o que via e para o quadro atrás, com o enunciado de todos os sabores. Acabei por escolher papaia com gengibre (em cone sem açúcar, claro). E então reparei numa mulher que entrava e se dirigia resolutamente para a caixa. Sabia que era pequenina mas não tão pequenina. E vestida completamente à vontade, como seria natural, mas até vagamente despenteada e sem pingo de maquilhagem. Pensei: a diferença que a maquilhagem faz. Então reparei que o meu marido passava os olhos por ela sem reconhecer. Porém, acto contínuo, olhou de novo, discretamente, por uma fracção de segundo. E, quando estava a olhar para mim, para eu lhe dizer a minha escolha, reparei que, como quem não quer a coisa, voltava a olhar.

Quando saímos, perguntei: 'Portanto, reconheceste-a?' e ele 'Não sei. É ou não é?' e eu 'Bolas, então não viste que é!?' e ele: 'Não sei se é, parece diferente'. Expliquei: 'Falta-lhe a maquilhagem e o barulho das luzes'. Era mesmo. Quase não se percebia mas era mesmo ela. Quando eu vinha a queixar-me que papaia com gengibre tem pouca graça -- muito sorvete, coisa sem aquela substância de que gosto (textura com fundo de leite, com alguma espessura melada), papaia com gengibre é bom mas falta-lhe corpo -- diz ele: 'Das vezes que ela andava por lá armada em mandona, nunca nenhum gajo lhe terá dito: Cresce e aparece?' e eu, armada em engraçadinha, disse: 'Como é que as investigações hão-de andar mais depressa? É que não há-de conseguir impor respeito nenhum' mas aí ele disse: 'Agora a sério: acho que a gaja deve ser retorcida, os gajos devem ter é um medo danado que a gaja se passe com eles' e eu concordei porque, a sério, ela deve ser é danada para chuchu, que só para não a verem passada devem é andar todos direitinhos que nem fusos.

Mas comecei com esta conversa a propósito de quê? Já nem me lembro, estou a escrever e a tratar de assuntos e, pelo meio, a espreitar a televisão. Isto esta semana não está nada fácil. Uns dias estou doente de sono, outros com o trabalho a sobrar-me em cima, o tempinho do fim do dia a voar e eu sem poder fruir o bocadinho de descanso só meu. Muito cansada.
Tendo deixado escapar da mão o fio da meada, estou aqui a pensar que me apetece escrever mas sem ter sobre o que falar e o que me ocorre, embora não abone a meu favor porque atesta que não sou de dietas (nem de gelados nem de livros), é que, à hora de almoço, pensei que a única maneira de deixar entrar ar no dia seria entrar numa livraria. 

Mas não terá sido só isso. É que também estava preocupada comigo. Conheço-me descomportada e fraca face às boas tentações e já me habituei ao ser que me habita, já me causa saudade quando ele se ausenta de mim. E ter-me visto, no outro dia, a sair de uma livraria sem que um único livro se tivesse vindo aninhar nas minhas mãos, deixou-me a pensar: 'O que é isto? Desencanto? O desconsolo a insinuar-se-me sob a pele? A idade a fazer-se sentir e da pior maneira?'. Por isso, na minha intimidade, confessei que não ia só deixar entrar o ar, ia também perceber se a minha personalidade tinha mudado.


Não mudou. Felizmente. Aquele apelo, aquela vertigem boa que não é nos pés, a sentir que vou despenhar-me, mas nas mãos, a sentir que vou deixar que os livros mergulhem em mim. Quando já estava com dois nas mãos, adicted confessa, ouvi uma jovem a dizer para outro jovem: 'Pá, a feira não começou hoje?' e ele 'Pá, pois é! Tipo bora bazar e ir lá?' e lá foram, animados. E eu fiquei surpreendida porque não sabia e aquilo deixou-me a pensar: 'Pá, tipo, eu aqui e a feira ali'?. Mas depois ajuizei: 'Pá, tipo, com 36º mais vale estar aqui, a respirar o ar que felizmente é condicionado do que, pá, tipo, ir destilar abaixo e acima, ao ar livre'. E, portanto, destemperadamente, avancei por entre as estantes, feliz, feliz da vida. Eu ainda igual a mim, perdida de amores por livros, sempre dada a amores à primeira vista, sempre a deixar-me ir na onda de uma bela capa, de um belo título, e só depois a confiar que a intuição não há-de trair-me com um mau conteúdo. Ainda assim, prudencialmente, para não me sentir completamente leviana -- e decidir apenas na base de um belo corpo, de um tentador olhar -- espreito o interior, folheio, abro ao acaso, leio uma palavra e com uma palavra construo uma esperança: vai ser bom. E é. Estão aqui, eternos, cheios de surpresas como são sempre os amores à primeira vista: desconhecidos, tentadores, descarados.


E outro dia conto quais eles foram, que eu, quando muito gosto, não sou adepta daquela máxima de o que é bom pouco basta, e gosto é de farturinha, amor às braçadas.

Agora é tarde e, uma vez mais, tenho que madrugar. Estes dias não me dão descanso.

Mas, antes de ir, mais um vídeo com uma bebida do bosque. No outro dia, recebi um poema com um belo caminho comunicante e um aviso: cuidado com os teixos. Fiquei logo intrigada. E fui logo ver como é a caruma do teixo, que, se calhar, nem se chama caruma. E fui ver se dá para fazer chá da caruma do pinheiro. E encontrei mas é uma infusão que leva um pó que me fez um bocado espécie, não sei se a bebida não fica a saber demais a terra. Não sei. Talvez tenha que arranjar alguma coragem. Mas estes vídeos são sempre tão bons.

Têm silêncio e eu preciso de silêncio. Rodeei as palavras com coisas aqui de casa, coisas silenciosas que me acompanham. Silêncio com canto de pássaros dentro.



A todos, um dia feliz e que me desculpem por não comparecer nos comentários. Não consigo.

quarta-feira, maio 29, 2019

O que não se pode saber


Só nos Estados Unidos? 

Só a China? ... ou a Rússia?

Sim, sim...

Não há é muita informação. E é uma pena pois, nas actuais circunstâncias, talvez não fosse má ideia que se soubesse melhor o que se passa. Em português, então, nada, não encontro nada para aqui colocar. Só coisas do tempo das Guerras Mundiais. Como se, depois dessa altura, não houvesse espionagem em Portugal. Não, não...

Gente das embaixadas, adidos e assim, jornalistas, agentes sob disfarce, gente que sabe arranjar quem se desboque como, por exemplo, malta que caíu em ciladas e que, por isso, está agarrada, ou gente que se vende por pouco ou que nem sabe que está a colaborar com eles. 

São 'eles' (e 'elas'). Os que não se vêem. Os que não dão entrevistas. Aqueles que constroem uma vida alternativa que serve de cobertura para a vida verdadeira. Aqueles para quem o disfarce se torna a própria pele.

Não se interessam apenas por política embora aí agora a coisa esteja quentinha: interessam-se muito pela realidade económica e, aqui, escuso de dizer quão atraente está a economia portuguesa, seja sob que perspectiva se olhe. Gente da maior utilidade para o país.

Deixo aqui dois vídeos e lamento não encontrar sequer legendados em português. Nada.

O primeiro tem a ver com a espionagem económica e o segundo toca num ponto especial: sendo um mundo predominantemente masculino, é bom que se saiba que há mulheres na espionagem.






Eles andem aí....

terça-feira, maio 28, 2019

Pot-pourri com uns goles de seiva a acompanhar





O fim de semana foi curto. Enquanto vinha no carro a falar com a minha filha, bocejei, confessei que estava cheia de sono. De facto, tinha-me deitado tarde, a escrever sobre as eleições. Mas é que também não deu para descansar enquanto estive in heaven. Expliquei que só tínhamos conseguido lá estar durante pouco mais de vinte e quatro horas. Ela pergunta porque fomos, então. Digo: o pai teve que montar a máquina, depois teve que fazer isto, aquilo e o outro. Há sempre tanta coisa que fazer  quando lá estamos. E depois tivemos que vir a horas de vir votar. A minha filha diz com ar recriminatório: 'vocês gostam'. Tal como a minha mãe, ela acha que há coisas que não precisávamos de fazer, que poderíamos pagar para que alguém as fizesse por nós. Tento explicar que, de facto, gostamos. Mais do que gostamos: precisamos. Ela insiste e eu explico: durante a semana são reuniões, preparar apresentações, fazer viagens, conduzir projectos. Temos que ter o fim de semana para respirar, para mudar de ares. Explico também que, andando lá, regenero, sinto-me logo tão bem.


Enviei-lhes hoje o link para um artigo onde se enumeram vinte e cinco maneiras de conquistar uma melhor qualidade de vida e uma vida mais longa. Ali se diz que andar na floresta aumenta a imunidade, remetendo para um estudo científico. Mas não preciso de ler o estudo para saber que nem precisa de ser uma floresta a sério para a gente se sentir logo mais saudável. E a meditação também. Nunca consegui perceber o que é meditação mas talvez que, quando ando em silêncio e com vagar, a passear entre as árvores, a ouvir a aragem e o canto dos pássaros, a fotografar, sem pensar em nada, isso tenha o mesmo efeito. É uma total tranquilidade, uma felicidade sem definição ou explicação.


Ela fala-me também nas desoras a que aqui estou, que bem lê o que escrevo, que escrevo cheia de sono e, uma vez mais, recrimina-me, diz que gosto. E é verdade. Ninguém me obriga. Mas é a mesma coisa. Depois de dias tão cheios de fazer o que tem que ser feito, sinto necessidade de fazer o que me apetece fazer: escrever, ouvir música, ver imagens que me agradam, aprender. E há sempre tanto para aprender. Mas sei que ela tem razão. O artigo diz que é preciso dormir bem. Eu durmo bem mas, como me deito tarde e levanto cedo, chego a esta hora e tenho sono. É um absurdo, talvez. Não devia estar aqui, sei bem que não. Hoje, então, não mesmo.


Mas as coisas são o que são e nada a fazer.

Hoje, à hora de almoço,  apeteceu-me ir visitar livros. Ainda não fui conhecer a livraria nova do Príncipe Real. Não há onde ali se estacione, só indo a pé. Mas, para ir a pé, tem que se deixar o carro em algum lugar e ter tempo para ir a pé. Programa complicado para um dia de semana, com pouco tempo. Por isso, fui a lugar conhecido, onde sei onde encontrar as espécies. Ia andando e pensando que seria bom se os livros estivessem expostos por critérios de qualidade. Mas não: quanto menos valem, mais à vista estão. Também deveriam ter bem à vista os tradutores. Assim, tenho que estar a abrir para vem quem traduz. Mas há muitos tradutores que não conheço. E, então, vacilo, não me apetece arriscar. É uma profissão nobre, solitária, a de tradutor. Mas tem que haver muita ética, ser levada muito a sério, uma coisa laboriosa. Não sei se é um trabalho bem pago e, por isso, talvez haja justificação para alguns tradutores serem pouco apurados.


Mas vai chegar um dia em que já não se distingue entre escrever bem ou escrever de qualquer maneira. No outro dia, a minha menininha mais linda ia ter um ditado no dia seguinte e os pais combinaram que eu ensairia com ela. Então, passou-me para as mãos o manual de língua portuguesa. Foi pela Páscoa e o texto tinha a ver com o compasso na aldeia da família. Fiquei incomodada e tanto mais quanto não pude dizer-lhe que aquilo estava tudo mal pontuado, as vírgulas mal postas, e o próprio texto deselegante na escrita. Mas alguém seleccionou aquele texto para um manual do terceiro ano. Uma dor de alma. Pode aprender-se bem a partir de maus livros? Creio que não.

E hoje recebi um mail de um colega que eu não tenho por estúpido e que, aliás é, por lá, pessoa conceituada, e, para meu pasmo, encontrei um à do verbo aver, sem h, e um dar-mos daquela raça de palavras que são degoladas com um mortífero hífen. E, uma vez mais, pensei que, quando escrevo, a maior parte das pessoas deve pensar que dou erros atrás de erros. E, uma vez mais, lamentei ter que ler e calar.


Acabei por não trazer nenhum livro. Nada, do que vi, me pareceu inquestionável. Uma grande loja cheia de livros e, á vista, só livros que não me convenceram: ou porque sim, ou porque não, ou porque o tradutor, ou porque a capa, ou porque não sei. Se calhar, apenas não estava disponível para me deixar tentar. É um estado que não se recomenda: fica-se negativo, nada parece suficientemente atraente. 

Saí de lá a pensar como seria um livro meu, porque tenho isto de pensar que um dia ainda hei-de escrever um livro, e não cheguei a nenhuma conclusão. Não sei descrever como teria que ser. Tinha que contratar o hmbf para ele me mostrar de que é que eu, sendo como sou, ia gostar e sei que ia confiar na sua escolha apesar de ele não me conhecer porque ele sabe coisas que mais ninguém sabe e, ainda por cima, tem bom gosto. Mas não quereria apoio apenas para a estética. Não. Ia convidar umas três ou quatro pessoas que conheci aqui na blogosfera, e não digo quem para não aborrecer ninguém, para escrever o prefácio, o prólogo, a introdução, o epílogo e o mais que lhes apetecesse mas ia pedir que não quisessem saber da definição disso e escrevessem o que quisessem, nada a ver com o meu livro, nada, nada, apenas que escrevessem coisas bonitas, suas, coisas que desafiassem a lógica de ali estarem, coisas que tivessem a ver com eles e não comigo, com os seus gostos, liberdade absoluta. 


Já é tarde. Um disparate isto. Nem sei bem sobre o que é que estou a escrever porque, tal como disse ao começar, a semana passada foi difícil, o fim de semana foi curto, a noite de ontem longa e o dia que passou não deu trégua. E eu gostava de me ir aos comentários, dar dois dedos de conversa, mas acho que não vou conseguir chegar lá.

Mas, antes de me ir, gostava que vissem o vídeo que aqui tenho em baixo e que anda a dar-me ideias. Uma coisa incrível. Quando se pensa que já se viu muita coisa do outro mundo, do nada, aparece mais uma. Nunca imaginei uma coisa destas, não fazia a mínima, a mínima. Agora tenho que ir tentar perceber se isto é com todas as árvores e se, sendo, é assim, ao copo, ou se há algumas que sim mas só uma ou duas gotas. Numa daquelas de vida ao natural, de contacto directo com a natureza, nesta minha vontade de ser bicho, a perspectiva de beber o líquido que corre no seio das árvores emociona-me.

Tapping birch sap is one of my favorite parts of the spring. Birch sap has a very sweet taste and lots of health benefits, and it has been a part of the nordic tradition for hundreds of years.
Back in time, they said "drinking marrow into the bones" about drinking birch sap. It was a way of regaining energy after a long cold winter. Sometimes, they even gave it to the livestock, to give the cows, goats and horses some extra energy. 
It contains minerals and vitamins like calcium, potassium, magnesium, manganese and sugar. And also proteins, amino acids and enzymes. 
In this video I show you step by step how I do when I tap birch sap. The sap can only be tapped in the early spring for about 3-4 weeks. From when the snow and the frozen ground has melted, until the first leaves starts to bloom. Depending on where you live it might differ a lot. In the south of Sweden it's around march-april, and where I live in the north of Sweden it is usually the beginning of may until the end of may. 
For many of you (if you even have birch trees where you live) it might already be to late. But I hope that you feel inspired to try it out next spring or whenever you get a chance. 


E espero que as minhas fotografias, feitas durante o fim de semana, levem até si um pouco da paz que habita in heaven.

Um dia feliz.

segunda-feira, maio 27, 2019

As Europeias 2019 em Portugal:
breve balanço à moda da UJM


Bem. Já falaram todos os líderes partidários e o Presidente Marcelo já rematou e, portanto, está na altura de eu me pronunciar. Há bocado já tinha botado faladura mas foi sobre sondagens. Agora já posso basear-me em factos. Para isto não ficar longo para além da conta, vou cingir-me aos que terão assento no Parlamento Europeu. O Sande e o Santana, o Rui Tavares, o Arrocha e o Ventura talvez sejam vistos num outro dia.

E, sobre os cinco contemplados de hoje, o que me ocorre dizer é que:


1. O Ambiente está na ordem do dia e ainda bem. A Europa está a acordar para a necessidade de salvar o Planeta e isso é mais do que bom, é vital. E presumo que o aumento dos votos no PAN também vá nesse sentido. Já confessei que não conheço o programa nem a actuação do partido mas provavelmente devia informar-me melhor. Ouvi há pouco o líder do PAN, de quem nem sequer sei o nome, e gostei de vê-lo, quer na indumentária quer no que disse. Não falou muito mas, no pouco que disse, não detectei disparates -- e isso não é despiciente. Será partido a seguir pois aparentemente tem sabido captar e interpretar a preocupação geral com o clima, com a sustentabilidade do planeta. Para mim foi uma surpresa.


2. O resultado do CDS enquadrou a ambição aparvalhada de Cristas. Sempre a apregoar que é a verdadeira líder da oposição e candidata a primeira-ministra, o país mostrou-lhe que, quanto muito, lhe arranja um lugar como porteira. Sempre desagradável, sempre armada em boa, sempre acusatória e agressiva, sempre a mostrar que não se enxerga, Cristas foi relegada para um lugarzinho entre a CDU e o PAN. No discurso mostrou-se a modos que meio desorientada, sem perceber bem qual o tom a usar. Humildade não é com ela mas deve ter começado a perceber que quem nasce para lagartixa nunca chega a jacaré. Foi Nuno Melo que assumiu claramente a derrota mas no meio do entusiasmo dos agradecimentos já todos aplaudiam como que esquecidos de que não tinham grande motivo para palminhas. E eu só penso numa coisa: baldas como é, se o Melo já antes era um faltista de primeira, agora que vê o partido a esboroar-se e farto de por lá andar, é que vai ser lindo. Nas legislativas o desastre deve repetir-se.


3. O resultado do PCP foi fraco e o discurso de Jerónimo de Sousa foi deslocado. Falou como se estivesse em campanha para as legislativas e não a acabar de sair de mais uma derrota eleitoral. Tentei perceber qual era a dele mas não captei: quase como se quisesse desvalorizar o que tinha acontecido e, para desviar as atenções, se pusesse a aproveitar o tempo de antena para vender o peixe dele. Mas não fez sentido. Desvalorizar a importância do Parlamento Europeu e escamotear o mau resultado só lhe fica mal. Dá ideia que são zombies, que estão em extinção e não percebem. Mas, digo de novo: dá-me pena. Há no PCP gente nova, com qualidade. Mas, enquanto não se libertarem do pesado lastro do passado, das raízes históricas que o tempo tem provado não darem planta que dê bom fruto, não irão a lado nenhum. O PCP continua agarrado a um sindicalismo que já representa apenas uma pequena parte dos trabalhadores, agarrado a uma conversa antiquada, onde campeiam também amizades que cerceiam a liberdade necessária para se modernizarem. Ou o PCP consegue libertar-se dos velhos do Restelo ou irá fazer companhia à Cristas.


4. O resultado do BE foi bastante bom. Já é o terceiro partido. Como disse há pouco, penso que o deve sobretudo à Marisa que não regateia afectos, abraços apertados, beijinhos a rodos. Com a Cristas e o seu compangnon de route sempre a despejarem provocações, insultos, trocadilhos a destilar fel e uma agressividade inusitada, o País preferiu desviar dali o olhar e focar-se nesta dupla feminina que não ofende, não insulta, não agride e, pelo contrário, distribui sorrisos, ternura e compreensão. Já o disse muitas vezes e repito: o BE tem mérito e tem apresentado boas propostas. Mas Catarina Martins tem uma pulsão populista, dizendo e oferecendo o que os seus ouvintes querem ouvir, e omitindo a impossibilidade de cumprir o que promete sem ir prejudicar outros, ou, outras vezes, bramindo contra incertos (ou contra banqueiros ou capitalistas em geral), sabendo que, com isso, colhe votos. Têm também provado que não olham a meios para atingir os fins, chegando a ser desagradavelmente desleais. Têm contado com a benevolência de António Costa que, assim como assim, tem preferido pôr-lhes a mão por baixo pois mais vale tê-las por perto do que saírem por aí, numa clara deriva populista. Claro que, se isso acontecesse, o eleitorado veria de que é que a casa gasta e o sex appeal do BE minguaria, passando a haver mais pessoas disponíveis para outras ofertas populistas que surgissem -- e é isso que o Costa (e o Prof. Marcelo) quer, e bem, evitar. O BE tem ainda a favor o de ser um partido marcadamente feminino -- Catarina Martins, Marisa Matias, as gémeas Mortágua -- e o País estar disponível para ver mulheres em lugares de poder, coisa na qual os outros partidos deveriam pensar.


5. Sobre o PSD nem sei bem o que dizer. Um disparate pegado, aquilo ali. O Rangel, coitado, esse trauliteirozito, um caceteirozito que, à mínima, fica histérico, é o que é -- e, quando as pessoas são assim, a responsabilidade não é delas mas de quem não o percebe e as convoca para coisas para as quais elas não dão. Alguém espera de uma galinha que ela suba às árvores e desate a pipilar lá de cima? Piada teve um jornalista que, no fim, querendo referir o tom irónico de alguma coisa que o Rangel tinha dito, disse erótico. E, a seguir ao erótico Rangel, que se apresentou sozinho, num cenário desolado, apareceu, então, o macho alfa do partido. Espadeirou à esquerda e à direita, distribuíu canelada, desatou à cabeçada. Não sei bem contra quem em particular pois vi o Rui Rio furibundo, enraivecido, com tudo, inclusivamente quando alguém lhe perguntou se achava que tinha condições para se manter à frente do partido. Ficou a mais de 10% de distância do PS e ficou claro que o País não tem saudades de quem tratou mal os portugueses sem que, com isso, tenha feito bem ao País. Enquanto Rio espumava, mostrando que não sabe ser empático, a plateia mostrava um conjunto de pessoas que vem dos tempos do cavaquismo ou do passismo. O PSD é outro partido que não tem sabido regenerar-se. É pena. Acredito que há muita gente decente que preferia ter um PSD mais arejado, menos preconceituoso, mais alinhado com os tempos modernos e que há-de estar a desesperar por ver o tempo a passar sem que a renovação aconteça. A continuar assim, nas legislativas ainda será pior. Rui Rio já está nitidamente a prazo.


6. O PS ganhou e não foi por poucochinho, foi por uma diferença expressiva mas, ainda assim, não espectacular. Digamos que ganhou bem e com justiça. E o discurso de ambos, Pedro Marques e António Costa, foi de natural alegria. Mostraram ter os pés na terra e a ambição de quem sente que há ainda muito caminho para andar. Contudo, para que se afirme com mais energia, o PS tem que saber limpar algumas nódoas que ainda lhe sujam a lapela. Como todos os grandes partidos com implantação nacional, regional e etc, e com anos de poder a todos esses níveis, o PS tem dentro de si, como o tem o PSD, um historial de amiguismo. Não haverá tantos caciques como entres as hostes laranjas mas há ainda alguma daquela lógica corporativista que desagrada aos eleitores. Deveria trabalhar para poder ostentar na lapela o emblema da ética e da honradez a toda a prova. E, sendo os tempos de mudança, com desafios de vários tipos e todos eles complexos, o PS deve saber abrir-se à sociedade. E deve cativar os jovens, muitos jovens. E deve saber atrair gente que saiba pensar, gente que saiba interpretar as preocupações e os anseios de hoje e de amanhã. E deve atrair mais mulheres. Quer dentro de portas quer na Europa, o PS deve saber aproveitar o voto de confiança dos portugueses e surgir como um partido com quem se possa contar para construir o futuro.

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E todos os partidos têm que saber falar às pessoas sem arrogância, não tratando as pessoas como se fossem crianças ignorantes, não cavalgando ondas e populismos. E todos têm que limpar do seu seio tudo o que seja duvidoso, oportunista, pouco sério. Um dos grandes inimigos da democracia é a abstenção e a abstenção alimenta-se do desalento que vem de as pessoas acharem que 'é tudo igual', que 'andam todos ao mesmo'. E esse deverá ser também o trabalho de Marcelo: em conjunto com os partidos, mobilizarem os eleitores. Que reflictam nas formas criativas e eficazes de trazer as pessoas para o debate público, para a intervenção política, e que consigam que, nas próximas eleições, já seja visível uma maior participação -- isso é o que desejo.

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Coloquei aqui pinturas de Botero porque foi o que me ocorreu. A política é uma coisa séria mas não tem que ser vista de forma ensimesmada.

E, pronto, já disse o que tinha a dizer. E, assim sendo, com vossa licença, vou sair daqui a dançar em pontas para ir pregar para outra freguesia.


E a todos desejo uma semana em grande, a começar já por esta segunda-feira.

domingo, maio 26, 2019

Foi um bom fds cá por casa: Sporting no sábado, PS no domingo
[E avanço já com um ou outro comentário às projecções conhecidas]


Podendo parecer que não, sou muito prudente nos meus festejos: no que se refere às eleições, ainda quero ver os resultados eles-mesmos. 

Para já só quero dizer que:

1 - Quanto à Final da Taça:

a) Como só entrei na sala para dar sorte para o último penalti (estive a ler o jornal noutro lado), só posso comentar a emoção do Varandas e a tristeza do Sérgio Conceição que só foi maculada pela sua falta de educação ao não cumprimentar o vencedor. 

b) Também pude testemunhar a alegria do meu marido a gritar ao telefone 'Viv'ó Sporting!' e o menino mais crescido, do outro lado, a cantar, todo contente. E senti-me contagiada.

2 - Quanto às projecções dos resultados das eleições em Portugal, só posso dizer que:

a) Lamento a abstenção e lamento a nula intervenção da Comissão das Eleições que deveria ter exigido aos partidos que, em vez de fazerem figuras tristes, fossem elucidativos e convincentes junto dos eleitores. Há instituições que são tão inertes que, se é para serem assim, mais valia não existirem que outros fariam melhor o seu papel (o Banco de Portugal é outro caso mas isso agora não interessa para nada)

b) Acho um piadão aos resultados esperados para o PSD e para o CDS que andaram armados em vizinhas intriguistas, inventando que as coisas estavam a correr mal ao PS. Um piadão. Não me admiro nem um bocado mas terei pena se as percentagens reais não forem ainda inferiores aos das projecções. O PSD e o CDS, antiga PàF, já provaram que não sabem estar no poder nem na oposição. Estão desadaptados a estes tempos. Tudo o que fazem, fazem mal. Na verdade, temos que reconhecer que já não contribuem com nada de relevante para a sociedade. No entanto, ressalvo que isto que digo, digo-o em geral, em relação à orientação e à praxis dos dois partidos. Contudo, tenho ouvido dizer que há um deputado europeu do PSD que é muito bom. Chama-se José Manuel Fernandes e, a ser verdade o que conhecidos meus afiançam, espero que seja eleito.

c) Curioso, muito curioso, é o que se espera para o PAN. Não se lhes ouve nunca nada e afinal agora isto. De resto, quando preenchi aquele questionário, percebi que, sem o saber, na volta, estou perto deles. Ignorância minha que desconheço ao que vêm e se são gente estruturada e competente. Mas acharei também um piadão se, qualquer dia, o PAN valer mais que o CDS. A Cristas, toda cheia de cagança, armada em rã que se imagina um boi (sendo mulher, deveria dizer 'vaca' mas, enfim, não quero ser deselegante), a serem verdade as projecções, leva um balde água fria pela cabeça abaixo que só pode fazer-lhe bem. Ao Nuno Melo isso é capaz de lhe estragar o penteado mas azarinho, falta-me a capacidade de sentir solidariedade quanto ao penteado do agricultor Melo.

d) Será bom o resultado do BE se a projecção bater certo. Até pode ser que ela seja uma boa deputada europeia, não digo que não, não sei. Mas uma coisa sei: Marisa é a versão feminina do Marcelo. Muito afecto. Muito abraço. Muito beijinho. Presumo que, mais do que a intervenção política real do BE, seja o efeito 'afecto' de Marisa que tenha alavancado esta votação nela. Além disso, a Catarina Martins pode ter forte e preocupante pendor populista mas sabe exprimir-se bem, camuflando o populismo com uma conversa que aparenta moderação. 

e) Se for verdade o resultado do PCP, tenho pena. Não me identifico com o conservadorismo e com uma linguagem e uma visão antiquada do mundo mas reconheço a honestidade dos comunistas e a honradez com que respeitam compromissos. Mas pecam por muitas coisas (por exemplo, o que tenho sabido do mau perder do PCP na Câmara de Almada que perdeu para o PS incomoda-me pois temo que não tenha só a ver com o mau feitio do ex-presidente mas com uma postura ressabiada do partido). Independentemente disso, tenho pena que o PCP venha perdendo relevância de uma forma tão continuada. Não têm sabido adaptar-se aos novos tempos. Até a malta nova tem uma conversa muito agarrada ao passado. Ou percebem isso, ou não tarda estão com zero deputados no Parlamento Europeu.

f) Fico contente que o PS ganhe e gostava que a contagem de votos situasse o partido com um resultado na banda superior das expectativas. Seria justo. Significa que a maioria dos votantes reconhecem o valor do trabalho e da visão do PS. É bom que agora não se deslumbrem, que trabalhem muito, que trabalhem mais, que se limpem de amiguismos, que se limpem de ovelhas ranhosas que ainda existem aqui e ali. Um bom trabalho e uma visão aberta ao futuro não devem ser maculados por casos que sujam a barra dos socialistas.

g) Fico contente que em Portugal estejamos longe do pesadelo de outros países em que a extrema direita e os nacionalismos ameaçam perturbar o equilíbrio e o desenvolvimento europeus.

E só espero que, de facto, Costa consiga mobilizar uma geringonça europeia, unindo-se com quem puder unir-se, por forma a erguer uma barreira ao avanço da extrema direita e dos nacionalismos que ganham força na Hungria, em França, em Itália, em Espanha e... e... e...

E fico também contente se se confirmar que os Verdes, os defensores do planeta, da ecologia, do respeito pela qualidade de vida saudável, inclusiva e sustentável ganhe expressão.

Quanto ao resto, vou esperar pelos resultados.

Ele quer desmantelar o Facebook


O que me assusta nisto do Facebook, Instagram e WhatsApp é que, apesar dos riscos brutais, as pessoas não o percebem e continuam a usar alegremente, sem preocupações, estas redes sociais. Sucedem-se os casos de violações de privacidade e de manipulação psicológica dos utilizadores, sucedem-se os alertas sobre os riscos -- e ninguém quer saber, toda a gente continua a usar na maior descontração. 

Pela 'natureza' tecnológica das próprias plataformas e pela natureza dos objectivos de Zuckerberg -- que nisto está por conta própria, um verdadeiro um deus ex machina, um deus inesperadamente surgido de um algoritmo, alguém com um poder fora de controlo --, a menos que apareça um travão efectivo a nível judicial, o Facebook, o Instagram e o WhatsApp não pararão de se expandir e de se tornarem cada vez mais perigosos. 

Apelos ao suicídio, ao terrorismo, ao exibicionismo mais primário ou a práticas sexuais, ao consumismo, chantagem, manipulação eleitoral, censura moral e artística, ou, sem que a própria vítima se aperceba, condicionamento social -- há de tudo no Face, no Insta, no Whatsapp. 

São fábricas de notícias falsas, albergues galácticos para oportunistas, tarados, assassinos, criminosos de toda a espécie, populistas, racistas, xenófobos, gente pouco recomendável. E tudo disfarçado de ligeireza, de brincadeirinha. E há, de facto, ligeireza e brincadeirinha, recordação de juventude, amigos de longa data, foto de família, bolo de anos, paisagem magnífica, gatinho fofinho, criança inocente, vestido lindo, unha artística, olhar de amor. 

Há de tudo.

São essas coisas que alimentam grande máquina. 

Ao pormenor, com a inteligência artificial ao serviço da machine learning, as potentes máquinas e as suas brutais bases de dados conhecem ao pormenor de que é que cada um gosta, não gosta, qual a fase da vida em que está, de que precisa. 


E, então, como por magia, é dado a conhecer â pessoa o que o algoritmo acha conveniente: a sugestão de umas férias, uma notícia anti-sistema, um pedido de amizade. É que nada, mas mesmo nada, ali acontece por acaso: tudo é fruto do dito algoritmo que tem por objectivo aumentar os clicks, as mensagens trocadas, os vídeos vistos, ou seja, tudo tem por objectivo fazer subir o volume de negócios e, claro, valor das acções do Facebook.


Mas não estamos a falar apenas de um poderosíssimo monopólio económico -- estamos, também a falar de uma muito perigosa arma para cujo uso não existe regulamentação.


Embora moda recente (há quantos anos o Facebook se tornou o alfa e o ómega da ligação das pessoas ao mundo? Uns dez anos?), a verdade é que a própria maneira de ser e estar das pessoas se modificou. O vício das selfies, o egocentrismo, a futilização, a leviandade na tomada de posições, o contágio emocional e irracional -- são comportamentos que associo ao advento do uso generalizado de redes sociais.


Ao lidar com as emoções primárias das pessoas, ao criar-lhes dependências, e ao deter toda a sua informação, por tudo o que acima referi e por muitas outras razões, o poder do Facebook (que detêm o Instagram e o WhatsApp) é incomensurável e os riscos que isso comporta igualmente imensos e muito perigosos.

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É por isso que é com gosto que recebo notícias de que há vozes importantes que se levantam para lançar alertas. 


Neste caso estou a falar de Chris Hughes, cofundador do Facebook, que pede que o governo dos EUA desmantele a empresa que controla a rede social mais famosa do mundo.


O Expresso deste sábado traz como artigo de fundo um longo texto de Chris Huges mas como a maior parte das pessoas não conseguirá lê-lo, deixo aqui um vídeo (muito bem feito) no qual ele diz ao que vem. E espero que quem de direito o ouça e o leve muito a sério.



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E até para que a União Europeia regulamente sobre o uso desta arma e sobre outros aspectos que tanto condicionam a nossa vida e para que possamos viver num espaço livre, democrático, inclusivo, moderno e seguro este domingo bora votar em força. 

E está bom tempo, não há desculpa para ficar em casa. Mesmo com dores nos calos ou vontade de mandar grande parte dos candidatos darem banho ao cão, mesmo assim é de ir votar -- a bem deste nosso tão bom espaço comum.

Um bom domingo de eleições. 

Matemática, poesia, pintura, justiça


Para mim, é muito claro que a criatividade é o ingrediente mais importante da matemática. Essa criatividade tem de ser acompanhada pelo rigor. É como para um acrobata: a performance tem de ser perfeita. Na matemática queremos fazer coisas interessantes, chegar a novas ideias e ao desafio de produzir asserções completamente novas. Todos os passos do nosso trabalho têm de ser provados, mas precisamos de imaginação e criatividade.
       É por essa atenção ao pormenor que lhe chamam “artista da matemática”?
É talvez por ser bastante sensível à conexão entre a matemática e a poesia. Gosto de fazer conexões entre a matemática e a arte.
(...) 
Se quiser pintar, precisa de inspiração e, para isso, tem de deixar o cérebro livre e abrir espaço nele. Esse espaço não pode ser usado para duas coisas ao mesmo tempo. Claro que há comparações possíveis: eu adoro pintura abstrata. Acho-a absolutamente maravilhosa, porque é muito semelhante ao que fazemos na matemática: os objetos abstratos que introduzimos e selecionamos são mais reais para nós do que os objetos do real, da vida concreta. Para mim um dos mestres da evolução da arte figurativa para a arte abstrata é o [Claude] Monet, que fez desaparecer progressivamente a forma concreta, como ela é dada pelo real, a fim de a tornar um objeto da mais pura pintura. E isto está tão perto do que eu sinto na matemática… É o que é maravilhoso no Monet. Em certas pinturas dos nenúfares [série de pinturas a óleo do artista], ele fez desaparecer as flores e chegou a algo que é muito mais real, feito de cor e movimento.

Porque é que precisamos da matemática?
[Por um aspecto] civilizacional. Como pensar de forma correta. O que é uma prova, o que é uma asserção, o que é uma hipótese, o que é uma conclusão. Quando fazemos matemática, temos de provar que algo é verdadeiro, não fazemos política. Um matemático que prova alguma coisa é uma pessoa que tem de ouvir os outros. Neste mundo de fake news, toda a gente grita. Na matemática nós ouvimos quem provou alguma coisa.

[Excertos de “A matemática que se dá na escola não tem grande significado” no Expresso de 2019.05.27, entrevista de de João Diogo Correia a Claire Voisin.

Claire Voisin foi a vencedora europeia do For Women in Science, prémio atribuído pela unesco a cinco cientistas, de cinco regiões do globo, para suprir a ausência de mulheres nos principais galardões científicos. Esta francesa é uma das grandes matemáticas do nosso tempo]

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sábado, maio 25, 2019

Theresa May, um irrelevante ponto e vírgula na história do Reino Unido



Claramente não podia dar certo. Não sou de rogar praga mas há trajectórias que não enganam. Não é preciso ver o caminho acabar no buraco para a gente olhar e ver que é lá que ele vai dar.

No outro dia um colega lançou um projecto e eu, ao sair de lá, arreliada pelo dinheiro que se gasta em coisas destas, disse-lhe: 'Não vai dar em nada'. Ele, nem percebendo a incorrecção lógica da frase, como que teve um arrepio: 'Puxa. Vire essa boca para lá!'. Lembrei-o: 'Algum dos meus alertas alguma vez falhou?' e ele insistiu: 'Não. Por isso lhe digo que vire essa boca para lá'.

E é.


Mas também pode ser que os meus palpites que dão furados eu esqueça. Posso não saber de muita coisa mas de uma eu sei: não sou arraçada de cavaco de maneira nenhuma: engano-me. E, quanto a dúvidas, upa, upa, cada vez mais.

Hoje, por exemplo, juntei um e mais um e mais outra coisa que nada a ver e deu três e, vai daí, tocou um sino do caraças: uma suspeita cabeluda que, a ser verdade, seria uma tal bomba que me forço a pensar que mais vale tirar daí o sentido porque ia ser bomba demais, coisa que ninguém na vida poderia suportar. E, no entante, é como sempre. Sei que a coisa vai começar a fazer o seu caminho. E escrevo isto e penso: 'Estou enganada. Estou enganada'. e, dentro de mim, há sinos a tocar, campainhas que não se calam. 

Em situações destas forço-me a pôr-me em stand by, a não me mexer. Sei que a coisa se vai resolver por si e é assim que as coisas se devem resolver. Quando as antenas estão ligadas captam tudo, até o que está a milhas, até o que está para acontecer. Só tenho que estar sossegada, à espera que as pontas se juntem e que eu esteja atenta para observar antes da coisa ser visível. E, se nada acontecer, a suspeita morre por si.

Mas caraças. Caraças.


Mas isso não vem ao caso. E neste caso nunca aqui virá. Quanto muito sob a forma de história.

O que vem é que, tendo estado todo o santo dia incontactável, agora à noite me diz o meu marido: 'A May anunciou a demissão' e eu pensei que desde o primeiro dia eu tinha lido na cara dela a palavra demissão. Ter-se-ia poupado a tantas humilhações, a tanto esforço para superar as atrapalhações e para ser engraçada, para aparentar naturalidade, a tanto trabalho inglório, a tanta traição, a tanta preocupação para nada. Obviamente não nasceu para liderar coisa nenhuma.

Até acredito que seja boa pessoa, até acredito que genuinamente tenha pensado que conseguia fazer alguma coisa. Mas, coitada, não teve um bom amigo que, sem ser derrotista, lhe pudesse ter dito que aquilo não era coisa para ela?


Estive agora a ver o vídeo. A forma como se emociona ao terminar, dá-me pensa. Coitada, tanto esforço para nada. Terá à sua espera o abraço apertado do marido, aquele senhor com ar de totó e que é capaz de também ser um bom homem. 

Mas isso não apagará as noites mal dormidas, os vexames, as viagens permanentes de Londres para Bruxelas e vice-versa, para levar tareia por onde quer que passasse.

A alhada em que o Reino Unido se meteu é outra que me dá pena. Não é bonito de se ver nem sei como é que isto vai acabar. Adivinho mas não é tudo: só algumas coisas e, ainda assim quase nunca vem o guião completo. Mas uma coisa parece óbvia e nem é preciso ser bruxa: começo a pensar que pode não acabar bem.

A única saída que pode ser é se os resultados forem inesperados e vier a haver um segundo referendo que reverta a situação. Muitos ses que não descansam ninguém até porque... e se não?

Caraças.


Whatever. Estou a dormir. Muitos dias a madrugar e a dormir pouco, muita cena, muita distância, sempre muita coisa. E na volta até aconteceram muito mais coisas e, possivelmente, até mais colunáveis do que o triste fim de uma pobre desasada. Mas eu não sei e, além disso, é coisa que, a esta altura do campeonato, me dá igual.

Os vídeos abaixo mostram tudo isto de que tenho estado para aqui a falar, enquanto tiro um cochilo entre cada sílaba.









Os cartoons que plantei lá em cima, a meio do texto, são de Steve Bell e obtive-as no The Guardian. Gostava de ver é como eu me saíria das mãos dele. Medo... [o que vale é que essa é hipótese inexistente]

Impossível para mim, agora, comentar os comentários de ontem. Pode ser que amanhã. As minhas desculpas.