Ando com mails atrasados, ando com comentários a que não dou resposta e só agora, que já são quase duas da manhã, estou a pegar no computador. Não estão fáceis estes dias. Por uma conjugação astral inusitada, no trabalho parece que todas as reuniões inadiáveis e todas as grandes decisões se concentraram nestes últimos dias do ano. Depois há as compras para as festas e para a casa e há mil outros afazeres.
A minha mãe este sábado à tarde, quando lá fui, em conversa connosco e com um tio, dizia que, quando era pequena, o Natal era um dia como os outros, não havia cá azáfamas como agora nem este disparate de presentes para toda a gente, que havia apenas um brinquedo ou qualquer lembrança para as crianças. Recordei-a que, quando eu era pequena, já recebia muitos presentes e que todos recebíamos presentes mas ela diz-me que era tudo mais calmo. Mas se calhar toda a vida era mais calma. As minhas avós não trabalhavam. A minha mãe trabalhava mas não fazia oito horas por dia nem gastava horrores de tempo no trânsito e, se queria fazer compras, era tudo mais próximo e rápido. Mas, sobretudo, o que me parece que fazia a diferença era as minhas avós não trabalharem, parece que a casa delas era uma realidade parada no tempo, estavam sempre lá, tranquilas, sem grandes mutações.
Agora - felizmente!!!! - quase toda a gente a gente trabalha (excepto, do meu lado, quase que apenas os bisavós das crianças; e isto também não é bem verdade já que a minha mãe trabalha que não é pouco e num trabalho que é do mais esgotante que há, o de cuidadora). Ora, trabalhando quase toda a gente e, ainda por cima, em grandes cidades em que as deslocações são longas e pesadas, tudo se agrava nestas alturas de agitação.
A véspera de Natal não a passo em minha casa mas vou levar alguns mantimentos que tenho que preparar, depois no dia de Natal tenho lotação esgotada em minha casa e vou ter uma refeição à maneira que terei que preparar (sem ajuda na cozinha, como habitualmente, porque o meu marido, a nível gastronómico, apenas tem apetência por comer e os restantes desejavelmente só chegam quando eu tiver tudo pronto mas, para não se começar a comer às 3 da tarde, começarão a chegar bem cedo), depois ao fim do dia rumamos a casa dos meus pais porque, uma vez mais, o meu pai achou que não está em condições para deslocações deste tipo (e tem razão).
Ora, também para tudo isto, é preciso fazer compras e os supermercados estão cheios - pelo menos às horas a que lá posso ir. E era bom que eu pudesse fazer qualquer coisa logo na segunda feira mas não dá pois na segunda feira vou sair cedo e chegar tarde dado que, uma vez mais, rumo a norte em serviço. E à noite, quando chegar, ainda tenho que me ir meter num centro comercial porque hoje fui mandar fazer fotografias, para cima de trezentas (uma seca para as escolher... quero oferecer um best of a cada um, variável por pessoa, e isso consome-me um tempo incrível; parte do meu dia de hoje foi passado nisto) e só estarão prontas na segunda feira. Depois terei que as separar por destinatário, outra seca. O meu marido diz que eu que é quero meter-me nestas canseiras, que bastava dar uma ou duas a cada pessoa. Pois. De facto, ninguém me obriga. Sou eu que faço gosto. Não tenho é tempo para acomodar tanta coisa, é o que é.
E ainda tenho os embrulhos todos por fazer... A ver se este domingo consigo pegar nisso.
Tanta estafadeira para dois dias que, eles próprios, são também outra estafadeira. Mas, enfim, as crianças adoram e por eles tudo vale a pena. Até porque, pequeninos que são, ainda acreditam no Pai Natal.
Mas, por tudo isto, também não é hoje que vou conseguir responder ao que tenho atrasado. Espero que não levem a mal. Leio tudo com carinho mas não tenho conseguido pôr a correspondência em dia.
Mas depois, quando cheguei à Revista e li o texto do Padre Poeta, mudei de ideias e resolvi que não ia falar de economia mas de algo bem mais acima e bem mais abrangente. São palavras que ajudam a colocar as coisas em perspectiva - e bem precisados que andamos todos disso.
Todo o artigo é uma maravilha e só não o transcrevo quase todo porque senão iria deitar-me já com o sol a raiar sobre o rio.
Transcrevo só um bocadinho, a parte final.
O futuro encontrará o espaço e a expressão do seu pensar.
Mas há uma coisa que eu desejo muito: que a humanidade que venha a habitar isso que para nós é o futuro sinta muitas vezes que não sabe o que pensar.
Isto é, que se deixe desconcertar pelo esplendor inexplicável de cada amanhecer; que se conserve sem palavras perante o mar, como aqueles que pela primeira vez o olharam; que se sinta irresistivelmente atraída pela variação de cores, de volumes e de odor da paisagem diurna e nocturna; que estremeça ao primeiro contacto com a água; que mantenha a capacidade de espanto perante o modo como o vento arrasta as nossas vozes felizes na distância; que olhe do mesmo modo desprevenido a chuva, os campos alagados em silêncio, as coisas mínimas e amplas, o tráfico das nuvens, a disseminação das papoilas que nos campos se parecem a palavras que sonham.
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E ainda tenho os embrulhos todos por fazer... A ver se este domingo consigo pegar nisso.
Tanta estafadeira para dois dias que, eles próprios, são também outra estafadeira. Mas, enfim, as crianças adoram e por eles tudo vale a pena. Até porque, pequeninos que são, ainda acreditam no Pai Natal.
Mas, por tudo isto, também não é hoje que vou conseguir responder ao que tenho atrasado. Espero que não levem a mal. Leio tudo com carinho mas não tenho conseguido pôr a correspondência em dia.
De qualquer forma, para que a vossa visita aqui não seja em vão, permito-me transcrever um excerto da crónica deste sábado do Pde. José Tolentino Mendonça. O título é Saber e não saber o que pensar e faz parte da rubrica de nome lindíssimo 'que coisa são as nuvens' da Revista do Expresso.
Quando li o artigo de Joseph Stiglitz, Prémio Nobel de Economia, Uma agenda para salvar o Euro (na qual ele explica porque é que se a Alemanha e outros não estiverem dispostos a fazer o que é preciso - se não houver solidariedade -, então o euro pode ter de ser abandonado para salvar o projecto europeu), tive vontade de transcrever partes dele tão lúdico e didáctico ele é.
Mas depois, quando cheguei à Revista e li o texto do Padre Poeta, mudei de ideias e resolvi que não ia falar de economia mas de algo bem mais acima e bem mais abrangente. São palavras que ajudam a colocar as coisas em perspectiva - e bem precisados que andamos todos disso.
Todo o artigo é uma maravilha e só não o transcrevo quase todo porque senão iria deitar-me já com o sol a raiar sobre o rio.
Transcrevo só um bocadinho, a parte final.
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O futuro encontrará o espaço e a expressão do seu pensar.
Mas há uma coisa que eu desejo muito: que a humanidade que venha a habitar isso que para nós é o futuro sinta muitas vezes que não sabe o que pensar.
Isto é, que se deixe desconcertar pelo esplendor inexplicável de cada amanhecer; que se conserve sem palavras perante o mar, como aqueles que pela primeira vez o olharam; que se sinta irresistivelmente atraída pela variação de cores, de volumes e de odor da paisagem diurna e nocturna; que estremeça ao primeiro contacto com a água; que mantenha a capacidade de espanto perante o modo como o vento arrasta as nossas vozes felizes na distância; que olhe do mesmo modo desprevenido a chuva, os campos alagados em silêncio, as coisas mínimas e amplas, o tráfico das nuvens, a disseminação das papoilas que nos campos se parecem a palavras que sonham.
Desejo ardentemente que a humanidade do futuro saboreie o embaraço por aquilo que permanece em aberto não por insuficiência, mas por excesso, e não se apresse em catalogar, em descrever ou aprisionar.
Que a sua forma de compreensão seja um outro modo de manter intacto (ou mesmo de ampliar) o espanto.
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A canção lá mais em cima é 'Sonhei com o Pai Natal' com a Rádio Royale e as Royalettes (uma criação do Gimba).
A última é 'The Christmas Song' pelos Smith & Burrows com Agnes Obel.
As pinturas são de Joan Snyder.
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E, por hoje, fico-me por aqui.
São três da manhã, imagine-se (no meio das trabalheiras todas ainda me pus a ler o Expresso: deu nisto. E agora já não consigo reler pelo que, já sabem, é o costume: desculpem, por favor, as gralhas).
Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo domingo!