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domingo, dezembro 22, 2013

Que a humanidade que venha a habitar isso que para nós é o futuro se sinta irresistivelmente atraída pela variação de cores, de volumes e de odor da paisagem diurna e nocturna [palavras de José Tolentino Mendonça - na Revista do Expresso deste sábado -, não se cansando de tentar saber 'que coisa são as nuvens']







Ando com mails atrasados, ando com comentários a que não dou resposta e só agora, que já são quase duas da manhã, estou a pegar no computador. Não estão fáceis estes dias. Por uma conjugação astral inusitada, no trabalho parece que todas as reuniões inadiáveis e todas as grandes decisões se concentraram nestes últimos dias do ano. Depois há as compras para as festas e para a casa e há mil outros afazeres.

A minha mãe este sábado à tarde, quando lá fui, em conversa connosco e com um tio, dizia que, quando era pequena, o Natal era um dia como os outros, não havia cá azáfamas como agora nem este disparate de presentes para toda a gente, que havia apenas um brinquedo ou qualquer lembrança para as crianças. Recordei-a que, quando eu era pequena, já recebia muitos presentes e que todos recebíamos presentes mas ela diz-me que era tudo mais calmo. Mas se calhar toda a vida era mais calma. As minhas avós não trabalhavam. A minha mãe trabalhava mas não fazia oito horas por dia nem gastava horrores de tempo no trânsito e, se queria fazer compras, era tudo mais próximo e rápido. Mas, sobretudo, o que me parece que fazia a diferença era as minhas avós não trabalharem, parece que a casa delas era uma realidade parada no tempo, estavam sempre lá, tranquilas, sem grandes mutações.

Agora - felizmente!!!! - quase toda a gente a gente trabalha (excepto, do meu lado, quase que apenas os bisavós das crianças; e isto também não é bem verdade já que a minha mãe trabalha que não é pouco e num trabalho que é do mais esgotante que há, o de cuidadora). Ora, trabalhando quase toda a gente e, ainda por cima, em grandes cidades em que as deslocações são longas e pesadas, tudo se agrava nestas alturas de agitação.

A véspera de Natal não a passo em minha casa mas vou levar alguns mantimentos que tenho que preparar, depois no dia de Natal tenho lotação esgotada em minha casa e vou ter uma refeição à maneira que terei que preparar (sem ajuda na cozinha, como habitualmente, porque o meu marido, a nível gastronómico, apenas tem apetência por comer e os restantes desejavelmente só chegam quando eu tiver tudo pronto mas, para não se começar a comer às 3 da tarde, começarão a chegar bem cedo), depois ao fim do dia rumamos a casa dos meus pais porque, uma vez mais, o meu pai achou que não está em condições para deslocações deste tipo (e tem razão). 

Ora, também para tudo isto, é preciso fazer compras e os supermercados estão cheios - pelo menos às horas a que lá posso ir. E era bom que eu pudesse fazer qualquer coisa logo na segunda feira mas não dá pois na segunda feira vou sair cedo e chegar tarde dado que, uma vez mais, rumo a norte em serviço. E à noite, quando chegar, ainda tenho que me ir meter num centro comercial porque hoje fui mandar fazer fotografias, para cima de trezentas (uma seca para as escolher... quero oferecer um best of a cada um, variável por pessoa, e isso consome-me um tempo incrível; parte do meu dia de hoje foi passado nisto) e só estarão prontas na segunda feira. Depois terei que as separar por destinatário, outra seca. O meu marido diz que eu que é quero meter-me nestas canseiras, que bastava dar uma ou duas a cada pessoa. Pois. De facto, ninguém me obriga. Sou eu que faço gosto. Não tenho é tempo para acomodar tanta coisa, é o que é.

E ainda tenho os embrulhos todos por fazer... A ver se este domingo consigo pegar nisso.

Tanta estafadeira para dois dias que, eles próprios, são também outra estafadeira. Mas, enfim, as crianças adoram e por eles tudo vale a pena. Até porque, pequeninos que são, ainda acreditam no Pai Natal.

Mas, por tudo isto, também não é hoje que vou conseguir responder ao que tenho atrasado. Espero que não levem a mal. Leio tudo com carinho mas não tenho conseguido pôr a correspondência em dia.

De qualquer forma, para que a vossa visita aqui não seja em vão, permito-me transcrever um excerto da crónica deste sábado do Pde. José Tolentino Mendonça. O título é Saber e não saber o que pensar e faz parte da rubrica de nome lindíssimo 'que coisa são as nuvens' da Revista do Expresso.


Quando li o artigo de Joseph Stiglitz, Prémio Nobel de Economia, Uma agenda para salvar o Euro (na qual ele explica porque é que se a Alemanha e outros não estiverem dispostos a fazer o que é preciso - se não houver solidariedade -, então o euro pode ter de ser abandonado para salvar o projecto europeu), tive vontade de transcrever partes dele tão lúdico e didáctico ele é.


Mas depois, quando cheguei à Revista e li o texto do Padre Poeta, mudei de ideias e resolvi que não ia falar de economia mas de algo bem mais acima e bem mais abrangente. São palavras que ajudam a colocar as coisas em perspectiva - e bem precisados que andamos todos disso.

Todo o artigo é uma maravilha e só não o transcrevo quase todo porque senão iria deitar-me já com o sol a raiar sobre o rio.

Transcrevo só um bocadinho, a parte final.

/\


O futuro encontrará o espaço e a expressão do seu pensar.

Mas há uma coisa que eu desejo muito: que a humanidade que venha a habitar isso que para nós é o futuro sinta muitas vezes que não sabe o que pensar. 

Isto é, que se deixe desconcertar pelo esplendor inexplicável de cada amanhecer; que se conserve sem palavras perante o mar, como aqueles que pela primeira vez o olharam; que se sinta irresistivelmente atraída pela variação de cores, de volumes e de odor da paisagem diurna e nocturna; que estremeça ao primeiro contacto com a água; que mantenha a capacidade de espanto perante o modo como o vento arrasta as nossas vozes felizes na distância; que olhe do mesmo modo desprevenido a chuva, os campos alagados em silêncio, as coisas mínimas e amplas, o tráfico das nuvens, a disseminação das papoilas que nos campos se parecem a palavras que sonham.


Desejo ardentemente que a humanidade do futuro saboreie o embaraço por aquilo que permanece em aberto não por insuficiência, mas por excesso, e não se apresse em catalogar, em descrever ou aprisionar. 



Que a sua forma de compreensão seja um outro modo de manter intacto (ou mesmo de ampliar) o espanto.



*



*

A canção lá mais em cima é 'Sonhei com o Pai Natal' com a Rádio Royale e as Royalettes (uma criação do Gimba).


A última é 'The Christmas Song' pelos Smith & Burrows com Agnes Obel.


As pinturas são de Joan Snyder.


**

E, por hoje, fico-me por aqui. 
São três da manhã, imagine-se (no meio das trabalheiras todas ainda me pus a ler o Expresso: deu nisto. E agora já não consigo reler pelo que, já sabem, é o costume: desculpem, por favor, as gralhas). 
Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo domingo!

terça-feira, dezembro 17, 2013

Listas (da 'Poética do et caetera' de Pedro Mexia a 'Uma lista mas sem exemplo, o Umberto Eco que me perdoe' da Ana Cristina Leonardo), listas para todos os gostos. E logo eu que não sou nada dada a listas.




*

Não sei o que deu nas pessoas, parece que desataram todas a pensar em listas. 

Neste Actual do Expresso pelo menos o Pedro Mexia e a Ana Cristina Leonardo estiveram para aí virados nas suas crónicas hebdomadárias (palavra mais engraçada esta: hebdomadária). 


Diz Pedro Mexia que, chegados ao fim do ano, toda a gente faz ou comenta listas. Mas depois diz uma coisa que me tira logo o tapete para o que eu me preparo para dizer. Diz ele do alto da sua sapiência: Os espíritos sofisticados detestam listas, acham-nas hierarquizantes, conformistas, mercantis. E depois, num assomo de auto-indulgência (e lá está: mais um fishing for compliments) diz que as defende sempre e continua o texto arranjando uma claque do caraças: Homero, Proust, Umberto Eco, Barthes, etc, etc, e até aos autores da Bíblia ele vai buscar apoiantes.

À Ana Cristina Leonardo parece que deu uma coisinha má e faz uma lista de efemérides, uma para cada dia do mês de Dezembro até ao dia 25 em que, com graça, acaba com uma interrogação, uma data por confirmar, a do nascimento do Menino Jesus.

Agora ligo o computador e percorro a galeria lateral e vejo a Joana Lopes a invocar as listas de efemérides para chegar à  Liv Ullmann.

E há as listas dos livros bons para oferecer, a lista das músicas que têm que se ouvir, os livros de que jamais se deverá esquecer, as listas de recados, as listas de palavras. 

E logo eu que acho que nunca fiz uma lista na vida.

Sou atípica, eu sei: não faço anotações nos livros, não tomo apontamentos, não faço listas, não guardo nem nunca guardei bilhetes de cinemas, de museus, de comboios, bilhetinhos de amor, nada, nada, nada.

Acho que já o confessei. Vou para as reuniões de mãozinhas a abanar. Chego lá e vai tudo com valises cheias de dossiers, pastas com pastas dentro, iPads, portáteis, tudo. E eu como se fosse fazer turismo.

Sentam-se à volta da mesa, cada um puxa do seu arsenal - e eu nada.

Depois escrevem, escrevem, e eu nada. Por vezes lá há um ou outro assunto que me parece merecer registo. Então pego numa folha A4 daquelas que há em cada lugar e escrevo um ou outro tópico, não mais que uma meia dúzia de palavras por junto. A maior parte das vezes quando a reunião chega ao fim dobro e rasgo discretamente e fica ali mesmo. Outras vezes, raras, raras, dobro bem, meto na carteira. Quando chego ao gabinete faço um ou outro telefonema ou um ou outro mail, o assunto é esclarecido ou posto em marcha e a folhinha rasgada.

Atrás de mim tenho armários fechados até ao tecto. Praticamente vazios. Já mudei de empresa e de local de trabalho várias vezes. Ao princípio, quando me mudava, enchia vários caixotes. Havia trabalhos de que achava que não me devia separar até ao resto da minha vida (trabalhos no âmbito de uma linha de apoio do Banco Mundial, reestruturações de envergadura, relatórios Mckinsey ou Boston Consulting Group ou outros relativamente a projectos complexos em que participei, etc, etc). Aos poucos fui achando que tudo aquilo era datado, irrelevante e fui deixando para trás. Os meus caixotes foram-se reduzindo. A última vez trouxe apenas dois mal cheios e quase tudo coisas pessoais, uma pedra que apanhei na praia, um bocado do tronco de uma árvore, uma caixa metálica com o Fernando Pessoa, um bonequinho com um grande coração nas mãos, uma caixa com canetas (que nunca uso), umas meias de reserva, coisas assim.

Aqui em casa é a mesma coisa. 

Listas? Zero. 

Detalho. Listas de presentes? Zero. Listas de compras para a casa? Zero. Listas de tarefas para cumprir? Zero. Listas de ideias para pôr em prática? Zero. Lista de palavrinhas? Zero.

A única coisa que me interessa é o que me ocorre no momento. Apontamentos ou listas são para mim sempre coisa do passado e do passado só me interessa o que me fica de cabeça, o que a minha memória possa temperar livremente.

Mas vá lá. Já que toda a gente anda numa de listas, não vá haver por aí algum picuinhas que ainda ache que estou a fingir que tenho um espírito sofisticado, vou fazer, por uma vez, uma tentativa.

Lista de palavras: suculenta, sibilina, esfínge, palaciano, intravenosa, oscilante, dormente, arrojada, truculento, desnudada, artemes, artemísia, diana a caçadora, brincos de princesa, brocado, macio como a carne de um diospiro, bagos de romã, grevílea robusta, musgo macio como uma fresca penugem, gruta, silêncio, falacioso. 

Não tem graça. Vou parar. Não dá, isto não é para mim. Serve para quê? Para daqui por uns anos olhar para estas palavras como flores secas cheias de pó? 

Que as pessoas normais as façam. Eu desisto. Não sou normal - e não, não estou fishing for compliments porque estou bem assim, aqui sentadinha a assistir às listas e às conversas das pessoas normais. Eu sou mais dada a ouvir e imaginar blackbirds, a inventar manchas ocasionais de cor, impressões passageiras - e sempre disponível para o que der e vier, sem laços, livre de listas ou outras amarras.


*

As pinturas são de Joan Snyder. A fotografia é de Franco Fontana.

A canção é Blackbird e aqui é interpretada por Sarah McLachlan