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sexta-feira, outubro 17, 2014

Mas o que é o amor? Porquê dar tanta importância ao sistema genito-urinário da pessoa?


Deixem que comece por vos maçar com o resumo da matéria dada: no post já abaixo mostrei bibliotecas de dar gosto, variadas, arrumadas, uma beleza. A seguir relatei a cena do tijolo e da bolinha que marcou a Quadratura do Círculo e, mais abaixo ainda, reportei o tareão de criar bicho que Manuela Ferreira Leite deu no governelho do Láparo e no Vice-Irrevogável.

Tudo a seguir. Aqui, mantenho-me nos livros e ainda no mesmo de ontem, no das entrevistas a escritores.


Hoje com Marguerite Yourcenar, escritora maior.







(...) E tem sido muito discreta sobre a sua própria vida, com Grace Frick, por exemplo.


Quanto à minha relação com a Grace Frick, conheci-a quando éramos mulheres já de uma certa idade, e passámos fases diferentes: primeiro a amizade apaixonada, depois a história habitual de duas pessoas que vivem e viajam juntas por conveniência e porque têm interesses literários comuns. Durante os últimos dez anos de vida, ela esteve muito doente. Nos últimos oito anos, não podia viajar e por isso é que fiquei no Maine nesses Invernos. Tentei ajudá-la até ao fim, mas ela já não era o centro da minha existência, e talvez nunca o tenha sido. O mesmo é verdade reciprocamente, claro. 

Mas o que é o amor? Esta espécie de ardor, de calor, que nos impele inexoravelmente para outro ser? Porquê dar tanta importância ao sistema genito-urinário da pessoa? Este não define um ser na sua globalidade e não é sequer eroticamente verdade. 


O que importa, como digo, respeita a emoções, relações. Mas por quem nos apaixonamos depende em larga medida disso.



É pelo facto de, além de um certo nível, a dicotomia masculino-feminino ser irrelevante para si que não se interessa pelo feminismo? Que relação tem tido com o movimento feminista nas últimas décadas?


Não me interessa. Sinto horror desses movimentos, porque considero que uma mulher inteligente vale um homem inteligente - se o conseguirmos encontrar - e que uma mulher estúpida é tão aborrecida quanto um seu igual masculino. A malvadez humana está quase igualmente distribuída entre os dois sexos.


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Caso vos interesse, já antes tinha escrito aqui no UJM sobre Marguerite Yourcenar: aqui e aqui.

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Para os que conseguem perceber francês (e sei bem que, apesar de ser linda, é língua caída em desuso), aqui deixo a primeira parte de uma interessante reflexão de Marguerite Youcenar sobre o Paradoxo do Escritor. Lamentavelmente, não consegui encontrar nenhum vídeo legendado. Os que conseguirem perceber, poderão constatar como a erudição, a argúcia, a fineza de análise perpassa pela fala tal como pela escrita da grande escritora.






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O excerto faz parte da entrevista feita por Shusha Guppy em 1987 a Marguerite Yourcenar e integra o livro Entrevistasda paris Review 2, livro de bela capa e textura da editora Tinta da China.


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Deixem que vos relembre: este que acabaram de ver é o quarto post desta noite pelo que, por aí abaixo, há outros três, um sobre espaços com livros dentro e dois sobre política.

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa sexta-feira. 

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domingo, julho 31, 2011

De olhos abertos com Marguerite Yourcenar, II (não se zangue Ana Cristina Leonardo, que eu já tinha escrito a parte I antes da sua recensão no Actual, Expresso deste sábado)

Marguerite Yourcenar aos 5 anos

Na quinta-feira passada já aqui falei do livro que estava a ler e que, apesar do reboliço à minha volta, me estava a deixar encantada, 'De Olhos Abertos'.

Olhem se eu fosse fizesse crítica literária para algum jornal ou revista... lá tinha estragado o furo à Ana Cristina Leonardo que, no Actual do Expresso deste sábado e no Meditação na Pastelaria, fala justamente deste livro...! Imagino o que isso a teria enfurecido, imagino o que ela diria de mim, puxa..., olha a minha sorte por ser apenas uma simples camponesa.

Mas, façam o favor de reconhecer, ó meus caros leitores: do que eu escrevi - e não dissertei sobre o livro que a minha pretensão não chega a tanto - dá para perceber que estava mesmo a ler o livro, não dá?

Mas já do texto da Ana Cristina Leonardo não se pode concluir o mesmo, pois não...?

(Brincadeirinha, brincadeirinha... ! Estou a dizer isto porque ela, quando lhe deu uma coisinha má e se atirou a Eduardo Pitta, no meio da tareia, insinuou que ele não teria lido o livro).

Pois já concluí o livro e já passei para outro de que, quando o comprei, já aqui dei conta e que estou agora a ler com bastante gosto, 'Just Kids' da Patti Smith.

Um dia destes falo do que estou a gostar de saber da vida não tanto dela (apesar de estar a ser uma agradável surpresa) mas, sobretudo, dele, cuja obra eu muito admiro, como disso já aqui várias vezes dei conta, Robert Mapplethorpe.

Mas, não quero deixar de partilhar convosco mais alguns excertos das palavras de Marguerite Yourcenar nas conversas com Matthieu Galey. 

Aos 33 anos

Sou devota da escritora.

Quando escreve é sempre ela a contar a sua própria vida, só que às vezes ela é Marguerite, outras vezes é Adriano, outras vezes é Zenão, outras vezes é... Mas é sempre alguém cuja erudição é uma coisa que vem das profundezas da terra, uma coisa que parece ser do domínio do sagrado, do princípio dos tempos. E que, depois, conjuga e tempera esse inexplicável dom com a sabedoria das coisas simples, com a normalidade das suas actividades do quotidiano, sem certezas, sem soberba.

E sempre, sempre, aquele despojamento autêntico, absoluto, das pessoas intrinsecamente livres.

Marguerite Yourcenar, a mesma confiança e beleza de quando tinha 5 anos

Vejam, por favor:

Sobre a forma como evoluem as nações: Falo de uma renúncia consentida às formas demasiado estreitas e demasiado fúteis de felicidade. Um velho poema chinês resume-se a isto:

            'Que maravilha!
            Varro a entrada e vou buscar água ao poço!'

E, de facto, que maravilha! Se cada um de nós o soubesse, teríamos reencontrado a sabedoria e a doçura de viver, e as pessoas não andariam nas estradas por andar, e não continuariam a ouvir, tediosas, as músicas mecânicas que lhes impingem.
  
Sobre a questão de os potenciais leitores poderem não ter tempo para ler: O banqueiro ou o rico homem de negócios gabam-se de não ter tempos livres; tiram disso uma vaidade parva.

À questão sobre se sente que fecha uma obra, quando acaba um livro: Nunca fecho nada, nem sequer a minha porta. tenho outros livros e outros títulos em mente, que provavelmente não terei tempo de escrever, mas é importante que haja na nossa obra algo de inacabado, como essa linha interrompida que os oleiros mexicanos deixam nos seus desenhos, para impedir que o espírito se torne prisioneiro.

À pergunta 'mas como é que você faz amigos?' (dado que era bicho do mato, vivia afastada de eventos mundanos, na sua casa no campo, 'Petite Plaisance'), responde: Lembro-me de umas palavras encantadoras de um livro de Montherlant. Estranhamos que uma rapariga não tenha dado nome ao seu gato: "Como é que faz para chamá-lo? - Não o chamo; ele vem quando quer.". Também os amigos chegam muitas vezes pelo maior dos acasos.

[...]

Acredito, aliás, que a amizade, como o amor (...), exige quase tanta arte como uma figura de dança bem conseguida. É preciso um grande entusiasmo e uma grande contenção, muitas trocas de palavras e muitos silêncios. E, sobretudo, muito respeito.

À pergunta: 'O que entende por respeito?': O sentimento de liberdade do outro, da dignidade do outro, a aceitação, sem ilusões, mas também sem a menor hostilidade ou o mínimo desprezo, de um ser tal como ele é. É preciso também (o que talvez não seja absolutamente necessário ao amor, mas que sei eu?) uma certa reciprocidade.

Ao falar sobre como 'se quisermos, podemos ter animais como amigos, plantas ou pedras, e então a reciprocidade torna-se diferente': [...] E quem se apoiou numa rocha para se abrigar do vento, quem se sentou numa rocha aquecida pelo sol, colocando lá as mãos para tentar captar aquelas obscuras vibrações que os nossos sentidos não apreenden, tem grande dificulddae em não acreditar obscuramente na amizade das pedras.


Claro que, nesta matéria, não tendo eu qualquer tipo de pretensão que não a de partilhar com os meus leitores algumas das ideias que me ocorrem sobre a escritora ou algumas passagens do livro, posso ser tendenciosa e seleccionar aquelas que, a mim em particular, mais me agradam ou com as quais mais me identifico.

Pois esta ideia de sentir amizade por pedras que aqui vejo descrita é algo com o qual muito me identifico.

Eu, impressa nas rochas in heaven

Aqui, in heaven, é o reino dos ventos que, quando sopram, levam tudo pelos ares, é o reino dos grandes espaços, das árvores, do mato bravio e das rochas, das pedras que brotam do chão. E eu adoro estas pedras. As lutas que tenho travado para as respeitarmos, para as colocarmos como esculturas, para as evidenciarmos. Não quero ter jardins de sebes aparadas, flores certinhas, canteiros sofisticados, relvados citadinos: quero azinheiras, pinheiros cheiroso, cedros altaneiros, pedras, bancos de pedra, mesas de pedra, escadas nas pedras, flores que nascem das pedras. 

Flores in heaven, simples, perfeitas, a nascerem das rochas

Para concluir: aqui deste recanto rochoso, numa madrugada particularmente ventosa (os ramos do plátano roçam no telhado e fazem ruídos vagamente assustadores), recomendo que, se gostam da obra de Marguerite Yourcenar como eu gosto, leiam 'De olhos abertos'; e aproveito para vos desejar um bom domingo!

quinta-feira, julho 28, 2011

De olhos abertos com Marguerite Yourcenar, la belle Dame de Petite Plaisance

Outra vez quase duas da manhã. Todos dormem, de vez em quando alguém se mexe na cama, o bebé vai fazendo uns barulhinhos e eu acabei de actualizar o Ginjal e Lisboa, a love affair (desta vez com Maria Teresa Horta - on fire, as usual) e o Street Photo & Co. (com mais uma cena de praia) e de, no post baixo, falar do meu amorzinho que veio para trabalhar aqui, in heaven.

Tenho este espírito missionário ou proletário (nem sei classificar), parece que sinto a obrigação de cumprir com os meus deveres. Claro que tenho o discernimento de perceber que ninguém me obriga, ninguém me exige e, se calhar, ninguém precisa mas, que querem?, sou assim.

Ou então não é nada disto: é uma necessidade minha, um prazer a que tenho dificuldade em furtar-me.

Seja, como for, a estas desoras aqui estou. Contudo, claro, tenho que aligeirar a coisa e, além disso, ando um pouco desfasada da realidade, mal vejo televisão, jornais nem pensar e internet é só de raspão para espreitar os meus amigos. E, se derem com algumas letras trocadas e vírgulas fora do sítio, sejam, por favor, benevolentes.

Hoje quero dar-vos conta do livro que ando a ler - mas podem imaginar o ritmo e a concentração... Mas estou a gostar muito e, por isso, quero partilhar convosco um cheirinho. Chama-se 'De olhos abertos', Marguerite Yourcenar, conversas com Matthieu Galey.


Logo na capa esta bela fotografia de Marguerite num jardim de pedras (quase parece o meu), na sua casa a que chamou Petite Plaisance.

O prefácio começa com uma frase dos 'Arquivos do Norte': Amasso o pão, varro a soleira da porta, depois das noites de ventania, apanho os troncos do chão [...] - e, neste aspecto em particular, eu imediatamente me identifico com esta mulher (excepto no pormenor do pão que, depois de duas ou três tentativas frustradas - ora cozia depressa demais e ficava uma pedra dura ou ficava mole e incomestível - foi assunto que deixou de me interessar).

Marguerite Yourcenar (1903 - 1987), uma mulher livre

Já aqui referi várias vezes que gosto de conhecer - através de biografias, correspondências, diários, entrevistas - a vida dos artistas, nomeadamente dos escritores como agora é o caso. O processo criativo e a sua vida normal despertam-me curiosidade (é o meu lado voyeur, com a atenuante de que só se costuma manifestar desta forma e em relação a pessoas que têm actividades criativas).

Diz Marguerite Yourcenar e a comparação com a árvore encanta-me : Cada livro nasce de uma forma muito particular, um pouco como uma árvore. Uma experiência transplantada para um livro leva com ela os musgos, as flores selvagens que estão à sua volta, nessa espécie de torrão onde ficam presas as raízes.

Sobre a vida algo nómada do pai, de que ela foi muito próxima, umas tiradas deliciosas: Seria o último homem a passar a alguém qualquer tradição. Um dos seus axiomas favoritos era "Onde é que se pode estar melhor do que no seio da família? Em qualquer lado." E também: " Só se está bem noutro sítio"

Sobre o amor e sobre a assimilação entre o amor e a doença, diz: Já os antigos a faziam, justamente por causa do perigo que comporta. Não penso, como acreditou uma parte da literatura francesa, que o "amor" seja o centro da vida, da existência humana, pelo menos não continuadamente. Será antes o seu abismo ou o seu cume.


Como são fantásticas as pessoas livres, as pessoas que amam as palavras. Como são eternas as pessoas que plantaram dentro de nós as suas palavras.

Tenham um bom dia!