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segunda-feira, janeiro 06, 2020

Cores da noite. Pensamentos nocturnos.





Não faço listas nem esquematizo objectivos. Não sou organizada. Admiro as pessoas que têm dossiers arrumados e onde se encontra tudo. Como não tenho paciência nem jeito para fazer arquivos, não guardo nada. Sou avessa a papéis. Pouco imprimo e, se imprimo, depois de ler, deito fora. O que tenho está no computador, nos mails. No computador, não organizo a documentação em pastas. Tudo a granel. Se quero encontrar uma coisa, pesquiso pelo nome. Se não me lembro do nome é uma chatice. Mas também me acontece, volta e meia, apagar tudo. Correspondência. Se o gmail me diz que estou a ocupar espaço demais apago a eito. Não me apego ao passado. No entanto, às vezes tenho pena de ser assim. Há mails que gostava de rever e já não posso. Fico com saudades e não tenho como atenuá-las. Nestes aspectos, sou a antítese daquilo que gostava de ser.


Mesmo para o supermercado: nunca faço listas. Chego lá e vou vendo aquilo de que preciso. Gosto de descobrir coisas. No outro dia trouxe lascas de maçã desidratada coberta por chocolate preto. Mesmo bom. Ou umas bolinhas de plástico com cheirinho a pé de talco para pôr nas gavetas. Se fosse com uma lista, não descobriria nada.

Sou assim com tudo.

No trabalho, também detesto fixar objectivos às pessoas das minhas equipas. Faço-o porque sou obrigada mas eles percebem que, para mim, aquilo de pouco vale. 

Sou mais por grandes linhas de orientação que se vão moldando à exigência das circunstâncias.


Para mim, ou seja, a nível pessoal, é o mesmo. Não tenho nenhuma lista de to-dos. Só vontades um bocado gerais, algumas até abstractas. Por exemplo, para este ano o que quero é reduzir drasticamente aquilo que consumo. Quero também ir-me desfazendo de inutilidades. E quero ter uma vida saudável: caminhar um pouco todos os dias, comer menos quantidade, abolir ainda mais os doces e os hidratos de carbono. Tenho ainda uma dúvida quanto a um aspecto mas sobre isso não quero falar aqui e é isso que me anda a consumir mais tempo aqui à noite. Pesquiso, pesquiso, pesquiso. E não me decido. Aliás, tudo o que me entusiasma é longe daqui. Em França, por exemplo. É extraordinário como em França encontro resposta para o que procuro, uma resposta mais do que perfeita. Mas é em França. Mas disso não quero falar. Se alguma coisa, um dia, se concretizar logo conto. E tenho muita vontade de voltar a pintar. Muita. E vontade de ir aprender qualquer coisa em que ainda nunca tenha pensado. Vontade que me apareça uma coisa do além e que me faça ter vontade de ir conhecer. Tenho vontade de começar um novo caminho mas ainda não sei qual. A nível profissional, tenho dois grandes focos e quero ser implacável nos dois. E quero, cada vez mais, puxar por umas quantas pessoas pois acho que vai ser com elas que, no futuro, as empresas devem contar. 

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Tive um dia francamente cansativo. À noite, para mudar de mindset, apeteceu-me ir passear. Gosto de andar a pé à noite, em especial junto ao rio. Antes de sair, troquei mensagens com a minha filha e disse que íamos sair pois estava a apetecer-me fotografar. Ela respondeu que achava que eu não ia ter sorte. De facto, a falta de luz pode ser um problema. Ou não. É aquela coisa de se dizer que não há problemas, há é desafios. Se ouvir outra pessoa dizer isso, penso que a pessoa é uma tretas. Mas, quando me convém, penso isso. Fotografei que me fartei e agora estou a ver as fotografias e até me dá vontade de sair outra vez e ir por aí, vadia, gata nocturna, espiando as esquinas, as luzes perdidas, os reflexos, os vultos. Tudo pelo prazer de fotografar e, ao mesmo tempo, sentir o ar frio na cara, sentir a humidade do ar, o cheiro da maresia.

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Desejo-vos uma bela semana a começar já por esta segunda-feira

domingo, janeiro 05, 2020

Aquela que vocês pensam que eu sou





Ia dizer que há um mundo que desconheço. Iria referir-me ao Facebook, ao Instagram. Ou ao Tinder. Ou a redes sociais desse tipo. Mas tenho o blog, ainda por cima sem me identificar, e, por isso, se calhar, não posso dizer que desconheço. 
Mas o blog é um lugar onde escrevo ou partilho fotografias que faço ou outras de que gosto. Ou pinturas ou músicas ou filmes. Ou danças. Não o tenho para fazer amigos, para interagir, para me aproximar de alguém. Não sou uma pessoa solitária, muito pelo contrário, nem tenho necessidade ou dificuldade em arranjar amigos por via directa. Também pelo contrário, penso muitas vezes, com pena, que vou deixando pessoas para trás, pessoas que se queixam do meu esquecimento. Mas não é esquecimento, é mera indisponibilidade física para manter o contacto. Com a vida que tenho, não me sobra tempo. Ou estou a trabalhar ou no trânsito ou com a família. Ou no campo ou a ler ou no blog. Ou sei lá em quê.

Mas, se as minhas circunstâncias fossem outras, se calhar tentaria experimentar divertir-me ou arranjar companhia através de uma qualquer dessas redes sociais. Porque não?

Aconteceu que, mesmo não sendo esse o propósito do blog, arranjei alguns amigos, não muitos mas alguns, pessoas especiais que jamais conheceria se não fosse o blog. E conheci outras pessoas, não direi amigos-amigos, mas pessoas em que penso, pessoas invulgares, pessoas, em certo sentido, extraordinárias. E posso testemunhar que, apesar de tudo -- da distância, da imaterialidade do contacto, do desconhecimento concreto de quem está do outro lado -- genuíno afecto pode acontecer.

Agora que estou a escrever, lembro-me que há muito tempo, seguramente para cima de mil anos, havia uma coisa chamada mIRC. Presumo que, entretanto, se tenha extinto. Foi o meu filho, então adolescente, que me falou nisso, me explicou o conceito e como funcionava. E experimentei. E gostei. Falava-se com desconhecidos. Usava um nome, por sinal ainda me lembro, por sinal ainda gosto desse nome. Aliás, estou a lembrar-me, depois, querendo sair de cena com o primeiro nome, arranjei um segundo de que talvez ainda goste mais. Falava com pessoas muito interessantes. Um é hoje presidente de uma grande autarquia. Aprendi algumas coisas com ele. Era, então, como hoje, tanto tempo depois, ainda é: desconcertante, provocador, culto e polémico. Outro era administrador de uma empresa, disse-me o seu nome e a empresa onde trabalhava (e eu não) e deu-se o caso de, inesperadamente, o encontrar em contexto profissional e, num súbito ataque de nervosismo, não ter sido capaz de me identificar. De resto, não estava sozinha, estava integrada numa delegação, e pareceu-me que a conversa poderia desencadear perplexidade junto de quem a ouvisse. Nessa noite, pelo computador, disse-lhe que tinha estado com ele e ele ficou aborrecido por eu não me ter apresentado. Lembro-me também da noite em que a mãe dele morreu e de como estava triste enquanto conversava comigo. O contacto escrito em tempo real com desconhecidos, por razões que não sei explicar, pode gerar uma estranha proximidade. Mas pode ser também um espaço de sedução. E havia quem quisesse mais. E estar sempre a dizer que não tornava-se um bocado esgotante.


À medida que vou escrevendo, vou recordando: provavelmente esse mIRC foi o precursor das actuais plataformas de encontros, sejam eles virtuais ou físicos. 

Acabei por me deixar daquilo provavelmente por saturação ou porque aquilo, na verdade, era um bocado viciante, ou pelas duas razões -- já nem me lembro bem. Mas sei que, como tudo na minha vida, tendo sido porta que se fechou, para sempre ficou fechada. E, se agora estou a recordar, é certamente pelo filme que vi.

Juliette Binoche extraordinária, como sempre. Um filme belo, com uma bela música, envolto em silêncio e onde a luz de Binoche cintila. Muito interessante, também, o desempenho de Nicole Garcia.


Não vou desvendar o enredo mas posso apenas dizer que me parece uma situação muito plausível, provavelmente muito comum. Assumir um perfil que não é exactamente o seu, pretender fazer-se passar por outra pessoa, construir uma persona, vestir completamente a pele dessa persona, agir já como se fosse essa persona, manter a verosimilhança, ir acrescentando pormenores para lhe dar consistência, depois já não ter como voltar atrás, ver-se preso na teia que se urdiu e que já não é teia mas armadura, tudo isso me parece possível, real. Quantas vezes, sob outro nome, com outra fotografia, outra história de vida, não é assim que algumas pessoas se apresentam perante outras? Juraria saber de alguns casos.

Pode começar por ser uma brincadeira. Um jogo de espelhos. Pode acabar por ser um vício. Ou um modo de vida. Pode ser a heteronímia levada ao extremo, pode ser já a incapacidade em saber qual o verdadeiro eu. 


Se puderem, vejam. É interessante sob todos os pontos de vista.

Em Portugal ficou Claire e Clara. No original é Celle que vous Croyez

Realização de Safy Nebbou, banda sonora a cargo de Ibrahim Maalouf

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As fotografias que usei foram feitas no outro dia in heaven
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A todos desejo um belo dia de domingo