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sexta-feira, janeiro 22, 2016

Apoiar a Bienal de Cerveira


Cada vez mais, pelo menos nas economias ocidentais, a economia irá deslocar-se para as actividades ligadas ao turismo, ao entretenimento e à cultura. Provavelmente sairão beneficiadas as ofertas que conjuguem as três vertentes.

Se em Davos se discute o que fazer aos milhões de pessoas que se vão tornando dispensáveis face à automatização de processos e à deslocalização para países desregulados onde tudo é barato, não tenho dúvidas de que a solução passará, em parte, pelo que acima referi.

Veja-se, em Portugal, a vila de Óbidos. Se a vissem: cheia, cheia de gente. E o que lá há para ver? É uma vila pequena, bastante pequena, embora bonita e arranjada. Mas é sobretudo uma vila toda ela bem organizada para ter uma oferta turística de qualidade: tem livrarias, quer ser conhecida por ser uma 'vila literária'. tem monumentos, tem uma festa e uma feira medieval, tem hotéis, tem restaurantes, tem uma boa gastronomia, tem produtos típicos (chocolate artesanal e variado, tem ginjinha em boas garrafas, tudo bem embalado), o comércio está aberto, as ruas estão limpas. Claro que tem também boas paisagens e uns arredores de se lhe tirar o chapéu. Mas é a vila, em si, que atrai. E atrai porque a oferta é interessante, integrada (quem lá vai, encontra tudo o que precisa) e de qualidade.




E Vila Nova de Cerveira? Conhecia-a pela Bienal. Mas a vila é mais do que isso: a ecopista ao longo do Minho é maravilhosa, o rio ali é mesmo muito, muito, bonito, está junto a Espanha, tem boa oferta a nível de hotéis e restaurantes, tem o Gerês ali perto. Contudo, ainda lhe falta muito para ser um local de atracção regular ao longo do ano. Sendo conhecida, sobretudo, pela Bienal das Artes, deveria saber desenvolver (como Óbidos o está a fazer) um conjunto de ofertas relacionadas com isso. O edifício da Bienal só abre de tarde, apenas encontrei uma galeria, e pouco mais. É certo que tem algumas obras de arte espalhadas pela vila mas devia haver um 'percurso das artes', deveria haver arte à venda em tascas e tasquinhas, nas igrejas, devia haver muito mais do que há.

Há um caminho a fazer em Portugal: o de saber valorizar o que se tem, o de saber cativar 'público' para desfrutar (e comprar) o muito que o país tem para oferecer.

Contudo, quando, andando a passear pela vila, já pensava que, incompreensivelmente, pouco se encontrava a nível de arte (para além das esculturas que se encontram no espaço público -- poucas, apesar de tudo), dei com uma pequena loja, uma espécie de galeria mas com os quadros um bocado a granel. Claro que entrámos logo, curiosos.

Para nossa surpresa, a senhora que lá estava levantou-se, veio falar connosco, perguntou-nos se sabíamos o que era aquilo. Que não, claro. Então, com enorme simpatia, a senhora explicou que a Bienal está a ver se arranja verbas para subsistir, para ver se daqui por dois anos, conseguem fazer uma nova edição. E que, para ajudar, alguns artistas ofereceram obras e que a Câmara tinha disponibilizado aquele espaço e quem lá estava, como ela, eram voluntários.

Fiquei logo a simpatizar com aquilo. Uma pessoa gostar que existam iniciativas culturais e depois deixá-las morrer à míngua é um contrassenso. Claro que é um dó de alma que tudo o que tenha a ver com cultura esteja à mercê quase da caridade e da boa vontade de uns quantos. A cultura é o que faz viver as sociedades e vai ser, repito-me, um poderoso motor económico. Portanto, é miopia e estupidez não dar o devido destaque à Cultura, tratá-la como coisa supérflua destinada apenas a gente dada a frescuras.

Ficámos, claro está, imediatamente dispostos a contribuir mesmo que não encontrássemos alguma coisa de que gostássemos verdadeiramente. Mas encontrámos. Aliás, deitei logo o olho ao quadro que, soube depois, era o mais caro de todos, cerca de mil e tal euros. A seguir, apontei os holofotes para outro: duzentos euros. Devo dizer que valiam bem o que custavam. Mas ficaram lá -- o que trouxemos foi muito menos que isso: dois quadros que, no conjunto, não chegaram a cem euros, um óleo e uma aguarela. São ambos de Cabral Pinto.


Já os emoldurámos e já estão postos na parede (por isso é que passa das onze e meia da noite e só agora é que aqui consegui estar), mas gosto mesmo deles. E gosto porque gosto, porque é o género de pintura que me agrada, e porque ajudei uma boa causa e porque, com isto, posso estar aqui a divulgar uma iniciativa que merece ser apoiada. E, quem sabe, alguns dos meus Leitores, pelo menos os que moram lá mais perto, vão passear até lá, conheçam aquela vila e aquela região linda e, se puderem, ajudem também. A economia do país passa muito por sabermos valorizá-lo, por não deixarmos cair as iniciativas meritórias que, read my lips, vão ser um potente catalisador do desenvolvimento regional.
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Lá em cima, a música é de Antonio Vivaldi: "La Stravaganza" Concerto No.2 RV.279, Allegro, na interpretação de Rachel Podger & Arte dei Suonatori.

O vídeo mostra a fotografia de uma escultura que se encontra na Alte Nationalgalerie Berlin: "Dornauszieher" (1879-86) de Gustav Eberlein

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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela sexta-feira.
And be happy.

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sexta-feira, janeiro 15, 2016

Crime e castigo




Passeio pelas margens do rio. As terras estão encharcadas, cheira a lodo, a terra fértil, as árvores mergulham os ramos na água, os pássaros cantam, as gaivotas, os patos e os mergulhões desfrutam o prazer de existir. Está frio mas não muito. O dia está claro. Aspiro o ar fresco, ando devagar para não assustar as aves, aproximo-me das margens onde a terra quase se afunda tanta a água, gosto deste cheiro, gosto destas cores.


Depois começo a fotografar as igrejas. A esta hora, a luz está branda, ficam bonitas as igrejas recortadas contra os montes. São imponentes estas igrejas. Mais logo irei para lá mas, por enquanto, continuo a caminhar junto, mesmo junto, às margens do rio Minho. É de longe, agora, que observo estas casas feitas para serem de evangelização, de oração.


Se eu fosse arquitecta, me pedissem para desenhar uma igreja e me dessem carta branca não sei se faria um edifício imponente. Acho que não. Contudo, um edifício grande cumpre o objectivo de se ver de longe, talvez atraia os descrentes, talvez mostre onde se devem dirigir os que precisam de pedir por alguém ou de chorar o seu arrependimento. Não sei.

Eu, quando entro numa igreja, sinto-me bem. É uma casa aberta onde qualquer um pode entrar, descansar, meditar. E são espaçosas, bonitas, uma pessoa sente-se em liberdade ali dentro. Eu, pelo menos, sinto. Também só entro por pouco tempo e, geralmente, calha não estar a haver missa.


Quando entro numa igreja, gosto de ver a talha, os santos, os altares, as pinturas. Depois, inconscientemente, ocorre-me pedir pelos meus. Depois aborreço-me comigo: não sendo crente, que sentido faz entrar ali para me pôr a pedinchar? Dou por mim, então, quase a pedir desculpa por ser tão inconveniente. Mas estou a pedir desculpa a quem?

Penso, então, que seria bom que a igreja fosse sempre um lugar de recolhimento, de generosidade e tolerância, em que a diferença fosse aceite e o erro compreendido. O Papa Francisco tem vindo a aproximar a igreja das pessoas e isso comove-me. O Papa Francisco comove-me, acho que é um homem bom, que gosta genuinamente das pessoas, que quer que a igreja seja um lugar de inclusão.

Depois, dirijo-me à vila. Ao caminhar rente à água vejo um pássaro negro contemplando a água. Penso que o seu negrume contrasta com a brancura da garça que tinha visto no outro extremo. A vida é feita de opostos.


E, então, quando chego ao centro da vila e me preparo para procurar uma das igrejas que tinha visto quando caminhava junto à margem, lembro-me de olhar para cima, para o monte que começava a ficar envolvido em névoa. No topo, uma imagem terrível: uma forca, o suporte de pedra onde, bem à vista de todos, a alguns era retirada a vida. Arrepio-me ao ver tão tenebrosa imagem. Procurava eu um lugar de apaziguamento e vejo ali a prova de como os homens puderam exercer tão implacável castigo sobre os seus iguais. Imagino alguém ali pendurado, em estertor, e cá em baixo, na vila, as pessoas a verem, talvez com indiferença, talvez até com contentamento.


Já não acontece, foi há muito, muito tempo, O que, na altura, era tido como um castigo, agora seria visto como um crime. E bem. Mas em quantos lugares ainda há déspotas, alarves, estúpidos, anormais, tarados que, em nome de religiões, ideologias, ou, até, amor, tiram a vida aos seus iguais? Uns dando um tiro na cabeça ou degolando indefesos ajoelhados, outros apedrejando ou chicoteando, outros queimando com ácido, outros também enforcando e tantos, tantos, agredindo, tantas vezes agredindo até à morte - quantos crimes acontecem ainda hoje? 

Pensei, então, que talvez seja boa ideia que se preserve aquele monumento, aquela prova da maldade e demência humana -- para que nos lembremos daquilo a que não deveremos nunca voltar.

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Mais tarde, quase ao fim do dia, já em Espanha, Baiona, outra igreja, de pedra, pedra sobre pedra, sóbria, muito antiga. Um casal idoso, de braço dado, caminha para lá. Vou também.


Penso na forca, não me sai da cabeça. Penso que a igreja deve ser o oposto da forca mas, tantas vezes, não foi.

Entro. Muito bela, muito simples, silenciosa. Um lugar de aceitação, de compreensão, de tranquilidade e paz.


Depois, procurei, de novo, a beira da água. As cores do fim do dia muito bonitas. E muito frio, muito.


Então, o meu marido sugeriu que entrássemos num daqueles cafés simpáticos onde os espanhóis se juntam a 'picar' e a conversar ao fim do dia. Chão de madeira escura, mesas e cadeiras de madeira, luzes acolhedoras, gente animada lá dentro, velhos, novos e até crianças. Eu bebi um chocolate espesso, quente, ele uma cerveja gelada. Ambos ficámos bem melhor.

E eu a tentar esquecer-me do diabo daquela forca maldita que encima o monte junto ao centro
de Vila Nova de Cerveira -- uma vila linda, estimada, dedicada às artes.


A evolução e regressão do homem

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Sobre o desaparecimento de Alan Rickman, dono de uma voz assombrosa, falo já a seguir.
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