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quarta-feira, outubro 16, 2024

Tomar o destino nas mãos.
Fazer reviver um solo morto
Mudar o clima
Sentir como suas as palavras: I am the master of my fate. I am the captain of my soul.

 

Hoje, por aqui, chove que dá gosto. Por isso, talvez não seja o melhor dia para falar da falta de água, de solos desidratados, sem vegetação e, logo, sem vida animal, terras desertificadas, populações em êxodo. Mas sabemos que é essa a progressão em curso -- a menos que saibamos perceber a natureza, respeitar e guardar o que a ela dá, aprender a o milagre da regeneração.

Transformar terras áridas em solos férteis é daqueles projectos que penso que deveriam ser amplamente divulgados, financiados, acarinhados.

O vídeo abaixo explica bem o que está a ser feito por aquelas bandas, a alegria que traz à população, a esperança que traz, o futuro com que poderão sonhar. Querendo, podem pôr-se legendas em português, embora apenas de autotradução automática, ou seja sem grande qualidade. Ainda assim, faço questão em partilhá-lo.

A genius way to restore dead soil

Soil is vital for plant growth, supports biodiversity, filters water, and keeps ecosystems balanced. But in Kenya, worsening droughts have left the soil damaged and dry, threatening both nature and local communities.
In our 20th Planet Wild mission, we're supporting a surprisingly simple method to help transform these barren lands into thriving ecosystems. 
A special thanks to Dr. Rob Thompson / University of Reading for providing us with additional footage.
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Invictus

I am the master of my fate. I am the captain of my soul.


quarta-feira, fevereiro 09, 2022

O que tem a UJM a dizer sobre isto do Relvas já andar outra vez por aí a dar palpites sobre uma nova liderança para o PSD? E sobre os líderes serem como os melões?
E sobre as pegas entre o Cardeal Louçã e Pedro Frazão, vice-presidente do Chega?
E sobre o copinho de leite branco, caucasiano e datado, Pacheco de Amorim?
E sobre as baboseiradas do acéfalo* João Miguel Tavares?

Nada. Tenho mais que fazer.
Chorar por causa deles era o que faltava e, para me rir, prefiro este maluco aqui abaixo.

 


Não vou falar de pategos, palermas, gente encardida, totós, ocos da cabeça aos pés, racistas, chico-espertos, videirinhos, etc, mesmo que um deles já tenha merecido honras inauditas, inexplicáveis e absurdas sob qualquer ponto de vista e mesmo que a comunicação social ande com eles ao colo. Não quero saber de nada que venha dessa gente. A única coisa a fazer é ignorar e, se tentarem passar, bater-lhes com a porta na cara. Gente dessa laia não entra. Não passa. Não merece sentar-se à nossa mesa.

Portanto, segue o baile. 

O meu dia de hoje não teve muito que se lhe diga. Ando cansada e com sono. Estou precisada de umas doze horas de sono de seguida. Na primeira noite que o ursinho peludo passou no hospital mal dormi. E não deve ter sido apenas a falta de sono, deve ter sido também a angústia a consumir-me. A noite seguinte foi melhor mas, ainda assim, em défice. Um défice que se juntou ao défice anterior. E logo de seguida acabou o fim de semana. E a segunda-feira começou cedo de mais, com uma reunião mal o dia estava a romper. Começar a semana com uma reunião quase de madrugada desequilibra-me o biorritmo. E foram reuniões de seguida. E esta terça-feira não aliviou. 

Por isso, hoje estou sem pilhas. Off.

A pequena fera continua a dormir de gosto mas, à tarde, estava eu numa reunião, foi pôr-se ao pé de mim. Nada de mais. Só que eu estava num daqueles meus espaços, abertos, comunicantes (que é onde tenho melhor rede e melhor luz) e, de repente, o grande cão de guarda deve ter ouvido alguma coisa no exterior e, para provar que com ele ninguém faz farinha, desatou a ladrar. Mas a ladrar a bom ladrar. Ladrou, ladrou. Tirei o som ao microfone e mandei-o calar. Parou, olhou para mim e foi para a janela a ladrar ainda com mais força. Queria que eu fosse validar o alerta. Como estava sem som, chamei o meu marido. Felizmente estava em casa. Chamou-o e ele nada, só ladrar à janela. Eu a ter que falar e ele a ladrar à bruta. O meu marido disse para eu tirar a imagem. E, então, passou por trás de mim para o ir apanhar. Ele fugiu. Enfureci-me: 'Resolve isto, tira-o daqui'. O meu marido quase voou para o agarrar, praticamente caindo-lhe em cima. Saiu de lá com a fera cabeluda ao colo. Pedi-lhe: 'Vai para a rua com ele'. O meu marido protestou: 'Como se eu não tivesse que trabalhar!'. É que agora não queremos deixar a fera sozinha no jardim não vá voltar a haver algum problema com as lagartas peludas que, segundo todos me dizem, andam por aí aos montes, em procissão, afobadas com este calor antecipado.

Depois do trabalho, fomos fazer uma rápida caminhada e, a seguir, tratar de uns assuntos à cidade. Levámo-lo, claro. Resultado, chegámos a casa tarde. Quando aqui me sentei a ver o novo episódio da Gilded Age caí no sono. 

Quando acordei, fui espreitar as notícias. Tudo fantasias sem sentido. Não percebo porque há por aí tanta gente a gastar latim com tão fracas figuras.

Para eles só vejo um préstimo: podia fazer-se uma sitcom, na base do reality show, com eles todos juntos: o Vai-Estudar-Ó-Relvas, a galinha Rangélica, o Láparo Careca, o Cardeal Louçã, o destituído João Miguel Tavagues, o grande filósofo Pacheco de Amorim, o beato Ventura e, para arbitrar o forrobodó, the most important portuguese influencer, o famoso Self-Marcel. Nem precisavam de guião. Era metê-los na 'Casa' e deixar que a coisa acontecesse. 

Só acho que fazia falta ter ali umas mulheres. Talvez as manas Mortáguas. Devia ser giro. Talvez também a perene Lili Caneças. Acho que a Lili ligaria bem com as manas urubus (como a minha mãe lhes chama). E o José Castelo-Branco que transforma tudo num happening. Portanto, era metê-los na Casa e esperar que a coisa pegasse. Era vê-los a 'dar canal'. E uma ou duas vezes por semana havia gala com a esganiçada narcisista a fazer a festa, a atirar foguetes e a apanhar as canas. Havia de ser um festival. Ah, agora me lembrei: para a coisa ser ainda mais apimentada era de lá meter também o P. Gonçalo Portocarrero de Almada. 

E um aviso à navegação: se alguém da TVI usar esta minha brilhante ideia, V. são testemunhas que me são devidos direitos de autor.

Mas está a parecer-me que ainda faltam ali umas mulheres. Talvez a Clara Ferreira Alves. Acho que a CFA ficava ali a matar. 

Com a ex-arrumadinha Pipoca e a também perene Cinha a comentar as cenas, os casos de amor, o Relvas a seduzir uma das manas, a galinha careca a ensinar a outra galinha a fazer tricot, o Láparo e o Cardeal a conspirarem pelos cantos, o Castelo-Branco a rezar às escondidas debaixo da batina do P. E aviõezinhos a sobrevoar a Casa, a desejar um amor feliz ao Tavagues e ao seu amor seguegueto.

Bem. Não dou mais tácticas. Melhor: só mais uma. Acho que a Helena Matos também lá era bem metida. Só de imaginar já mal posso esperar. 

Mas, pronto, ainda tenho que ir ler umas coisas antes de ir para a cama. Mas, antes, deixo-vos com um que é muito cá de casa, um daqueles que me provoca gargalhada garantida, um que me faz bem à saúde. Um que é eterno, sempervirens. Leslie Nielsen.




* Escrevi que o João Miguel Tavares é acéfalo mas, calma, escrevi por escrever, na base do que parece, do que dizem por aí. De facto, de facto, não sei de fonte segura pois nunca vi nenhum RX que comprove que a cabeça dele é um daqueles melões de que o Relvas fala, daqueles que, por dentro não tem nada.
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Pinturas de Sang Ik Seo na companhia, lá em cima, de uns meninos que dançam: Jerusalema no Top Africana Best Dance Challenge 2021

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Desejo-vos um belo dia

Humor. Boa disposição. Saúde. Vontade de fazer coisas. Acreditar.

quinta-feira, junho 11, 2020

Desconfinar a la maison, em família e em festa, no Dia de Portugal




Começo a escrever quando o dia de Portugal e de Camões já virou a página. Não tive oportunidade de ver pingo de comemoração e aqui não tenho como pôr o tempo a andar para trás. Na cidade há uma magic box que guarda o tempo. Aqui não, aqui ou se vê na hora ou já era. Coisa que não deixa de ser boa. Mas, portanto, não tendo visto, só agora li que as imagens de Marcelo num espaço quase vazio e que as suas palavras algo cruas causaram impressão. Ou que as palavras de Tolentino Mendonça foram poéticas. Ainda bem. A poesia é do melhor que o mundo tem. O mundo ou a língua. Uma língua que se transforma para incorporar música e emoção, e para acolher a rendição da luz e do tempo é uma língua feliz. 

Não sei se as palavras de Marcelo são sinais de algum desejo de reorientação nas políticas sociais do país ou se são meras palavras de circunstância paramentadas de pias bolas de efeito. O que sei é que continuo a pensar que um grande debate público, chamando quem de melhor temos (embora, lá está, quem decidiria quem seriam os melhores?), me pareceria de grande utilidade. Pelo menos nestes próximos dois a três anos significativas quebras vão acontecer em alguns sectores. Pode acontecer que, estruturalmente, sejam quebras que venham para ficar. Parece-me, pois, indispensável pensar em que sectores -- úteis para o país numa perspectiva não apenas imediatista -- se deverá apostar para empregar todos quantos já estão e virão a entrar no desemprego. Identicamente, a nível do ensino e, em especial, da academia, se deverá perceber quais as valências necessárias para dar corpo a uma reorientação estratégica. O mundo mudou. Está a mudar. E, se não está, deveria estar. Cabe aos líderes apontar o sentido da corrente. E Marcelo deveria ser capaz de mobilizar a sociedade para este debate e para a apresentação de propostas.


Não sou muito de me entusiasmar com movimentos marginais que têm mais de lírico do que de racional e sustentável. Ir para o interior para viver de zero lixo ou de hortas para plantar e vender meia dúzia de alfaces ou umas cenourinhas atrofiadas em mercadinhos biológicos pode dar para fazer blogues com piada, postas no Face ou histórias no Insta -- mas não resolve a vida dos milhares de pessoas de pessoas desempregadas face a quebras incontornáveis no turismo, no comércio, na restauração. E etc.

Mas hoje não vou falar nisto. Vou é contar porque é que só agora estou a ver televisão. 


Este Dia de Portugal foi para mim dia grande, dia feliz. Tive cá a maltinha toda em casa. Desde meados de Março que não passávamos um dia todos juntos. Ora estava com uns, ora com outros. Mas todos juntos, os meninos todos juntos na maior farrinha, todos na conversa ou à volta da mesa, isso só neste abençoado Dia de Portugal.

A ideia ainda era manter a distância. Nada de grandes proximidades. Mas durou, de novo, escassos minutos. Os meninos não se largaram. Felizes, felizes, felizes. Os dois mais crescidos já a quererem dar ares de se prepararem para entrar na pré-adolescência, alinhados no modo de falar, nos gostos, os dois do meio muito cúmplices, muito amigos, o bebé cada vez mais explicado, mais esperto, já a saber fazer jogos de computador com autonomia, incentivado pelos manos e pelos primos.

Consolei-me de os ver todos tão próximos, quase como se não tivesse havido interrupção. De vez em quando alguém ainda se lembrava do distanciamento... mas coisa de pouca dura. Estamos tranquilos quanto a isto pois temos estado todos tão confinados e tão cuidadosos que estamos certamente limpinhos da silva.

Antes de almoço, em cima da mesinha baixa da cozinha, o bebé viu uma cestinha de kiwis. Disse-me: 'Na nossa casa não temos kiwis. Posso comer? Estes já não têm covides?'. Garanti-lhe que não e preparei-lhe um. Menino mais querido.


A noite passada voltei a dormir mal. Não adormeci logo e, a meio da noite, acordei com calor e algumas preocupações e custou-me a readormecer. Quando o despertador tocou estava eu a dormir como se estivesse a começar a descansar. Mas tive que me levantar cedo pois o dia tinha afazeres sem tréguas de permeio. Portanto, com tudo isso e com a animação e a agitação aqui em casa, depois do lanche e estando os crescidos a conversar uns com os outros, os meninos na brincadeira, tudo na rua, a apanhar o sol brando, vim até ao sofá em que agora estou, reclinei-me e, cá para mim, devo ter adormecido de imediato. Por pouco tempo. Penso que nem cinco minutos Acordei com um dos meninos, o meu corajoso menino, mano do meio (do grupinho de três), a surpreender-se por me ver ali deitada a dormir e a dizer: 'Estás aqui? A descansar?' e, acto contínuo, debruçou-se sobre mim, abraçou-me e deu-me um beijinho. E, também acto contínuo, deu um salto para trás, 'Ah... não se pode dar beijinhos...'. Meu amorzinho querido. E lá saiu a correr. O que a porcaria de um corona da treta nos faz a todos. Mas menos mal. Estamos bem, de boa saúde e, se continuar como até aqui, talvez adquiramos imunidade sem sofrermos infecções de maior. Bicho mais estúpido do qual ninguém parece conseguir perceber o 'racional'.

E agora, se não se importam, fico-me por aqui. Não vou dizer que estou a dormir para não ser repetitiva para além da conta mas vou ter que tentar chegar até à cama porque esta quinta-feira vai ser outro dia com animação. 
                                                                                

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Fotografias de  Keyezua, participante num dos LagosPhoto Festival

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Um bom dia feriado. Saúde e boa disposição.

quinta-feira, novembro 14, 2019

Fazer aquilo de que se gosta é liberdade. Gostar daquilo que se faz é felicidade.
Assim fala Michael Aboya, 24 anos, fotógrafo amador, vencedor do Prémio Agora 2019.

E algumas agruras e dificuldades de última hora, coisas cá muito minhas.
E John Legend que há quem diga que é o homem mais sexy do mundo mas eu não estou bem a ver porquê.
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Pelas bandas para onde vou vai estar frio, parece que muito frio, e isso fez-me ter que mudar de planos. Já tinha pensado numas certas e determinadas toilettes que agora, face à meteorologia, tiverem que ser repensadas. Um transtorno. 

Ora isto, quando uma pessoa não tem tempo nem para se coçar, é um stress quase tão grave quanto o provocado pelo facto de as duas meias ontem desaparecidas continuarem sem aparecer.
Calcei outras e o meu marido disse: 'Mais umas para desaparecerem?' E eu disse: 'Não me fales nisso'. Ao que ele disse: 'Sim? Já viste nos bolsos? Podem muito bem estar num bolso'. Respondi como se não tivesse percebido a provocação: 'Não tenho bolsos' e apontei para mim, para que constatasse. Insistiu, no mesmo registo: 'Ou, então, dentro do soutien'. Aí tive que lhe dizer que se deixasse de ser parvo. Mas ele fez um ar inocente: 'Queres ver que não costumas guardar as meias dentro do soutien.'. Não resisti e desatei a rir pois, justamente, ao preparar a valise, tinha estado a guardar as meias e as cuecas dentro do soutien. Mas ressalvei: 'Limpas. Atenção.'
Explico: se tenho que guardar roupa, no que se refere à roupa interior, ponho uma copa do soutien dentro da outra e, na concavidade, costumo colocar a restante roupa interior devidamente arrumadinha. Tudo lavadinho, repito. Ele acha isso um disparate mas eu acho que optimizo o espaço na mala.
Mas, voltando à cold cow: da meia cor-de-rosa e branca e da preta com pintinhas brancas nem pó. Evaporaram-se. Voltei a averiguar. Até de gatas andei. Zero. Como se nunca tivessem existido.

Mas, pronto, adiante -- um dia destes hão-de aparecer onde menos se espera.


Bem. Como disse, tive que reformular completamente o que ia vestir. Operação complicada, assim à última hora. Gosto de validar as opções. Visto uma toilette e vou submeter-me à aprovação. Ele deita um olhar apressado e diz, com ar falsamente interessado e apreciador: 'Ah, muito bem... muito bem...' Digo que olhe para mim e se concentre. E ele diz: 'Não sei para quê, não preciso de me concentrar para ver'. Voltei ao quarto e mudei de roupa. Quando me ouviu a aproximar, mas ainda sem me ver, disse: 'Ah agora sim, agora estás muito melhor...' Não me deixo abater: 'Não sejas parvo. Olha para mim. Diz lá'. E ele: 'Digo que tens roupa a mais. Se deitasses metade fora já não tinhas tanta dificuldade a escolher'. Não me importo. Não percebe o âmago da questão, problema dele. Tento de novo: 'Vá, o que achas? Fica bem?' e ele, já a querer dar mostras de impaciência: 'Fica bem, pá. Mas achas que alguém vai reparar no que tu levas vestido?'. Não liguei. Ofensas passam-me ao lado. Fui experimentar outra farpela. 'Vá, e esta?' e ele: 'Mas então não é a mesma?'. Tenho que me esforçar: 'Estás a gozar? Esta é o oposto da outra'. E ele: 'O que é isso de uma roupa ser o oposto da outra?'. E é sempre esta falta e colaboração. E, portanto, por causa da falta de foco e objectividade dele, ainda demorei mais. E a seguir ainda tive que equacionar os brincos, os anéis, as pulseiras e os colares adequados a cada toilette. E que não se pense que ando feita árvore de natal. Nem pensar. Justamente, a coisa tem que ser bem pensada para ficar tudo bem conjugado e discreto. Uma equação das complexas, como podem perceber. 

Ou seja, só coisas que me ralem. 

E quanto às outras nem falo. Porque as há e, por sinal, até bem peregrinas e cabeludas. Mas prefiro falar de frioleiras, não tenho pachorra para me pôr para aqui a desfiar epitáfios às minhas dificuldades diárias.


Mas tenho ainda mais um desagrado a manifestar. Melhor: incompreensão. De manhã, enquanto estava em casa o tomar o pequeno almoço, ouvi na televisão: 'Saiba quem é o homem mais sexy do planeta'. Arrebitei logo a orelha. Mas a revelação não se deu logo e as obrigações impuseram-se. No carro, em vão esperei que se desvendasse o mistério. Nada. Pensei: Mal entre no gabinete, antes que alguma coisa me impeça, vou logo googlar. E fui a conjecturar: eu dava outra vez o prémio ao Brad Pitt. Pensei: Na volta ainda aparece um qualquer que me vai deixar sem perceber. E não é que assim foi...? Mal me sentei, foi a primeira tarefa do dia. John Legend. What?!?!? Espanto... Googlei melhor, agora em imagens. Continuei sem perceber. É fofo, tem um corpinho bem feito, tem alguma pinta. Mas daí a ser o mais sexy do mundo...


Faltam-lhe algumas coisas essenciais (e nem me vou alongar porque ele é casado e eu também e, ainda por cima, não é um com o outro). Portanto, vou manter-me discreta. Mas, pronto, para o ano há mais e pode ser que acertem.

Tirando estes tiros ao lado, um tiro houve que foi na mouche. Ao fim de um dia assim, uma boa notícia. Michael Aboya, Uma notícia das que gosto de saber e partilhar. Talento, sorte, sonho, vontade de o alcançar. Um sorriso cheio de inocência e esperança. Uma história tão boa. Comovi-me. Vi o filme duas vezes e depois de escrever isto vou ver outra vez.


The Agora Awards 2019 competition was hosted by free-to-use photography app Agora on November 6th and received over 130,000 submissions from 193 countries.
More than 500,000 votes have been counted: the photo ‘Songs of Freedom’ by Ghanaian photographer Michael Aboya was voted Best Photo of the Year and wins Agora Awards 2019 competition, awarding the self-taught photographer the grand prize of $25,000 (22,445€).
With photos portraying a cheerful and optimistic representation of the life around him, Michael Aboya aims to inspire a change in the way people perceive Ghana and the African continent in general (...)

A vida pode ser uma coisa cheia de beleza


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As fotografias são, como se percebe através do vídeo, do jovem Michael Aboya e, lá em cima, é John Legend que mostra os seus vários dotes.

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Não sei se esta quinta-feira consigo escrever alguma coisa. Só devo chegar ao quarto a lindas horas e o dia seguinte é quase pegado à noitada. Portanto, se não aparecer por aqui saibam que estou noutra.


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E um dia feliz para si.

sexta-feira, maio 31, 2019

Uma recordação em forma de alerta e uma capela no céu ao pé de coisas cá de casa





Não sei se é por andar com muitos programas e não conseguir respirar entre eles, se é por andar sempre com a sensação (real) de ter deixado trabalho por fazer e não saber quando vou conseguir ter tudo em dia, se é por ter que madrugar amiúde não me deixando descansar de permeio -- ou se é disso tudo mais do efeito deste calor abrasador. Ando verdadeiramente sem energia. 

Ao fim do dia, fomos fazer a nossa pequena caminhada; mas foi um esforço tão grande. Ainda por cima, não tínhamos água. Estava sedenta, estafada, com a pele a ferver.  Quando cheguei, como o jantar estava feito, depois de me pôr à fresca, estendi-me no sofá e fiquei imediatamente à beira de dormir. 

E, depois de jantar, cheia de calor, cheia de sono, a pensar que deveria ir acabar um trabalho mas incapaz de pegar nele, para aqui fiquei a navegar em seco.


No entanto, penso às vezes que há cansaços que não devem ser subestimados. Já não me lembro há quantos anos mas não foram muitos, o meu pai que, na altura, ainda andava por si em casa -- embora com muita dificuldade e agarrado aos móveis -- caíu e partiu uma perna. Teve que ser operado. 

Todos os dias, a minha mãe ia vê-lo ao hospital. Na maior parte dos dias eu ia buscá-la a casa à hora de almoço e íamos as duas. Depois ia pô-la a casa e voltava ao trabalho. Outras vezes, ela ia com o meu tio, outras com a minha nora. Nos outros dias ia de autocarro ou táxi. O pós-operatório foi uma complicação total e ele esteve internado muito tempo. Para a minha mãe, um susto permanente e uma canseira. Depois, foi para casa porque não arranjámos um lugar decente com fisioterapia onde ficasse internado. Ficou acamado, numa situação complicada. Para a minha mãe, um desgosto por vê-lo assim e uma nova canseira. Ao fim de algum tempo, arranjámos uma espécie de clínica onde ele poderia tentar a reabilitação. Odiou lá estar e veio de lá sem ter feito quaisquer progressos. Não colaborava, não percebia sequer porque lá estava. Mas achávamos que era para bem dele, queríamos que pudesse voltar a andar. Todos os dias a minha mãe ia vê-lo. Eu ia ao sábado e ao domingo e ia buscá-la e levá-la mas, durante a semana, ela ia de autocarro -- e aquilo ainda era longe da paragem. De vez em quando ia de táxi mas na maior parte do tempo a de autocarro.


E estava um calor horrível e ela queixava-se disso, como lhe custava tanto. Eu dizia-lhe que não fosse todos os dias, que naquelas tardes de grande calor ficasse em casa, a descansar. Mas ela isso não fazia, não queria que o meu pai lá estivesse à espera e que ela não aparecesse. Até que o meu pai foi para casa. Para a cama. 

E, então, aí, a minha mãe foi-se abaixo. Cansada. Dizia que andava sem acção. Foi no verão e estava um calor verdadeiramente insuportável. Pensávamos, por isso, que o cansaço nascia daquele calor. Também tem um pequeno desequilíbrio a nível da tiróide, pensámos que talvez pudesse ser disso. Ou tensão baixa. Ou o somatório do cansaço daqueles meses todos em que andou a ir e vir todos os dias a caminho do meu pai. Ou a idade. Dizia: 'É que também já não sou nova, não é?' Arranjávamos explicações lógicas para aquele cansaço. Por vezes não percebo como, com a idade que tem, ainda conserva aquela energia. Por isso, pensando bem, com o desgaste psicológico e físico a que tinha estado sujeita, com aquele calor e com a idade que tem, parecia mais do que normal que estivesse cansada.


Mas às tantas achou que era cansaço a mais. Não se queixava de mais nada, só isso, mas isso era invulgar nela. Foi ao médico, um bacano da idade dela. Pensava ir pedir-lhe um suplemento qualquer ou ver se precisava de alguma coisa para a tiróide. Mas o médico, experiente e intuitivo, mandou fazer análises, incluindo às fezes. Mas nem ela veio de lá preocupada nem eu o fiquei. Tantos meses a cuidar do meu pai, não tendo tempo e disposição para si própria, era bom mesmo que fizesse uma revisão geral. Só que o resultado não foi tão bom quanto se queria. Estava com uma anemia e havia sangue nas fezes. Fui à net. Nem sempre isso é perigoso, há muitas causas benignas. Além disso, fazia bem a digestão, não tinha incómodos de qualquer tipo. Tranquilo. Mas o médico mandou fazer colonoscopia. 

Não quis que eu fosse, que estava bem, que ia com uma amiga (por acaso, mais velha). Ia tranquila e eu também não estava muito preocupada. Pouco depois da hora, liguei. Já tinha feito, estava à espera. E afinal, depois, pouco depois, ligou-me com a voz aflita, que a médica tinha ido falar com ela e que era melhor eu ir ter lá casa já, havia coisas a combinar. Fui a conduzir nem sei como, na maior ansiedade, horrorizada, cheia, cheia de medo. Quando cheguei, a minha mãe estava numa aflição, 'o que vai ser do teu pai? no estado em que está... nem quero pensar no que vai ser...' e chorava, angustiada, amedrontada, estávamos cheias de um medo terrível, aquele medo fundo, cavado, que acompanha as ameaças de morte. 


Depois foi uma corrida contra o tempo. Exames que nos matavam de medo, sempre sob o terror de virem ainda piores notícias. Depois foi a operação. Ficou sem metade do intestino mas teve alta num instante e saíu a andar, sem dores. Não havia metástases, ficou bem, e o médico, outro boa-onda, disse-lhe que daquilo ela não morreria. E todos disseram que a sorte foi ter ido ao médico por se sentir cansada. Se não se tivesse investigado, se tivesse tomado medicamentos para ganhar energia, se tivesse achado que era normal e deixasse andar, poderia ter sido bem pior. Não tinha qualquer outro sintoma senão o cansaço. Assim, felizmente, atalhou a tempo. 

Não conto isto para alarmar ninguém. É apenas um testemunho que, sabe-se lá, pode ser útil a alguém.

E eu, cansada que ando, sem energia, penso que não é o meu caso pois acho que tenho razões de sobra para me sentir assim. A ver é se, no fim de semana, consigo retemperar-me. 

Que me desculpem os que aqui vêm procurando algumas palavras mais animadas ou interessantes. Agora não consigo dar mais que isto.


Uma vez mais, à falta de melhor ideia, abonequei o texto com umas coisas cá de casa. E deixem que vos mostre porque é que a minha canseirinha é bobagem tola quando comparada com a canseira a sério que deve ter sido construir o que aqui abaixo se vê ou com a canseira de quem, para estar num lugar assim, espantoso, tem que subir tudo aquilo (e que vertigens sinto ao ver).

Uma capela no céu


Dias felizes para todos

quinta-feira, janeiro 18, 2018

A beleza dos negros

[E, a despropósito, um cheirinho de David Helfgott, o pianista louco]




Como não repetir-me se todos os dias aqui escrevo e se a vida que tenho para contar é só uma, a minha?

Perdoem-me, pois, se estão recordados daquilo que hoje aqui vou reviver.

Ao lado de uma das minhas avós morava a Vizinha Modista. Havia a moradia de habitação, um pátio e depois um grande atelier envidraçado e de cujas janelas pendiam vasos com fetos. Lá dentro, naquele amplo espaço, trabalhavam outras modistas e ajudantes. A minha mãe, em adolescente, nas férias, chegou a andar lá, a aprender costura.

Por vezes a minha avó deixava-me ir para lá e, para me manterem entretida, punham-me a apanhar alfinetes, a enfiar linha nas agulhas, a apanhar linhas ou retalhos do chão; e andava de roda de uma e outra a ver o que faziam, fazendo perguntas, encantada com aquele mundo tão exclusivamente feminino. Aquilo de que eu lá mais gostava era da grande mesa de corte onde havia sempre pedras de giz para fazer as marcações e uma tesoura grande e preta em que uma das partes corria o tecido encostada à mesa, fazendo aquele belo e denso arrastar metálico. 

Segundo eu ouvia a minha avó a conversar com a minha mãe, a Vizinha era careira. Perfeita mas careira. Tinha clientes importantes, de entre as quais várias aristocratas que vinham de longe nos seus grandes carros guiados por chauffeurs. Vinham aos grupos. Uma delas era da idade da minha mãe e conversavam muito. Para as outras pessoas ela era a Senhora Condessa mas a minha mãe tratava-a pelo nome. Tinha muitos filhos. Saíam do carro, buliçosos, muito bonitos e muito alegres. Uma era da minha idade e tinha um nome que a mim me parecia atípico pois não conhecia ninguém com aqueles nomes e, muito menos, conjugados. Desde logo, para mim, aquele nome me encantou e, para sempre, ficou guardado dentro de mim. Foi o nome que dei à minha filha.

This is a portrait of Chaila. She is 23 years old. She moved from Equatorial Guinea to Europe all by herself five years ago. Her youth was very tough. Moving away to the west was a brave decision but she now is excited about her future. She studies and works as a mannequin in Belgium. She loves to cook, dance and sing and dreams of becoming famous

A Vizinha Modista, talvez pelo contacto com as suas clientes, tinha um porte também aristocrata e uma voz com um timbre melodioso mas imponente. Era baixa, forte, peito proeminente e tinha um cabelo preto, ondulado e sempre muito brilhante. O marido, que era muito alto e magro, era uma simpatia mas, ao pé dela, uma sombra. Ela, apesar da sua baixa estatura, irradiava superioridade, confiança, assertividade.

Tinha dois netos, um bom bocado mais velhos que eu, que cedo se emanciparam. Num tempo em que ainda ninguém sonhava com o Erasmus, ambos foram estudar para outros países. Nunca sabíamos bem por onde andavam. A neta era baixinha mas tinha um ar muito moderno, jeans justos, cabelo curtinho. Quando vinha de férias e ia visitar a avó eu ficava toda contente pois parecia que ela chegava de outro planeta. O neto vinha cada vez mais espaçadamente a casa da avó, gostava de andar a conhecer o mundo.

Mas eis que um verão a neta trouxe uma novidade: um namorado. Lembro-me dele: um choque para todos. Gigante. Fazia dois dela. E negro, negro, negro. Não se falava de outra coisa. O namorado da neta da Vizinha Modista.

Quando o vi fiquei estupefacta, maravilhada. Nunca antes tinha visto um negro. Um gigante negro e sorridente, com uns belos dentes brancos. Punha o braço sobre os ombros da namorada e ela desaparecia.

Yesni was born in Ethiopia and later adopted by Dutch parents. She is 26 years old. Her name means ‘one in thousands’. Yesni is an activist, performer and creator. She loves fashion and music.

Lembro-me da minha mãe comentar, irónica: Para a Vizinha foi um choque. Não confessa mas nem vale a pena. Basta repara naquele 'apesar': "é bom rapaz apesar de ser preto..."

Durante muitos anos, quando se falava de preconceito racial a minha mãe lembrava a vizinha: 'é bom rapaz apesar de ser preto'. 

Por onde eu circulava não havia negros: nas escolas onde andei, nem um. Nas vizinhanças, também nenhum.

Só já na faculdade. Angolanos. Lembro-me de dois. Esculturais. Negros, negros. Tinham uma little paixão por mim. Quando eu estava na cantina, eles vinham ter comigo. Um oferecia-me iogurtes, coisa que eu achava divertida mas que, por dentro, me enternecia. Para ele, um iogurte era qualquer coisa. O outro ficou muito zangado quando cortei o cabelo pois gostava muito do meu cabelo. Eram muito delicados, muito sensuais e bonitos. Os meus dois namorados não achavam graça nenhuma: quando chegavam ao pé de mim, estava sempre eu guardada por aqueles dois belos rapazes.

This is a portrait of Ninho. He is 29 years old. He moved to Europe from Angola 10 years ago. His family is still in Angola. He works in the entertainment business in the Netherlands and loves music and sports.

Voltei a encantar-me com um negro anos mais tarde. Era moçambicano, um jovenzinho que teria uns catorze ou quinze anos. Magro, alto, também muito negro. Inteligentíssimo, o melhor aluno que tive. Ainda hoje me lembro do nome completo dele, três nomes que se conjugam de forma muito musical. Eu tinha vinte e um anos (foi no segundo ano que leccionei) e ele pouco menos que eu. Mas, na altura, a mim parecia-me fazer diferença e impunha-me sem muita dificuldade. Se for ao google e escrever esse nome, aparecem-me vários e não faço ideia se algum é ele. Inteligente como era, imagino que terá uma profissão muito boa. E era muito bonito, uma gazela elegante e ágil.

Sempre achei que os negros (e as negras) são muito belos. A pele, as feições, a alegria. Tudo nos negros me parece extraordinário, esbelto, feliz. Sempre que posso, à socapa, fotografo negros de perfil. A primeira fotografia que aqui mostro foi feita por mim no domingo. Puxei pelas cores para obter mais contraste e para que o perfil do belo jovem sobressaísse ainda mais. Têm um perfil que geralmente é muito bonito. Há uma estética fascinante nos negros.

Não sei porque existe preconceito ou sentimento de superioridade em relação aos negros. Juro que não sei. Não faz qualquer sentido.

As três últimas fotografias são da autoria de Dagmar van Weeghel e mostram, de forma límpida, como são belos os negros.

This is a portrait of Penda Mbaye, 18 years old. Penda came to Europe eight years ago together with her sister. She and her sister reunited with their mother in Belgium after being apart for 5 years. Penda came from Guinea Conakry. She now studies in Belgium and loves fashion and cooking. She wants to travel the world.
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E permitam uma nota que injustamete é de rodapé. A RTP tem exibido documentários e filmes muito bons. Verdadeiro serviço público. Acabei de ver um documentário que me fascinou. Levei imenso tempo a escrever este post porque, ao contrário do que é costume, em que estou com um olho no burro e outro no cigano (e nada contra burros ou ciganos), desta vez dei por mim, esquecida da escrita e a ver atentamente o fantástico pianista David Helfgott. Se puderem, não deixem de ver: Olá, Sou o David!

Não vem nada aqui a calhar mas não consigo deixar de pôr: Gillian Murray fala do marido, David Helfgott.


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No post que se segue, poderão observar o meu estupor catatónico ao saber que há uma artista, Olek de seu nome artístico, que tem uma obra muito arraçada com a da Joana Vasconcelos. Dir-se-ia que uma delas anda a beber demasiado da outra. Ver para crer.

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sábado, julho 08, 2017

Bancos públicos










Enquanto na televisão vejo notícias da Cimeira do G-20 -- com especial destaque para o bom entendimento entre Trump e Putin e para as manifestações nas ruas de Hamburgo que, ao que parece, já causaram ferimentos em cerca de 200 polícias --, vou trocando sms com a minha filha e entretendo-me a ver fotografias dos 'bancos públicos' que Guillaume Lassus-Dessus, de 26 anos, captou em Moçambique.




É com ternura que percorro essas imagens. Para aqui partilhar convosco, escolho apena três mas há lá de tudo, incluindo uma caixa de garrafas coca-cola. A penúria gera a criatividade e, quando a isso se junta o humor e o notório amor à vida, o resultado é surpreendente.

Não tem a ver mas agora está a ocorrer-me o casal negro -- ambos jovens e falando um português cerrado com forte sotaque africano quando não numa língua que eu não percebia -- que estava numa mesa perto da minha ao almoço. 
Por razões que não vêm ao caso, almocei numa das ditas catedrais do consumo e os restaurantes estavam cheios, cheios. Peguei num tabuleiro e vim comer numa das mesas da zona que penso que se chama 'esplanada', onde nos sentamos onde há mesa livre (e quase não as havia). 
Motivos de interesse, ali, é o que não falta. 
Estive, pois, a almoçar e, encantada, olhando quem me rodeava. Um outro casal, com ar de ter vindo daquilo do Secret Story ou Love on Top ou Quinta das Celebridades da TVI, estava em grande estilo. Ela loura platinada, grandes (e diria artificiais) seios a soltarem-se debaixo de uma tshirt abaixo do número, grandes pestanas postiças, lábios besuntados com um gloss em pinkíssimo, ele musculadíssimo, cabelo todo rapado excepto um pequeno rabo de cavalo do alto da cabeça, bíceps a estalarem da justa t-shirt de mangas curtas, todos ornamentados com abunsdantes tatuagens. Selfies com fartura, alegria, beijos e espalhafato  --- e tudo ali parecia artificial.
Os negros, pelo contrário, não tinham nada artificial. A olho nu se percebia que estavam contentes como estavam.

Não seriam abastados, longe disso. Diria que estavam de férias e notoriamente tinham orgulhosamente vindo das compras pois estavam com sacos Primark. A forma como estavam arranjados, a felicidade que irradiavam, a fala quase cantada que usavam na sua animada conversa, proporcionavam uma alegria quase instantânea só de vê-los.

É uma coisa que tenho constatado ao longo da minha vida. A felicidade nasce de coisas simples e quem está in the mood for happiness encontra-as em qualquer lugar e em qualquer situação.


Assim estas cadeiras feitas de restos que o jovem Guillaume descobriu ao longo das ruas de Moçambique. E o mais bonito é como o conforto não foi esquecido, com as suas almofadinhas meio improvisadas a servirem de estofo. Tanta gente a carpir por motivos fúteis e, ao lado, tanta gente que teria razões para se encostar à tristeza e que, afinal, encara as dificuldades com altivez e delas faz um motivo de afirmação e criatividade. Bem hajam as pessoas que sabem ser assim, apesar das suas míseras circunstâncias.

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terça-feira, janeiro 05, 2016

Rostos de coragem: retratos íntimos de mulheres no fio da navalha


Apesar do declínio, apesar de alguns períodos de regressão civilizacional, nomeadamente, por cá, apesar de agora estarmos a atravessar um momento em que alguns direitos foram colocados num recesso do avanço dos tempos, a verdade é que temos a sorte de viver do lado do mundo em que grande parte dos direitos humanos ainda são maioritariamente respeitados.

É certo que, desde que a crise financeira sorveu os recursos financeiros antes alocados ao Estado Social ou à Economia, o abandono escolar, o desemprego, o abuso na utilização de recibos verdes ou empregos precários, os estágios abusivos tudo isso alastrou provocando bolsas de pobreza declarada ou escondida.

Kala é uma indiana com 14 anos, casada pelos pais aos 3 meses
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Heinavanker - Mu mano tulge latse (Come unto Me, Ye Children)
Do album Estonian Religious Folk Chorales

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Mas, ainda assim, nada que se compare com os lugares do mundo em que as mulheres são nada, meras máquinas de prazer ou de reprodução, criadas para todo o serviço ou mão de obra explorada.

Crianças que são casadas na infância, jovens adolescentes violadas ou grávidas, mulheres sujeitas a toda a espécie de violências, sem protecção, sem tratamentos - tudo isto, se nisto penso, é arrepiante.

Nazia tem 21 anos e foi casada aos 2 anos. Aqui partilha a sua história com mulheres indianas agredidas.
O marido arrastou-a atrás de uma mota quando ela estava grávida de 7 meses

Claro que temos (eu, pelo menos, tenho) esta faculdade de nos esquecermos, de fingirmos que o mal em grande escala não existe, de nos focarmos intermitentemente numa ou noutra novidade. Pode ser o carro de luxo que o CR7 ofereceu à D. Dolores, pode ser o CR7 a elogiar o Zidane, podem ser as férias animadas do CR7 com amigos, ou pode ser a deputada com a apresentadora ou a falta de gosto desta ou daquela na escolha dos sapatos, pode ser o penteado da blogger, podem ser os guarda-costas do Pinto da Costa ou a tontice destes debates televisivos a granel. Pode até ser um cão que matou alguém e que é preciso salvar a todo o custo -- ou uma qualquer outra causa que mobilize, durante uns dias, em regime de rebanho, uma multidão.

Jovem mãe com o filho no Quénia

Pode até ser um acontecimento mais distante. Aí as pessoas sentem nobreza de carácter, acham-se benevolentes para com a humanidade e um auto-orgulho infla-lhes a auto-estima, como se, de repente, se descobrissem menos fúteis. Por exemplo, quando se soube que meninas de várias aldeias lá num local que não se sabia bem onde ficava eram raptadas e usadas como escravas sexuais, durante uns dias as redes sociais animaram-se num movimento colectivo: fizeram-se tshirts, publicaram-se selfies com dizeres, as pessoas citaram-se umas às outras naqueles exercícios de vacuidade a que a nossa sociedade evoluída se vem especializando. Depois passou de moda.

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Uma sobrevivente de Boko Haram:  Boko Haram survivor: 'I met 24 of the Chibok schoolgirls'


É belíssima, esta mulher, e tem uma firmeza e uma coragem que nos tiram o chão -- mas o assunto de que fala já não nos diz nada, quanto muito diremos com superioridade: coisa lá deles, é mesmo assim, nada a fazer.
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Aconteceu o mesmo com o menino de três anos, Aylan Kurdi, que deu à costa como uma conchinha vazia: cartazes, posts, rezas, juras. Depois passou.


As campanhas alertando para o destino das crianças nestes cenários de guerra também já nos cansaram. Se alguém ousar persistir, dirão: já não se aguenta.

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É um facto: as pessoas estão mais formatadas para a superficialidade do que para a profundidade. 

Percebe-se. Dar-se-ia em doido se, a toda a hora, nos mantivéssemos preocupados e deprimidos com todo o mal que, a toda a hora, acontece um pouco por todo o lado.

Mãe e filha em Luang Prabang, no Laos

A verdade é que, levados pela mão da comunicação social -- que enche os horários nobres com telenovelas a metro ou com comentadores avençados, com futebol a toda a hora bem como os respectivos comentários sobre casos, jogadas, árbitros; e, nos intervalos, séries e filmes maioritariamente violentos ou estúpidos -- esquecemo-nos que podia haver reportagens, que podia haver programas sobre a vida noutros locais, que podia haver documentários bem feitos e instrutivos, que podia haver programas com escritores, com pintores, ou mostrando bibliotecas ou jardins. Talvez, se estivéssemos habituados a manter a nossa cabeça disponível para a diversidade e para a beleza, para a serenidade e para a bondade, conseguíssemos disponibilidade para nos interessarmos pelos que são diferentes de nós, pelos que vivem pior que nós, pelos que sofrem no corpo e na alma rasgões, pancadas, humilhações. Talvez até arranjássemos disponibilidade para nos indignarmos, para tentarmos mover mundos e fundos para que se tornasse impossível que algumas barbaridades persistissem.

Numa clínica no Bangladesh, uma enfermeira ocupa-se do filho de uma adolescente de 15 anos.
A jovem mãe aparece ao fundo, desinteressada do filho

É certo que a cultura faz tornar mais aceitáveis atitudes que, para nós, são crimes insuportáveis. Mas há casos em que a cultura tem que ser vista como uma batata. E a que se refere a maus tratos ou violência sobre as mulheres é uma delas. Descascar estas atitudes, mostrá-las como indecentes, monstruosas, inumanas, é um primeiro passo.

O fotógrafo Mark Tuschman  fotografou, ao longo de de cerca de dez anos, mulheres pobres, exploradas, escravizadas, violadas: na Ásia, África, América Latina.


Seni, em primeiro plano, é uma vítima do tráfico humano.
Foi levada da indonésia para a Arábia Saudita onde foi escravizada durante 3 anos,
sem poder contactar com a família. Só depois conseguiu reencontrá-los


Reuniu agora esses retratos num livro, Faces of Courage. E são rostos que, tantas vezes e apesar de tudo, conservam a capacidade de sorrir. E isso ainda me faz sentir mais revoltada comigo: como posso eu, por vezes, ir-me um bocado abaixo com pequenas ninharias quando estas adolescentes ou mulheres, que tanto têm sofrido, ainda conseguem manter a cabeça erguida e esboçar sorrisos de esperança?

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Mark Tuschman -- Faces of Courage: Intimate Portraits of Women on the Edge



Diz o fotógrafo:
For the past decade I have been on a mission to document the lack of autonomy that millions of women in developing countries have over their own lives and bodies. Through my photography, I bring these women and their stories to the forefront of global consciousness.
Este vídeo foi publicado há cerca de um ano e meio e à data em que escrevo teve apenas 143 visualizações. Quando um palerma qualquer se põe a dançar em frente à câmara facilmente atinge as centenas de milhares de visualizações num mês. É a vida, lá diria o outro. Pois.

Felizmente o livro foi considerado pela revista magazine American Photo como um dos melhores «Photo Books» de 2015 e tem agora sido referido na imprensa internacional de referência.

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Já agora falo de uma das formas de ajudar estas mulheres

Organismos ou fundações têm tentado romper com este infame estado de coisas, dando às mulheres meios para se tornarem financeiramente independentes. Uma delas é a Women's Trust no Gana com a sua ajuda a nível do micro-crédito.



Uma vez mais: o vídeo foi divulgado há mais de 5 anos e ainda só foi visto, em todo o mundo,  830 vezes. O tema da ajuda às mulheres carenciadas ou abusadas ou exploradas não é, definitivamente, um hit.
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Outra iniciativa notável que nunca será demais divulgar: As avós solares

Shining Hope's solar program is based on the empowerment of women and rural development.




By collaborating with Bunker Roy and the Barefoot College, this unique approach makes solar electricity available to the poorest populations in rural areas.

Illiterate women from rural communities are trained for 6 months at the Barefoot College in Tilonia, India, to become solar engineers. They learn how to make, install, repair and maintain solar panels. They set up maintenance workshops for panels that provide five hours of electricity a day. The villagers control and manage the initiative community and the users have ownership of the equipment.

When they are back home, they are able to bring solar electricity to 300 houses in their village, making it possible for children who work in the fields during the day to study at night, thus substantially improving families' lives.

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NB: Traduzi Women on the Edge por Mulheres no fio da navalha o que, como é bom de ver, não é uma tradução literal -- mas foi o que me pareceu mais adequado.
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Caso não tenham visto, permitam que vos convide a descer até ao post seguinte: Que consequências têm as nossas acções?
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma boa terça-feira.

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sexta-feira, dezembro 11, 2015

“Dá felicidade ao mundo, estejas onde estiveres”



Estive uma única vez em África: em Angola. E fiquei fascinada. Não sei se lá voltarei. A experiência que, então, vivi é irrepetível e não quero macular a memória desse tempo fabuloso: cerca de um mês em absoluta liberdade, com jovens da minha idade. O calor, a necessidade de andar com pouca roupa, o corpo tão próximo do ar que eu respirava, o corpo tão livre, nadar em águas tão limpas, as árvores enormes, lindas, recortadas na paisagem, o pôr-de-sol imenso, a sensação de percorrer caminhos novos, caminhos muito novos, de estar a percorrê-los num mundo que era outro, longe de tudo - isso não se compara a nada. Tinha deixado em Portugal os meus pais e o meu namorado. E ainda não havia telemóveis e, nos sítios por onde andava, muitas vezes não havia telefones. Ou se calhar havia mas, não sei porquê, não ligava todos os dias, só de vez em quando. Escrevia postais. Não sentia falta de manter a ligação com os que cá estavam.

Já o contei aqui: conheci lá um rapaz mais velho que eu, eu era uma adolescente e ele homem feito, um homem jovem, mas com uma maturidade e vivência que não se comparava à dos meus amigos. Foi uma amizade intensa, dias inteiros juntos, conversávamos de manhã à noite, passeávamos, os dias eram enormes. Gostava muito dos meus ombros, dizia que os meus ombros o deixavam maluco. Eu ria mas as palavras dele, a forma como me olhava e o seu perfume também me deixavam maluca.

Lembro as praias. Não era só Luanda ou o Mussulo. Eram as praias do Lobito, Nova Lisboa. Íamos para a praia ao fim do dia. Passeávamos à beira-mar, a rebentação muito ao de leve, quase nada.  Por vezes havia mulheres que andavam pela beira de água, cantavam, tenho ideia que, à noite, estavam embriagadas, o seu canto era baixo, acompanhava a ondulação branda.

Estava sempre muito calor e eu usava vestidos ou blusas sem mangas, sem costas. Vejo-me, numa fotografia, à beira de umas quedas de água e tenho um cai-cai encarnado e nesse dia não tinha feito uma trança, usava o cabelo comprido caído. Usava uma bolsinha de vime entrançado que tinha comprado lá.

Também gostava de ir às aldeias de palhotas, gostava de andar por lá. Diziam-me que não devia mas eu gostava. Entrei em algumas, convidavam-me. Os musseques. Que eu não fosse, que era perigoso. Nunca senti qualquer perigo, pelo contrário: só simpatia.

Era um mundo tão novo para mim, tão inexplicável. Atraente de uma forma orgânica.

Trouxe de lá tecidos artesanais com grandes flores cheias de cor, colares de sementes e contas coloridas. Gostava de ir aos mercado de rua (S. Paulo em Luanda - seria?), andar por lá a ver os produtos deles, com vontade de trazer, de experimentar, de me arranjar como se fosse negra.

Na altura a pele escura era, para mim, um factor de diferenciação. Não de beleza mas de estranheza. Com o tempo fui mudando. Quando andava na faculdade havia vários estudantes negríssimos. Alguns tinham uns corpos esculturais. Eram muito unidos, andavam sempre juntos. Alguns simpatizavam muito comigo. Quando cortei o cabelo, um deles não se conformava, não percebia como tinha eu sido capaz de cortar o meu cabelo. Eu achava graça à maneira de ser deles, tão extrovertidos, tão genuínos. Aos poucos fui vendo a pele negra de outra forma. Acho agora a pele negra especialmente bela. Por vezes vou almoçar a um restaurante onde há um empregado negro, negro, negro. Lindo, parece-me um ser superior.

É como Lupita Nyong'o: é muito bela, luminosa. Uma pele assim, umas feições assim: toda ela me parece uma obra de arte.

Não sei como alguém pode achar que os negros são seres inferiores. Não sei como pode ser ainda um 'caso' ter-se uma ministra negra. A mim parece-me natural: apenas quero saber se é competente. No caso concreto, a nível pessoal, apenas fiquei satisfeita por saber que Francisca Van Dunem é casada com o Prof. Paz Ferreira (gosto dele, gosto de o ouvir na televisão, sempre sorridente, assertivo mas com uma invejável bonomia).

No outro dia, por razões que não vêm ao caso, tive que andar de autocarro.
Para quem ande habitualmente em transportes públicos, isto pode parecer pedante da minha parte; mas não é. Há anos, já nem sei há quantos, que, nas cidades, apenas me desloco de carro. Não é que ache que é sempre a melhor opção mas, também por razões que não vêm ao caso, tem que ser.
Para além de mim, no autocarro, só iam negros. Várias mulheres, em especial. Falavam alto, riam, depois tiraram pão das malas, comeram, cheirava-me a chouriço. Iam felizes, soltas na sua alegria descomplexada. Gostava de me ter metido na conversa. Outras falavam numa língua desconhecida, uma língua também luminosa, cantante. A verdade é que nem dei pela viagem pois fui todo o caminho fascinada com elas. Lembrei-me da saudade que me ficou daqueles distantes dias de Angola. Há qualquer coisa de imenso, daqueles imensos espaços, dentro da alma dos negros.
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É tarde e esta sexta-feira vou levantar-me quase de madrugada, esperam-me quilómetros para cá e para lá, e, pelo meio, um dia de reunião. Por isso, fico-me por aqui. Veio esta conversa a propósito de uma notícia que li e que me encheu de alegria.

Transcrevo:

São cerca de 70 homens e mulheres que enfrentam, em muitos casos, condenações perpétuas por homicídios e roubos, mas também por acusações de bruxaria e homossexualidade. Em fevereiro, podem passar a ser os vencedores de um Grammy, na categoria Música do Mundo

Este ano, entre os nomeados para os prémios Grammy encontra-se um grupo do Malawi responsável pelo álbum “I Have No Everything Here”, na categoria World Music (Música do Mundo). Até aqui, nada de anormal, mas há uma particularidade a destacar nesta história: é que este grupo chama-se Zomba Prison Project e é composto exclusivamente por presos de um estabelecimento de segurança máxima daquele país.

O grupo, composto por cerca de 70 homens e mulheres que enfrentam, em muitos casos, sentenças de prisão perpétua, contou com os instrumentos mais básicos - aqueles disponibilizados pelo estabelecimento prisional - para gravar as 20 canções lançadas em janeiro, 18 das quais compostas pelos próprios prisioneiros. (...)

O álbum combina sons suaves de guitarra com letras que chamam a atenção, cantadas em Chichewa, uma das línguas oficiais do país: “Partilha com a terra a tua felicidade/ Dá felicidade ao mundo, estejas onde estiveres/ Tenta mostrar felicidade todos os dias a quem te rodeia”, ouve-se no tema “Don't Hate Me” (Não me Odeies).

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As três primeiras fotografias são da autoria de Chief S.O. Alonge e sobre elas e sobre o seu fantástico autor pode ler-se aqui (agradecendo eu ao Leitor que me enviou este link):


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Desejo-vos, meus Caros Leitores, uma bela sexta-feira.

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