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segunda-feira, outubro 16, 2023

O que éramos, o que somos. Os que deixaram de ser.
E o mundo que não compreendo.

 


A minha mãe encontrou uma carteirinha de fotografias pequenas daquelas a que, há milénios, se chamava 'tipo passe' com algumas fotografias de colegas de liceu. Nem todas têm o nome atrás. Naquela altura devíamos pensar que não fazia falta escrevê-lo. Agora olho para algumas dessas, lembro-me das pessoas que elas representam mas não tenho ideia do nome.

Partilhei com outros colegas dessa altura. Duas dessas foram identificadas. Outras não. Desapareceram nos meandros da memória de toda a gente.

De uma disseram que não está bem da cabeça, ausente, desinteressada do mundo. Fez-me muita impressão, isso.

Claro que, de tudo, o que me faz impressão são os vários que já morreram. Parece-me uma coisa muito contra natura. Já falei disso e estou a repetir-me. Mas a sério que isso me incomoda muito.

Não sei se também falei no seguinte: dou por mim a olhar para as fotografias em que estão os que já morreram. Tento perceber se, neles, naquela altura, já alguma coisa poderia fazer prenunciar o que iria acontecer. De uma delas já não me recordava. Ao ver as fotografias, reparo que estava sempre um pouco isolada, parecia um pouco distante. Ou triste. Um outro era muito divertido, gordinho, muito simpático. Vejo-o nas fotografias. Qualquer coisa nele me parece agora assimétrico. Uma outra era muito carismática quer na maneira de ser quer na maneira de se vestir. Vejo-o nas fotografias. Parecia quase nossa mãe, muito mais desenvolvida, rosto já um bocado marcado. Uma outra, médica, disse-me agora que foi terrível, que era a médica dela. Como me viu muito perturbada, disse-me que naquela família todos têm morrido de cancro. Ela disse-me isso como para me dizer que eu não estivesse impressionada pois ela já estaria 'fadada' à morte por aquela doença. Mas eu fiquei a pensar que os filhos e netos dessa que morreu devem estar bem apreensivos com essa triste sina.

De uma outra de quem fui muito próxima e a quem depois perdi completamente o rasto, disse-me a minha mãe que, tendo ela engravidado ainda miúda, foi afastada, levada para uma quinta que tinham no campo.

Mas agora soube que está bem, que se reformou agora, que também tem uma mão cheia de netos. Vejo a fotografia dela. Tão bonita e alegre que era. Já aqui falei delas algumas vezes. Gostava de voltar a vê-la. 

Uma coisa que, olhando para aquelas fotografias, também reparo é que antes, alguns de nós, quando éramos pequenos parecíamos mais velhos. Por exemplo, uma que, deveria ter uns catorze ou quinze anos, já parecia ter uns vinte e tal ou trinta. Não dá para perceber. Mas mesmo as que tinham ar de miúdas, frequentemente se mostravam circunspectas. 

Poder-se-ia pensar que o mundo hoje é mais leve para as crianças.

E, contudo, sabemos como isso pode não ser verdade em algumas partes do mundo. A televisão mostra crianças a sofrerem horrores pelos quais nem os adultos deveriam passar. Vejo-as a falarem, cheias de medo, a chorarem e o meu coração quase me dói. Não falo por falar, não é uma metáfora. É mesmo dor. E é sobretudo uma grande incompreensão.

Por vezes penso que se um dia um grande meteorito ou uma qualquer outra coisa chocar com a Terra e der cabo de grande parte dela, se calhar até fará algum sentido já que parece que grande parte dos humanos têm uma pulsão brutal pela autodestruição, não só de si próprios e dos outros, como do seu habitat. 

Tirando isso, vou falar de quê?

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Só se, por exemplo, partilhar um vídeo. Um qualquer. Talvez este aqui abaixo.

President Joe Biden: The 2023 60 Minutes Interview

President Biden answers questions on Israel, efforts to locate American hostages in Gaza, the state of the war in Ukraine and more during a wide-ranging conversation with Scott Pelley.

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Lá em cima, Jakub Józef Orliński interpreta "Amarilli, mia bella" (Giulio Caccini)

A fotografia lá em cima é da autoria de Ali Jadallah/Anadolu Agency/Getty Images e outras poderão ser vistas no Guardian

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Desejo, a todos, uma boa semana a começar já nesta segunda-feira

Saúde. Força. Paz.

Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. Paz. 

segunda-feira, setembro 11, 2023

Pena tiranna

 

Coloco-me objectivos impossíveis. Tinha-me atribuído uma pausa, tinha pensado que ia aproveitar o hiato para organizar coisas. Mas odeio compilações, arquivos, listas. Sou mais dada a criar do que a arrumar.

Portanto, andava a autoconvencer-me que estava a fazer uma coisa muito útil mas a minha natureza estava danadinha para me tirar o tapete. Temo isto. Sei que ela fica de tocaia, à espera que alguém lhe dê o pretexto. Posso até ser eu, incauta.

E foi o que aconteceu. 

Lembrei-me de ir ver: deixa cá ver se há por aí alguma coisa... 

Já antes tinha visto e, toda eu racionalidade, tinha desvalorizado. Coisa para pardais. Not for me.

Mas está bem, está. O milho ficou a germinar dentro de mim. 

Até que no outro dia, às minhas escondidas, fui conferir. Fui só por ir (faço de conta que me estou a deixar enganar). E, ao lá chegar e ver, voltei a pensar: não faz sentido e, além disso, já não há tempo.

Mas, quando a coisa assume contornos de missão impossível, o meu lado amalucado entra em acção. Felizmente nunca me deu para ser moça-forcada. Pego-os de frente, pelos cornos mas só de forem metaforizados. Sou maluca mas não sou parva...

E então atirei-me ao bicho. Mas uma coisa é querer, outra, bem diferente, é ser capaz de. 

Andei uns dias a capinar sentada. Dei no duro mas não acontecia nada. Mas é aquela coisa: não desistir, estar a postos para quando a coisa se der. 

E deu. 

Só que, se já era apertado, agora ainda mais. Ou seja, neste momento não sei se vou conseguir. Não sou uma máquina em que se possa carregar um botão e as palavras desatem a aparecer. Precisava de mais tempo para que a maturação pudesse acontecer nos seus tempos naturais. Mas, por algum motivo que alguém -- que não eu -- talvez consiga esclarecer, parece que gosto de funcionar sob pressão, estando até às vésperas sem saber se vou ser capaz. Mas confiante de que, querendo muito ser capaz, haverei de sê-lo.

Se calhar não percebem de que é que estou a falar. Mas não posso dizer. Ou melhor, não quero. Não sou supersticiosa mas não gosto de falar nas coisas antes de as coisas serem.

Portanto, deixemo-nos de flaflus e deslizemos para lugares brancos em que o talento é inquestionável.

Jakub Józef Orliński – Händel: "Pena tiranna" (Amadigi di Gaula)

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Desejo-vos uma boa semana a começar já nesta segunda-feira
Saúde. Boas vibes. Paz.

domingo, abril 09, 2023

A pura fruição do corpo

 

Hoje estou outra vez um bocado cansada mas, desta vez, acho que tenho justificação. Varri a casa toda por dentro, lavei uma colcha, lavei um tapete, estendi-os ao sol, varri cá fora, reguei, apanhei ervas. Há bocado, quando me levantei, estava toda dorida. Notoriamente falta de hábito. Face a toda as circunstâncias, há já algum tempo que não metia mãos à obra para uma faxina a preceito. O meu marido bem me avisou que amanhã, dia de páscoa, não me conseguiria mexer. Mas o tempo estava bom, a casa precisada e eu com vontade de trabalhos físicos que me pusessem o corpo a mexer.

Também fiz uma caminhada enquanto exercitava os braços (e a mente).

E falo na mente porque, enquanto andava ia a pensar que o corpo é mesmo um animal amestrado que, quando deixa de ser exercitado, se esquece das habilidades que antes fazia com uma perna às costas. 

No outro dia, cá em casa, quis mostrar à minha neta as dificuldades que tenho quando, na hidroginástica, tenho que fazer uns movimentos com as pernas e outros, não equivalentes, com os braços. Quis mostrar-lhe a concentração que é precisa. Mas, ao querer mostrar-lhe, parece que o meu corpo não queria elevar-se no ar. Saltar à tesoura para os lados ou com uma perna para a frente e outra para trás, só por si, é coisa que faço nas calmas dentro de água. Elevo-me bastante bem, obrigada. Mas fora de água...?

E o que eu saltava, senhores. Gostava de saltar em comprimento e em altura, gostava de trepar, de correr. Em miúda, quer as minhas avós, em casa de quem eu ficava por vezes, moravam num sítio muito mais elevado em relação à escola, quer a minha casa era numa zona alta, bem mais do que o liceu. E o que eu adorava, mas adorava mesmo, largar a correr, correr tão velozmente como se voasse. Ganhava embalagem nas descidas e quase parecia que não conseguia parar.

Agora quis saltar, elevar-me no ar enquanto abria e a fechava as pernas, e tive que me concentrar e convencer-me que era capaz. Caraças.

Tenho que me mexer, exercitar, voltar a ter domínio sobre o meu corpo. 

Esta pasmaceira e espapaçamento em que tenho estado desde que tive covid faz com que até varrer, limpar a casa ou arrancar ervas me custe como se tivesse estado a cavar batatas de sol a sol. Não pode ser.

Por isso, ver estes fantásticos vídeos aqui abaixo soube-me como uma bênção. E não é apenas pela dança alegre, é também pela voz capaz de cantar. Há tanto tempo que não canto que, se quiser cantar, acho que não me sai nada. Caraças. A gente enferruja se não praticar. Não pode ser.

Não sei se será a coisa mais apropriada para aqui ter na Páscoa mas fruir o corpo é uma coisa boa para todos os dias, Natal, Páscoa, 25 de Abril ou 1º de Maio.

Veja o que acontece quando um dançarinos de Boogie Woogie e um de West Coast Swing improvisam
Sondre Olsen-Bye e Ardena Gojani dançam pela primeira vez


O contratenor e dançarino de break Jakub Józef Orliński | Retrato do multi-talentoso cantor de ópera

Ele parece um anjo e pode cantar também como um. O contratenor Jakub Józef Orliński encanta o público com sua voz aguda e simultaneamente sonora. Mas Orliński não se destaca apenas no palco da ópera. Para contrabalançar o seu trabalho operático, faz breakdance a um nível que também vale a pena ver. No caso de Orliński, a alta cultura encontra o estilo de rua. Acrescente-se a isso sua aparência extraordinária e charme incrível, e não é de admirar que o jovem polaco pareça não ter problemas para atrair até mesmo um público jovem para a ópera. Antes de uma apresentação no Théâtre des Champs-Élysées em Paris no outono de 2022, Orliński falou sobre os vários aspectos de sua vida. O resultado é o retrato de um jovem cantor excepcionalmente talentoso que olha para o futuro com curiosidade.

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Um belo dia de domingo
Saúde. Tudo a mexer. Paz.

terça-feira, novembro 29, 2022

Quando as casas nos escolhem

 



Uma coisa extraordinária nesta casa é que todos os móveis, candeeiros, quadros, espelhos, tapetes -- tudo o que estava na outra casa -- chegaram aqui e, como que por magia, encontraram o seu sítio. Aliás, parece que ainda estão melhor aqui do que estavam na outra casa. Quase parecem feitos ou escolhidos por medida. 

Se há uma parede em que, entre o interruptor e um ressalto, mede um metro e sete centímetros, agora acolhe uma estante com portinhas de vidro feita à medida para o hall do piso de cima da outra casa e que tem de comprimento um metro e três centímetros. Não podia estar mais ajustada, mais perfeitamente inserida. 

O pequeno móvel de madeira, uma pequena estante também com portinhas de vidro, em cima do qual está a televisão cabe, na justa medida, entre o aquecedor de parede e um outro ressalto na parede. 

A pequena cómoda de barriga, em pau santo, com tampo de mármore, em tempos comprada para um outro fim, está agora aqui ao lado deste sofá, lindinha, movelzinho de apoio, com gavetinhas onde guardo as coisas de costura, velas e outras coisinhas.

E estou apenas a olhar à minha volta. Mas isto acontece em toda a casa.

Esta casa tem vários recantos, é recortada como sempre gostei de casas, permitindo criar, dentro de si, para cada zona, lugarzinhos com identidade própria. E, apesar desta topografia irregular, tudo encontrou aqui o seu lugar certo, quase como se estivessem destinados a esta casa. É difícil explicar isto mas é verdade. 

O meu louceiro alto, comprado há muitos anos na Conceição Vaz Costa, ainda ela estava na Rua da Escola Politécnica, cabe milimetricamente na parede do recanto da sala de jantar. E o louceiro baixo, comprido, que tinha sido comprado à medida da outra sala de jantar, chegou aqui e ajustou-se entre duas janelas, devidamente descontado o espaço para os cortinados. Mas isto aconteceu com tudo. Como peças de um puzzle, tudo se foi encaixando.

Na altura, na fase de andarmos a ver casas, quando viemos vê-la, estava ainda mobilada. E a decoração, embora um pouco mais pesada do que a que normalmente me agrada, foi-me simpática. Deixava espaço livre, tinha cor, aproveitava a luz.

Quando decidimos comprá-la, andávamos nós numa azáfama com as mudanças, um verdadeiro pesadelo. Não acabava. Deitámos muita coisa fora, demos muita coisa, em especial roupa, mas tivemos que preparar infinitos sacos e caixotes. Nessa altura, estava sem tempo e pedi à minha filha que descarregasse as fotografias do site da agência antes que a casa, por ter sido comprada, saísse do ar. Receava que não soubesse bem como usar os meus móveis para aproveitá-los ao máximo e ver se não tinha que comprar muita coisa, e, para isso, julgava eu, talvez me ajudasse ver como os antigos proprietários tinham aproveitado os espaços.

Não foi preciso. Nem mais me lembrei disso.

Mas hoje lembrei-me de ver essas fotos. Lembro-me de, ao ver a casa ao vivo, ter pensado que, tendo a casa uma arquitectura tão peculiar requerendo uma decoração tão 'à medida', iria ter alguma dificuldade em aproveitar as minhas coisas. E, no entanto, agora, comparando-as, parece-me que as minhas coisas nasceram aqui. 

E penso muitas vezes que, se eu tivesse querido conceber uma casa para mim, não sairia tão bem como esta. É como se esta casa tivesse sido feita para mim. É como se, tal como aconteceu in heaven, a casa tivesse esperado por mim, me tivesse escolhido.

Hoje, ao fim da tarde, deu-me uma daquelas minhas vontades de mudança: mudar as coisas de sítio, fazer rearrumações, redecorar. No entanto, parece-me tudo tão exactamente bem colocado que não vejo nada em que mexer. Nem os quadros. Nem os bibelots que a minha filha escolheu de entre os existentes e colocou de uma maneira tão cirúrgica que não dá para mexer.

Percorri a casa, divisão por divisão, feliz por este milagre. Está aqui tudo e está tudo tão harmonioso, tão aconchegante, leve e alegre que não quero alterar nada. Se mexer, estrago.

(Só não sei como vou conformar-me por não ter como andar com as coisas às voltas...)

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Mas deixem que vos mostre duas casas muito bonitas -- uma na cidade, outra no campo -- em que a arquitectura e a decoração e o espaço envolvente e a luz se conjugam de forma harmoniosa e feliz. Foram ambas adaptadas de forma muito orgânica pela arquitecta e dona, Barbara Weiss.

Architect Barbara Weiss Takes Us On A Tour Of Her Upside-Down House, A Converted Pub In Westminster

Designing a home in central London comes with its fair share of challenges and considerations. See how architect Barbara Weiss has ingenuously overcome them, forging private spaces, a rooftop garden and soaring open plan living from an old pub.


Architect Barbara Weiss Invites Us To Her Inside-Out House, A Transformed Cottage In Wiltshire


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Pintura de Van Gog e peças em vidro de Murano na companhia de Jakub Józef Orliński que interpreta Sento In Seno de Vivaldi enquanto Kwinten Guilliams dança
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Um bom dia
Saúde. Harmonia. Paz.

domingo, setembro 15, 2019

Caminha no Caminho de Santiago.
E, com vossa licença, umas freirinhas e uma igreja muito linda e uma futebolada na praia e mais umas vistas.





Repito-me -- e peço desculpa por isso -- mas esta pequena vila tem sido um poçozinho de revelações. 

Agora mais uma: víamos chegar ao hotel pessoas que chegavam de mochila e que pareciam sair na manhã seguinte. Ou, então, grupos que chegavam e a seguir chegava uma carrinha com malas. Registavam-se e, entretanto, alguém ia deixar-lhes as malas na entrada. Estávamos intrigados com aquilo.

E nas ruas ou rente ao rio. Na direcção da foz, com mochilas, ar de caminhantes. Caminhantes por todo o lado. Víamos também grupos de ciclistas, mas ciclistas atípicos. 

Reparámos que muitos traziam nas mochilas uma concha e alguns também umas fitas. Começamos a perceber que se tratava de peregrinos. 


Pensámos logo: o Caminho de Santiago, el Camiño. Mas a passar por Caminha? Quem faz uma peregrinação não tentará todos os short cuts possíveis? Podendo traçar uma diagonal no percurso, porque haveria alguém de fazer o caminho mais longo, por Caminha? 

Mas, então, eis que, na Vila, na praça central, vendo-os aos magotes, reparei que alguns olhavam o chão. Olhei também. Umas pequenas placas. Confirmava-se, pois, que Caminha está na rota de Santiago.

Entretanto, numa pequena lojinha de artesanato, ao conversar com a sua simpática dona (e a ver se ainda faço um post com os recuerditos que trouxe), perguntei-lhe se agora é altura de peregrinação. Riu-se, não, é todo o ano, embora menos no inverno e mais no verão. Perguntei: muito movimento aqui, não? Ela disse: nas comidas e dormidas sim mas, nas lojas, não. Trazem pouca coisa, não podem andar carregados. Falou-me então em cadernetas, disse-me que punha carimbos. Falou-me na concha, nas fitas, que isso é o que lhe compram mais. E mostrou-me: lá estavam, iguais às que eu tinha visto. Perguntei se em Caminha há muito onde ficar já que via tantos peregrinos. Disse-me que talvez a maior parte fique no Albergue e creio que me falou em seis euros por noite (mas será que percebi bem? Seis euros...!?). Mas acrescentou que cada vez mais também no hotel, lá em baixo, na foz do rio. Pois, lá está. E acrescentou: mas cada vez há mais pois parece que estão a preferir mais o caminho do mar. Pensei: então é isso, preferem vir pela costa, o caminho português da costa, deve ser mais bonito apesar de mais longo.


E, entretanto, os ciclistas. Os e as. Muitas mulheres. Fotografei um grupo que aparentemente tinha ficado no hotel. De resto, na entrada do hotel, tínhamos estranhado uma zona de estacionamento para bicicletas. Era, então, isso. Falavam animadamente. Ingleses. Mais mulheres que homens. E, diria eu, maioritariamente acima dos cinquenta. Aliás, alguns e algumas, diria eu que bem acima dos sessenta. Estava pasmada. Como é que gente desta idade se mete a fazer percursos assim, de bicicleta? O meu marido, que não se espanta com nada, respondeu simplesmente: Com treino. Com certeza que não estão agora a andar de bicicleta pela primeira vez. Pois não sei. Nem sei que vos diga. Nem sei de onde partem para, sendo ingleses, estarem ali, a caminho de Compostela. O meu marido disse: Provavelmente vêm da terra deles de avião até ao Porto e aí é que, se calhar, começam o percurso. 


O grupo que fotografei saíu do hotel e, quando eu estava à espera que fossem pela ciclovia até ao cais do ferryboat, não, seguiram pelo passadiço, a caminho da praia. Voltei a ficar admirada. O meu marido disse: Se calhar aproveitam para conhecer os lugares por onde passam, se calhar vão ver o mar. Mas não. Nós, que íamos a pé para a praia, encontrámo-los na pequena paliçada do cais do barco-taxi e, aos poucos, na maior animação, começaram a ir.


Passado um bocado, andávamos nós a caminhar junto ao mar, reparei em pontinhos coloridos já do lado de lá, em Espanha. Eram eles. Já lá estavam todos. Esperaram que estivessem todos e depois ala, lá foram pedalando, um atrás do outro. Bonito de ver.


Perguntei ao meu marido: como será fazer uma coisa destas? Não de bicicleta, que não teríamos estaleca para tal, mas, sei lá, a pé. Nem respondeu. Perguntei: mas as pessoas virão por motivos religiosos ou pela graça de fazerem o percurso? Respondeu apenas: Sei lá. E não me deu conversa. Não é coisa que lhe interesse. E eu, se quiser ser realista, terei que reconhecer que uma caminhada destas deve ser obra.

Mas fiquei a pensar. Sendo uma coisa soft, ficando em hotéis, parte do percurso em autocarro, não seria uma caminhada boa de se fazer? Ir por aí, andando, conhecendo cada local, fotografando, até chegar lá, ao fim do Caminho. O meu marido acha que não, que, deslumbrando-me eu com cada pequena coisa e querendo fotografar tudo, nunca mais chegávamos ao nosso destino. Pois, se calhar tem razão.

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E já que falo em peregrinações (que, se calhar, maioritariamente têm motivações religiosas), faço a agulha para outro tema que também mete religião. 

Na esplanada no Largo principal de Caminha, uma freira já com alguma idade anda de mesa em mesa, chocalhando uma caixinha e perguntando se queremos uma medalhinha de uma santinha, não percebi qual. Quando se pergunta quanto é, diz que é o que se quiser dar. E a verdade é que muita gente lhe dá uma moedinha.


Quando, depois de termos petiscado, entrei na Igreja do Largo, lá estava ela na última fila, absorta, contando o dinheiro que tinha conseguido. Mas, ao ver aproximar-me, de imediato levantou a caixinha e fez a mesma pergunta: uma medalhinha da minha santinha? Achei graça.

Mas eu estava ali apenas para ver, para estar. Gosto de entrar em igrejas vazias. São frescas, são lugares de tranquilidade. E espaços bonitos, carinhosamente cuidados. 


Entretanto, quando, pouco depois, andávamos a passear, lá iam mais duas, conversando. E pode ser visão selectiva ou distracção mas a verdade é que não tenho ideia de ver em Lisboa um par de freiras a andar na rua há que séculos. Se calhar é porque não passo ao pé de algum convento onde elas vivam, porque é capaz de haver algum e acredito que ainda se vistam assim, em Lisboa como no resto do país. Mas a verdade é que achei graça. Tendo eu acabado de ver nas esplanadas gente com um ar tão ou mais cosmopolita do que em Lisboa e, inclusivamente, tendo acabado de fotografar uma mulher tal e qual a Lady Gaga, com um chapéu giríssimo que lhe ficava a matar, pareceu-me estar a ter uma visão do passado ao ver, naquela ruela, as duas 'irmãzinhas da caridade'.


E, por ora, é isto. Temo que, com tanto post -- e tão longos e com tanta fotografia--, já estejam fartos da minha reportagem em Caminha. Entretanto já lá não estou, já regressei à minha selva in heaven.

Mas ainda tenho aqui tanta coisa bonita que gostaria de partilhar convosco. Não sei o que faça. Também fomos a Vila Nova de Cerveira e também gostava de mostrar algumas imagens. Mas sei que uma pessoa pode tornar-se uma maçadora de primeira a querer impingir aos outros aquilo que viu. Portanto, calo-me já deixando-vos apenas com mais quatro fotografias. 

Fiz esta fotografia dentro de água, mesmo, mesmo na foz do rio, no sítio em que ele entra no mar.
(E, apesar do risco, a máquina fotográfica aguentou-se...)
Do lado direito Portugal, Caminha, e, do esquerdo, Espanha

Talvez nesta perspectiva se perceba melhor onde é a foz do rio Minho.
(Tal como a primeira fotografia, esta foi feita num dos miradouros da Vila.)
A ponta de areia que se vê mais ou menos à esquerda é o areal que, do lado de cá, é praia de rio e que, depois do bico, é praia de mar, indo em contínuo até Moledo.
Do lado de cá das águas é, pois, Portugal e, do lado de lá, Espanha
Não é uma paisagem tão linda?

Futebolada na praia (Espanha em frente).
A sorte destes miúdos...

Pôr do Sol do lado do rio (continua a ser Espanha o que se vê do lado de lá das águas)

E agora é que é. Vou ver se fotografo ainda os little recuerditos para vos mostrar. Tralha, inutilidades, diz o meu marido. Pois, não digo que não.

E um bom dia de domingo.

domingo, março 24, 2019

Post entre o fálico e o angelical





Almoçámos todos e, enquanto comeram, os meninos estiveram relativamente sossegados. O bebé come de tudo e gosta de fazer misturadas. Hoje misturou sumo de laranja na gyoza, nos noodles com frango, no pão chinês com carne e mel e no crepe vietnamita e continuou a comer de gosto. Os irmãos e primos comem mais que eu. São auto suficientes e têm um apetite voraz. À medida que cada travessa chega logo eles se atiram e, em segundos, a travessa fica vazia. 

O pior é que, mal acabam de comer, começam a conversar; daí a coisa evolui para ensinarem umas coisas uns aos outros e, sem darmos como, quando olhamos, já eles estão a fazer das deles. Hoje juntaram algumas cadeiras, tiraram os sapatos e, ali mesmo, usando os tampos das cadeiras, praticaram técnicas de judo. O bebé mal viu, quis sair da cadeirinha, depois quis tirar os ténis e também quis ir para lá. Um dos primos içou-o e ficou o bando dos cinco completo. Ela alinha, anda com os rapazes mas marca a diferença, não se mistura naquelas maluqueiras.Tinha um livro novo, com cheiros, e, no meio da maior confusão, pôs-se a ler.


No fim, depois de termos estado com eles no jardim ao sol e de os vermos a brincar,  concluímos os dois que as crianças já comem como gente grande e que cada vez é mais difícil perceber as quantidades necessárias. O meu marido acha que temos que nos precaver e contar com muito mais comida, senão fica a sensação de que foi quase à tangente.

Depois, voltámos à nossa labuta. Para salvar árvores, desbastamo-las até bem alto e até que as copas fiquem bem afastadas. Mas o serrote que está na ponta do cabo já está passado, já não corta nada. O meu marido trouxe um serrote novo para trocar mas acho que não conseguiu, não sei bem porquê. Não sei como é que ele, empoleirado lá no alto da escada, conseguiu serrar tantos ramos com aquele serrote. Eu, com o serrote pequeno, tentei serrar alguns ramos mais baixos ou serrar em troncos pequenos os ramos gigantes de cedro que ele cortou. Mas mal consegui. A madeira de cedro é muito dura e meio húmida. Vi-me grega. Esforcei-me, esforcei-me mas os resultados ficaram aquém do que o meu esforço indiciaria.


E fotografei as coisinhas dos pinheiros, pequenos falos com as suas pequenas glandes rosadas. Vultosinhos fálicos que contrastam com as flores angelicais e perfeitas dos marmeleiros.

Com os dedos abri um daqueles espigões peludos. É verde e húmido por dentro. E cheira tão bem, aquele cheiro bom a pinus de que eu tanto gosto. Peguei entre os dedos e fotografei.


Depois, já de noite, comecei a arrastar os ramos lá para baixo mas o meu marido chamou-me, aborreceu-se, não quer que eu ande lá por baixo sozinha. Mas eu gosto de andar na penumbra. E há perfumes diferentes de noite, perfumes mais intensos. E há sons misteriosos. E as árvores, à noite, são vultos que guardam enigmas. E eu gosto. Mas ele chama-me, fica zangado, não quer, não me vê, chama-me e eu não respondo porque estou longe, mal ouço e percebo que não tenho potência vocal para me fazer ouvir. Mas, assim, a ouvir chamar ao longe por mim, perco a vontade de andar devagarinho, sozinha nos caminhos escuros, confundindo-me com as sombras crepusculares da natureza.

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Ando com alguma dificuldade em dar nomes aos posts. Não planeio, as palavras deslizam para o ecrã e vêm ao fluir da  coisa, nem dou conta, nem sei bem que é isto que vou escrevendo. Sei que falo de muita coisa diferente e, na hora de resumir, não há denominador comum, ponto de intersecção. Por vezes há ponto de fuga e é ele que eu agarro para pôr no altarzinho. Agora, se não há, fico sem saber. Se calhar vou falar na pilinha do pinheiro. E digo pilinha por simplificação porque os ramos cortados tinham várias, deveria dizer 'pilinhas'. E, para dizer a verdade, a palavra tem um i e um l a mais. A palavra certa deveria ser 'pinha'. Mas como o processo foi interrompido e daqui nunca há-de nascer uma pinha prefiro fazer de conta que sou dada aos erotismos e chamar-lhe pilinha. Também quem manda ter aquela cabecinha cor de rosa na ponta, não é? E pronto, para contrabalançar, vou pôr no título as florzinhas inocentes dos marmeleiros. Dali nascerão marmelos e aí haverá mentes maldosas que poderão estabelecer conotações. Mas eu não, eu fico-me pela sua beleza angelical para ver se catequisam aquelas coisinhas que parecem dadas ao pecado.

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As anedotas e os cartazes com o tempero do humor britânico estão já aqui abaixo e, claro está, têm a ver com a anedota do Brexit.

sábado, maio 26, 2018

Quem vê caras não adivinha corpos (nem vozes)


Gosto tanto de música, quando ando no carro estou sempre a ouvir música, sempre que posso ouço música e, no entanto, nunca fui de gostar de cantar. É como escrever poesia: acho que não tenho jeito, não faço. Nem tento. 

E espanto-me com as pessoas que, tendo enquanto falam, uma voz normal, quando cantam apresentam um inesperado vozeirão. A gente interroga-se: mas de onde vem isto? Olha-se a cara da pessoa, ouve-se a conversinha em voz fininha e suave e, depois, alto e pára o baile.

Ou isso ou dançar. Gosto de dançar, gosto muito. Mas danço sem perder o controlo, sem me tranfigurar. Gostava de, dançando, me tornar outra. Mas isso nunca aconteceu.

Conheço uma mulher (ia a dizer uma mulher jovem mas, pensando bem, deve ter perto de quarenta e, portanto, apesar do arzinho juvenil, já deve poder ser encaixada na categoria das da idade média). É bonita e, em acréscimo, super elegante, super distinta. Apenas veste griffe e tudo nela respira 'pinta'. Profissionalmente é competente, compenetrada. 

Quando fala em público, não pode passar despercebida: e não é só a beleza, a elegância, o bom gosto na forma como se apresenta. É também a contenção, a segurança, um certo recato. Impõe alguma distância, respeito.

Nos tempos livres, toda ela é literatura. Devora leitura. Ama livros. Manda vi-los de todo o lado. E consta que escreve como uma princesa. Diversas vezes ouço amigos comuns comentarem os seus escritos no facebook. Uma vez mostraram-me. Fiquei admirada. Culta, feminista, engajada. Não lhe imaginava essa veia. 

Mas ponham-na, à noite, numa pista de dança. Vira outra. Fica selvagem, sem contenção, sem freio. Irreconhecível, impúdica, desbragada. No outro dia. Um amigo chegando perto. Abraçando-a, ela toda entregue ao louco prazer da dança, abraçada a ele, toda ela corpo, liberdade.

Eu olhava-a e, apesar de ser sempre assim, quase a irreconhecia. Um amigo comum dizia dela: vira outra, uma transformação espantosa, não se imagina. Não se inibe de nada. Fotografei-a, uma vez, quando estava numa daquelas loucas performances. Viu que eu a fotografava mas foi como se não me visse. 

Quando saímos, o meu amigo disse-lhe: isso é que foi, hein...? fica outra, mesmo.

Mas, nessa altura, já ela era outra, de novo. Mal sorriu e nada disse. Pareceu, até, incomodada com a conversa. E nunca, nas nossas conversas, o tema da sua veia de dançarina veio à baila. 

E eu lembrei-me disso agora ao ver os vídeos abaixo. Quem, vendo aquele rapaz a cantar, poderia adivinhar a forma como dança?

Jakub Józef Orliński




domingo, abril 22, 2018

Elegância e beleza no sobe-e-desce do Chiado




Pronto. Desvendei. De resto, presumo que também já tivessem adivinhado onde eram as montras que mostrei no post abaixo. Chiado.

As ruas mais turísticas estão pejadas de gente. Muitos grupos em filinha de pirilau por aqueles passeios estreitinhos seguindo um guia que vai à frente com o braço ao alto e uma tabuleta com um número. Vários grupos de gente asiática, muitos americanos, brasileiros all over, franceses, o que queiram.  Todas as línguas do mundo. Uma torre de Babel. E muita gente jovem. Muitos casalinhos, jovens e não jovens, a puxarem a sua maleta com rodinhas. Gente, gente, gente. 

Eu -- que gosto tanto de gente diferente e que acho que gente de origens díspares só enriquece os lugares, que sou fervorosa adepta da miscigenação -- vendo tamanha avalanche (e isto num dia de Abril, meio chuvoso), comecei a pensar que lá mais para o verão a coisa pode mesmo ser excessiva.


Para fugirmos aos passeios pejados de gente, deslocámo-nos para as ruelas, escadarias e recantos menos badalados e, aí, ainda se conseguiu aquele recato bom daqueles lugarzinhos que são dos mais bonitos de Lisboa.

Fotografei também gentes. E o Chiado tem isto: mulheres elegantes que, como que aparecidas do nada, atravessam as ruas, atravessam as multidões, e caminham sedutoramente. Podem ser belas toilettes, pode ser beleza natural, pode ser a graça do conjunto, mas há sempre um desfile interessante de observar por aqui. Agora coloquei apenas a fotografia lá de cima pois prefiro não mostrar o rosto mas, não fora esse meu cuidado, muito mais pessoas poderia mostrar. Pela Rua do Carmo, pelo Largo de S. Carlos, pelo Camões, por todos essas ruas e largos, há gente que dá gosto contemplar.

Mas, pronto, fico-me pelos candeeiros, pelo Tejo que se avista ao fundo com os seus veleiros e veleirinhos, pequenos pontos brancos num rio amansado, fico-me pelos céus onde se desenham os arabescos dos cabos que alimentam os 'eléctricos'.


E tuc-tucs. Omnipresentes. De todos os tamanhos, cores e decorações. Mas agora, para vos mostrar, escolhi esta fotografia aqui abaixo com os GoCars. São muito engraçados estes carrinhos e, não sei exactamente porquê, as pessoas que vão neles (de capacete) vão sempre a rir, ar feliz da vida.

Parece que os carrinhos assobiam, contam anedotas e mais não sei o quê. Na volta é isso que faz rir os seus condutores.


Como é bom de ver -- e como os meus Leitores já estão fartos de saber -- ando sempre de máquina fotográfica em punho e por todo o lado vejo coisas ou pessoas que despertam a minha atenção ou que me encantam.

Quando chego a casa e revejo o que os meus olhos viram, penso sempre que estou a acumular milhares de fotografias que ninguém vai alguma vez ver e que eu própria, que gosto é de fotografar e não de ver fotografias, também jamais me darei ao trabalho de rever. Há qualquer coisa de irracionalidade nisto mas, enfim, fazer o quê? Pertenço ao sub-gupo dos humanos irracionais e está tudo dito.

E mesmo, quando quero escolher algumas para aqui, à laia de diário, ilustrar o andamento dos meus dias, tenho tantas por onde escolher que a coisa não é fácil. Por vezes, uma verdadeira seca, tantas elas são. 

E não quero pô-las a eito, tento encontrar uma linha comum entre algumas para que haja alguma coerência no post. No de baixo, escolhi as que tinham a ver com montras. Aqui resolvi escolher as que evidenciam a orografia de Lisboa: ruas inclinadas, escadinhas a unir as ruas, o rio lá em baixo. E juntei uma mulher para mostrar a elegância desta cidade que amo de coração. Mas, acreditem, podia ter inventado muitas outras combinações. O Chiado é lindo demais seja qual for a perspectiva pela qual o olhemos.


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E queiram, meus Caros Leitores, continuar a descer porque, já a seguir, há mais Chiado.

domingo, agosto 06, 2017

Dia de verão in heaven.
Conversas soltas




A sala tranquila, na televisão qualquer coisa a que não presto atenção, luz apenas aqui onde escrevo. Para variar, depois de uma manhã a cozinhar, de uma caminhada em passo apressado que o pessoal estava quase a chegar e depois de um dia muito bem passado, sol, ternuras, alegrias e muito verde, chego aqui a este recanto e é uma quebreira. É o mal de apenas escrever depois de tudo o resto, quando o dia terminou e a casa está em sossego. Sempre assim foi. Por algum motivo, parece que o dia não está completo se não tiver estes momentos só meus, de preferência sem ninguém por perto, apenas eu e o que quero fazer com o meu tempo, eu e as minhas mãos. Se pensar nisto, acho que sempre tive necessidade de produzir qualquer coisa. Fazer tapetes, bordar, fazer camisolas, pintar, escrever. A excepção é a leitura, é um prazer mas apenas consumo, não produzo. A leitura é quase como respirar, saber dos meus: imprescindibilidades. A questão é que tudo isto só pode acontecer à noite e o prazer de fazer mistura-se com o cansaço, com o sono. Mas é assim, nada a fazer. Não é coisa que eu consiga gerir melhor pois, mesmo que tenha tempo durante o dia, ocupo-o com outras coisas (apanhar figos, andar a apanhar amoras e a comê-las mornas e doces, varrer, tirar fotografias) e, à noite, tarde e más horas, aqui estou, cansada e ensonada, como se estivesse a cumprir um castigo -- quando, afinal, é pura opção e puro prazer.

Enfim. Idiossincrasias.


Depois de muito brincarem e de, a meio da tarde, lancharem (Tá, se faz favor, pão com queijo fresco, tomate e azeite acompanhado de sumo e, a seguir, iogurte) e de, mais tarde, no meio do trabalho (apanha e transporte de caruma), terem ficado outra vez com fome (pão igual, se faz favor, Tá) e de, já noite, terem tomado um banho, chegaram à mesa e atiraram-se à  pratada que tinham à frente e ninguém mais os ouviu. Ri-me. Que silêncio... Então ninguém diz nada? O mais velho olhou para mim, pensativo, e disse: 'Obrigado'. Desatámo-nos a rir. Obrigado...? Mas obrigado porquê?. Com um gesto largo de mão mostrou o prato e a comida disponível e disse: 'Por isto tudo...'. Meu lindo menino. Fiz-lhe uma festa. No fundo, senti-me agradecida por ele reconhecer e agradecer a comida que eu tinha preparado; e nem é pela comida, claro, mas pela motivação que sinto quando estou a cozinhar para eles e que talvez ele, ao escolher, com entusiasmo e apetite devorador, o que pôr no prato, tenha pressentido o prazer com que a sua Tá tinha conficcionado tudo aquilo.


De tarde, enquanto andavam entretidos nas suas brincadeiras e labutas e os crescidos também, ainda consegui ler um pouco: o último de Eduardo Lourenço sobre pintura. Gosto de ler sobre pintura. E agora, antes de abrir o blog estive a ler a entrevista de Maria Teresa Horta no Expresso online


Já fez tudo o que tinha para fazer?
Não. Estou a fazer outro livro neste momento. Escrevo todos os dias três a quatro poemas. Acordo de noite com a poesia, e tenho de me levantar e escrever para não a perder, mas depois já não consigo adormecer. No dia seguinte, as frases ficam em cima das frases, versos e versos, já não me entendo. Escrevo no colo, os poemas andam aqui pela casa. Não uso mesa, máquina, computador... Quando os perco, entro em perfeita loucura. É como se me tirassem um pedaço, um pedaço do coração, e já não respiro. Fica tudo aterrado cá em casa. Fico doida. É como se fosse o poema mais maravilhoso que já escrevi e mais nenhum poeta o teria escrito. Procuro debaixo das coisas, viro tudo... Quando o encontro, pronto, já não ligo mais. Isto é essencial na minha vida, esta é a minha vida, mas levanto-me cedo, cozinho, lavo, engomo...
Se eu tiver que referir um escritor português vivo é nela que penso em primeiro lugar. Gosto muito da sua poesia. Devia ganhar o prémio Camões. E o Nobel. Há nela uma invulgar força poética, um domínio superlativo da arte de entretecer palavras seguindo uma linha melódica -- e uma história (nem que seja apenas a história da sua extraordinária paixão pelo marido, o Luís de quem ela fala sempre com um inquebrantável amor).

Gostava que a Maria Teresa Horta escrevesse um livro de poemas sobre a Paula Rego e gostava que a Paula Rego pintasse uma série de quadros sobre a Dama e o Unicórnio ou sobre as Anunciações. Penso que são ambas figuras maiores da arte em Portugal. Não vejo artistas-homens vivos que ombreiem com elas.



À tarde, a minha filha disse-me, enquanto apanhava banhos de sol e eu lado os apanhava também, e enquanto lia uma revista que, a propósito daquilo do bigode do Dali estar impecável, o pénis do Napoleão parecia um pénis de um pin y pon. Fui agora ver ao google e aparecem coisas do além sobre o tema como que o dito orgão apareceu muitos anos mais tarde, creio que pelos anos 70 do século passado, num leilão e que parecia um pequeno cavalo marinho meio encarquilhado, coisa para menos de 3 cm.

Mas contou também (porque leu) que o Farinelli afinal era uma mulher, castrato coisa nenhuma. Ora que o pénis do Napoleão fosse um apêndice atrofiado não me surpreende por aí além mas que o Farinelli, afinal, fosse uma mulher, isso já me espanta já que não tenho ideia de tal ter ouvido dizer. Agora pesquisei (pesquisa pouco aturada, confesso) e não vejo referência a tal coisa. Alguém sonhou com a genitália Farinellica e lá vai disto: artigo de revista com ele.

Tirando isso.

Este domingo espera-me mais um dia de trabalho, de limpezas, dentro e fora de casa, coisa que farei de gosto. O meu marido continua a embrenhar-se no mato. Tremo de vê-lo avançar armado de catanas e podões quando sei que o seu foco é limpar o terreno e ponto final e que, para ele, um pé de alecrim ou de rosmaninho é mato e tudo o que eu disser em contrário é música celestial que lhe entra por um e sai pelo outro. Mas não posso andar atrás dele, a vigiá-lo dos seus ímpetos de vandalismo contra a natureza, pois tenho a minha agenda mais do que preenchida. Entrego pr'a Deus a vigilância sobre ele, impedindo-o de devastar ervas aromáticas, flores campestres e arbustos inofensicos.

De tarde, se tiver tempo, quem sabe não me ponha a pintar. Mas os domingos são dias de hiperactidade com visitas familiares, trabalhos extra e sei lá que mais. Por isso, dará para o que der. Embora, eu deseje que, no meio de tudo, ainda me dê para estar tranquilamente, nem que por breves instantes, à sombra do pinheiro, aspirando este ar tão limpo e tão perfumado, os pés sobre a caruma, sem pensar em nada, apenas ouvindo os pássaros, sentindo a suave aragem. Existindo como um simples animal.


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A todos vós, meus Caros Leitores, desejo um belo dia de domingo.

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