sábado, agosto 02, 2025

Gaza
-- O meu filho toma a palavra num texto poderoso (... e, para mim, desafiante...) --

 

Escrevo este texto a pedido da minha mãe, na sequência do meu desafio (e crítica) sobre a ausência de um texto que esperaria profundamente comovente e mobilizador sobre a situação de Gaza no seu blog.

Encontrei dois textos no blog: a transcrição de um comentário de um leitor, J., em 2015 e, já sobre os acontecimentos atuais, um texto sobre a Dra. Alaa, mãe de nove filhos assassinados por bombas. Esse texto expõe a tragédia humana, mas não comenta o contexto. Faz falta um ensaio mais vasto, que não conseguirei escrever, mas que importa provocar — não só pela urgência da mobilização da opinião pública, mas também porque me interessa explorar as eventuais contradições que originam este ensurdecedor silêncio. Perdoa-me, mãe, mas não resisto.

Em parte este meu desafio é carregado de intenção, não o nego. Depois do 7 de outubro e dos primeiros ataques indiscriminados a Gaza por parte do Bibi de Israel, eu disse emotivamente que esta era mais uma situação a criticar e condenar, tal como o ataque da Rússia à Ucrânia. Como tantas outra vezes, discutimos e não convergimos, e daí resultou uma tensão entre nós. Argumentava a minha mãe, nesses primeiros dias, que Israel tinha a legitimidade que a Rússia não tinha, e como tal, por mais que custasse observar as vítimas civis agora da Palestina haveria uma espécie de racional estratégico-militar que o justificaria, 1 vida humana de Israel poderia ser vingada com muitas mais palestinas, se com isso se eliminasse o perigo, redirecionando as culpas para o Hamas que cobardemente se esconde entre os civis. Não concordei, e argumentei nessa altura da mesma forma que argumento agora, mas com o benefício de ter os factos do meu lado. 

E quem lê este texto, evite, por favor, cair na tentação fácil de me atribuir um rótulo e assumir que estou, implicitamente, a legitimar a ação do Hamas — espero o benefício da dúvida. Retomamos este ponto no final do texto, juntamente com as contradições a que me refiro no primeiro parágrafo.

Sobre o contexto que espero ver mais bem explorado no blog, quero basear-me num brilhante episódio do podcast do New York Times, “The Opinions”, intitulado “I’m a Genocide Scholar. I Know it When I See It”, uma entrevista com Omer Bartov — historiador especialista no Holocausto, judeu israelita a viver nos EUA, que serviu como militar no IDF, posicionado em Gaza. Insuspeito q.b. Diz Omer, de forma simples, ao New York Times: o que se passa em Gaza é um genocídio — há uma tentativa sistemática de eliminar um povo ou de tornar as suas condições de vida impossíveis.

Diz ainda, de forma clara e compreensível, que os judeus israelitas têm um trauma coletivo compreensível — o da ameaça à sua existência — e acreditam que tudo se justifica para o evitar. Incluindo o que se passa agora em Gaza. Tudo é legítimo para a preservação de um povo outrora eliminado de forma sistemática. 

Para ele, é claro que, para Netanyahu, só há uma solução para a “questão de Gaza” e para a ameaça que representa enquanto incubadora de revoltados, fanáticos, militantes, mártires…: acabar com Gaza, com os seus habitantes, e redefinir as fronteiras de Israel para limites mais seguros e previsíveis. No futuro, ver-se-á o que acontecerá com a Cisjordânia.

As imagens na televisão não deixam margem para dúvidas, há factos que ninguém de bom senso e bem informado pode negar:

Israel alcançou com sucesso - e ainda mantém - um programa de destruição total das infraestruturas e de todo o edificado de Gaza. Sobram pouco mais do que ruínas - é agora inabitável.

Os palestinos que sobrevivem em Gaza estão a ser vítimas de Fome de forma deliberada e sistemática pelo estado de Israel, a Fome como arma de guerra – é a morte que daqui resulta.

São muitas dezenas de milhares as mortes civis, por certo muitos deles inocentes – não é só o Hamas o alvo das bombas assassinas.

o Percam um segundo, pensem numa criança que vêm a morrer na televisão como vossa. Não é demagogia nem psicologia barata. É um mundo de guerra que poderia ser nosso, como aquela criança.

Se comentamos a situação internacional e condenamos os crimes que observamos, como nos podemos calar nesta situação? É porque Israel faz parte do mundo ocidental e o seu povo se assemelha a nós e é mais fácil vê-los como vítimas do que como agressores? Porque ao longo destes anos de “terror muçulmano”, desumanizámos os árabes e aceitamos melhor a sua tragédia? Porque estamos demasiado habituados a um mundo unicamente dividido em dois, e Israel faz parte dos “bons” e a Palestina, em tempos apoiada pela União Soviética e agora pelo Irão, dos “maus”?

Agora ouvimos, na minha opinião tarde demais, os estados ocidentais a condenar a Fome em Gaza, a colocar pressão no Estado de Israel, a reconhecer o Estado da Palestina. São as ações corretas, mas superficiais, simbólicas. Se à Rússia se aplicaram sanções, porque é que a Israel se dá bombas? Pode a geopolítica valer mais do que os mais básicos Valores? Se for esse o caso, pensemos então nos Valores que partilhamos enquanto sociedade.

Em algum momento temos de re-definir esses Valores, os sinais são claros mas não inéditos. Mais desigualdade, mais guerra, mais extremismo, menos empatia, menos consenso, menos cooperação. Perdemo-nos em discussões polarizadas porque nos vemos rigidamente presos em quadrantes políticos que nos obrigam a assumir certas posições e argumentos e, depois, discussões que deveriam ser unânimes geram discussão. Esta é uma delas, assume-se que alguém da esquerda mais extrema legitimará a Rússia e condenará Israel. Por outro lado, alguém mais à direita irá condenar a Rússia e aceitará a atuação de Israel como um mal menor. 

Errado, a sociedade deverá reger-se por princípios Humanistas e em questões de razão fundamental sobre a vida humana não hesitará em condenar quem de forma deliberada e sem a mais elevada justificação decide de forma programática retirá-la. E francamente, criticará ainda de forma mais assertiva, quem como Israel, em pleno século XXI promove um Genocídio.

Por fim, como nota de rodapé, dois temas referidos no inicio do texto 

É evidente que critico profundamente o Hamas e as suas ações e reconheço como legítimas as ações militares de Israel em consequência do 7 de outubro. 

É também para mim claro, mas muito mais complexo e difícil de justificar, que um Estado como a Palestina que está ocupado e onde o seu povo vive de forma segregada há anos, sem liberdade e diariamente humilhado, vai originar fanáticos, pessoas sem nada a perder, que alimentam as fileiras de organizações como o Hamas que serve outros interesses. Há muito tempo que a ONU defende uma solução pacifica de dois Estados, de coexistência. A alternativa é a guerra. Não podemos atribuir todas as culpa a Israel, mas não podemos aceitar o que se tem passado nos últimos anos em Gaza e temos de condenar de forma muito veemente os acontecimentos dos últimos 2 anos. 

Segundo tema. Nas posições mais moderadas e de sistema, sobrevive uma contradição fundamental. Essa contradição é, simplesmente, a existência de algumas poucas verdades absolutas que se sobrepõem à razão na análise. Um exemplo: a América é a nossa referência de liberdade e democracia — devemos seguir a sua liderança. Assim fomos para a segunda guerra do Iraque sem nunca pôr em causa a sua legitimidade. E, se alguém o fizesse à data, seria visto como um extremista de pensamento. Agora, com Trump, já é legítima a crítica aberta à América. Pois a mim pouco me interessam os rótulos, e vejo enorme virtude em pessoas como a minha mãe, que pensam e dão a sua opinião sem receio.

Será que, na questão de Gaza, caiu na armadilha do pensamento corrente?

Uma vida é uma vida. E nisto, sei que a minha mãe concorda comigo. Quem não consegue pôr esta verdade universal acima de tudo o resto ou é mal-intencionado ou está perdido na polarização extremada que nos tolda o discernimento. 

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Nota de minha lavra sobre o texto acima, escrito pelo meu filho

No outro dia, quando o meu filho me enviou o link para o podcast sugerindo-me que me pronunciasse, pedi-lhe que escrevesse ele um texto. Tem-me censurado, e não poucas vezes, por eu não falar com a frequência e veemência que esperaria da minha parte sobre o que se passa em Gaza. E, porque gosto de o ouvir e porque tem opiniões sempre bem fundamentadas, achei que ninguém melhor que ele para dizer o que acha que deve ser dito.

E o texto cá está.

Mas devo corrigi-lo: não falei no assunto apenas duas vezes. Falei mais: não muitas vezes, é certo, mas, ainda assim, encontrei os posts cujos links deixo abaixo, entre os quais os dois que ele refere.

E não falei mais vezes pois é um tema sobre o qual a minha opinião não é clara. Quando estou perante um problema, por natureza tendo a pensar na possível solução. No caso em questão, identifico o problema mas não estou certa sobre qual a (boa) solução. 
  • Por um lado não tenho dúvida em condenar, inequívoca e fortemente, a chacina que Israel está a levar a cabo em Gaza. Netanyahu e os que o rodeiam causam-me horror sob qualquer ponto de vista -- e isso é claro, claríssimo. Não tenho palavras para descrever o que sinto ao ver aquela chacina, aquela tragédia, aquele horror. A guerra é sempre cruel. É difícil encontrar uma gradação de aceitável ou 'legal' para a guerra mas, quando se destrói a eito, se aniquila e se mata pela fome. Condeno-o com todas as letras e sinto uma imensa repulsa. Ver crianças com fome, ver as mães a não conseguirem acudir ao sofrimento dos filhos moribundos, ver pessoas a correr e a serem mortas quando procuram alimentos, ver tudo destruído e as pessoas a sobreviver como animais acossados parte-me o coração e não posso encontrar desculpa para quem pratica tão desumanos e bárbaros crimes.
E dito isto, está dito. Sem margem para dúvidas.
  • Mas, por outro, depois há o capítulo seguinte da história, o day after: o dia a seguir ao fim do massacre que Israel está a levar a cabo sobre a população em Gaza. Esse dia há-de chegar.
E é aqui que tenho muitas dúvidas. Não sei qual a solução pacífica. E tenho dúvidas porque questiono a viabilidade e sustentabilidade de países que assentam os seus fundamentos em matrizes religiosas. 

Países conflituantes, com abordagens conflituantes a nível religioso e que disputam os mesmos territórios e com um historial de barbaridades mútuas que jamais será esquecido por ambas as partes -- parece-me garantia de que jamais haverá paz em tais territórios. 

Ou seja, tenho dúvidas no racional que conduziu à formação de um país 'judeu' no meio de territórios de matriz muçulmana. E imagino que o facto de a Palestina ser um estado reconhecido, paredes meias com Israel, não vai ser garantia de que a panela de pressão não estará sempre prestes a rebentar.

Haver dois estados parece ser a 'boa' solução, a que, no reino das boas intenções, fará com que tudo corra bem. Abstractamente, parece o ideal. Mas entre o 'ideal' e o 'real' vai um grande passo. Ou seja, parece-me que a história desmente a probabilidade de que corra bem. 

Se, de facto, Israel e a Palestina quisessem viver em paz, parece-me que teriam que admitir, assimilar, interiorizar e aculturar-se de forma a que cada um dos países fosse aberto a qualquer religião, um estado ecuménico. Sem isso, será uma never ending história de crime, ódio, vingança.

E há um outro aspecto que quero referir: não confundo um país com o regime que o governa ou desgoverna. Israel, apesar de todas as patifarias, infâmias e crimes de guerra que, em determinados períodos da sua história, tem praticado, fora desses períodos tem sido um país notável. A todos os níveis, nomeadamente científico, Israel é um país desenvolvidíssimo. E isso não deve ser esquecido ou desprezado. O combate não deve ser contra Israel mas contra o regime assassino do corrupto Netanyahu. 

Sobre a Palestina terei que reconhecer que tem sido massacrada e humilhada ao longo dos tempos e, talvez por isso, parece ter-se rendido a ser palco e berço e viveiro de extremismos e de regimes que jamais poderemos aceitar como aceitáveis, que cultivam o terror, que desprezam as mulheres, que privilegiam o mais tacanho obscurantismo. A defesa da Palestina não pode ser a defesa de regimes que nada têm a ver com o respeito dos direitos mais elementares. 

Quanto ao resto, toda a geopolítica daquela região é complexa demais para que eu consiga alvitrar soluções ou formular raciocínios. Diria que só grandes estadistas, políticos sérios, cultos e estrategas, poderiam sentar-se à mesma mesa e encontrar soluções. Não é tema para leigos, para curiosos.

E estes são textos, aqui do blog, que encontrei falando no assunto. 




De qualquer forma, filho, muito obrigada pelo teu texto. Como escrevi no título, é poderoso. 

[E, como vês, publiquei-o na íntegra, não houve lápis azul... 😜]

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Desejo-vos um sábado feliz

sexta-feira, agosto 01, 2025

Na ressaca de uma ida às compras, com o corpo habituado ao descanso e ao silêncio

 

Quando estamos no campo, o tempo flui de uma outra maneira. Durmo mais, levanto-me tarde e isso não atrapalha o resto do dia porque tudo corre tranquilamente, quase como se o tempo deslizasse com todo o vagar.

Com o calor que tem estado, só se consegue estar bem dentro de água ou dentro de casa. Só ao fim do dia se consegue andar na rua. E, ao fim do dia, com a doçura do entardecer, tudo é serenidade. O tempo em tardança.

Sou eu e é ele: zen, zen, zen
Ainda hoje, no campo, à sombra, a dormir descansadamente

Portanto, com este ritmo pausado, o meu corpo parece desabituar-se da agitação, do movimento.

Aconteceu-me hoje um banho de imersão num bem animado shopping. Já no outro dia, quando um dos meninos fez anos, fomos às compras com ele (e com o mano). Mas a transição do campo para a cidade não foi como hoje, foi mais rápido e só um dos rapazes estava comprador. 

Hoje, com dois leõzinhos em vias de fazerem anos, de presente quiseram também ir às compras. Só ao fim da tarde porque antes estiveram na praia. 

Ele despachado, muito pragmático. E impaciente. No capítulo das compras, igual ao pai. Antes tinha-nos avisado qual a hora limite pois tinha que estar em casa a tempo de tomar banho e jantar para, quando começasse o jogo, queria estar a postos em frente da televisão.

Ela é outro comprimento de onda. Disponível para avaliar todas as opções, com gosto em experimentar tudo, sem pressa. Neste capítulo, igual à tia. Disse o irmão que, só por saber que ele se queria despachar para não perder pitada do jogo, já ela fazia tudo mais devagar. Ela disse que não mas não sei se, lá no fundinho, ela não se importou nada de não corresponder às pressas dela. Contudo, penso que, nela, é, sobretudo, o prazer de ir às compras e de experimentar toilettes. Compreendo-a. Não posso esconder que sou também assim. Talvez não agora, em que me forço a não ceder ao consumismo, mas, antes, o prazer que sentia em adquirir farpelas novas era grande e sempre renovado.

Portanto, gerir estas duas personalidades e motivações, foi uma coisa um pouco complexa: ele desesperado, farto, irritado, ela nas calmas, nas sete quintas. 

Entretanto, o meu marido resolveu levar o cão, mas, logicamente, ficou lá fora a passeá-lo. Não sei se imaginou que seria rápido mas, se imaginou, imaginou mal. Por isso, também desesperava, telefonando-me volta e meia a pedir-me um ponto de situação, dizendo que já não conseguia andar mais tempo às voltas. Pelo meio, ligou-me também o meu filho a querer saber onde andávamos pois daí a nada começava o jogo, e, perante o ponto de situação, disse-me que eu não estava a gerir bem as prioridades. Talvez, mas perante abordagens contrárias, até conflituantes, que poderia eu fazer?

Segundo ela, foi o irmão que ligou aos pais a queixar-se dela e a mostrar o seu desespero. Não vi mas ele não negou. 

No final, ela já estava bem abastecida, embora ainda com um item em falta, ele ainda quase sem nada.  Vi o caso mal parado. Ele já não queria nada para ele nem queria que a irmã fosse comprar o que lhe faltava. Tive que convencê-lo, iríamos a correr, tudo muito rápido. Não podia ser ficar praticamente sem presentes. Respondeu-me que logo comprava, noutra altura, e depois logo dizia quanto tinha custado. Disse-lhe que isso não tinha jeito nenhum. Uma negociação difícil. Com a promessa de que despacharíamos o assunto em poucos minutos, lá acabei por convencê-lo e lá se resolveu tudo. Mas disse que não volta a ir às compras ao mesmo tempo que a irmã. E, de facto, mais vale tratar do assunto em duas expedições distintas, uma para cada um.

Mas, enfim, entregámo-los em casa resvés campo de ourique, presumo que ainda conseguiu ver o futebol todo (não sei se teve tempo para o banho e se não teve que jantar em frente da televisão...). Os primos, em contrapartida, gentileza do tio que lhes arranjou bilhetes, viram-no ao vivo, no Algarve.

Agora o que acontece é que, desabituada de estar no meio de muita gente, desabituada de algum stress (por irrelevante que seja), desabituada de pressas, chegada a casa, quando acabei de jantar, sentei-me aqui no sofá e foi como se estivesse anestesiada: caí num sono profundo. Não imaginam. Não conseguia acordar. Ferrada, ferrada, ferrada, como se tivesse vindo de correr a maratona.

Não sei se é desábito, se é deste calor ou se é de outra coisa: no outro dia o meu marido disse-me que eu passo meses sem ver a tensão arterial. Muito instada por ele, acabei por ir ver e estava baixíssima: a máxima parece que estava em 10 e picos e a mínima nem chegava aos 5. Na volta, também é isso.

Com esta situação, como poderão imaginar, nem faço ideia do que se passa no mundo nem consigo agradecer e responder os comentários. Vou retirar-me para os meus aposentos.