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quarta-feira, março 11, 2015

Memórias de um Leitor: militar, miliciano, retornado


Do estimado Leitor Vítor Manuel recebi breves relatos das suas memórias. Leio-as com comoção sentindo a comoção com que as escreve. Lembrei-me então de lhe pedir permissão para aqui divulgar alguns excertos. É por ter sido autorizada a isso que, com muito prazer, aqui partilho convosco algumas das suas recordações.

O que hoje aqui vou divulgar prende-se com a forma como "tocámos" - a propósito da descolonização - aquando da vinda para cá através da "ponte aérea", na altura decorrendo.








Pessoalmente, sou dos que compreendemos e aceitamos o que passou.

Nada mais havia a fazer!  Estávamos, há muito, desfasados no tempo político e social.

Pouco tempo foi necessário - após chegada a Angola para cumprimento da Comissão Militar (Março 1969) - para, no "terreno", constatar a enorme falácia da Política Ultramarina e o cumprimento de uma guerra colonial injusta e cruel, para ambos os lados.

Em sequência, aliás, de algumas breves conversas em "tertúlias reservadas" aquando da minha passagem pelo " RI 5" (Caldas da Raínha) onde tive o gosto de conhecer e privar com alguns dos futuros "Homens do MFA" .

Pior que "operações no terreno" foram os tempos de 1975!

Tínhamos estreado e mobilado um apartamento no mais novo edifício, à altura, da cidade do Huambo (Agosto 1974).

Em Maio de 1975 (fins) tiveram início confrontações, violentas, entre as diversas facções políticas (MPLA/FNLA/Unita ).

Avisado, em tempo, fiz seguir minha mulher para junto dos Pais, no Lubango. Ainda fiquei alguns dias até formar uma coluna de viaturas civis que " arrancou" para o Lubango com o que podia levar consigo.





Fogo de morteiro, granadas, metralhadoras pesadas e ligeiras...

A impotência de estar recolhido a casa, o simplesmente fechar a porta de casa e... rumar a Sul com barragens em muitos pontos do itinerário.

Meses mais tarde a situação repetiu-se, no Lubango;  a alvorada do dia 21 de Agosto/75 marcada pelo som das deflagrações de morteiro 60, armas ligeiras e pesadas. O MPLA passou ao ataque e, ao fim de 3 dias, expulsou  os homens da Unita e Facção Chipenda ( FNLA) para o Huambo.

Dias confinados à cave da vivenda de meus Sogros, numa impotência total, dependentes da  rádio  e seus comunicados.

Estava chegada a hora de partir para o "puto" (como os indígenas - brancos e pretos - designavam a Metrópole) .

Mês e meio com o MPLA, sem qualquer problema mais.

Fizemos uns caixotes (não esquecerei, nunca, o som dos martelos ecoando pela cidade e o esvaziar daquela tão linda Cidade) e, dia 15 de Outubro de 1975,  meu Sogro fechou a porta da sua vivenda da qual se gozou 4 anos depois de uma vida a descontar para a Cooperativa do Namibe...

"Daqui a 3 meses voltaremos"... disse ele com lágrimas nos olhos. Eu... fiquei calado! E... são passados 40 anos !

Depois... foi o recomeçar a Vida, do quase zero...

Os "militares de Abril" fizeram o que tinha de ser feito !


Autor: Vítor Manuel
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NB: a escolha das fotografias (obtidas na net) e da música (Ruy Mingas - Mona Ki Ngi Xica) é da minha responsabilidade.

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