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sábado, fevereiro 22, 2020

O Governo Sombra, o Pedro Mexia e Rothko, o Vasco Pulido Valente.
E o tempo que passa.




Uma vez mais, estive a ver o Governo Sombra. No outro dia fiquei surpreendida e hoje confirmo que  parece que mudaram ligeiramente de registo. Parece que estão um pouco mais atilados. Se calhar é porque estão todos mais velhos, já terão ganho mais noção de quão efémero é o poder que têm. Talvez seja o tempo a fazer o seu trabalho também sobre eles. Até o João Miguel Tavares parece ligeiramente mais ponderado. Ainda não aprendeu a pensar mas, enfim, parece que já consegue elaborar melhor as tentativas de raciocínio. Acresce que se apresenta mais composto, quase civilizado, cabeça rapada e todo em noir. O Ricardo Araújo Pereira também parece não querer fazer, a toda a hora, o papel de palhaço de serviço. Só às vezes. Quando fala a sério, percebe-se que é capaz de ter qualquer coisa interessante lá dentro. E Pedro Mexia continua equilibrado e com ideias estruturadas pelo que se ouve sempre com interesse até porque se aprende sempre com ele. E estou a dizer isto sem estar a prender-me, particularmente, ao sentido do que defendem mas à qualidade da argumentação ou, pelo menos, à forma como falam sobre os assuntos da semana. Não concordo com muito do que dizem mas para se gostar de ouvir outros a conversarem ou, inclusivamente, para participar na conversa, não é forçoso que todos alinhem pela mesma cartilha.
Sei que o facto de dizer estas coisas pode parecer confuso aos olhos dos fundamentalistas que acham que se digo que simpatizo com o Pedro Mexia, assumido simpatizante do CDS, ou se me mostro mais tolerante com o João Miguel Tavares, conhecido descerebrado que pensa com o nariz (Mexia dixit), é porque tenho motivações secretas. E digo isto pois hoje recebi um mail dando-me conta de uma coisa feia. Para que eu visse com os meus próprios olhos, um Leitor a quem agradeço enviava-me um link para um comentário num outro blog no qual um comentador relativamente habitual do Um Jeito Manso escreve aparentemente sobre mim, mas escreve com a maledicência a escorrer-lhe das mãos, deturpando o sentido do que escrevi e acrescentando que 'o teor de alguns posts já antes era estranho e as respostas a certos comentários eram por vezes provocatórias e nem sempre correctas' e concluía, 'Passarei ao largo desse local daqui em diante'. Não refiro o nome dessa pessoa, ou melhor as duas letras com que se assina, nem coloco o link para o dito comentário pois não me agrada dar palco a gente cobarde e estúpida que não apenas treslê em vez de ler como, em vez de ter a frontalidade de me dizer aqui o que pensa, vai, qual vizinha, fazer fofoquice nas minhas costas. Mas adiante que com gente que age assim não faz sentido que se perca mais tempo do que já perdi. E acho bem que não volte a pôr aqui os pés -- que gente que pensa e escreve com os pés não faz cá falta nenhuma.
Mas, volto ao Governo Sombra só para dizer que, quanto ao moderador, o que tenho a dizer é que estava mais arranjadinho do que o vi ali pela hora de almoço, desfraldado e com ar meio despassarado. Mas nada contra os desfraldados e despassarados.
E, por falar no Pedro Mexia, estive agorinha mesmo a ler o que ele escreve sobre Rothko (na crónica 'O vermelho e o negro' integrada no Livro 'Imagens Imaginadas') e revi-me totalmente nas suas palavras. Fiquei foi muito admirada pois tinha para mim que ele ficaria indiferente a uma pintura a que aparentemente apenas os intutivos e os que sentem com as vísceras seriam sensíveis. Não os exclusivamente racionais. Mas, pelos vistos, ou não é bem assim ou ele não é cem por cento racional. A pintura de Rothko é, de facto, luminosa e ambígua. O que ali está tem a ver, também para mim, com a ideia de acesso a um mundo vedado ou com a ideia de um memorial perpétuo.
O programa de hoje acabou, justamente, com o Pedro Mexia. O livro de hoje foi escolha sua e era um livro de crónicas de Vasco Pulido Valente. Hoje, ao ouvir as notícias, fiquei triste com a saída de cena de mais um. Ninguém cá fica, é bem certo. Mas faz impressão. É tudo tão passageiro, tão sem nexo se visto nesta perspectiva. Mas, enfim, é o que é. No entanto, quando se vai alguém ligado à cultura, parece que a perda é bem maior. Era tão corrosivo, ele. Tinha graça nesse seu excesso de ironia, nessa sua transbordante verrina. Inteligente, capaz de imagens destruidoras mas de uma eficácia brutal. Ia-se para uma crónica dele com a curiosidade de quem quer saber em cima de quem é que ele ia deitar o copo de veneno, sendo certo que o copo de veneno podia ir disfarçado de muitas e engenhosas maneiras. Não há nada como uma pessoa inteligente, culta, bem humorada e de verbo fácil. E, quando mais uma pessoa assim desaparece, inevitavelmente olha-se à volta e percebe-se que não há muitos mais com aquela verve e aquele frutuoso mau feitio e que isso é uma pena. Parece que o nosso mundo se vai extinguindo, tornando-se mais cinzento e triste. Mas claro, isto que digo é um lugar comum, apenas aceitável se me esquecer que essa não é a equação certa pois também nós, um dia, nos iremos e os que vêm a seguir a nós já não estão nem aí. Apenas lerão os sucedâneos do Instagram ou do TikTok que, fiquei a saber ontem, é o que está a dar junto dos mais novos. Portanto, coração ao largo e siga o baile.

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E, por falar em equilíbrios instáveis e em coisas que, se pensarmos bem, não fazem grande sentido -- como andar a gente uma vida inteira a querer aperfeiçoar-se para depois ir desta para melhor -- não vem nada a propósito mas deixem que partilhe este vídeo. É uma construção efémera e inútil. Mas o trabalho que lhe deve dar e a beleza que tem... Coisas que são para a gente ver e apreciar sem pensar muito nelas. Digo eu.


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As pinturas são de Bela Silva e não faço ideia de porque é que me apeteceu trazê-las para um post em que se fala de Rothko tal como não faço a mínima de porque é que me apeteceu ter o Mr. Bojangles a fazer-me companhia. São cenas.

E queiram aceitar o meu convite e descer até onde se festeja a alegria de viver e a sabedoria dos acasos.

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quinta-feira, dezembro 13, 2018

Do além





As horas correm agitadas. Os dias quase desaparecem do calendário, da memória. As semanas passam sem se dar por elas. Estamos a dias do fim de mais um ano. Chegam-me problemas e pedem-me soluções. Estou numa reunião e a chegarem-me, por sms, pedidos de atenção. Ninguém se lembra que posso ficar saturada, que posso precisar de descanso, que posso agradecer que resolvam as coisas por mim. Ando no carro, à hora de almoço, à tarde, à noite, a fazer telefonemas. Se a viagem chegar, falo com a minha mãe ou com a minha filha. Com o meu filho é ele que liga, mais tarde.

Durante o dia forço-me a introduzir alguns momentos de descompressão. Falei neles no mail abaixo. São breves instantes. A hora de almoço por vezes consegue ser boa. Aproveito para tratar de assuntos inadiáveis ou lúdicos ainda que muito breves. Mas nem sempre o consigo. Hoje, por exemplo, queria fazer coisas e não consegui fazer nada e mal consegui almoçar, tanto o tempo desperdiçado para nada.

Depois dos jantares de natal, chegam agora os almoços. Pelo meio as reuniões, as maçadas, contratos que não se percebem, negociações complexas, gente enervada. 


Mas à noite, felizmente, consigo estar aqui sossegadinha. Agora, depois de ter escrito sobre banalidades e partilhado um vídeo muito ternurento, estive a fazer o tapete e a trocar sms com a minha filha. E estou a ouvir a chuva. Um som leve e bom.

E depois, de manhã, se não tiver telefonemas, consigo ir a ouvir boa música.

Na terça-feira, por exemplo, fui em estado de êxtase. Tinha dormido mal. Tinha acordado ainda de madrugada cheia de calor. Quis abrir o vidro mas o meu marido fechou-o pouco depois. Pus a roupa da cama para trás mas logo depois voltei a acordar já tapada: é ele que acha que posso ter frio. E eu cheia de calor. Além disso, lembrei-me de cláusulas que se calhar estavam omissas e outras que estavam pouco claras. Quando uma pessoa dá em labutar com contratos a meio da noite, dificilmente se desenreda a tempo de ainda pôr o sono em dia.


Portanto, ia ano carro sem atenção ou ilusão, apenas indo atrás dos carros da frente. Abstraio-me e vou. E, então, comecei a ouvir uma música do além. Só não parei o carro porque ali era impossível. Mas suspendi a respiração. Arrepiada, emocionada, ouvi -- sem saber o que estava a ouvir.

Em momentos assim só quero é que o trânsito me impeça de andar para que o tempo se suspenda e eu possa ser transportada pelo mero prazer da música.

Percebi que era o Maestro Artur Pinho Maria e o Coro Sinfónico Inês de Castro. Percebi que era a Missa para a Paz de Karl Jenkins. E fui ouvindo em puro estado de maravilhamento. Só ia pensando: de coisas assim há quem diga que, por trás de tudo isso, está um deus. Eu não digo porque não busco o que não conheço. Eu contento-me em poder testemunhar momentos assim, divinos. Para mim, a perfeição, a harmonia, a transcendência, o milagre estão em instantes breves e especiais como estes.

E concentrei-me para não me esquecer de aqui vos dar conta disso. E não me esqueci. Cá estou.

Não encontrei nenhum vídeo com o Coro Inês de Castro a interpretar estas peças mas partilho parte do que ouvi noutras interpretações. Espero que gostem tanto como eu.


E agora peço-vos: tentem ouvir em silêncio, melhor se em puro estado de recolhimento. 
É uma coisa do além.

Benedictus - Karl Jenkins



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Acho que as pinturas que escolhi para juntar ao texto não têm nada a ver com o conteúdo do post  mas talvez algum psicólogo que por aí esteja a aturar as minhas maluqueiras (😄) consiga descortinar alguma relação. São de Bela Silva.

 E queiram continuar a descer.

E uma quinta-feira feliz.

quarta-feira, julho 17, 2013

O Um Jeito Manso fez 3 anos e ultrapassou as 300.000 visitas. Como é isto possível é o que me interrogo mas, seja como for, a todos quantos aqui gostam de vir, os meus sinceros agradecimentos. A vossa presença aí desse lado é, para mim, uma companhia muito real


Poderia dizer-vos que me movo entre jardins distantes, que sou uma sombra transparente feita de palavras que voam, perdidas pelo espaço, que sou uma presença imaterial, um sorriso invisível, uma mão distante que chega até vós. Poderia dizer-vos que vos sinto aí desse lado, sorrindo também, a vossa mão sobre o computador, deslocando estas minhas palavras, como se pegasse a minha mão que escreve para vocês. 

Mas não digo: não sei se me acreditariam.


Música por favor: Distant Gardens
(de Mazgani)





A vida possível entre sonhos, bosques, jardins distantes, seduções, máscaras, ficções
(apesar de este ser um tempo infestado por coelhos e outras pragas)

[- pintura de bela Silva -]


Não me lembro exactamente do dia mas sei que foi por meados de Julho que, há três anos, experimentei fazer um blogue. Não sabia nada deste mundo nem das técnicas, nem dos hábitos, nada. Mas fui fazendo - e fui gostando. 

Sem divulgar junto de quem quer que seja, excepto do meu marido e dos meus filhos, sem usar nenhum meio para tornar o blogue conhecido, o Um Jeito Manso foi dando os seus pequenos passos. Não tinha ambições ou, sequer, expectativas. Era pura descoberta, graça, uma pequena e inocente aventura.

Desde o início, resolvi que o blogue seria anónimo. Exerço funções de responsabilidade num Grupo empresarial e não quero que as minhas posições aqui livremente expressas causem constrangimentos aos meus colegas ou colaboradores, nem quero que quem me lê confunda as minhas posições que aqui são sempre absolutamente pessoais com posições conotadas com o meu vínculo profissional.

Poderia ter arranjado um pseudónimo como tanta gente, nestas circunstâncias, o faz. Poderia ser, por exemplo, Luís Santiago. Mas eu sou tão mulher que me daria muito trabalho escrever como se fosse um homem. Poderia, então, por exemplo, ser Maria Luísa Santiago. Toda a gente acharia normal, ninguém diria que, assinando assim, o blogue seria anónimo. Mas eu gosto tanto do meu nome que me pareceria uma traição usar outro nome que não o meu. Prefiro não ser nome nenhum ou ser UJM. Tanto faz. Aqui sou apenas alguém que escreve. Um vulto transparente. 

Eu, sempre eu, mas incógnita no meio de uma vasta multidão de pontos de luz que atravessa o espaço.

No entanto, apesar do anonimato, tenho falado tanto de mim que, quem me siga, já me conhece muito bem. Ou não. Nem eu sei. Não sei dizer se sou mais eu quando me dirijo diariamente para o meu trabalho, executiva, objectiva, exigente, ou se, pelo contrário, sou mais eu quando desbasto árvores, corto cabelos, invento histórias ou abraço os meus meninos. Ou se sou mais eu quando aqui escrevo diariamente com disciplina, como se não pudesse desiludir os meus leitores que gostam de vir espreitar as minhas palavras, mesmo quando, perdida de sono, me forço a vir aqui dizer olá e pouco mais, ou quando me atiro com raiva aos ignorantes que destroem o meu país. Acho que sou sempre eu. Acho - mas não garanto pois sei pouco de mim. Sei pouco de tudo.

Sendo um blogue anónimo e não divulgado, os primeiros meses do Um Jeito Manso eram meses em que escrevia sem esperança que algum desconhecido me lesse. Acho que já o contei: se me acontecia ter mais de dez leitores por dia já eu ficava intrigada, tantos... E os meus filhos perguntavam-me quantas visitas tinha tido e também se interrogavam, quem será? Se eu via alguma visita do Brasil ficava entusiasmada como se tivesse recebido a visita de um extraterrestre, fazíamos uma festa. E dos Estados Unidos...? Como, quem?Como terão chegado até a Um Jeito Manso? Mistério... 

Mas os leitores foram aparecendo. Um a um foram chegando. Amigos que foram ficando. Uma alegria muito grande. Se agora conto, ontem tive seiscentas e tal visitas..., os meus filhos, o meu marido e eu ficamos admirados, ainda não nos habituámos. Continuo a não contar a ninguém, nem aos amigos, nem à família, só a eles. Está bem assim. Sinto-me mais livre. 

Sei que este número de visitas não é nada de extraordinário quando comparado com outros blogues mas também não preciso de ter falsas modéstias: o UJM não é um blogue colectivo, nem eu sou uma figura conhecida, nem gozo da divulgação que geralmente está associada a um dos factores anteriores (ou à conjugação dos dois). E, por isso, fico contente quando olho para as estatísticas e vejo estes números. 

Interrogo-me sempre sobre como cheguei até aqui. Por um lado penso muitas vezes que é natural que um dia me sinta esgotada, sem assunto, ou cansada, com vontade de me virar para outra actividade. Escrever tanto aqui rouba-me tempo de leitura, por exemplo. Mas que, no entanto, tenha chegado aos 3 anos ininterruptos de escrita aqui é para mim um motivo de espanto (e já nem falo do meu outro blogue, o Ginjal e Lisboa). Mas que tenha atingido um número tão extraordinário de visitas ainda é para mim um espanto maior.

E a todos agradeço. Já muitas vezes aqui vos agradeci. Não pensem que são agradecimentos de circunstância porque o não são: são sinceros e sentidos. Acho que as vossas visitas são uma simpatia a que dificilmente conseguirei corresponder e só espero não vos desiludir. Sou um bocado imprevisível e, por vezes, destemperada. Talvez, por vezes, vos choque. Mas é assim que sou. Só tenho que vos pedir que me aceitem como sou. Não é por mal, nunca é por mal.

Deixei de responder aos comentários porque me punha a escrever e era como se conversasse com cada um, e o tempo passava e eu ali na conversa. Quando começava a escrever os textos do dia já era muito tarde. Mal dormia.

No entanto, tenho continuado a deitar-me tarde, ponho-me a escrever e não páro. Gosto de escrever, é o que é. Por isso, nem sei bem que faça, se volte a responder aos comentários ou se, pelo contrário, tente impor-me alguma disciplina.

E, por falar nisso, por aqui me fico. Temo que amanhã a alvorada seja cedo e eu que, em férias, gostaria da mais absoluta indisciplina e ausência de horários, vejo-me obrigada a algumas cedências. 





Ainda não descansei mas não me queixo. O tempo está uma maravilha e a água do mar está uma beleza. Mergulhos, nadar, que saudades eu tinha... E já consegui ler a última Ler. Amanhã a ver se leio o último JL. E vim carregada de livros, como sempre. A ver se os consigo ler (até para não ter que ouvir os remoques do meu marido que acha que vem carregado desnecessariamente pois geralmente não chego a ler metade dos que trago).



Pelo tom de pele esta quase podia ser eu
- como sempre, acho que sou a mais branca da praia -
mas não sou: eu não uso bóia.

Mas eu estava mesmo aqui, junto a esta água maravilhosa


*

Só me resta desejar-vos, meus queridos Leitores, uma quarta feira muito feliz. E, uma vez mais, o meu muitíssimo obrigada. Bem hajam.

sábado, março 09, 2013

Ser mulher, gostar de ser mulher, gostar de ser tratada como mulher, não aceitar ser menorizada por ser mulher. E algumas mulheres: Graça Morais, Joana Vasconcelos, Bela Silva, Paula Rego, Kate Moss, Pina Baush, Gabriela Montero, Ruth Palmer, Maria Teresa Horta, Maria Bethânia




As Mulheres de Graça Morais


Ontem, 8 de Março, Dia Internacional da Mulher, quando começava o dia, escrevi umas frases vagamente alusivas ao tema. Agora, à hora que escrevo, o dia chegou ao fim e eu, em contra-corrente, em vez de falar das que são espancadas, abusadas, exploradas, quero aqui falar nas mulheres fortes, que se afirmam, que não aceitam a menoridade que apenas na cabeça dos ignorantes existe.

Falo das mulheres que resistem, que lutam, que olham de frente sem acharem que têm que se esforçar mais do que devem, sem aceitarem fazer concessões de qualquer espécie, das que sabem, porque sabem, que são tão válidas como os homens, das que olham de frente e sem medo quem as ameaça ou das que, tendo razão para ter medo, o enfrentam, falam, pedem ajuda, apresentam queixa.

Não haveria, no nosso mundo ocidental, quem as menosprezasse se elas (elas - nós todas mulheres) não o permitissem.



Uma Mulher de Menez


Vergonhas, inibições, medo de censura, tudo coisas que atrapalham os movimentos, que tolhem a vontade, que diminuem a força. E é contra isso que as mulheres, nós todas, temos que lutar.

Ter orgulho em ser mulher: isso é o que é preciso. 


Já aqui o falei muitas vezes. A minha vida profissional tem sido, toda ela, feita num ambiente empresarial, que, pela sua natureza, é tipicamente masculino. Nunca, em momento algum, me senti preterida ou subvalorizada. Sempre vivi, nas empresas, como em todo o lado, de igual para igual. Se tenho que discutir, discuto, se acho que devo ceder, cedo, se me parece oportuno negociar, negoceio, se tenho que exigir, exijo, se devo ouvir, ouço. Sejam com homens, seja com mulheres, sem qualquer diferença.



Mulheres de Joana de Vasconcelos


Decorreu recentemente lá nas empresas uma coisa que se chama avaliação 360º, coisa contra a qual lutei veementemente mas em que, não tendo conseguido levar a minha avante, não tive outro remédio senão participar. Trata-se de cada pessoa se autoavaliar segundo uma grelha, ser avaliada pelos seus superiores hierárquicos, pelos seus subordinados e pelos seus pares, tudo segundo a mesma grelha. Acho isto perverso.  Trata-se de preencher questionários anónimos e eu acho que uma pessoa avaliar os outros a coberto do anonimato é dar cobertura aos cobardes que gostam de ajustar contas pela calada. Há casos sinistros. E geralmente, quando isso acontece, quem é objecto de uma valiação miserável, em vez de achar que tem que melhorar (que é o objectivo disto) fica é furioso, a olhar de lado para toda a gente, tentando descobrir quem o apunhalou pelas costas.

E este método extraordinário aplica-se por igual e segundo igual grelha (umas duas ou três páginas cheias de de questões), desde as posições mais baixas da hierarquia até à administração. Uma coisa que me incomoda mas que, estupidamente, se usa em imensas organizações. Mas adiante.

Fui, portanto, avaliada por toda a gente (da mesma forma que tive que fazer o mesmo). Numa empresa em que as mulheres são uma pequena minoria, devo dizer que tive uma avaliação superior à da média dos meus pares que são quase todos homens (já aqui o disse: num grupo de umas vinte pessoas ligadas à gestão, somos apenas duas mulheres). Ou seja, trabalhando comigo há vários anos, os meus pares reconhecem o meu valor e sabem que o meu valor enquanto profissional é independente do meu sexo.

No entanto, sou muito feminina e gosto muito de ser mulher. Nunca tive que esconder ou minimizar a minha feminilidade, nunca. E eles, subordinados, pares ou chefes homens, reconhecem a minha feminilidade, sem que sintam que isso diminui a minha competência profissional.



Uma Mulher de Bela Silva


E, no entanto, conheço tantas mulheres jovens e ainda tão amedontradas, sentindo-se tão inferiorizadas e achando que, para se afirmarem ou progredirem, terão que cair nas boas graças de algum homem, terão que mostrar a perna, o início dos seios, fazer sorrisos insinuantes. Disparate. Podem até mostrar o que quiserem mas por graça, para seu próprio gozo, por qualquer motivo mas nunca como moeda de troca ou como encoberta promessa. Fazer isso é menorizar-se. 

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E às mulheres que vivem com homens a quem já não amam, o que eu digo é que não o sintam como uma derrota e não receiem 'os outros'. Sopesem as contrariedades, avaliem se as ausências e as renúncias compensam as dificuldades que se seguiriam a uma separação. E, de qualquer forma, nunca aceitem a falta de respeito ou a violência, isso nunca.



Mulheres de Paula Rego


Fazer o que se quer, não virar as costas aos sonhos, não recear a opinião dos outros, não se deixar enredar em pequenas intrigas, pequenos receios, não deixar passar os anos sem viver, não deixar que nos anos que ficam para trás fiquem também as ambições - são conselhos que dou a qualquer mulher.

*

Antes e depois das sessões de fisioterapia em piscina, temos que nos vestir e despir no balneário. Geralmente cada mulher vira-se para o cacifo em que tem o saco com a sua roupa e limpa-se e cobre-se com a sua toalha, tentando vestir-se e despir-se com alguma discrição. Ninguém se põe a olhar para a vizinha do lado e, estando cada uma dobrada e tapada pela toalha, quase consegue encobrir a sua nudez. Uma ou outra lá é mais desinibida mas, ainda assim, com alguma reserva. Se conversamos umas com as outras, geralmente há sempre uma toalha ou uma peça de roupa entre o nosso corpo e o olhar das outras.

Pois bem, esta semana, chegou, de novo, uma mulher jovem. Despiu-se com grande descontração, foi nua e sem toalha para o duche e de lá saíu também assim. Depois limpou-se mas, enquanto o fazia, ia conversando e, enquanto arranjava a roupa para se vestir, estava a meio do balneário, não virada para os cacifos mas de frente, nua, conversando connosco de forma que tínhamos que a olhar. Tinha o cabelo apanhado, seios bem definidos, um fiozinho colorido em volta da fina cintura, a zona pélvica depilada apenas com uma pequena tira ao alto de pêlos púbicos aparados.



Kate Moss, uma Mulher dona de si própria


Toda a figura era curiosa, até pelo seu rosto. Tivesse eu ali a minha máquina, ter-lhe-ia pedido que me deixasse fotografá-la. O que eu gostei de ver o seu total à vontade com o seu corpo...!

Depois encontrei-a no ginásio com uma fisoterapeuta que a punha a fazer posições do além, quase contorsões. Via que tinha dores mas não se eximiu ao esforço e, apesar das dificuldades, ria e, numa altura, fez uns passos de uma incrível leveza, parecia que dançava. Percebi que devia ser bailarina. E é, com certeza, uma mulher livre.





Poderia continuar a falar de mim (e falo não por me considerar um grande exemplo mas porque é o exemplo que melhor conheço), poderia falar de outras mulheres, de políticas, de resistentes, poderia falar das mulheres artistas de que acima mostrei obras, poderia falar das mulheres que abaixo interpretam músicas, poderia falar das mulheres que têm uma estreita relação com as palavras e disso fizeram a sua afirmação profissional e pessoal, poderia falar de tantos e tantos e tantos casos: mulheres que sabem que não são inferiores pelo que jamais aceitariam ser vítimas de inferiorização.





E que cada mulher afirme a sua vontade, tome o destino em suas mãos, não espere, vá, não se lamente, avance. Seja em que situação for.


O homem que percorro
com as mãos
e a lua que concebo
na altitude
do tédio
o oceano
penso paralelo — ventre
à praia intata
das janelas brancas
com silêncio
ciclamens-astros
entre
as vozes que calaram
para sempre
o verbo — bússola
com raiz — grito de relevo
O homem que percorro
com as mãos
a estátua que consinto
a lua que concebo.


[Poema Antigo de Maria Teresa Horta]




*

Apetecia-me continuar aqui, estaria de gosto, mas há que haver algum comedimento, não é...?


*

A todos os meus leitores desejo um bom sábado. 
Agora troveja forte e feio, chove, está uma noite de assombros e eu gosto de noites assim. 
Se o dia estiver na mesma vai estar um belo dia para ficar no aconchego e nas leituras. 
Que, para Vós, seja um dia muito feliz.


quarta-feira, março 21, 2012

Uma mulher perigosa (que usa Chanel, ouve Erik Satie, declama baixinho Maria Teresa Horta e tem um quadro de Bela Silva no quarto)


Música, por favor
Erik Satie -Trois Gymnopédies


Ouve-se uma música suave, quase intangível de tão suave.

O quarto é amplo, a janela vai até ao chão, abre para uma varanda de onde se vê o mar ao longe; mais perto, grandes árvores de um verde escuro, talvez cedros. 

Dos lados da grande janela, dois pesados cortinados num estampado abstracto e harmonioso que varia entre o cinza, o azul. Numa das paredes, na que está pintada num antracite brilhante,  um grande espelho ao alto em talha dourada, vai quase até ao chão, enorme, belíssimo. Na outra parede, pintada de um cinzento quase branco tal como as outras, uma grande consola, um busto negro, um grande espelho (mais um). E a luz entra naquele quarto magnífico e reflecte-se nos grandes espelhos e o ar fresco das árvores e do mar ao longe entra, também, e mistura-se com os cheiros florais que vêm dos roupeiros, da roupa de cama.

Numa das paredes não há nada a não ser um quadro, inesperado ali.

Bela Silva - A Terra dos Beijos

Os tons e os motivos da pintura introduzem ali uma alegria e uma modernidade inesperadas. Quem habita este espaço?

O vestido é de tecido pesado e brilha em verde e azul, escamas esmeralda, nuances de um tom de mar profundo e o vestido tomba ao longo do corpo, cai junto ao chão. Os brincos têm uma esmeralda e realçam a profundidade da cor dos olhos. O vestido não tem costas nem mangas e, no pulso, descai uma pulseira pesada, ouro e esmeraldas. Mais nenhuma jóia, seria demais. 

O espelho mostra uma mulher que se olha de lado, de frente, de costas. Ajeita o cabelo que desce quase até aos ombros, apanha-o ao de leve, avalia a melhor forma de o reter, e vigia, no espelho a imagem da mulher que a olha. Depois, não contente, solta-o de novo, despenteia-se, melhor assim, enfia os dedos no cabelo, agita-o, alisa-o ao de leve. 

Calça os sapatos. Altos, bem altos, verdes, escuros, um veludo subtil e umas leves pedras azuis em volta. Com um ligeiro movimento da perna afasta ligeiramente o vestido, quer que o sapato apenas espreite, está bem, dá uns passos, olha-se de lado, de costas, ajeita o cabelo, ensaia o andar. Voluptuosa. Talvez demais. 

Anda de novo, mais discreta, olha agora de lado, um olhar discreto. Avança para o espelho, meneia as ancas mas, apenas, ao de leve. O olhar basta, não é necessário que as ancas introduzam distracção. Mas depois pensa melhor e decide que sim, o andar será lento, as ancas marcarão o ritmo, uma gata andando com cuidada precisão.

Chega-se ao espelho. Passa uma sombra escura nas pálpebras, depois uma sombra clara junto à sobrancelha, depois o eye liner, depois as pestanas tornam-se mais espessas, e o olhar ganha mistério, mais mistério. A seguir olha a boca. Pega num baton, hesita na cor, talvez um rosa quente, talvez uma cor de morango brilhante, olha o baton, olha, no espelho, a boca, avalia, hesita, opta pelo morango doce e vermelho, mais quente. Fecha e reabre os lábios, sorri, olha-se e sorri, e é malícia que assoma ao rosto, gosta, ensaia de novo, sorri do sorriso.

Afasta-se do espelho, vê-se de longe, está bem, gosta.

Depois, um sobressalto. Como podia esquecer-se de uma coisa tão importante? Imperdoável. Era como se fosse nua, que horror, que esquecimento. Pega, então, no frasco Chanel e um leve sopro húmido chega-lhe ao pescoço, afasta o cabelo, agora é a nuca, um pouco, basta pouco. Depois atrás das orelhas, um leve segredo molhado, nada mais que isso.

Debruça-se um pouco e umas gotas tocam o colo, lá bem em baixo, na nervura dos seios. Uma intuição apenas, nada de definido, uma subtil alusão, Chanel em doses fatais, breves, apenas para entendedores.

Afasta-se. Agora sim. Agora está pronta.

Veste então um pequeno casaco de pedras escuras. Depois o despirá mas agora, para entrar, será assim, um  casaquinho sobre o belo e pesado vestido. A sedução apenas adivinhada.

Ensaia o olhar. Depois tem uma ideia. Fotografa-se a si própria. Olha a fotografia. Gosta. 

Cate Blanchett para a Harper's Bazaar por Alexi Lubomirski


Ensaia a imagem enquanto fala e diz em voz baixa, um sussurro apenas,


                                                                                                           Quando menos
                                                                                                            se aguarda
                                 
                                                                                                            Vence-se da flor
                                                                                                             o vício

                                                                                                             O fogo da palavra

                                                                                                             E desobedecendo
                                                                                                             tudo torna ao início



Sorri, ah o fogo das palavras... e o olhar é quente como as palavras que desobedecem desde o início. Sorri, pois, ao espelho e o sorriso começa no olhar e pousa, malicioso, nos lábios.

Antes de sair, olha para trás, de novo, olha-se ao espelho, de frente, de lado, do outro lado, de costas e espreita sobre o ombro, roda, de frente outra vez, de alto a baixo, depois apenas o olhar, ah o olhar que confirma a perigosidade. Ajeita o vestido. 

Sorri. Avança para a porta, avança para ganhar. 


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[O poema chama-se Início e é de Maria Teresa Horta.

E, por poesia, não deixem de ir de passeio até ao meu Ginjal, que hoje temos uma valsa de Ravel para iluminar um torpor especial]

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E, meus Caros, tenham uma bela quarta feira!