Mostrar mensagens com a etiqueta Sona Jobarteh. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Sona Jobarteh. Mostrar todas as mensagens

domingo, março 07, 2021

Um dia dedicado a montagens, a trabalhos esforçados e a suaves acalmias

 


Calorzinho, algum sol, tempo amável. Dia bom. Qualquer dia ainda começo a gostar de viver neste regime.

Acordei a ouvir barulhos não identificados. Geralmente acordo envolta em silêncio ou com passarinhos a cantarem na cameleira ou no beiral. Enfiei umas calças e uma blusa rápida e fui investigar. No terraço lateral, o meu marido tinha tirado da caixa umas mil pièces détachées e estava de joelhos, furioso, que não tinha paciência para aquilo, que aquilo era tudo uma porcaria, tudo mal feito, tudo mal explicado. E já estava de martelo em punho, não percebi a fazer o quê. Avisei-o que, se partisse aquilo, ia tudo à vida. Furioso, que não dissesse nada. Pedi que ficasse sossegado, que me deixasse lavar e tomar o pequeno almoço que já ia ajudar. Furioso, disse que achava que tinha colocado umas peças ao contrário e que agora não as conseguia desencaixar. Era nessa operação que estava de chave de fendas e martelo. Temi o pior. Se partisse algum bocado aquilo, o que faríamos? 

Lá fui à minha vida, inquieta. Mas, noblesse oblige, primeiro as minhas abluções matinais seguidas da minha fruta, kefir com frutos secos e um café longo. Só depois disso consigo funcionar.

Quando lá cheguei, já nem se podia falar com ele. Nestas ocasiões, é como se a culpa de tudo fosse minha, como se, ao encomendar online um par de cadeirões e uma mesa, fosse expectável que viesse tudo por montar e que montar fosse um quebra-cabeças. Claro que, na volta, algures na descrição do produto, deveria dizer que vinha desmontado. Mas quem ia imaginar tal coisa? Que os cadeirões poderiam vir desmanchados...?

Mas, então, com a minha calma, lá passei por cima daqueles desacatos e pus-me, em conjunto com ele, a tentar perceber o que se tinha passado para ver se conseguia ajudar. O manual, de facto -- e aí ele tinha razão -- era muito pouco explícito, nada a ver com os do ikea. Não percebi o que era suposto ter feito pelo que nem sequer concluía que aquelas peças estavam montadas ao contrário mas ele insistiu que, para prosseguir, as peças tinham que estar ao contrário. Olhei, olhei e fiquei na mesma.

Até que, não sei como, com uma pancada pela lateral, uma peça se soltou. Era o truque: uma simples pancada de desencaixe pela lateral. Começámos, então, do início, com calma. E percebemos que ele tinha feito outra coisa mal, não tinha seguido escrupulosamente a sequência indicada, embora o que ali estava fosse dúbio. Sou pouco dada a construções e pior ainda se há muitas peças quase iguais mas, de facto, todas diferentes e o manual é mal explicado.

Claro que, quando vi dois bocadinhos no chão e exclamei :'olha, conseguiste mesmo partir qualquer coisa!', ele disse que não, que um dos bocadinhos já vinha partido, que caiu quando tirou as peças da caixa, e que o outro nem sabia se fazia parte. Respondi: 'Deves estar a gozar'. Mas achei que não valia a pena, os bocadinhos eram ínfimos, nem se deveria notar, não justificavam um acareação.

A seguir, em equipa, tentando desvendar o sentido das coisas, um segurando, outro encaixando, sempre com aquele manual mal engendrado à vista, lá fomos entrando na lógica da coisa e dando conta do recado.

Já ali estão, bem bonitos. Já lá estive sentada. Bem agradável. Um recanto tranquilo e simpático. 

Claro que, nessa altura, a disposição da fera já estava um pouco melhor. Por isso, ousei: agora é o espelho. 

Não reagiu mal de todo mas que não, que estava era na hora de irmos caminhar, que estava era já com dores nas costas, que não sei quê, que não sei que mais. Fomos andar, na boa. Uma caminhada longa, bem disposta, um solzinho à maneira.

Quando chegámos, com calminha, com receio de estar a abusar da minha sorte, disse: 'Então, pronto, agora vamos pôr o espelho...'. E ele: 'Vamos...? Ou vou eu?'. Anuí: 'Sim, vais tu. Mas eu ajudo: digo onde é...'.

Tirei os dois quadrinhos que estavam naquela parede, disse onde era para pôr o espelho, ele fez os buracos na moldura e passou o arame para pendurar, furou e pendurou. Quando estava a bater em retirada, eu disse: 'Agora são os quadrinhos...'. Ele, deveras zangado: 'Olha, vai...'. Por acaso, não concluiu. Mas disse que não ia fazer mais buracos. E estava decidido e, pior ainda, cheio de fome. Eu disse que ia eu. Ele ficou furioso, que eu o pressiono, que o faço fazer o que ele não quer. Eu perguntei: 'Pressiono... eu? Então se estou a dizer que os ponho eu...?'. E ele: 'Pões, pões...'. Mas lá perguntou onde é que era para os pôr. E lá ficaram postos. Trabalhinho todo feito. 

O que me valeu é que já tinha o almoço pronto da véspera: iscas de cebolada, com batatinhas. Foi só aquecer.

A seguir ao almoço, fomos os dois para o jardim, apanhar sol. Levei um livro, Milena, para ler. Mas o sol estava de frente, não deu.

Depois ele foi para casa e eu fiquei. Resolvi, então, ir à horta buscar uns paus grandes com um V na ponta para segurar uns troncos grandes de um filodendro gigante que quase impede a nossa passagem. 

E tentei. Tentei arduamente. Mas os ramos são grossos e pesados e não conseguia segurá-los e ao mesmo tempo sustê-los com o pau. Então voltei a casa. Estava ele já deitado no sofá a ver futebol. Quando me viu, percebeu logo que euqueria qualquer coisa: 'O que é que foi agora?'. Disse: 'Estou ali a fazer uma coisa mas não tenho força, não consigo sozinha'. Levantou-se, irritado: 'Já estava aqui há dez minutos, de facto já era muito.'. Enquanto íamos, ia-se zangando: 'E estiveste a tentar tu levantar aquilo...? Se amanhã não te puderes mexer, não te admires'. 

E, a meias, lá tratámos do assunto, não sem que ele, no fim, tivesse tentado cortar muito mais do que as quatro big folhas que cortou. 

Depois de se ter ido embora, de novo por minha conta, fui ainda arranjar um esconderijo para os contentores de lixo. Podem não estar no sítio mais prático mas mal se vêem e, portanto, não são uma mancha estética naquele acesso lateral que quero ver mais desimpedida e com flores.


E depois fui apanhar tangerinas, fui apanhar pinhas e pu-las em volta de um tronco, e fui fazer fotografias, estas e mais um monte de outras, e fui falar à família e fui fazer chá e... assim foi passando o tempo nesta doce tranquilidade que o anúncio de primavera ainda torna mais aprazível.

E depois, à noite, a seguir ao jantar, pus-me para aqui na moleza, a dar-me o sono, a ver vídeos de casas, de jardins, de música, de entrevistas. 

Partilho um vídeo. É uma mulher de forte personalidade, ela, e, curiosamente, nesta altura da sua vida, ainda cheia de dúvidas e de vontade de descobrir novos interesses.


Marília Gabriela de frente com Lázaro Ramos | Espelho



A todos os que por aqui passam desejo um belo dia de domingo


quinta-feira, janeiro 18, 2018

A beleza dos negros

[E, a despropósito, um cheirinho de David Helfgott, o pianista louco]




Como não repetir-me se todos os dias aqui escrevo e se a vida que tenho para contar é só uma, a minha?

Perdoem-me, pois, se estão recordados daquilo que hoje aqui vou reviver.

Ao lado de uma das minhas avós morava a Vizinha Modista. Havia a moradia de habitação, um pátio e depois um grande atelier envidraçado e de cujas janelas pendiam vasos com fetos. Lá dentro, naquele amplo espaço, trabalhavam outras modistas e ajudantes. A minha mãe, em adolescente, nas férias, chegou a andar lá, a aprender costura.

Por vezes a minha avó deixava-me ir para lá e, para me manterem entretida, punham-me a apanhar alfinetes, a enfiar linha nas agulhas, a apanhar linhas ou retalhos do chão; e andava de roda de uma e outra a ver o que faziam, fazendo perguntas, encantada com aquele mundo tão exclusivamente feminino. Aquilo de que eu lá mais gostava era da grande mesa de corte onde havia sempre pedras de giz para fazer as marcações e uma tesoura grande e preta em que uma das partes corria o tecido encostada à mesa, fazendo aquele belo e denso arrastar metálico. 

Segundo eu ouvia a minha avó a conversar com a minha mãe, a Vizinha era careira. Perfeita mas careira. Tinha clientes importantes, de entre as quais várias aristocratas que vinham de longe nos seus grandes carros guiados por chauffeurs. Vinham aos grupos. Uma delas era da idade da minha mãe e conversavam muito. Para as outras pessoas ela era a Senhora Condessa mas a minha mãe tratava-a pelo nome. Tinha muitos filhos. Saíam do carro, buliçosos, muito bonitos e muito alegres. Uma era da minha idade e tinha um nome que a mim me parecia atípico pois não conhecia ninguém com aqueles nomes e, muito menos, conjugados. Desde logo, para mim, aquele nome me encantou e, para sempre, ficou guardado dentro de mim. Foi o nome que dei à minha filha.

This is a portrait of Chaila. She is 23 years old. She moved from Equatorial Guinea to Europe all by herself five years ago. Her youth was very tough. Moving away to the west was a brave decision but she now is excited about her future. She studies and works as a mannequin in Belgium. She loves to cook, dance and sing and dreams of becoming famous

A Vizinha Modista, talvez pelo contacto com as suas clientes, tinha um porte também aristocrata e uma voz com um timbre melodioso mas imponente. Era baixa, forte, peito proeminente e tinha um cabelo preto, ondulado e sempre muito brilhante. O marido, que era muito alto e magro, era uma simpatia mas, ao pé dela, uma sombra. Ela, apesar da sua baixa estatura, irradiava superioridade, confiança, assertividade.

Tinha dois netos, um bom bocado mais velhos que eu, que cedo se emanciparam. Num tempo em que ainda ninguém sonhava com o Erasmus, ambos foram estudar para outros países. Nunca sabíamos bem por onde andavam. A neta era baixinha mas tinha um ar muito moderno, jeans justos, cabelo curtinho. Quando vinha de férias e ia visitar a avó eu ficava toda contente pois parecia que ela chegava de outro planeta. O neto vinha cada vez mais espaçadamente a casa da avó, gostava de andar a conhecer o mundo.

Mas eis que um verão a neta trouxe uma novidade: um namorado. Lembro-me dele: um choque para todos. Gigante. Fazia dois dela. E negro, negro, negro. Não se falava de outra coisa. O namorado da neta da Vizinha Modista.

Quando o vi fiquei estupefacta, maravilhada. Nunca antes tinha visto um negro. Um gigante negro e sorridente, com uns belos dentes brancos. Punha o braço sobre os ombros da namorada e ela desaparecia.

Yesni was born in Ethiopia and later adopted by Dutch parents. She is 26 years old. Her name means ‘one in thousands’. Yesni is an activist, performer and creator. She loves fashion and music.

Lembro-me da minha mãe comentar, irónica: Para a Vizinha foi um choque. Não confessa mas nem vale a pena. Basta repara naquele 'apesar': "é bom rapaz apesar de ser preto..."

Durante muitos anos, quando se falava de preconceito racial a minha mãe lembrava a vizinha: 'é bom rapaz apesar de ser preto'. 

Por onde eu circulava não havia negros: nas escolas onde andei, nem um. Nas vizinhanças, também nenhum.

Só já na faculdade. Angolanos. Lembro-me de dois. Esculturais. Negros, negros. Tinham uma little paixão por mim. Quando eu estava na cantina, eles vinham ter comigo. Um oferecia-me iogurtes, coisa que eu achava divertida mas que, por dentro, me enternecia. Para ele, um iogurte era qualquer coisa. O outro ficou muito zangado quando cortei o cabelo pois gostava muito do meu cabelo. Eram muito delicados, muito sensuais e bonitos. Os meus dois namorados não achavam graça nenhuma: quando chegavam ao pé de mim, estava sempre eu guardada por aqueles dois belos rapazes.

This is a portrait of Ninho. He is 29 years old. He moved to Europe from Angola 10 years ago. His family is still in Angola. He works in the entertainment business in the Netherlands and loves music and sports.

Voltei a encantar-me com um negro anos mais tarde. Era moçambicano, um jovenzinho que teria uns catorze ou quinze anos. Magro, alto, também muito negro. Inteligentíssimo, o melhor aluno que tive. Ainda hoje me lembro do nome completo dele, três nomes que se conjugam de forma muito musical. Eu tinha vinte e um anos (foi no segundo ano que leccionei) e ele pouco menos que eu. Mas, na altura, a mim parecia-me fazer diferença e impunha-me sem muita dificuldade. Se for ao google e escrever esse nome, aparecem-me vários e não faço ideia se algum é ele. Inteligente como era, imagino que terá uma profissão muito boa. E era muito bonito, uma gazela elegante e ágil.

Sempre achei que os negros (e as negras) são muito belos. A pele, as feições, a alegria. Tudo nos negros me parece extraordinário, esbelto, feliz. Sempre que posso, à socapa, fotografo negros de perfil. A primeira fotografia que aqui mostro foi feita por mim no domingo. Puxei pelas cores para obter mais contraste e para que o perfil do belo jovem sobressaísse ainda mais. Têm um perfil que geralmente é muito bonito. Há uma estética fascinante nos negros.

Não sei porque existe preconceito ou sentimento de superioridade em relação aos negros. Juro que não sei. Não faz qualquer sentido.

As três últimas fotografias são da autoria de Dagmar van Weeghel e mostram, de forma límpida, como são belos os negros.

This is a portrait of Penda Mbaye, 18 years old. Penda came to Europe eight years ago together with her sister. She and her sister reunited with their mother in Belgium after being apart for 5 years. Penda came from Guinea Conakry. She now studies in Belgium and loves fashion and cooking. She wants to travel the world.
.........................................

E permitam uma nota que injustamete é de rodapé. A RTP tem exibido documentários e filmes muito bons. Verdadeiro serviço público. Acabei de ver um documentário que me fascinou. Levei imenso tempo a escrever este post porque, ao contrário do que é costume, em que estou com um olho no burro e outro no cigano (e nada contra burros ou ciganos), desta vez dei por mim, esquecida da escrita e a ver atentamente o fantástico pianista David Helfgott. Se puderem, não deixem de ver: Olá, Sou o David!

Não vem nada aqui a calhar mas não consigo deixar de pôr: Gillian Murray fala do marido, David Helfgott.


.................................................

No post que se segue, poderão observar o meu estupor catatónico ao saber que há uma artista, Olek de seu nome artístico, que tem uma obra muito arraçada com a da Joana Vasconcelos. Dir-se-ia que uma delas anda a beber demasiado da outra. Ver para crer.

...........................................

quarta-feira, março 08, 2017

Conversa de mulheres
[Onde a Prima conclui que Dindinha não é sapiossexual
-- e onde a criadora de ambas se demarca daquela conversa]




Dindinha diz:  "É dia da Mulher e parece que só se fala do lado chato e duro de se ser mulher. Não acha, Prima?"

Diana concorda: "É que, tantas vezes, não é mesmo fácil ser mulher, Dindinha. Sabes lá. Sei de casos. Tão duro. Às vezes, tantos disfarces para se conseguir suportar. E os medos, menina, sabes lá. Tantas dores que se engolem como se fossem lágrimas. Nem sabes, menina. Mas estou contigo. Prefiro festejar o facto de ser Mulher. E acho que dá mais força às mulheres se forem fortes, confiantes. Mas deixa. Olha, já pensaste como é que vais festejar o dia, Dindinha?"

Dindinha faz beicinho: "Não, Prima, não sei mesmo. O Tom anda armado em estúpido, agora deu em sonhador, diz que prefere sonhar com uma certa musa. Nem fotografias me quer tirar. Nem poesia me quer ensinar. Já lhe pedi: 'ao menos gramática, Tom...' Não quer, diz que tem mais que fazer, que eu dê pontapés na gramática à vontade. Já viu, Prima?"

Diana faz-se de desentendida: "Deixa, menina. Também tem idade para ser teu pai. E se calhar cansou-se de ser professor. Na volta pôs-se nas mãos de alguém que o ensine a ser gente"

Dindinha não é dada a subtilezas. Por isso, não presta atenção à ironia da prima e continua: "É um parvo. Um traidor. Hoje mandei-lhe uma sms a chamar-lhe isso, traidor. O estúpido respondeu 'Traduttore, Traditore'. Parvo. Sempre a querer armar-se em bom. Também não quero saber. Tenho um colega novo que é o máximo. Não sabe latim, nem grego, odeia filosofia, não vê boi de história, acho que nunca leu um livro. Mas é lindo de morrer e tem um corpo que me faz desfalecer"

Diana ri: "Não és, portanto, sapiossexual, Dindinha..."

Dindinha arregala os olhos: "Credo, Prima, não sei o que é isso mas digo já que não. Sou bi. A minha sexualidade é fluida, Prima. Confesso. Mas a sua também, não é não, Prima?"

Diana responde: "Não sei do que falas, menina."

Dindinha ri e diz, toda ela malícia no passar da língua pelos lábios: "Sabe, Prima, sabe sim, então não sabe...?"

Diana aborrece-se: "Qual fluida, menina. Sólida. Mas deixa. Olha, conta lá, que me quero divertir: o que mais aprecias num homem?"

Dindinha não hesita: "Num homem gosto do corpo, gosto da forma como me olha, da forma como mostra que me quer, gosto da forma como me agarra, gosto que me faça rir, que me faça ver estrelas, que não me faça sentir burra, que goste de estar comigo".

Diana fica a pensar. Depois diz: "E não gostas de quem goste de conversar contigo, que te escreva longas cartas, que te leia poemas de amor, que te surpreenda com as suas contradições, que te provoque, que te deixe a pensar, que goste de livros e de música e de arte e que te encha de dúvidas e de estremecimentos?"

Dindinha responde: "Oh Prima, até podia ser, mas só em doses ligeiras. Odeio, Prima, odeio aqueles chatos que, a propósito de cada coisa, se lembram de livros, que acham que toda a gente é igual a personagem de livro, que acham que são mais espertos que toda a gente, que gostam mais das histórias dos livros do que das histórias da gente. Odeio. São uma seca. O Kikinho, este meu colega novo, é o oposto. E tem umas mãos, Prima, umas mãos. Grandes, fortes, sábias. Passe a mão aqui no meu peitinho, Prima, veja como está uma seda... Pôs-me uma loção de alfazema, sabe, Prima. Cheire, veja como cheira bem".


Diana diz: "Não me atentes o juízo, menina."

Dindinha insiste: "Prima não queira ser essa tal sapiossexual que isso não me parece coisa boa. Descontraia, Prima, descontraia. Daqui a nada chega o Kikinho e vou dizer para ele passar a loção de alfazema na sua pele, Prima. Vá mentalizando o seu corpo, Prima. E depois vou dizer para ele lhe fazer também um estremecimento já que gosta tanto disso, Prima. Aposto que isso ele sabe. Aposto um beijinho, Prima."

...................... ....................

E, aqui chegada, a criadora de Diana e de Dindinha sai das águas em cujas profundezas habita, sacode as exíguas vestes, encolhe os ombros e, suspirando, lamenta-se: 'Estas duas, senhores, sempre a moerem. Como se eu tivesse alguma coisa a ver com estas parvoeiras. É que já começam a cansar a minha beleza. A história já acabada e mais que acabada e estas duas que não me largam, credo. Eu a querer debruçar-me sobre as cartas do Séneca e estas para aqui, troloró-troloró, só a distrairem a minha atenção'.

E, perscrutando o horizonte, demarca-se das suas crias e, segura e confiante, avança noutra direcção.


.............

De seguida, quando ninguém a vê, num inesperado volte-face, a autora arranca a máscara, uma e outra, todas as máscaras, todos os disfarces, todos, todos e, olhando os Leitores nos olhos, diz: "Esta sou eu. Com mil vidas, mil anos, mil mundos, coberta por mil palavras, mil recordações, mil rugas. Nua. Coberta por véus. Envolta em cores e em sonhos. Eu, aqui inteira perante vós. Uma mulher. Mil mulheres"


_____________

A última fotografia é de Steve McCurry.
Lá em cima Sona Jobarteh interpreta Saya.


_____________


E queiram, por favor, descer caso queiram conhecerem um Segredo muito especial.

..............