Tenho que confessar: nunca li nada do Stephen King. Não posso dizer se é bom, se é mau. Sei que os seus livros vendem-se como pipocas saltitantes e que há filmes, feitos a partir dos livros, que foram outros tantos sucessos. Também nunca vi nenhum. Provavelmente é preconceito meu. Achando que sou uma mente aberta tenho, contudo que reconhecer que os preconceitos que tenho são mais que muitos. O género, as capas, as cores, tudo ali me afasta. Contudo, vendem-se aos milhões. Deve ser a melhor recompensa para um escritor. E, na volta, se calhar, se me afoitasse, sentir-me-ia surpreendida.
Em relação a Marguerite Duras, escritora também de milhões e de cujos livros também se fizeram filmes (pelo menos de O amante), não tenho preconceitos e já li vários livros. E gosto bastante.
Imagino que não poderiam ser mais diferentes um do outro.
Mas que sei eu?
Têm, contudo, em comum -- e isso acho que não oferece dúvidas --, o gosto pela escrita. Falo no presente em relação a ambos embora a Duras já lá esteja faz tempo. Mas os escritores, os bons, são eternos.
Talvez ela seja mais autobiográfica, quase confessional, talvez burile mais a escrita tentando ficcionar a sua própria vida ou a dos que lhe eram mais próximos, enquanto Stephen, aparentemente, tem uma ideia enquanto enfia a primeira perna das calças e, quando enfia a segunda, já está a história concluída na sua cabeça.
Seja como for, gosto sempre de ouvir os escritores. Tenho para mim que os que o são mesmo têm qualquer coisa em si que os torna especiais. Mas também posso estar enganada, claro.
Stephen King reflects on his iconic career and latest release 'You Like It Darker'
Stephen King, has gone on to write more than 60 books and many have been turned into such films as “The Shining” and “Shawshank Redemption.” Jeffrey Brown spoke with King about his latest book, “You Like It Darker,” and the long arc of his career.
Une vie : Marguerite Duras
"Je crois que l’homme sera littéralement noyé dans l’information. Dans une information constante." Résistante, femme de lettres insoumise et engagée, Marguerite Duras était aussi une visionnaire.
Tenho ideia que se costuma dizer que as mulheres que escrevem são perigosas. Mas, se calhar, é mais abrangente.
Na verdade, muita gente tem achado Salman Rushdie perigoso e ele já tem pago, de todas as formas possíveis, as consequências dos riscos que corre ao escrever.
Se antes, as ameaças, o viver sob protecção e tudo aquilo por que passou, certamente lhe deixou algumas marcas, a última situação, o atentado à facada, deixou-lhe marcas físicas muito evidentes. E traumas que parecem também evidentes.
Tudo o que envolve o crime perpetrado contra ele é terrível, a começar pelo sonho premonitório. Nem imagino o que é ter um pesadelo, ficar assustado, ficar sem vontade de ir, e, depois, viver essa situação, sentir-se apunhalado, catorze vezes a faca a entrar-lhe no corpo, não conseguir defender-se, cair a sentir que estava a esvair-se, o chão a encher-se de sangue... Estar às portas da morte depois do terror pelo qual passou deve ser terrível, não saber a extensão e as implicações das lesões... tudo terrível.
Mas ele tem conseguido vencer as ameaças, as más lembranças, os fantasmas, transformando-os em palavras.
Andersen Cooper, como sempre, mostra que é um dos grandes entrevistadores do nosso tempo
Salman Rushdie has come to terms with the attempt on his life the only way he knows: by writing about it in his new book. He details the experience in his first television interview since the attack.
Numa operação de zapping, comecei pela 1. E passei pela Fátima Campos Ferreira, naquele seu tom repuxado, quase gongórico, a entrevistar o José Luís Peixoto. Sei que é escritor renomado, um dos mais publicados e, se calhar, até lido.
Quem por aqui me acompanha saberá que, nesta como em muitas outras coisas, não sou flor que se cheire. Não é por mal nem para chatear nem para mostrar que sou diferente mas a verdade é que tendo a não gostar do que é consensual para a maioria das pessoas. Não gosto nem deste fofinho nem do fofinho Valter Hugo Mãe nem do fofinho em versão tentativamente alternativa Gonçalo M. Tavares. Não fazem o meu género nem como escritores nem como pessoas.
Mas, lá está, posso ser eu que vou em contramão na autoestrada. Se calhar estes fofos, simpáticos, que gostam de se fazer passar por simples, quase simplórios (e, se calhar, estão a ser genuínos), são como é suposto os escritores fofos serem e eu é que não atino pois toda a gente, menos eu, sabe que os escritores se querem fofos e que, os homens em geral, se querem também muito fofos. E se há algum Editor aí desse lado que não concorda pois que faça o favor de o dizer.
O que aconteceu é que o meu marido quase saltou da cadeira quando viu aquele dueto: 'Não vais pôr-te a ver estes dois pois não?'. Sosseguei-o, que não, mas que pacientasse durante dois minutos só para eu aferir a minha opinião. Não precisei de dois minutos. Mudei. Aquela pessoa que ganha a vida a ser escritor não faz o meu género. Agora com uma coisa fiquei eu estupefacta: apareceu de olhinhos azuis clarinhos. Ora juraria que é moreno de olho castanho. Ou não? Sempre foi fofinho de olho azul ou, para reforçar a fofura, resolveu aplicar lentes cor de olho de boneca?
Só isso. A quem puder esclarecer, agradeço.
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Aqui neste vídeo não se vê bem mas, no plano que calhei apanhar, eram azulinhos, azulinhos sem tirar nem pôr.
Fátima Campos Ferreira em Primeira Pessoa com José Luís Peixoto
PS: Mas não sou só niquenta com os nossos fofos escritores-estrela. Tenho muito mais opiniões assim que fazem com que frequentemente me sinta carta fora do baralho. Quando meio mundo gaba a última obra ou a qualidade da escrita ou a honestidade da narrativa de vários outros eu salto fora, assumo-me como freak, digo logo que o mal é certamente meu. Por exemplo: Lídia Jorge. Prémios e mais prémios. E, no entanto, como escritora não tenho paciência para ela, acho-a uma maçadora. Portanto, estão a ver.
Não posso dizer que o dia tenha sido dos mais tranquilos. As situações com a minha mãe vão ocorrendo mas aparecem-me, sempre, envoltas nos receios que ela tem e que, voluntária ou involuntariamente, não me permitem clareza de análise. Acho que já o referi (e talvez, até, mais que uma vez): tem mais medo dos medicamentos do que das doenças. Por isso, faz de tudo um pouco, para provar que não precisa ou que não pode tomar o que prescrevem.
No outro dia um amigo médico enviou uma piada de médicos (não sei se sabem mas há milhares de piadas sobre médicos e doentes que os médicos animadamente trocam entre si). Nessa piada a que me refiro, um 'paciente' vai ao médico contrariado, apenas para fazer a vontade à mulher que acha que ele está doente. O médico prescreve uma coisa que não ata nem desata, apenas para o homem sair dali confortada e a mulher convencida. A verdade é que o comprimido provoca um efeito secundário que deixa o homem incomodado e o leva novamente ao médico. A seguir segue-se uma longa narrativa em que para tratar o mal que os comprimidos anteriores fizeram, o médico vai prescrevendo outros. Às tantas, o pobre 'paciente' já está mesmo doente, toma todos os dias dezenas de comprimidos e, ao fim de algum tempo, morre.
E, até porque, na realidade, a gente nunca sabe o que vai acontecer e porque, na verdade, a minha mãe é autónoma e independente e sabe o que faz e é senhora do seu nariz, nunca quero pressionar. Mas não é fácil. O meu lado pragmático, racional, objectivo, fica sem saber bem como lidar com estas situações com que me vou deparando. E depois, com alguma frequência, as decisões dela, baseadas (ainda que não conscientemente ou, pelo menos, não assumidamente) nos seus medos, não dão bons resultados.
Mas, enfim... Apesar de tudo ainda consegui dar um salto até à praia. Estava boa. Pouco sol mas temperatura amena.
E tinha metido na cabeça levar uma toalhita, daquelas pequenas e ultraleves, para me deitar ao sol. Não sei onde é que estava com a cabeça. Mal a estendi na areia, a fera fez-se de lord e, imediatamente, deitou-se-lhe em cima. Pimbas. Tudo dele. Pensou, imagine-se, que a toalha era para Sua Excelência.
Afastei-o, claro, mas fez-se de desentendido e o mais que consegui foi espaço para me sentar.
Logo de seguida, levantou-se e, freneticamente, desatou a escavar à volta, enchendo a tolha de areia. Tive que me afastar para não ficar revestida a grãos de areia.
A seguir, quando apareceu água no buraco que fez, enfiou-se lá dentro. E depois, todo molhado, sacudiu-se. E depois voltou para a toalha. Ou seja, impossível refastelar-me. Estive de pé, pois claro. Portanto, aquele devaneio de estar a apanhar banhos de sol saiu-me duplamente furada.
Menos mal. Só de estar na praia já é bom. E caminhámos e fui à água. Mas se me molhei à gato, a minha valentia não deu para mais, não consegui coragem para mergulhar.
Em casa fiz sopa e caldeirada. E telefonei. E estive a ler.
E, de concreto, para além do relatado, pouco mais.
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E que entre Jacob Collier, ao vivo em Lisboa, com Somebody To Love
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E chamo a vossa atenção para este alerta (por favor carreguem no link para lerem o texto completo da autoria do sempre atento e sempre jovem Eugénio Lisboa):
Não deve ter interesse para ninguém mas, como tenho passado os últimos dias com este assunto em mente, parece que, agora à noite, tenho que desabafar um pouco.
Meti na cabeça escrever uma coisa num prazo muito curto. Resolvi escrever sobre uma situação muito concreta em que, de certa forma, tenho sido espectadora.
Como é uma situação real, sei o que se passou até aqui mas não sei o que vai acontecer doravante.
Claro que poderia prosseguir a narrativa inventando.
Mas, às tantas, pareceu-me que, mesmo inventando, o assunto esgotar-se-ia sem grande graça.
Só que, nestas coisas da ficção, mesmo quando se está a relatar uma situação real, a imaginação intromete-se. E se há coisa que de há muito sei é que a imaginação tem vontade própria. A gente não sabe quais os caminhos que vai percorrer e para onde vai levar a narrativa.
Foi o que aconteceu.
Sem que eu tivesse premeditado, do nada apareceu um personagem. E esse personagem trouxe outro. E, sem que eu pudesse interferir, às tantas tomaram conta da história.
Agora, aqui chegada, aconteceu uma outra coisa. Estando eu, de início, a relatar acontecimentos reais, fi-lo na primeira pessoa. Ou seja, eu na história sou eu na realidade. O meu marido na história é o meu marido de verdade.
Ora os novos personagens viraram a história de pernas para o ar e, se fossem de verdade, viravam a minha vida também de pernas para o ar.
E, nesta altura da escrita, vejo-me bloqueada.
Eu faria isto?
Eu aceitaria que o meu marido fizesse aquilo?
E por mais que me auto-convencesse que é uma ficção, a verdade é que os dias passavam, as páginas avançavam e eu era incapaz de escrever aquilo que a narrativa exigia.
Portanto, andei a pisar ovos, a esforçar-me por ser capaz de me convencer que o eu da história já não era eu de verdade.
Até que hoje, não sei como nem porquê, consegui desbloquear este imbróglio.
Já escrevi a cena em que consigo emancipar-me de mim. Foi uma sensação boa, uma libertação.
Agora estou desejando de dar continuidade à história embora tenha para mim que o fim deve ficar em aberto.
Agora uma coisa vos garanto. Raramente, muito raramente, me dói a cabeça. E hoje dói. Dá ideia que, com esta brincadeira, dei uma tareia aos neurónios.
Já bebi um chá, já me pus aqui de olhos fechados, mas continua a doer-me. E, sobretudo, estou mortinha por acabar de vos contar isto para me atirar de novo à luta.
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E, por hoje, nada mais que isto. A não ser a homenagem que à data de 13 de Setembro deste ano da graça de 2023 se fez por ocasião dos 100 anos que nasceu Natália Correia.
De Amor Nada Mais Resta Que Um Outubro | Poema de Natália Correia
com narração de Mundo Dos Poemas
Poesia e poema de autor português. Natália de Oliveira Correia (1923 — 1993) nasceu na Fajã de Baixo, São Miguel, Açores, a 13 de setembro de 1923. Poetisa, ficcionista, contista, dramaturga, ensaísta, editora, jornalista, cooperativista, deputada à Assembleia da República (primeiro pelo PSD, depois como independente pelo PRD), foi uma das vozes mais proeminentes da literatura e da cultura portuguesas na segunda metade do século xx, tendo resistido energicamente ao Estado Novo e aos radicalismos do pós-25 de Abril. Ecuménica e eclética, filantropa e idealista, anteviu um novo tempo, que garantisse a paz, a dignidade humana, a justiça social e o direito à diferença como raízes indeléveis da democracia. Morreu em Lisboa, a 16 de março de 1993.
À beira mar havia uma névoa leve, branca, quase transparente. Caminhávamos dentro de um tule húmido quase sem darmos por isso.
Não estava frio nem havia vento.
Muita gente a passear e muitas línguas diferentes, muita gente a fazer surf, muita gente a fazer skate, a correr, alguns de bicicleta. O mar muito bonito, quase tranquilo de lindo que estava.
Há sempre homens à pesca. Duvido que consigam pescar alguma coisa mas eles não desistem.
Às vezes penso que um dia gostaria de voltar a pegar numa cana, de voltar a sentir o peixe a picar, de voltar a puxar a linha, de voltar a tirar o anzol da boca do peixe. Se eu soubesse que conseguia descobrir um sítio onde fosse certo que conseguiria ser bem sucedida, arriscaria. Pensando bem, deve ser bom estar à beira da água, quieta, ouvindo apenas as ondas, à espera que um peixe ceda à tentação. E depois amanhar esse peixe com as minhas mãos, e depois cozinhá-lo e comê-lo. Deve ser bom.
Mas depois há aquilo de a maior parte do tempo não vir peixe nenhum... e isso deve ser frustrante.
E já estou a fazer aquela ginástica aquática feita com os pés no ar, coisa que tem dado uma luta... O professor diz que é mesmo assim, às primeiras custa a manter o equilíbrio enquanto se está naquele folguedo de pernas para a frente, pernas para um lado, braços para o outro. Diz que trabalha os abdominais e tomara que sim.
E tenho conversado muito com amigos improváveis. E a minha empreitada agora anda meio interrompida pois deitei mãos a outra coisa. Não muito convictamente, diga-se. Uma coisa é ficcionar à mão livre. Outra é escrever sobre o que está a passar-se sobretudo porque não sei qual o day after.
E depois há isto. Alguma marosca há pois abro o youtube e aparecem-me escritores falando do seu ofício. Adivinha-me os pensamentos. António Lobo Antunes a ser o António Lobo Antunes e Arturo Pérez-Reverte com uma outra atitude. São estilos, não interessa. Cada um é como cada qual.
Entrevista exclusiva a António Lobo Antunes
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Entrevista a Arturo Pérez-Reverte
Arturo Pérez-Reverte considera-se um marinheiro-leitor que acidentalmente escreve romances. Até agora, foram 34. Traduzidos em cerca de 40 idiomas, chegaram a mais de 20 milhões de leitores em todo o mundo e vários deles foram adaptados ao cinema e à televisão.
Pérez-Reverte possui um olhar de uma lucidez extraordinária sobre o ser humano, que deve aos 21 anos em que foi repórter de guerra – aí, nas trincheiras, todos são iguais e nem sempre é claro qual é o lado bom ou o lado mau. Escreveu Linha da Frente, o romance sobre a Guerra Civil Espanhola que acaba de lançar em Portugal, como consequência da situação política em Espanha, esperando contribuir para a reconciliação nacional. E está a consegui-lo.
Quando vem a Portugal, vem à sua pátria. Defende que uma Ibéria unida seria uma grande potência frente e esta Europa que olha para o sul com desprezo. Crítico da desvalorização da História, avisa que estão a criar-se gerações de órfãos de memória, facilmente manipuláveis, excedentes em sentimentos e carentes de razão.
Está convicto de que, no dia em que deixar de escrever romances, será esquecido, e não vê mal nenhum nisso. Sente-se realizado, porque é lido em vida, e grato aos seus leitores, porque lhes deve a sua liberdade.
E, portanto, estando-se já neste período que se apresenta equipado de rentrée, todo neblinas em grey, todo temperaturas mais baixas, achei que era tempo de voltar às aulas. Ou seja, retomei as aulas de hidroginástica. Não é bem hidroginástica, é mais puxado que isso e tem, até, outro nome mas agora não me lembro de qual é. Mas vi que têm lá uma coisa ainda mais hard, uma coisa toda feita em suspensão, que não só trabalha o que a outra trabalha mas puxa mais pelos abdominais, coisa de que estou precisada. Vou tentar. É preciso fazer testes para verem se os pretensos praticantes têm preparação física para isso mas fá-los-ei e tenho esperança de que cumprirei com os mínimos.
Tirando isso, trabalhei qb e, ao fim do dia, fomos passear à beira mar, no meio de um fog muito british. Para complementar o ramalhete, trouxemos sushi e escolhi daquele que tem algas e limos e ovas em cima do belo peixe cru e macio. Antes comi alface e, depois, uvas.
Poderei ainda dizer que, estando fora das regalias da empresa em que trabalhava, tive que tratar de um seguro de saúde. E este 'tive' deveria vir enfeitado de muitas aspas pois, claro, não é forçoso. Mas temos sempre aquele receio de necessitarmos de alguns cuidados relativamente aos quais as filas de espera no SNS sejam gravosas. Fiz o seguro. Mas, logo depois, a seguradora, unilateral e prepotentemente, alterou, uma a uma, todas as condições acordadas. Um comportamento inaceitável. Tive que me arreliar. Espero que as coisas se resolvam a bem para não ter que avançar com queixas para o Regulador, para o Portal da Queixa e para a Deco.
Para terminar, posso ainda acrescentar que, vá lá saber porquê, sinto uma impaciência miudinha, aquela vontade de mudança, de coisas novas, de virar a mesa, de desbravar. Se estivesse a trabalhar, a malta que trabalhava comigo devia estar a suar as estopinhas com as minhas ideias avançadas, os meus desafios, o meu gosto em saltar sem rede. Assim, a la maison, tenho que ver em que é que isso de pode traduzir.
Lembrei-me até de ir ver uma coisa de que já nem me lembrava: o horóscopo -- imagine-se.
Fui ver o que me reserva o mês de Setembro.
Aqui está (traduzido -- às 3 pancadas -- via google):
Forma
As suas articulações estão muito estressadas, assim como as suas costas. Tenha cuidado para não superestimar a sua força carregando cargas muito pesadas. Preste atenção também na sua postura, proteja-se. Não hesite em pedir ajuda às pessoas ao seu redor para cuidar de si mesmo. Qualquer ajuda será bem vinda. Mantenha-se positivo, essas dores são apenas temporárias e seu corpo está enviando sinais para você descansar. Ouça-os e tudo deverá voltar gradualmente ao normal. Vá com calma, mesmo que isso realmente te irrite.
Trabalhar
Este mês está colocado sob o signo da evolução e da avaliação. Antes de pensar num futuro diferente, você terá que demonstrar as suas habilidades. Aproxima-se um período exigente, em que você tem grandes esperanças, com vista a poder negociar. Transferência, reciclagem, oportunidades estarão presentes e você as observa com atenção. Concentre-se nas questões: mostre o seu know-how e as suas qualidades antes de perguntar qualquer coisa.
Ora bem.
E não vale a pena estarem para aí a ranger os dentes ou a arfar de desdém. Não sou só eu, está bem?
Ora confiram aqui este pedacinho da última entrevista da Clarice Lispector. Quando lhe perguntaram de onde tinha vindo a ideia para a história que, na altura, estava a escrever:
Onde você foi buscar a inspiração, dentro de si mesma?
Eu morei no Recife, me criei no Nordeste. E depois, no Rio de Janeiro tem uma feira de nordestinos no Campo de São Cristóvão e uma vez eu fui lá. E peguei o ar meio perdido do nordestino no Rio de Janeiro. Daí começou a nascer a ideia. Depois eu fui a uma cartomante e ela disse várias coisas boas que iam acontecer e imaginei, quando tomei o táxi de volta, que seria muito engraçado se um táxi me atropelasse e eu morresse depois de ter ouvido todas aquelas coisas boas. Então a partir daí foi nascendo também a trama da história.
Não sou tão fatalista quanto a Clarice Lispector, nem tão inspirada, nem tão coisa assim -- nada. Mas ainda assim. Portanto, não vou a cartomantes mas, de vez em quando (e a última vez já deve ter sido há mais de um ou dois ou três anos), espreito o horóscopo. Este, desta fonte. Tem palpite quente.
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Nota: Não tenho respondido aos comentários pois continuo com o hábito de apenas pegar no blog às quinhentas da noite, depois de puxadas empreitadas, e canalizo toda a energia para o que escrevo aqui. Leio e aprecio-os (e sobre o orgasmo, os comentários são talentosos -- e recomendo-os) -- mas já vai para tarde, estou a caminho de cair KO e ainda quero ir fazer uma coisa. Não levem a mal.
Sabe-me muito bem estar de férias sabendo que não vão acabar. Os meus colegas acreditavam que ia custar-me muito deixar de trabalhar. Diziam que não conseguiam ver-me 'aposentada', que isso era coisa que não encaixava na minha maneira de ser.
Pelo contrário, sempre me vi muito bem sem ter que aturar aquela pressão diária, sem ter reuniões, deslocações, visitas, apresentações, problemas para resolver, sem ter que andar a toque de caixa, com a agenda saturada, com telefonemas em contínuo, com mails a chover em permanência.
É muito bom ter pela frente uma página em branco e poder preenchê-la com o que me apetecer. Trabalhei ininterruptamente desde os vinte acabados de fazer até há poucos meses. Interrompi apenas quando tive os meus filhos, tendo trabalhado até às vésperas dos partos, e quando fiz a artroscopia aos joelhos e não podia andar. De resto, nunca estive de baixa. Férias, desde há muito que não conseguia gozá-las todas. Trabalhei de gosto, com empenho, com energia, com tudo o que tinha. Dei-me por inteiro e de livre vontade. Mas fi-lo sabendo que, quando chegasse a hora, fecharia a porta e fechada ficaria.
Animava-me a vontade de começar uma vida nova. O meu dia a dia continua a ser de trabalho e faço-o com a mesma vontade e energia, motivação e crença, com que, quando trabalhava, me entregava a novos projectos.
Estive a ouvir, com muito interesse, a entrevista na RTP 3 a João Luís Barreto Guimarães. Quando ouço pessoas assim, que sabem usar a palavra para construir poesia ou prosa, fico sempre um pouco espantada. Passado bastante tempo sabem o que escreveram, sabem porque usaram uma ou outra palavra, dizem que releram, refizeram, recompuseram. São aplicados, estudiosos da sua obra, têm explicação para o que fizeram. Quase todos são assim. E são bem sucedidos.
Se calhar, por ser o oposto, nunca serei bem sucedida.
Ao ler a biografia de Nelson Rodrigues, fantástico livro de Ruy Castro, leio que ele escreveu uma das suas peças mais conhecidas, elogiadas e bem sucedidas em poucos dias. Sentava-se a escrever e era de rajada. Sem revisão. De penalti.
E partia para outra.
Senti-me um pouco animada pois eu a escrever sou assim. Escrevo de seguida, muito rapidamente. Por acaso, depois, no fim, revejo e revejo umas três ou quatro ou cinco vezes, mas é na lógica das gralhas ou do acerto da pontuação. E, uma vez escrito, está feito, não leio mais. É assunto arrumado.
Não sou de escrever poesia. Não é o meu registo. No entanto, há para aí uns dois meses, deu-me para isso. Escrevi. De seguida. Não sei a que ritmo. Não sei se foi um ou dois poemas por dia ou mais. Uma coisa muito estranha. Não sei explicar.
Agora, ou ouvir o João Luís Barreto Guimarães falar da sua poesia e de como lima, apara, cose, tritura, borda, penteia, escova, corta e etc., os seus poemas, resolvi abrir o ficheiro com esses meus poemas. É que fiquei curiosa. Iria encontrar erros, falhas, aberrações? Li três poemas e não consegui ler mais. É como se me atingissem em cheio. Senti-me comovida, quase como se me atirassem contra uma parede, quase sem espaço para respirar. Não sei porquê. Para já é como se não tivesse sido eu a escrever. Já não me lembrava mas, lendo, relembrei-me. As palavras são minhas, sim, recordo tê-las escrito. Mas é como se não tivesse sido exactamente eu a escrever. Se alguém que saiba ler poesia os lesse talvez eu ficasse com vontade de chorar.
É muito estranho, bem sei.
Claro que, face a esta minha reacção, não me ocorreu reparar se estavam harmoniosos, limpos, devidamente aperaltados para verem a luz do dia. Fechei o ficheiro e não li mais.
Escrevo estas coisas com absoluta franqueza e temo que me achem um pouco louca. Se calhar sou. Se calhar não um pouco... mas completamente. Mas sou eu e eu sou assim.
E, por hoje, é isto. Não vou comentar sobre os putativos candidatos a PR que por aí andam a bandear-se contra um cenário pintado de cor de laranja. Não me assiste. Deu-lhes a coisa antes de tempo. Além disso, nenhum faz o meu género. Portanto, passo.
Espero é que se pense no que importa e não em tretas que só servem para encher as agendas mediáticas.
Nunca antes tínhamos procedido a tamanha devastação. Décadas a lutar contra isto. Dei o peito às balas por cada pé de alecrim, de rosmaninho, de orégãos. E agora cedi.
Os caminhos quase tinham desaparecido sob a espessa camada de caruma e folhagem seca que já tinha fixado terra. Os arbustos, com esta seca, estavam ressequidos, quase sem vida. E, embora o meu marido já tivesse subido muitas copas, com as árvores a desenvolverem-se, já se tornavam baixas e compactas demais.
Acresce que este homem que ele desencantou e que vem com mais dois é gente que vive de limpar terrenos. Têm máquinas e experiência. E zero contemplações perante as minhas fantasias. Avançam a direito, deixando atrás de si uma camada de resíduos triturados, que mal se notam.
E depois, como já referi, ao ver, não desgostei de todo.
Este lugar é agora outra coisa. Nunca tinha visto a terra assim. Antes era só mato rasteiro e pedras. Depois árvores pequenas. Depois árvores maiorzinhas e os arbustos autóctones a desenvolverem-se. Agora, depois desta operação (ainda em curso), é diferente: árvores grandes e quase zero arbustos. Vão rebentar com força na Primavera, asseguram-me. Espero bem que sim.
Hoje um pinheiro que estava seco já foi abaixo. Amanhã deve ir um gigante e dois cedros mortos. Uma tristeza. Mas tão ou mais triste é ver as árvores mortas e de pé.
E vários pinheiros já têm a copa lá em cima. E vários caminhos reapareceram.
A entrada da gruta foi limpa. Parece maior.
Já não ando, aflita, atrás deles. Coração ao largo.
Enquanto este trabalho decorria no exterior, trabalhei de sol a sol, na minha labuta. Hoje o meu marido sugeriu-me uma outra colectânea. Nunca nisso tinha pensado e é capaz de ser boa ideia.
Hoje para o almoço fiz uma caldeirada que ficou muito saborosa. Não deveria chamar-se caldeirada pois só tinha um peixe mas, como fiz da mesma maneira, chamo-a assim à mesma. Andava a apetecer-me caldeirada mas, no outro dia, só conseguimos ir ao supermercado por volta das oito da noite. Por isso, já apanhámos pouca coisa a nível de peixe. Tinham peixe para caldeirada mas não gostei, pareceu-me uma indigência, umas postazinhas com aspecto vintage, mal encaradas. Mas tinham lá cabeça de safio. Trouxe duas e pedi para as abrirem ao meio. O sabor do safio é muito bom e a cabeça tem as espinhas próprias das cabeças de peixe mas não misturadas como é o caso das postas do rabo. Ou seja, para quem goste de dissecar cabeças de peixe (como é o meu caso), é muito bom.
Fiz assim:
Num tacho largo coloquei cebolas grandes em rodelas grossas. Depois tomate maduro aos bocados, uma boa camada dele. Depois bocados de pimento e um bom ramo de salsa aos bocados. Por cima, batatas às rodelas grossas. Por cima as quatro metades das cabeças de safio. Por cima um pouco de sal. Depois mais uma camada de tomate aos bocados, outra cebola gigante às rodelas, o resto da salsa, um pouco mais de pimento. Depois uns dentes de alho, umas folhas de louro e um pouco de alecrim. Reguei com azeite.
Foi ao lume, no máximo, com o tacho tapado. Quando ferveu, coloquei no mínimo e deixei cozinhar, sempre tapado, até que as batatas ficaram macias.
Ficou bem saboroso. E deu para o almoço e para o jantar.
O meu marido torrou umas fatias de pão e pusemo-las no fundo do prato.
Sobrou caldo e com ele poderia ter feito uma massinha. Não fiz porque me deu preguiça.
Entretanto, ao espreitar o youtube, alguns vídeos que vi de gosto. Interessantes. Não sei se para vocês também terá interesse mas, se encarar que isto aqui é também, de algum modo, uma espécie de diário, vou aqui colocá-los.
Salman Rushdie: The One Thing You Can't Teach about Writing
"Every exceptional writer has some very personal relationship with the English language." Salman Rushdie talks to Charlie Rose about what can -- and can't -- be taught about writing.
Salman Rushdie on Writing as a Process of Discovery
University Distinguished Professor Salman Rushdie participated in a class discussion of "The Moor's Last Sigh" led by Associate Professor of English Deepika Bahri with undergraduate students at Emory University on March 7, 2012. Here he discusses writing as partly a process of learning about the characters and allowing the book to shift and take on a life of its own.
Advice for aspiring writers | Ian McEwan
Ian McEwan gives three pieces of advice for developing writers
Creio que como todas as crianças, cheguei à entrada da adolescência com um grupo de amigas, colegas de turma e de partilha de confidências, companhia para passeios, idas a festas de anos, à praia e ao cinema.
Éramos umas cinco, sempre juntas. Dessas cinco, identificava-me mais com duas.
Uma era divertidíssima, atrevida, brincalhona. Tínhamos ataques de riso que eram uma fonte de prazer. Não extraordinariamente bonita mas nunca reparei nisso pois ela era, sobretudo, a confidente, a companheira de todos os momentos, aquela com quem podia sempre falar de tudo, a voz da razão, a voz da paródia. Um mix perfeito.
A outra era muito bonita. Eu achava que ela era a mais bonita de todas. Era um pouco tímida. Enquanto eu e a outra chorávamos a rir, ela não. Ria mas não era exuberante nas suas manifestações. Eu tinha sempre meninos apaixonados por mim e brincava com isso e tenho ideia que ela também os tinha mas eram, mutuamente, menos intensos, muito menos exuberantes. Embora os levasse mais a sério que eu, que me lembre, nenhum foi tão maluco por ela como os que eram malucos por mim o eram (nem ela era tão maluca e intensa quanto eu o era).
Enquanto eu tinha quase que namoros a sério, ela não, eram mais coisas a atirar para o platónico e remoto. Uma vez perguntei àquele com quem eu, miúda, namoriscava apaixonadamente qual, na opinião dele, a razão para os rapazes não se apaixonarem muito por ela, sendo ela tão bonita.
Ele disse que era porque ela era assim... e imitou-a a andar. Não percebi. Ele disse que ela andava de cabeça baixa e sem mexer os braços. Que parecia que lhe faltava vida, disse. Achei uma parvoíce. Que razões mais absurdas. Ela uma querida, tão linda, e diz ele aquilo. Nem nunca eu tinha reparado em tal coisa.
Até que um dia, no último ano de liceu, ela se modificou radicalmente. Parecia querer entregar-se aos rapazes. As más línguas diriam que se tornou oferecida. Muito oferecida. Mas eu achava que era qualquer coisa de estranho que estava a passar-se, qualquer coisa que eu não conseguia perceber. Parecia ávida de emoções, parecia que queria sentir-se amada, parecia que havia nela uma urgência e uma imprevidência que me assustavam, uma carência descompensada. E, naquele estado, começou a andar com uns muito impróprios para consumo, em especial um deles.
Todos a avisávamos mas ela estava cega e surda, não ouvia ninguém. Parecia que, de repente, tinha perdido a timidez e a insegurança e um atrevimento e uma malícia que ninguém lhe conhecia tinham tomado conta dela.
Viveu com esse e, claro, não correu bem.
Depois entrou, creio, numa espiral.
Uma tremenda sede de amor, uma atracção por situações que, a olho nu, se viam que só podiam correr mal. Isto dito por ela.
Ao fim de todos estes anos continua carente. Ingénua, amorosa, bonita, uma simpatia. E solitária e carente.
Tenho muita vontade de escrever sobre ela pois gostava de perceber o que se passou no seu íntimo para se ter modificado tanto e para, com tanto que tem tentado e tanto que o deseja, continuar à espera de um amor. Creio que idealiza de mais, que espera de mais, creio que mostra de mais o quão vulnerável é. Mas não sei.
Falei-lhe nisto, de escrever sobre ela. Entusiasmou-se. Como sempre, dá-se toda. Contar-me-á tudo. Eu é que hesito. E se falho? E se sou crua de mais? E se ela, depois, não gostar de ser ver retratada?
No fundo, no fundo, a verdade é que gostava mesmo de poder ajudá-la, gostava que a minha amiga fosse feliz, se sentisse realizada.
E temo que, pôr-me a escrever sobre ela -- ainda por cima um livro que pode nem chegar a ver a luz do dia -- não ajude, pelo contrário, possa desajudar.
Hesito, pois. Ganho tempo. Talvez queira ganhar distanciamento. Talvez precise de me mover para um plano de abstração em que não seja sobre ela que falo mas, sim, sobre alguém inventado a partir da amizade que sinto por ela.
Hoje vão fazer o favor de me perdoar mas não vou alongar-me. Tenho calor (apesar de estar com o ar condicionado ligado), tenho sono e, para ajudar à festa, esta quarta-feira vou ter que me levantar muito cedo pois temos aqui uma coisa que tem que ser arranjada e o homem que cá vem resolver o problema, como já tinha o dia todo ocupado, disse que, para vir, teria que vir quase de madrugada.
Eu, que tinha pensado que iria pôr o sono o dia, chapéu. Portanto, estou aqui a pensar que o melhor que tenho a fazer é ir para a cama.
E depois, para dizer a verdade, não tenho muito a contar.
Continuo a fazer hidroginástica e já consigo atinar com as esquerdas e as direitas, braço para aqui, perna para acolá, e troca, e salta e salta, e, no fim, aproveito sempre para nadar um bocado. Gosto bastante.
E andei outra vez a apanhar orégãos (apesar do calor horrível) pois gosto imenso, consumimos bastante, e gosto de ter para dar.
E andei a regar, embora com muita contenção. Faz-me muita impressão esta secura e penso que temos que tentar impedir que tudo morra à míngua de água.
E estou a escrever um conto e isto comigo funciona de uma forma que, se calhar, é disfuncional. Não sei se quem escreve habitualmente planifica ou premedita. Eu não. Meto-me nas coisas um bocado à maluca e isso, claro, traz-me dificuldades.
Por exemplo, há não muito escrevi uma história sobre uma mulher que tinha uma certa profissão. A história desenvolve-se em torno da vida e do trabalho dessa mulher. Quando contei à minha filha, ela mostrou algum espanto e ironizou: "Tudo coisas sobre as quais sabes tudo...". Deu-me imensa vontade de rir pois era questão que não me tinha ocorrido. E, na verdade, é um mundo que desconheço na íntegra. E, no entanto, meti-me, sem pensar, a escrever sobre isso. E adorei. Foi como se o mundo se me tivesse revelado. Se calhar, se alguma vez alguém que, na realidade, vive naqueles lugares e tem aquela profissão, ler o que escrevi, vai achar que sou é maluca, que não é nada daquilo. Mas o que hei-de eu fazer...?
E agora, para este conto, foi a mesma coisa. Comecei a escrever e, quando dei por mim, a personagem tinha dado uma reviravolta na sua vida para ir fazer uma coisa que eu, igualmente, desconheço na íntegra.
Por isso, agora estou a escrever sobre um mundo que me está nos antípodas. E isso traz-me dificuldades que me obrigam a fazer pesquisas pois posso ser maluca de todo mas não sou parva. Pelo menos, acho que não sou.
Mas porque é que faço isto?
Não sei. São as minhas mãos que me levam, que me levam para mundos novos. E eu, que sou levada, ando de gosto a conhecer vidas das quais estou a milhas. De vez em quando tenho que parar pois não sei o que vai acontecer a seguir. Não consigo escrever histórias sem histórias. A escrita circular, escrever só por escrever, não é comigo. Mas as histórias são percursos dos personagens e, por vezes, não sei que percurso é que elas vão seguir.
Não sei como é que isto é lido pois receio que pensem que estou a dar uma de escritora. Não estou. Estou, em total humildade, a começar a experimentar novos caminhos. Não sei onde é que eles me vão levar mas sei que tenho que me aventurar.
Isto ocupa-me o tempo livre que tenho e ocupa-me também a cabeça.
Mas, portanto, não me levem a mal mas hoje também não vou comentar os vosso comentários. Aqui deixo o meu agradecimento.
E, para que não sintam que, tudo espremido, nada, deixem que, para acrescentar alguma little coisinha, partilhe um sinal contra urinar em cima das plantas que me parece bastante criativo. Eu, pelo menos, acho o máximo.
E, se quiserem ver arbustos artisticamente aparados, podem vê-los no mesmo sítio.
E depois há o patinho fofo e esperto que, em situação de risco, resolve fazer-se de morto.
No outro dia recebi um telefonema. Na sequência desse telefonema mais dois telefonemas inesperados. De então para cá tem sido uma coisa extraordinária.
Aliás, quando os recebi disse logo ao meu marido: 'Acabou-se-me o sossego". E não é que o desassossego tenha sido total mas tem sido significativo e, sobretudo, uma experiência fantástica.
Para começar tem sido um incrível reavivar de memórias, algumas das quais há uns dirias juraria que estavam desde há muito apagadas.
E, globalmente falando, tem sido muito agradável.
No outro dia também fui à Feira do Livro. São muitas barraquinhas, aquilo. Para mim, tudo aquilo é grande demais,. E cada barraquinha está repleta de cores e cores e cores, por detrás das quais, em alguns casos, talvez haja literatura.
Mas parece que já me desabituei de muita gente, de muita coisa, de barafundas. Durante a semana não é que estivesse muita gente mas era dia da Criança, havia muito movimento, pessoas mascaradas a fazer alguma animação, estava calor e, sobretudo, eu, como sempre, não tinha levado nenhuma lista e, portanto, não ia para uma visita dirigida.
Mas, também, não tinha feito nenhum estudo sobre a localização dos stands. Por isso, tive que ir à descoberta. Portanto, percorri todo o espaço. Obviamente não parei em todas as capelinhas mas calcorreei toda a via sacra.
Sinceramente, não sei como é possível haver tantas editoras, tanto livro publicado. Se é verdade que os portugueses não são bons de leitura, então qual a justificação para tal fenómeno?
E depois há as capas dos livros. As capas, senhores. Um folguedo. Um festival de exuberância e, tantas vezes, de mau gosto.
As editoras são empresas, não são associações de benemerência. Por isso, devem saber o que fazem. Provavelmente há mercado para tanto livro. E, provavelmente, quanto mais fotografias, cores, tules e laços, melhor se vendem.
Eu é que, pelos vistos, não percebo nada de nada.
Entretanto, ponho-me a ver o que a inteligência artificial que move o algoritmo do Youtube tem para me mostrar. Acerta sempre.
Estes dois vídeos são bastante interessantes.
Siri Hustvedt about writing and the idea of success — CHANEL and Literature
Nas entrevistas de emprego há ainda quem tenha o costume de fazer uma pergunta muito parva: 'qual é o seu maior defeito?'
Claro que a malta que se prepara ou que já está batida nestes números já tem a resposta engatilhada e sai-se com um defeito que, vendo bem as coisas, até pode ser uma virtude. Um muito usual é o da teimosia em que as pessoas tendiam a descrevê-lo como se fosse sinónimo de determinação.
Sempre detestei perguntas destas. Quando assistia a entrevistas, o que acontecia geralmente na recta final, deixava-os fazer as cenas que entendessem e, no fim, fazia eu perguntas que tinham a ver com o que tinha conseguido perceber da personalidade do candidato. Podia até perguntar como era para eles um bom fim de semana ou porque é que tinham trabalhado nisto ou naquilo no início da sua vida profissional. E ouvia-os com atenção e estabelecia uma conversação assente no que eles dizendo. Acima de tudo interessava-me perceber se era uma pessoa com bom trato, que percebia facilmente questões inesperadas ou como é que reagia quando não compreendia o que eu lhe dizia.
Felizmente tenho ideia que nunca ninguém se lembrou de me perguntar tal coisa. Tenho tantos defeitos que não saberia eleger o pior. Claro que responderia de forma honesta e não trabalhada. Mas, a sério, não saberia mesmo o que dizer. Só se fosse, talvez, padecer de uma grande e indisfarçável impaciência perante gente burra. Este reconheço como um grande defeito pois, volta e meia, traz-me alguns constrangimentos, especialmente, porque é um defeito pouco discreto.
No entanto, a propósito do tal defeito que toda a gente não se importa de confessar, tenho que reconhecer que também sou teimosa. Mas é uma teimosia que não sei se é teimosia ou se é mesmo determinação. Por isso, não acho que a minha teimosia seja defeito. Mas não o digo com absoluta convicção.
Vou dar um exemplo para explicar.
Já aqui contei que o computador que usava foi à vida. Por isso, tenho andado a tentar recuperar o que posso mas, ao mesmo tempo, aproveitando para limpar inutilidades. E também já contei aquilo das disquettes e dos ficheiros em formatos ilegíveis. Mas agora vou falar num caso concreto.
Há mil anos já eu me punha, noite adentro, a escrever. Eram os meus filhos pequenos quando me deu para escrever um livro. Mas essa era uma altura em que, entre ocupar-me deles e trabalhar, pouco tempo me sobrava. Portanto, deixei que acabasse o programa de escrita que usava e deixei que acabassem as disquettes. E, ao longo de todos os anos, sempre dei o trabalho por perdido.
Até que agora descobri um ficheiro com o dito livro mas num formato meio desconfigurado. Algures no tempo, há outros mil anos, devo ter tentado converter o ficheiro num ficheiro word e aquilo saiu todo descabelado, letras trocadas a torto e a direito. Quase não há uma palavra direita. E não dá para usar o corrector automático senão ainda seria pior. Assim, pelo menos, estão assinaladas. Mas, imaginem a palavra que aparece como 'pana'. É o quê: pata, pala...? Ou 'xeu'? É o quê: seu, meu, teu, leu...?
Mas nada que me tenha assustado. Ao longo de dias, horas a fio, revi o texto, puxei pela cabeça, resolvi as charadas. Até que, tendo conseguido perceber o que ali estava, cheguei à conclusão que aquilo era apenas meio livro. Fiquei passada. Tanto trabalho para afinal ser apenas metade...? Fiquei mesmo desconsolada.
Então, uma noite, a meio da noite, lembrei-me de uma coisa (não sei como me lembrei mas lembrei-me). Naquela longínqua altura, imprimi o texto para melhor o rever e corrigir. E, ao longo de toda a vida em que mudei de empresa e de instalações, transportei meia dúzia de tarecos, nada mais que meia dúzia de tarecos desimportantes, entre os quais o dossier com essas folhas, um dossier azul berrante. E, pelo meio, mudei de casa e, por fim, deixei de trabalhar. Portanto, ao acordar a meio da noite, ocorreu-me que, se encontrasse esse dossier, talvez conseguisse melhor recuperar o desgraçado do 'livro'. Puxei e puxei pela cabeça e não me lembrava. Temi que tivesse ido para o lixo, que lhe tivesse perdido o rumo, ou, na melhor das hipóteses, que estivesse nalgum dos caixotes que ainda está na garagem à espera de melhores dias.
Pois, não sei como, não faço mesmo ideia, mal me levantei fui direitinha a uma estante, olhei para baixo e, no meio de dossiers da treta, lá estava aquele, o velhinho dossier azul. Abri-o num stress. Era mesmo ele. Folhas impressas, cheias de emendas a lápis, algumas folhas já coladas umas às outras.
Portanto, enchi-me de esperança. A partir dali daria para reconstituir. Só seria preciso 'dactilografar' as páginas que faltam no ficheiro janado que já emendei.
Olhei e pensei que nunca mais. Lembrei-me então de pedir ajuda ao meu marido. Eu dactilografo umas e ele outras, eu muito mais que ele pois sou muito mais rápida que ele.
Podem imaginar... protestou, protestou, protestou. Mas quando me viu, sozinha, atirada a tão ingrata tarefa resolveu fazer essa caridade. Agradecida, dei-lhe uma dúzia de folhas.
Pois bem. Ao fim de um bocado disse-me que é um trabalho estúpido porque aquilo não vale nada. Uma história banal, muito palavroso. Uma xaropada.
Fiquei um bocado desmoralizada. Tanta trabalheira para recuperar... uma porcaria...?
Poderia desistir. Se calhar é o que faria sentido.
Mas não desisto. É como se fosse uma prova de respeito por aquela que fui escrevendo até de madrugada, depois de tratar dos meus filhos, de pô-los a adormecer, e antes de me levantar cedo para ir trabalhar para outro dia repleto de canseiras.
E penso que, depois de ter o texto inteiro, poderei revê-lo, eliminar adjectivações desnecessárias, limpá-lo de advérbios de modo sem os quais as ideias possam passar bem, dar um jeito.
Portanto, não sei se é teimosia, se é determinação ou se é, simplesmente, maluquice mas, caraças, hei-de voltar a ter o meu 'livro' de volta. Depois logo vejo o que fazer com ele.
Entretanto, ando a coser as pontas, os rasgões, a aplicar remendos, num trabalho de paciência e teimosia que não sei onde vai desaguar mas que, até lá, me ocupa os dias e os neurónios.
Daqui a nada são duas da manhã e é agora que estou a começar a escrever aqui.
Ao fim de não sei quantos dias repletos de anormalidade eis que consegui um dia parcialmente normal. Um dia não, uma tarde.
A manhã não foi. Quase toda ao telefone. Tentar falar com um médico num hospital é tarefa do outro mundo. O telefone toca, toca e ninguém atende e, depois de muito tocar, a chamada esgota-se por si. Recomeço. A mesma coisa. Quando alguém atende e tenho oportunidade de dizer o que quero, a chamada é transferida e toca, toca, toca e ninguém atende e, depois de muito tocar, a chamada auto-desliga-se. E recomeço.
Ao fim de horas, consigo.
E quando transmito à minha mãe o que a médica disse percebo que já não está nem aí, já mudou de ideias.
Portanto, da manhã não reza a história. Mas a tarde foi razoável.
Acabei a revisão da minha """obra""" (e ponham lá aspas na obra que eu tenho os pés na terra e tenho bem noção do caminho que ainda tenho para andar).
E já escrevi também a sinopse, coisa que estava meio bloqueada pois queria revelar sem revelar e não estava a fluir.
Mal acabei, enviei para o meu marido.
Entretanto, atirei-me ao seguinte que é da pesada. Quando falei do primeiro o meu filho perguntou-me se eu não ia envergonhá-lo. Assegurei-lhe que não. Mas deste segundo não poderei dizer o mesmo.
Quando há pouco quando foi deitar-se, lembrei o meu marido que já lá tinha o livro para ler. Disse-me que estava mais interessado no segundo.
Estava eu aqui no sofá a reler o que já tinha escrito, coisa pouca, umas vinte e tal páginas, e não conseguia parar de rir. Ele queria que eu lesse em voz alta mas não lhe fiz a vontade. Nem pensar. Lê no fim ou quando a coisa já tiver mais forma.
A verdade é que já fiz completamente a agulha e agora já só me apetece atirar-me a este. Tenho que encontrar a forma mais correcta de o conduzir.
Digo já. O primeiro é ficção com alguma realidade ficcionada à mistura. O segundo fia mais fino, é um livro de memórias, umas verdadeiras e outras nem tanto. Ora como é que uma pessoa como eu, mais torrencial que metódica, escreve um livro de memórias?
E em segundo plano na minha mente está a preocupação da publicação. Ideias não me faltam, incluindo derivações diversas, cada uma mais destravada que a outra.
Na volta ainda me meto é a criar uma editora própria. Mas não quero. Não tenho pachorra para coisas maçadoras, estou mais numa de criar. Conheço uma pessoa que tem uma editora e sei as trabalheiras que às vezes tem. Aliás não conheço uma, conheço duas. Géneros opostos mas em qualquer dos casos é gerir empresas. Podem ser pequenas empresas mas são-no. Não quero. Já tive a minha dose.
Contudo, há muito que aprendi que nunca se deve dizer nunca. Na gaveta é que não ficarão.
(Digo eu de que).
Portanto, bola para a frente. E depois logo se vê.
Mais um dia cheio de atipicidade. Assim têm sido os meus dias desta minha nova era.
Ainda na parte da manhã tantos os telefonemas, tantas as mensagens, tanta a logística a ser improvisada, tanto tudo a ter que ser preparado às pressas que o meu marido, que gosta das coisas mais calmas e mais planeadas, se ia enervando. Queria falar comigo e eu não conseguia deixar de estar ao telefone ou a ler ou a responder a mensagens.
Nada a fazer, as coisas são o que são. Há alturas em que não dá para fazer o que se quer, como se quer, quando se quer, pois a urgência dos factos fala mais alto.
Portanto foi mais um dia em grande parte fora de casa, parte do qual a ter que conviver e fazer conversa com quem não estou nem aí, e a estar de boa cara pois as pessoas genuinamente fazem por bem e há que corresponder.
E esta quarta-feira vai ser outro dia atípico, em grande parte fora de casa.
E o corpo a pedir descanso, pesado, os olhos a quererem que os feche. Pior é que a noite passada foi noite mal dormida.
O sono chegou quase de manhã e logo depois chegaram os pesadelos. Não é a primeira vez, um assim.
Estou num hotel onde decorre um encontro do Grupo e dou por mim e as peças de roupa que trago vestidas e que tinha vestido à pressa e com pouca luz não condizem entre si. É tudo em verde mas tons díspares, um é verde dourado, o que prefiro, outro é verde quase garrafa, as meias ou os sapatos, não me lembro, num tom quase alface. Vejo-me ridícula e decido que tenho que me trocar. Mas as malas já não estão no quarto. Ando aflita a correr sala após sala e não as descubro. Passo pela sala onde se serve o pequeno almoço, e eu cheia de fome e sem tempo para comer. Quando finalmente as descubro, mal consigo abrir a mala de tão ceia que está. Depois consigo tirar a roupa lá de dentro mas o resto vem atrás, depois a mala não fecha. Vejo as horas e vejo que o autocarro está quase a partir. Resolvo mudar-me ali mesmo, em frente às pessoas, e sinto imensa vergonha mas tem que ser. Depois a roupa que visto está húmida ou então sou eu que mão me limpei bem e a roupa não escorrega na minha pele, fica presa. Eu puxo, puxo, o tempo passa e eu naquela aflição.
Acordei. Tentei interiorizar que era um sonho. Ao adormecer, o mesmo sonho, mais refinado, o tempo a esvair-se e eu sem conseguir despachar-me.
Parecia eu que adivinhava o que estava para vir.
Mas, pensando bem, as coisas estão melhores do que estavam faz esta quarta-feira uma semana. Por isso, bola para a frente.
Tenho muitas coisas para fazer e muita vontade de fazê-las. E sou optimista e tenho esperança que as coisas acalmem e normalizem.
Até lá é aquilo que já se sabe: keep calm and carry on
E, creio que pressentindo que tenho esta vontade de ter tempo para conseguir rever o meu 'livro', mas rever com olhos de ver, com sentido crítico e distanciamento, o meu amigo algoritmo apareceu-me com um vídeos de uma escritora que muito aprecio: a nascida na Ucrânia Clarice Lispector. Não será estreia aqui no pedaço mas é sempre um prazer.
No outro dia perguntaram-me o que é que eu estou a fazer. Disse que nada, que quero degustar o prazer de não ter compromissos, que é tão bom pensar que no dia seguinte não vou ter reuniões complicadas, que saber que não vou receber telefonemas problemáticos e um sem fim de temas que devoravam os meus dias é uma maravilhosa sensação de alívio.
E lembro-me sempre daquela ex-colega que encontrei uma vez no Colombo. Eu sentada num restaurante e ouço: 'Olha quem ela é...!'. Olho, admirada, e é ela, toda turista, toda radiante, vindo na minha direcção. Perguntei-lhe como era, ter todo o tempo do mundo. E ela: 'Tão bom...! Se vocês que ainda trabalham soubessem como é bom, ficavam todos infelizes, ainda bem que nem sonham, senão queriam todos deixar logo de trabalhar'
Mas ele insistiu e eu confessei que estava a escrever um livro e que isso é uma sensação muito boa. Pode até vir a ser uma frustração, não conseguir que alguma editora publique o que eu escrever. Mas estou em crer que não. Gosto do que dá luta, gosto de ter o que alcançar a duras custas. Ele disse que sim, que deve ser uma sensação boa, interessou-se.
Claro que dar estes meus novos primeiros passos em cima da covid não ajuda.
E já acabei o livro. Estou na fase da revisão. Mas, para mim, bom, bom mesmo, é criar, pôr cá fora o que antes não existia. Agora... rever, limar, retocar... para isso já é preciso paciência. Agora imagine-se o que é isto caída de sono. É de cair para o lado.
A minha filha também é de escrever. Escreve, escreve. E, quando está inspirada, diz que é de rajada. Um dia vai ganhar um prémio, um dia vai publicar.
O meu filho não. Pelo menos até ver. E sempre se incomodou com os meus métodos: escrever ou pintar ou o que for tudo de empreitada. Para ele um livro deveria ser escrito em longos e esforçados meses. Disse-me que o Saramago escrevia uma página por dia. E diz-me que os leitores apreciam uma obra bem acabada. Contei ao meu marido que me sugeriu que eu lhe diga que o Camilo escreveu o Amor de Perdição em quinze dias.
Cada um é como é. E tomara eu poder chegar aos calcanhares de qualquer deles mas claro que estou mais para a velocidade do Camilo do que da do Saramago.
Estou a rever o que escrevi e já desinteressada pois já só me apetece é saltar para o seguinte.
A minha neta disse-me: 'Gostava de ler o teu livro'. E eu disse que sim, poderia ler o início, e ia abrir para estar ao pé dela Mas ela disse que eu lho enviasse por mail. Ah isso não. Expliquei que tem partes para adultos. Deixava-a ler as primeiras páginas para perceber qual a opinião dela mas o livro todo só o meu marido é que pode. A minha filha perguntou se eu não queria que ela lesse. Não. Seria inevitável que viesse com sugestões e eu já não estaria nem aí. Uma coisa é detectar um erro, uma pontuação errada, uma sugestão na base da coisa pouca. Agora sugestões que me obriguem é meter-me outra vez na pele dos personagens, reverter partes do enredo, mudar o DNA de alguém, isso já não quero, já não dá.
Mas hoje que tinha pensado entregar-me a essa tarefa da revisão não consegui. Uma moleza e um sono... Uma amiga trocou mensagens comigo e disse-me que tenho que ter que paciência, que isto é natural, que ela, depois da covid, andou quase dois meses assim, cansada, cheia de sono, a arrastar-se.
Fomos ao fim da tarde fazer compras, nomeadamente adubo para citrinos e outras coisas, e depois passear na praia. Pois, ao chegarmos, enquanto o meu marido tomava banho, antes de jantar, voltei a adormecer profundamente. Mas isto depois de, a seguir ao almoço, pensando ler um livro que a minha filha cá deixou, ter também adormecido.
Portanto, assim vai. Tenho que voltar a ter a energia habitual para meter pernas a caminho. Assim, como estou, não consigo fazer planos ou ter ritmo. Adormeço pelo meio. Ou, mesmo que não adormeça, pouco mais faço que borregar, preguiçar.
E, a seguir, mal volte a ter pilhas, tenho que aprender a organizar-me nesta minha nova vida em que também me está a saber bem demais não ter obrigações a cumprir.
Sempre tive em mente dedicar-me à escrita. Mas a minha vida profissional sempre foi muito exigente. Não tinha disponibilidade para escrituras.
Tive, pois, que esperar longos anos.
Agora tenho tempo.
E agora gostava de conseguir desdobrar-me em três pois tenho em mente (e iniciados) três coisas. Digo coisas e não livros pois, naturalmente, nesta fase inicial é impossível saber no que vai dar. São géneros totalmente diferentes. Não posso passar directamente de um para outro pois a minha cabeça tem que se ajeitar, tenho que me encaixar no carril respectivo.
Sei que quando me atiro às coisas é para as levar adiante e, por isso, agora tenho é que aprender a gerir este meu novo tempo. Tenho que voltar a gerir prioridades e conseguir não perder muito tempo quando faço o reset de uns para outros.
Claro que gostaria de me focar a tempo inteiro sem atender a qualquer outra solicitação. Mas isso não é possível. Há as caminhadas (assim que volte a carregar baterias, na sequência deste corona que se diverte a pôr-me KO), há as compras, há a lida doméstica, há compromissos familiares e outros. Por isso há aqui uma aprendizagem a ser feita.
Entretanto, vi que está para breve o concurso ao tão propalado Prémio Leya.
Fui ver o regulamento e fiquei estupefacta. Na verdade não é um prémio.
O dinheiro que supostamente é o prémio, na realidade é um adiantamento sobre os direitos de autor que, no caso, não passam de 8% do preço de venda do livro, se for um livro normal, ou 5% se for de bolso. Pode dizer-se que 8% está na média. Mas do que me informei, estará no limite inferior pois os percentuais mais comuns serão os 10% ou 12% podendo, até, chegar aos 15%.
Ora o que aqui está é que o autor aceita que, se ganhar, fica amarrado ao percentual de 8% ou 5%. Parece-me feio.
Transcrevo:
b) Para efeitos de cálculo, a título de direitos de autor, aplicar-se-á o seguinte: 8% do preço de venda ao público (no caso de edições cartonadas ou brochadas) e 5% do preço de venda ao público (no caso de edições de bolso), sobre cada exemplar vendido.
c) O autor da obra premiada receberá todos os anos, até 31 de março, uma informação sobre as vendas dessa obra. Os montantes resultantes, conforme cálculos previstos na alínea b) e d) do presente artigo, serão pagos ao autor uma vez coberto o montante total do prémio, considerado como adiantamento de direitos de autor.
E todo o regulamento aponta para que, para se candidatarem, os autores têm que aceitar que, se foram os escolhidos, celebrarão o que me parece ser um contrato leonino em favor da Leya.
Fiquei francamente perplexa. O tão badalado Prémio Leya afinal não é prémio coisa nenhuma...?
Apetecer-me-ia dizer que é um embuste mas não o digo pois pode estar a escapar-me qualquer coisa. E, se estiver, muito agradeceria se alguém me esclarecesse.
É certo que quem ganhar verá o seu livro publicado. Mas, para isso, tem que sujeitar-se a não receber o produto da venda dos seus livros senão quando o somatório daquelas míseras percentagens sobre o preço de venda ultrapasse o valor do prémio. E não explicita se é o valor bruto ou o valor do prémio líquido de impostos.
Sinceramente fiquei muito decepcionada. Para mim, prémio é prémio, não é engodo.
Sou geralmente confiante no meu trabalho e, além disso, sou optimista (já para não dizer ingénua). Ou seja, pensei que, se concorresse, talvez ganhasse, e, portanto, venceria a primeira barreira de encontrar uma editora que o publicasse. Mas, depois de ver este regulamento, não sei se me sujeite a isso.
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E este foi o primeiro dissabor nesta minha nova labuta.
O segundo tem a ver com o politicamente correcto que varre alguns sectores da cultura e, ao que parece, do mundo da edição.
Quando estou a escrever escrevo o que me vem à cabeça. Quando começo a escrever, não faço ideia do que vou escrever. É como se os personagens (no caso do romance) tivessem vida própria e fossem falando por si. E usam o linguajar que lhes é próprio e têm a maneira de ser que têm, podendo ser machistas, mal educados, gozões, parvalhões, o que for.
Se vou estar a preocupar-me com o que é politicamente correcto vou estar a cercear a fluidez que me é indispensável.
Será que, se escrever com a mesma descontração com que agora estou a fazer, estarei automaticamente condenada ao insucesso editorial?
E é que já nem falo da porcaria do AO, esse espartilho abortativo. Será que as editoras já só aceitam os que se vergaram?
[Querem lá ver que isto de escrever afinal tem ainda mais escolhos do que gerir? Caraças.]
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Bem. Porque a conversa pode estar um bocado chata, aqui fica um dos meus gurus, por sinal um dos grandes malucos do cinema, um dos mestres do politicamente incorrecto.