É como se fosse comigo. Na realidade, no meu íntimo, o que sinto é que é comigo. Não posso votar e tenho pena. Mas posso falar: um presidente dos Estados Unidos como Trump envergonha o mundo. Não faço ideia de quais serão os resultados. Se Trump ganhar, não os achará ilegais e cantará vitória. Se perder, haverá confusão. Não aceitará os resultados, recorrerá a toda a espécie de intrujices. Contudo, se a derrota for humilhante, talvez não tenha como alegar o que quer que seja e, aí, talvez o vejamos em lágrimas, bebé incompreendido, e, como todos os narcisistas apeados, sem perceber como foi possível tamanha injustiça -- talvez inventando casos, desfiando desculpas, dizendo patranha atrás de patranha. Mas não sei. Sei, isso sim, o que desejo: que este terceiro cenário se torne realidade. Que saia pela porta baixa, sem ninguém à sua volta, enxotado como um cão tinhoso, rabo entre as pernas, a boquinha de cu a fazer beicinho.
Mas não sei: o que por aqueles lados (e em todos os lados) não falta é gente que gosta de cães tinhosos. Geralmente são aqueles que os cães tinhosos mais desprezam que mais votam neles: são os mais vulneráveis, os mais facilmente manipuláveis, aqueles que se deixam conduzir sob o efeito do poderoso factor 'medo'. Trump mente, inventa, alucina, ameaça: diz que, se Biden ganhar, não haverá empregos, não haverá comércio, não haverá festividades, será a hecatombe, o vazio, o sepulcro em vida. E muitos acreditam e vão atrás das patranhas, convencidos que Trump os salvará do fim dos tempos. Outros, os mais broncos dos broncos, sentem-se entusiasmados pelo que lhes parece um poderoso macho alfa que gostariam de emular: seguem as suas baboseiras, munem-se de armas, grunhem como porcos convencidos que são gente.
Poderia, tudo isto, ser um guião de filme de Borat, tudo ridículo, irreal, disparatado demais para poder ser verdade. Mas não: as cenas de Borat são coisa de nada ao pé das macacadas estúpidas de Trump. Vê-se e ouve-se o que ele diz e faz e mal se acredita. Stand up do melhor que há. Com o senão de não ser para rir, ser mais para uma pessoa ficar de boca aberta, estupefacta, aterrada. Ele acha que sabe mais do que os médicos, mais do que qualquer cientista, ele compara-se a Jesus Cristo, ele ataca Lady Gaga, diz que sabe muitas histórias dela, ataca Jon Bon Jovi a quem acusa de lhe querer beijar o rabo de cada vez que o vê. No último dia de campanha publica um vídeo com as suas danças. Acha-se o melhor, o maior. Um palhaço babaca, jararaca, bobalhão, porcalhão. O pior é que tem o destino dos Estados Unidos na mão e, com isso, tem o mundo na mão.
Talvez seja derrotado. Mas não arrisco. Só falo depois dos factos estarem consumados. Até lá, faço votos, faço figas.
Ficam desta campanha não apenas as inúmeras aldrabices e fantochadas de Trump mas também a extraordinária precisão e sentido de oportunidade, a frontalidade, a inteligência e a intransigência da campanha levada a cabo pelos fulanos do Lincoln Project. Afirmando-se republicanos, tudo têm feito para destruir a suprema-cavalgadura-cor-de-laranja para apelarem ao voto em Biden. Um case study. Não tenho ideia de uma campanha política tão certeira, tão permanente, verdadeiro fogo cerrado sobre um candidato a destruir. Tomara que tenham sido bem sucedidos.
Dois exemplos de dois vídeos (dois dos vários) lançados nas últimas 24 horas:
2 comentários:
Que o palhaço laranja desapareça de cena! A fazer figas!
bem, bem, o Trump não é tão burro como parece - há ali uma falha colossal entre quem pensa e quem representa e diz. é um problema cultural, sobretudo. temos os líderes que a cultura dominante, ao sedimentar, ao ter airplay, criou. o Trump é um produto perfeito para estes tempos (é como a música rock nos 1980), para a cultura: noutro tempo, dada a falta de agilidade, não passaria. depois podemos discutir o que é esquerda, o que é direita.
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