Esteve muito frio por aqui. Quando fiz a caminhada estava um gelo impensável. Estava a falar ao telefone enquanto andava e a minha mão ia enregelando enquanto o tempo ia avançando. Um frio de natal. Não sei de onde apareceu.
Agora até me lembrei. Uma vez, in heaven, estava a ter uma reunião (remota, claro) em frente da lareira. Às tantas, virei-me para trás e apressadamente coloquei um tronco grande. Quando dei por ela, algum tempo depois, havia fumo na sala. Com o braço, peguei na pinça grande e empurrei o tronco porque, se bem me lembro, tinha ficado longe da chaminé. Não quis interromper a reunião mas os olhos já me estavam a chorar. De repente apareceu o meu marido a gesticular, entre o assustado e o irritado. Abriu a janela, passou atrás de mim a perguntar se eu não tinha percebido que a casa estava cheia de fumo e o ar irrespirável. Tive que pedir desculpa aos da reunião, tirar o som e a imagem. Ele conseguiu levar o tronco lá para fora para acabar com a fumarada e eu lá recomecei a reunião no meio da neblina e do frio que vinha da rua. São os percalços de quem está a fazer reuniões em casa, um olho no burro e outro no cigano.
Hoje tive um dia excessivamente preenchido. Dias assim são aborrecidos. Passam a correr. Não consegui um tempinho para mim. De manhã, tinha dito ao meu marido que a ver se ligávamos a aparelhagem. Sozinha nem sei por que ponta hei-de pegar, aquilo liga-se tudo entre si, tem que se ver com que cabos e o quê a quê. Só depois poderemos arrumar os LP's e os CD's. O meu marido disse-me: 'podes ir andando'. Mas não fui a lado nenhum, claro. Não me entendo com cabos, sou avessa a liaisons de certos tipos, nomeadamente eléctricas. E, depois, só voltei a ter tempo para pensar nisso por volta das sete e tal da tarde. Mas depois tive telefonemas, demorados, e depois o jantar para fazer. Sei lá. Esgotou-se o tempo útil. Só sobrou o inútil, este, agora.
Quanto ao corona, às vezes sinto que é como se sentisse que o cerco está a apertar. Agora é uma colega com a casa cheia de gente com covid, todos infectados e doentes. Ela, que pensava que tinha escapado, afinal agora também com sintomas. No outro dia foi outra que também teve. Vale-nos as equipas andarem desfasadas e toda a gente que pode estar em casa. Senão estaria meio mundo infectado e inoperacional. Ao ritmo a que isto vai, a ver no que esta porcaria vai dar. No outro dia, quando se falava que, não tardaria, estaríamos acima dos 3.000 por dia, eu disse, tomara é que daqui por umas duas ou três semanas não estejamos nos dois dígitos. Espanto em quem me ouvia. Concretizei: acima dos dez mil. Disseram: não, vão tomar medidas, não vai chegar aí. Ai não que não. Não tarda. Isto está perigoso. Em termos percentuais a coisa não amedronta mas, como a base de incidência é grande e crescente, o resultado será também expressivo, gente a sobrar face ao número de camas, os hospitais a deitarem por fora. Não poderemos deixar de andar com o credo na boca.
Aqui e por todo o lado. Aos poucos, a Europa está a fechar-se em casa. Um mundo virado para dentro de si próprio. Se não é doçura, só pode ser travessura. Travessura dos deuses, claro, fartos de aturar estes macacos burros armados em inteligentes que somos nós.
Mas passa das duas da manhã, adormeço a cada sílaba, não me apetece ir deitar-me ainda com o sarro do merdinhas colado aos dedos. Muito menos com o do palhaço cor-de-laranja (Orange clown. Orange stupid cow, orange coward)
Por isso, vou-me mas não sem antes partilhar um vídeo do caraças que o meu amigo algoritmo hoje tinha para me oferecer. Nada a ver com nada. Apenas encontros inesperados entre animais. Muito engraçado. Um oásis no meu dia, uma forma de escapar à tortura que têm sido as notícias deste dia.
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