Tenho este em que agora estou e posso ter ainda mais um ou dois espaços. No jardim, por exemplo, sob o alpendre. Tenho trabalhado lá. Não sei se funcionaria bem como covil de escrita mas talvez. Ou no sótão.
Mas a verdade é que, sobretudo, ainda estamos a ajustar-nos à casa.
Agora, neste preciso momento, estou numa secretária minúscula na salinha dos de língua portuguesa, salinha que, para além dos vinte e quatro metros lineares de prateleiras para acomodar prosa e poesia (algumas das quais pertencentes àquelas estantes que tanto me desiludiram e das quais, afinal, agora até gosto), tem ainda, devidamente resguardados de olhares alheios, os meus colares, anéis, brincos, écharpes, carteiras e outros bens de primeira necessidade. A room of my own.
Estou aqui hoje sentada pela primeira vez. Um dos meninos já aqui teve aulas e gostou. Mas, para mim, é uma première. Ainda não me pronuncio, tenho que sentir o lugar. No entanto, para testar a qualidade do ambiente, já aqui tenho uma caneca de um quente e saboroso chá rubro (proveniente da caixa dos tesouros que a minha filha me deu pelo Natal), estou a ouvir o canto dos pássaros e, pela janela, vejo trepadeiras, arbustos, flores, árvores.
Mas subsistem ainda alguns pontos em aberto. Por exemplo, tenho ainda uma dúvida: não sei se deverei estar como estou agora, em silêncio, ou se faria sentido ter música. A nossa aparelhagem é uma das coisas que ainda não veio. É grande, analógica e material: tem um gira discos, um leitor de cassetes, um amplificador, um leitor de cd's, tem colunas separadas. Os nossos LP's e cd's estão encaixotados mas também ainda não vieram. Talvez possamos depois pôr tudo isso no sótão que está decorado como uma sala ampla e multi-funcional, bem agradável. Mas o que imagino para mim, enquanto desse curso à inspiração, seria uma coluninha pequena que contivesse rádio, para poder ouvir a antena 2, mas também outras coisas. Mas uma coluninha não dá para os cds. Aliás nem já o computador dá para cd's. Tudo tende para a desmaterialização.
Isso significa que estamos cada vez mais dependentes de tecnologia, de telecomunicações. Um dia não há rede, não há sinal, o computador avaria e lá ficamos no ar, sem poder fazer nada, totalmente desprovidos de meios físicos para o que quer que seja. Não me agrada, isso. Não sou avessa à mudança mas a verdade é que a sociedade está percorrer este caminho na maior cegueira. Não faz sentido a humanidade estar dependente de coisas que não controla minimamente e relativamente às quais, não tarda, não tem qualquer alternativa. Mas adiante que não é hora nem tenho competência para filosofias. E, para mais, filosofar é capaz de ser bom mas, neste contexto, não me serve de consolo.
Mas, voltando à banda sonora para me acompanhar na escrita, ter que estar a descarregar músicas é coisa que não puxa por mim e para a qual não creio que tenha paciência. Nem é bem paciência, é mais o pensar que ficaria agarrada a obras escolhidas por mim, coisa demasiado limitada. Portanto, para já, se quiser ouvir alguma coisa, tenho o youtube que me vai dando a descobrir coisas que, de outra forma, jamais conheceria.
E, obviamente, isto que acabei de escrever não apenas é contraditório em relação ao que acima disse como revela bem como passivamente vamos aceitando que escolham por nós, como vamos assimilando a ideia de que tudo o que escolhemos, lemos e ouvimos fique registado algures (não sabemos em que condições e por quanto tempo), seja processado e reprocessado (sabe-se lá como e por quem), para daí se inferirem gostos e tendências (sabe-se lá para que fins), sendo-me depois dado a conhecer aquilo que, à partida, já se sabe que vai merecer o meu agrado. Isto tem tanto de fantástico quanto de assustador. E eu só não me atormento mais com esta perversidade porque tenho plena consciência de que estou cá de passagem pelo que o melhor é ir fechando os olhos a estas coisas para aproveitar o lado bom da vida -- natureza, arte, afectos e etc. -- e não viver o resto dos meus dias com a sensação de que um tsunami, do qual obviamente não conseguirei escapar, está a passar-me por cima.
Mas tenho também que ter tempo. Não consigo entregar-me ao que quer que seja sem ser na íntegra. Não posso escrever um bocadinho, depois despachar uns temas, atender umas chamadas, depois mais meia dúzia de linhas, dois mails, uma linha, três team meetings, dois parágrafos. Não dá.
Mas dá para ir ensaiando, sonhando, divagando. Isto. Conversas soltas, coisas de nada.
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