sexta-feira, janeiro 03, 2020

Relato dos meus dois primeiros dias do já glorioso 2020
com reportagem fotográfica do 1º dia, cá em casa







Hoje, ao regressar ao trabalho, depois de longos dois dias de férias, toda a gente me perguntou se tinha passado bem o ano. Como desde há muito aprendi que não vale a pena a gente agarrar-se a insignificâncias, guardei para mim o que, a todos, me apetecia perguntar: 'Refere-se a se passei bem o ano 2019? Ou seja, se o ano passado foi bom? Ou quer simplesmente saber se a passagem de ano, o exacto momento em que saímos de 2019 e entrámos em 2020, foi bom?'. Portanto, não verbalizei a dúvida e limitei-me a dizer que foi bom, foi sim senhor. O último, mal eu disse que sim, passou para si próprio e disse-me: 'Eu também. E também fui para a terra, juntei lá a malta toda.'. E eu voltei a guardar para mim a dúvida: 'Também foi para a terra? Também porquê?' É que não fui para terra nenhuma, fiquei em casa. Mas, pronto, não estou para incomodar as pessoas. Se eu fosse por aí passava a vida a desmontar vícios de raciocínio. A vontade que às vezes tenho de dar uma aula prática sobre silogismos... Mas, na volta, eu é que ainda passava por maluca por isso está quieto ó preto.
Ai, credo, que expressão mais estúpida de que me fui lembrar. Soa a racista. Que coisa. Acho que já nem se diz. Deve ter caído, e justamente, no desuso onde se juntam as bocas politicamente incorrectas. Nem sei porque é que agora me lembrei de escrever uma coisa destas. Devia era apagar. Mas não me ocorre uma expressão equivalente. Está bem abelha não tem o mesmo significado. Bem. Se me ocorrer, subsitituo; e apago esta conversa toda.

Adiante. 

Passei o dia de Ano Novo cá em casa. Temos isto: abrir o ano todos juntos cá em casa. Gosto mesmo. Cozinhar para a malta toda, andar em stress a ver as horas a passar, eles todos quase a chegarem e eu ainda com tanto que fazer, o meu marido furioso por eu me pôr sempre a fazer tanta coisa, que só complico em vez de facilitar, eu a querer que ele vá preparando as tapas ou coisas assim em vez de estar a chatear e ele, porque teme o caos no meio do qual me movimento bem, a querer lavar a louça que vou sujando a grande velocidade. E eu, à última hora, sem saber se as coisas vão ficar boas porque, como sempre, invento as receitas. E a ver o tempo a passar e ainda a querer ir tomar banho, vestir-me, pôr um discreto smoky look nas pálpebras superiores, dar um jeito no cabelo, quiçá dar-lhe com o secador para não abrir a porta com o cabelo a escorrer. E a olhar para o relógio e a achar que já não vai dar.


Mas a pica dá-me para acelerar e, quando chegam, estou sempre pronta e a comida (quase) toda pronta. Desta vez houve este irritante quase. Tinha decidido fazer uma espécie de pão de alho. Mas com o forno cheio desde manhã com salmão sobre cama de lascas de pêra, com arroz de carnes e com bola folhada de paté home made (noutro dia logo digo como fiz), só consegui lugar para o dito pão já eles estavam mesmo quase a chegar. É que, ademais, só teria graça se estivesse quentinho. Mas a gaita é que não consigo fazer as coisas de forma normal. Lembrei-me de comprar duas bases de pizza. Só que aquilo é fininho, fininho, um rolinho de massa que não é fácil de desdobrar. O rolinho vem estendido, enrolado sobre uma folha de papel vegetal. Só que para pôr na grelha do forno sobre o dito papel vegetal, deve pôr-se azeite entre o papel e a massa. Ora, ao despegar a massa para pôr o azeite in between, abriam-se buracos no raio da massa. Uns nervos, eu cheia de pressa e aquilo a abrir-se e a perder o jeito de círculo. Enfim, só visto. E, então, numa, por cima, pus azeite, alho picado (não muito), orégãos em folhinha seca e uns filamentos de alecrim. E noutra pus mozzarella e alecrim. Só que, de tão esticado aquilo ficou, uma ocupou toda a grelha do forno e a outra teve que ficar sobre um tabuleiro. E pôr aquilo no forno para não se desmanchar de vez...? Não dá para acreditar na ginástica. Percebi porque é que usam aquelas grandes espátulas, com cabo grande para pôr as pizzas no forno. Mas, pronto, a verdade é que ficaram boas. Cortou-se cada uma aos quadradinhos e, em menos de um foguete, já não havia quase nada. Mas só as tirei do forno já estava a maltinha toda em volta da mesa e eu gosto de, com eles amesendados, já estar tudo despachado e, desta vez, ainda não estavam estes finalmentes. 


Não sei se já contei que tivemos que comprar uma mesa adicional. Foi o mais parecido que encontramos com a outra mesa, a grande. Só que é ligeiramente mais baixa. Encosta-se à outra e fica um desnível. Mas não faz mal. Fica para os mais pequenos.

Ou seja, o primeiro dia do ano foi muito feliz, foi como gosto dos dias felizes, um dia alegre, cheio de bons auspícios (seja lá o que isso quiser dizer).

À tarde, enquanto brincavam, conversavam, jogavam bingo, faziam puzzles, andavam às lutas, confraternizavam, riam e etc. eu andava a fotografá-los. Já não ligam, não sentem que eu os estorve. E eu vou registando estes momentos bons. 


Quando, já noite, se retiraram, nós ficámos a repôr o décor e, nessa faxina, como sempre, fui descobrindo despojos que me fazem rir, coisas que guardo com carinho.

Já de tarde tinha fotografado a loja que a menina mais linda montou, escrevendo que vendia molduras, acessórios e origramis e que só aceitava dinheiro de papel! mas, no fim, ainda achei um manifesto que foi colado num vidro onde um dos meninos protestava por não ter podido usar mais tempo a PS4 ou um cartaz feito numa folha a dizer: Ca lá boca, cantas mal!



Mas isto foi no dia 1, o dia inaugural.

No dia 2, dia de regresso ao trabalho, fomos almoçar a um centro comercial porque a camisa para o fim de semana que era, porque era, M, afinal não era o M coisa nenhuma mas, obviamente, um L. Depois fomos almoçar e, mal ele se raspou, queixando-se que já estava atrasado, eu olhei para o relógio e achei que o ano tinha que começar com todos os condimentos.

Então, jurando que ia numa platónica, só olhar, entrei na livraria. Mas, está bem abelha (aqui é que se aplica esta da abelha), platonismo não é coisa para mim. Nasci para pecar. Comecei por catrapiscar. Ia pensando: catrapiscar não tem problema, ainda cai na categoria do platonismo. Por fim, já andava a passar-lhes a mão pelo pêlo, depois a olhar com tentação, por fim já a espreitar-lhes as entranhas. E, finalmente, já a o acto estava a caminho de se consumar, já a chamar um figo a um, vi um outro que, provavelmente, por estar com um certo sentimento de culpa, me fez pensar que, para atenuar o pecado, devia arranjar também um para o meu marido. Refiro-me a um livro, bem entendido. E assim foi que, ao segundo dia do célebre 2020, saí da livraria com dois books na mão: um supostamente para mim, com o sugestivo nome de Um cavalo entra num bar, romance de David Grossmann, e outro, o tal quiçá para o meu marido, Mafia Life de Federico Varese. Quando lhe disse que tinha trazido o livro para ele, ficou muito admirado: 'Porquê?!'. Compreendo o pasmo: ainda não sabe que vai gostar.


Quanto ao resto, passei ao largo. Saldos all over, gente ajoujada com sacos e mais sacos, e, nas montras, soldes, rebajas, descontos, baixas percentagens, tudo com descontos de arrasar. E eu, queixo erguido, superior a essas tentações vãs e mesquinhas. Roupa barata? Quero lá eu saber. Como um mantra, ia, em pensamento, repetindo: Não preciso, não preciso, não preciso. Com as arrumações que fiz nos últimos dias do ano velho, ganhei várias peças de roupa que andavam esquecidas e que, sem enchumaços e lavadinhas, estão como novas.

Só que, já a caminho da escada rolante, deu-me o cheiro. Pensei logo: caneco, lá vou ter que pecar outra vez. Uma perfumaria. Olhei: descontos até 60%. Avancei que nem raposa a galinha. Sondei, farejei, rondei. Só que o mantra não me largava: não preciso, não preciso. E consegui: saí sem nenhum perfume. Vitoriosa, campeã do anti-consumismo. Mas, à saída, um da Gucci de que ainda não tinha ouvido falar: Bloom Ambrosia Di Fiori. Não sou apenas sensíveis a belos olhares, a sorrisos maliciosos ou a bons perfumes: sou também sensível a bons nomes. Levantei a tampa do tester. Cheirei. Pareceu-me bem. Pulverizei um pulso. Cheirei. Depois o outro. Cheirei. Depois, na despedida, uma generosa pulverização na echarpe azul com flores rosa e brancas em volta do pescoço. E assim me retirei: sem consumar o pecado mas com o cheiro dele em mim.

Resultado: toda a tarde andei com mixed feelings sobre o dito. Quando cheguei ao pé do meu marido, mostrou-se intrigado e, direi mesmo, muito pouco entusiasmado: 'Mas que raio de perfume é esse?'. Expliquei-lhe que me tinha perfumado à hora de almoço, com um perfume de teste. Abanou a cabeça, desconsolado. Não lhe parece bem que a mulher faça coisas destas. Mas obviamente não quero saber desses seus estados de alma. Agora uma coisa é certa: aquela ambrósia não me convenceu. Já do cavalo que entra no bar acho que vou gostar.


Posso ainda acrescentar que, enquanto ia na escada rolante, espreitei o blog e dei com o comentário de uma pessoa -- de quem não digo o nome para ele não voltar a sentir pudor -- a dizer que estava para disparar um link do post até ler a último parágrafo. Assim de repente, fiquei a pensar: ó caraças, devo ter escrito porcaria da grossa. O que terá sido? Ideia parva? Erro ortográfico cabeludo? Pontapé gramatical de dar dó? Pensei: caraças, tenho que tirar já isso a limpo. Para além da carteira ao ombro, tinha o bilhete e dinheiro para pagar o parque numa mão e estava com os dois livros no braço e o telemóvel na outra mão pelo que tive que parar não fosse haver desastre e ir tudo parar o chão, nomeadamente o telemóvel pela centésima vez.

Consultei o post e... oh la la: era simplesmente uma graça, uma modéstia envolta em sorrisos. Sorri também. Tive vontade de escrever logo ali que se deixasse disso mas depois receei que pensasse que estava a fazer-me ao link. Ou, pior, que com a falta de mãos com que estava, a resposta me saísse mal costurada e, portanto, fiquei quieta e segui para o parque. E a verdade é que ainda não sei o que responda.


A chatice, no meio disto tudo, é que hoje tinha uma coisa para dizer sobre os riscos do mundo e, para me levarem mais a sério, até ia invocar o que malta de Davos dixit. E agora é tão tarde que já nem sei o que faça, mais que certo terá que ficar para a amanhã ou para outro dia, um dia que não me ponha para aqui na palheta convosco sem dar pelo tempo a passar.

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E um belo terceiro dia do fantástico ano da graça de 2020

2 comentários:

Isabel disse...

Não resisti: pequei nos livros e pequei (muito) nos saldos!
Mas isto ainda foi em 2019...
Em 2020 vou ter mais juizinho!

Bom começo de 2020; gostei do cartaz das vendas. Também guardo algumas coisas dessas dos meus sobrinhos. É tão giro rever...

Beijinhos e continuação de bom 2020:))

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel,

Eu bem que tenho sempre a intenção de virar a cara a livros novos. Mas depois parecem-me tão fundamentais.

E os papelinhos dos meninos, que ternura, que gosto em vê-los e revê-los. São parte da nossa memória, não é?

Beijinhos, Chabeli.

Um belo fim de semana!