Hoje, ao regressar ao trabalho, depois de longos dois dias de férias, toda a gente me perguntou se tinha passado bem o ano. Como desde há muito aprendi que não vale a pena a gente agarrar-se a insignificâncias, guardei para mim o que, a todos, me apetecia perguntar: 'Refere-se a se passei bem o ano 2019? Ou seja, se o ano passado foi bom? Ou quer simplesmente saber se a passagem de ano, o exacto momento em que saímos de 2019 e entrámos em 2020, foi bom?'. Portanto, não verbalizei a dúvida e limitei-me a dizer que foi bom, foi sim senhor. O último, mal eu disse que sim, passou para si próprio e disse-me: 'Eu também. E também fui para a terra, juntei lá a malta toda.'. E eu voltei a guardar para mim a dúvida: 'Também foi para a terra? Também porquê?' É que não fui para terra nenhuma, fiquei em casa. Mas, pronto, não estou para incomodar as pessoas. Se eu fosse por aí passava a vida a desmontar vícios de raciocínio. A vontade que às vezes tenho de dar uma aula prática sobre silogismos... Mas, na volta, eu é que ainda passava por maluca por isso está quieto ó preto.
Ai, credo, que expressão mais estúpida de que me fui lembrar. Soa a racista. Que coisa. Acho que já nem se diz. Deve ter caído, e justamente, no desuso onde se juntam as bocas politicamente incorrectas. Nem sei porque é que agora me lembrei de escrever uma coisa destas. Devia era apagar. Mas não me ocorre uma expressão equivalente. Está bem abelha não tem o mesmo significado. Bem. Se me ocorrer, subsitituo; e apago esta conversa toda.
Adiante.
Passei o dia de Ano Novo cá em casa. Temos isto: abrir o ano todos juntos cá em casa. Gosto mesmo. Cozinhar para a malta toda, andar em stress a ver as horas a passar, eles todos quase a chegarem e eu ainda com tanto que fazer, o meu marido furioso por eu me pôr sempre a fazer tanta coisa, que só complico em vez de facilitar, eu a querer que ele vá preparando as tapas ou coisas assim em vez de estar a chatear e ele, porque teme o caos no meio do qual me movimento bem, a querer lavar a louça que vou sujando a grande velocidade. E eu, à última hora, sem saber se as coisas vão ficar boas porque, como sempre, invento as receitas. E a ver o tempo a passar e ainda a querer ir tomar banho, vestir-me, pôr um discreto smoky look nas pálpebras superiores, dar um jeito no cabelo, quiçá dar-lhe com o secador para não abrir a porta com o cabelo a escorrer. E a olhar para o relógio e a achar que já não vai dar.
Mas a pica dá-me para acelerar e, quando chegam, estou sempre pronta e a comida (quase) toda pronta. Desta vez houve este irritante quase. Tinha decidido fazer uma espécie de pão de alho. Mas com o forno cheio desde manhã com salmão sobre cama de lascas de pêra, com arroz de carnes e com bola folhada de paté home made (noutro dia logo digo como fiz), só consegui lugar para o dito pão já eles estavam mesmo quase a chegar. É que, ademais, só teria graça se estivesse quentinho. Mas a gaita é que não consigo fazer as coisas de forma normal. Lembrei-me de comprar duas bases de pizza. Só que aquilo é fininho, fininho, um rolinho de massa que não é fácil de desdobrar. O rolinho vem estendido, enrolado sobre uma folha de papel vegetal. Só que para pôr na grelha do forno sobre o dito papel vegetal, deve pôr-se azeite entre o papel e a massa. Ora, ao despegar a massa para pôr o azeite in between, abriam-se buracos no raio da massa. Uns nervos, eu cheia de pressa e aquilo a abrir-se e a perder o jeito de círculo. Enfim, só visto. E, então, numa, por cima, pus azeite, alho picado (não muito), orégãos em folhinha seca e uns filamentos de alecrim. E noutra pus mozzarella e alecrim. Só que, de tão esticado aquilo ficou, uma ocupou toda a grelha do forno e a outra teve que ficar sobre um tabuleiro. E pôr aquilo no forno para não se desmanchar de vez...? Não dá para acreditar na ginástica. Percebi porque é que usam aquelas grandes espátulas, com cabo grande para pôr as pizzas no forno. Mas, pronto, a verdade é que ficaram boas. Cortou-se cada uma aos quadradinhos e, em menos de um foguete, já não havia quase nada. Mas só as tirei do forno já estava a maltinha toda em volta da mesa e eu gosto de, com eles amesendados, já estar tudo despachado e, desta vez, ainda não estavam estes finalmentes.
Não sei se já contei que tivemos que comprar uma mesa adicional. Foi o mais parecido que encontramos com a outra mesa, a grande. Só que é ligeiramente mais baixa. Encosta-se à outra e fica um desnível. Mas não faz mal. Fica para os mais pequenos.
Ou seja, o primeiro dia do ano foi muito feliz, foi como gosto dos dias felizes, um dia alegre, cheio de bons auspícios (seja lá o que isso quiser dizer).
À tarde, enquanto brincavam, conversavam, jogavam bingo, faziam puzzles, andavam às lutas, confraternizavam, riam e etc. eu andava a fotografá-los. Já não ligam, não sentem que eu os estorve. E eu vou registando estes momentos bons.
À tarde, enquanto brincavam, conversavam, jogavam bingo, faziam puzzles, andavam às lutas, confraternizavam, riam e etc. eu andava a fotografá-los. Já não ligam, não sentem que eu os estorve. E eu vou registando estes momentos bons.
Quando, já noite, se retiraram, nós ficámos a repôr o décor e, nessa faxina, como sempre, fui descobrindo despojos que me fazem rir, coisas que guardo com carinho.
Já de tarde tinha fotografado a loja que a menina mais linda montou, escrevendo que vendia molduras, acessórios e origramis e que só aceitava dinheiro de papel! mas, no fim, ainda achei um manifesto que foi colado num vidro onde um dos meninos protestava por não ter podido usar mais tempo a PS4 ou um cartaz feito numa folha a dizer: Ca lá boca, cantas mal!
Mas isto foi no dia 1, o dia inaugural.
No dia 2, dia de regresso ao trabalho, fomos almoçar a um centro comercial porque a camisa para o fim de semana que era, porque era, M, afinal não era o M coisa nenhuma mas, obviamente, um L. Depois fomos almoçar e, mal ele se raspou, queixando-se que já estava atrasado, eu olhei para o relógio e achei que o ano tinha que começar com todos os condimentos.
Então, jurando que ia numa platónica, só olhar, entrei na livraria. Mas, está bem abelha (aqui é que se aplica esta da abelha), platonismo não é coisa para mim. Nasci para pecar. Comecei por catrapiscar. Ia pensando: catrapiscar não tem problema, ainda cai na categoria do platonismo. Por fim, já andava a passar-lhes a mão pelo pêlo, depois a olhar com tentação, por fim já a espreitar-lhes as entranhas. E, finalmente, já a o acto estava a caminho de se consumar, já a chamar um figo a um, vi um outro que, provavelmente, por estar com um certo sentimento de culpa, me fez pensar que, para atenuar o pecado, devia arranjar também um para o meu marido. Refiro-me a um livro, bem entendido. E assim foi que, ao segundo dia do célebre 2020, saí da livraria com dois books na mão: um supostamente para mim, com o sugestivo nome de Um cavalo entra num bar, romance de David Grossmann, e outro, o tal quiçá para o meu marido, Mafia Life de Federico Varese. Quando lhe disse que tinha trazido o livro para ele, ficou muito admirado: 'Porquê?!'. Compreendo o pasmo: ainda não sabe que vai gostar.
No dia 2, dia de regresso ao trabalho, fomos almoçar a um centro comercial porque a camisa para o fim de semana que era, porque era, M, afinal não era o M coisa nenhuma mas, obviamente, um L. Depois fomos almoçar e, mal ele se raspou, queixando-se que já estava atrasado, eu olhei para o relógio e achei que o ano tinha que começar com todos os condimentos.
Então, jurando que ia numa platónica, só olhar, entrei na livraria. Mas, está bem abelha (aqui é que se aplica esta da abelha), platonismo não é coisa para mim. Nasci para pecar. Comecei por catrapiscar. Ia pensando: catrapiscar não tem problema, ainda cai na categoria do platonismo. Por fim, já andava a passar-lhes a mão pelo pêlo, depois a olhar com tentação, por fim já a espreitar-lhes as entranhas. E, finalmente, já a o acto estava a caminho de se consumar, já a chamar um figo a um, vi um outro que, provavelmente, por estar com um certo sentimento de culpa, me fez pensar que, para atenuar o pecado, devia arranjar também um para o meu marido. Refiro-me a um livro, bem entendido. E assim foi que, ao segundo dia do célebre 2020, saí da livraria com dois books na mão: um supostamente para mim, com o sugestivo nome de Um cavalo entra num bar, romance de David Grossmann, e outro, o tal quiçá para o meu marido, Mafia Life de Federico Varese. Quando lhe disse que tinha trazido o livro para ele, ficou muito admirado: 'Porquê?!'. Compreendo o pasmo: ainda não sabe que vai gostar.
Quanto ao resto, passei ao largo. Saldos all over, gente ajoujada com sacos e mais sacos, e, nas montras, soldes, rebajas, descontos, baixas percentagens, tudo com descontos de arrasar. E eu, queixo erguido, superior a essas tentações vãs e mesquinhas. Roupa barata? Quero lá eu saber. Como um mantra, ia, em pensamento, repetindo: Não preciso, não preciso, não preciso. Com as arrumações que fiz nos últimos dias do ano velho, ganhei várias peças de roupa que andavam esquecidas e que, sem enchumaços e lavadinhas, estão como novas.
Só que, já a caminho da escada rolante, deu-me o cheiro. Pensei logo: caneco, lá vou ter que pecar outra vez. Uma perfumaria. Olhei: descontos até 60%. Avancei que nem raposa a galinha. Sondei, farejei, rondei. Só que o mantra não me largava: não preciso, não preciso. E consegui: saí sem nenhum perfume. Vitoriosa, campeã do anti-consumismo. Mas, à saída, um da Gucci de que ainda não tinha ouvido falar: Bloom Ambrosia Di Fiori. Não sou apenas sensíveis a belos olhares, a sorrisos maliciosos ou a bons perfumes: sou também sensível a bons nomes. Levantei a tampa do tester. Cheirei. Pareceu-me bem. Pulverizei um pulso. Cheirei. Depois o outro. Cheirei. Depois, na despedida, uma generosa pulverização na echarpe azul com flores rosa e brancas em volta do pescoço. E assim me retirei: sem consumar o pecado mas com o cheiro dele em mim.
Resultado: toda a tarde andei com mixed feelings sobre o dito. Quando cheguei ao pé do meu marido, mostrou-se intrigado e, direi mesmo, muito pouco entusiasmado: 'Mas que raio de perfume é esse?'. Expliquei-lhe que me tinha perfumado à hora de almoço, com um perfume de teste. Abanou a cabeça, desconsolado. Não lhe parece bem que a mulher faça coisas destas. Mas obviamente não quero saber desses seus estados de alma. Agora uma coisa é certa: aquela ambrósia não me convenceu. Já do cavalo que entra no bar acho que vou gostar.
Resultado: toda a tarde andei com mixed feelings sobre o dito. Quando cheguei ao pé do meu marido, mostrou-se intrigado e, direi mesmo, muito pouco entusiasmado: 'Mas que raio de perfume é esse?'. Expliquei-lhe que me tinha perfumado à hora de almoço, com um perfume de teste. Abanou a cabeça, desconsolado. Não lhe parece bem que a mulher faça coisas destas. Mas obviamente não quero saber desses seus estados de alma. Agora uma coisa é certa: aquela ambrósia não me convenceu. Já do cavalo que entra no bar acho que vou gostar.
Posso ainda acrescentar que, enquanto ia na escada rolante, espreitei o blog e dei com o comentário de uma pessoa -- de quem não digo o nome para ele não voltar a sentir pudor -- a dizer que estava para disparar um link do post até ler a último parágrafo. Assim de repente, fiquei a pensar: ó caraças, devo ter escrito porcaria da grossa. O que terá sido? Ideia parva? Erro ortográfico cabeludo? Pontapé gramatical de dar dó? Pensei: caraças, tenho que tirar já isso a limpo. Para além da carteira ao ombro, tinha o bilhete e dinheiro para pagar o parque numa mão e estava com os dois livros no braço e o telemóvel na outra mão pelo que tive que parar não fosse haver desastre e ir tudo parar o chão, nomeadamente o telemóvel pela centésima vez.
Consultei o post e... oh la la: era simplesmente uma graça, uma modéstia envolta em sorrisos. Sorri também. Tive vontade de escrever logo ali que se deixasse disso mas depois receei que pensasse que estava a fazer-me ao link. Ou, pior, que com a falta de mãos com que estava, a resposta me saísse mal costurada e, portanto, fiquei quieta e segui para o parque. E a verdade é que ainda não sei o que responda.
Consultei o post e... oh la la: era simplesmente uma graça, uma modéstia envolta em sorrisos. Sorri também. Tive vontade de escrever logo ali que se deixasse disso mas depois receei que pensasse que estava a fazer-me ao link. Ou, pior, que com a falta de mãos com que estava, a resposta me saísse mal costurada e, portanto, fiquei quieta e segui para o parque. E a verdade é que ainda não sei o que responda.
A chatice, no meio disto tudo, é que hoje tinha uma coisa para dizer sobre os riscos do mundo e, para me levarem mais a sério, até ia invocar o que malta de Davos dixit. E agora é tão tarde que já nem sei o que faça, mais que certo terá que ficar para a amanhã ou para outro dia, um dia que não me ponha para aqui na palheta convosco sem dar pelo tempo a passar.
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E um belo terceiro dia do fantástico ano da graça de 2020
Não resisti: pequei nos livros e pequei (muito) nos saldos!
ResponderEliminarMas isto ainda foi em 2019...
Em 2020 vou ter mais juizinho!
Bom começo de 2020; gostei do cartaz das vendas. Também guardo algumas coisas dessas dos meus sobrinhos. É tão giro rever...
Beijinhos e continuação de bom 2020:))
Olá Isabel,
ResponderEliminarEu bem que tenho sempre a intenção de virar a cara a livros novos. Mas depois parecem-me tão fundamentais.
E os papelinhos dos meninos, que ternura, que gosto em vê-los e revê-los. São parte da nossa memória, não é?
Beijinhos, Chabeli.
Um belo fim de semana!