Não sei se é por andar com muitos programas e não conseguir respirar entre eles, se é por andar sempre com a sensação (real) de ter deixado trabalho por fazer e não saber quando vou conseguir ter tudo em dia, se é por ter que madrugar amiúde não me deixando descansar de permeio -- ou se é disso tudo mais do efeito deste calor abrasador. Ando verdadeiramente sem energia.
Ao fim do dia, fomos fazer a nossa pequena caminhada; mas foi um esforço tão grande. Ainda por cima, não tínhamos água. Estava sedenta, estafada, com a pele a ferver. Quando cheguei, como o jantar estava feito, depois de me pôr à fresca, estendi-me no sofá e fiquei imediatamente à beira de dormir.
E, depois de jantar, cheia de calor, cheia de sono, a pensar que deveria ir acabar um trabalho mas incapaz de pegar nele, para aqui fiquei a navegar em seco.
No entanto, penso às vezes que há cansaços que não devem ser subestimados. Já não me lembro há quantos anos mas não foram muitos, o meu pai que, na altura, ainda andava por si em casa -- embora com muita dificuldade e agarrado aos móveis -- caíu e partiu uma perna. Teve que ser operado.
Todos os dias, a minha mãe ia vê-lo ao hospital. Na maior parte dos dias eu ia buscá-la a casa à hora de almoço e íamos as duas. Depois ia pô-la a casa e voltava ao trabalho. Outras vezes, ela ia com o meu tio, outras com a minha nora. Nos outros dias ia de autocarro ou táxi. O pós-operatório foi uma complicação total e ele esteve internado muito tempo. Para a minha mãe, um susto permanente e uma canseira. Depois, foi para casa porque não arranjámos um lugar decente com fisioterapia onde ficasse internado. Ficou acamado, numa situação complicada. Para a minha mãe, um desgosto por vê-lo assim e uma nova canseira. Ao fim de algum tempo, arranjámos uma espécie de clínica onde ele poderia tentar a reabilitação. Odiou lá estar e veio de lá sem ter feito quaisquer progressos. Não colaborava, não percebia sequer porque lá estava. Mas achávamos que era para bem dele, queríamos que pudesse voltar a andar. Todos os dias a minha mãe ia vê-lo. Eu ia ao sábado e ao domingo e ia buscá-la e levá-la mas, durante a semana, ela ia de autocarro -- e aquilo ainda era longe da paragem. De vez em quando ia de táxi mas na maior parte do tempo a de autocarro.
E estava um calor horrível e ela queixava-se disso, como lhe custava tanto. Eu dizia-lhe que não fosse todos os dias, que naquelas tardes de grande calor ficasse em casa, a descansar. Mas ela isso não fazia, não queria que o meu pai lá estivesse à espera e que ela não aparecesse. Até que o meu pai foi para casa. Para a cama.
E, então, aí, a minha mãe foi-se abaixo. Cansada. Dizia que andava sem acção. Foi no verão e estava um calor verdadeiramente insuportável. Pensávamos, por isso, que o cansaço nascia daquele calor. Também tem um pequeno desequilíbrio a nível da tiróide, pensámos que talvez pudesse ser disso. Ou tensão baixa. Ou o somatório do cansaço daqueles meses todos em que andou a ir e vir todos os dias a caminho do meu pai. Ou a idade. Dizia: 'É que também já não sou nova, não é?' Arranjávamos explicações lógicas para aquele cansaço. Por vezes não percebo como, com a idade que tem, ainda conserva aquela energia. Por isso, pensando bem, com o desgaste psicológico e físico a que tinha estado sujeita, com aquele calor e com a idade que tem, parecia mais do que normal que estivesse cansada.
Mas às tantas achou que era cansaço a mais. Não se queixava de mais nada, só isso, mas isso era invulgar nela. Foi ao médico, um bacano da idade dela. Pensava ir pedir-lhe um suplemento qualquer ou ver se precisava de alguma coisa para a tiróide. Mas o médico, experiente e intuitivo, mandou fazer análises, incluindo às fezes. Mas nem ela veio de lá preocupada nem eu o fiquei. Tantos meses a cuidar do meu pai, não tendo tempo e disposição para si própria, era bom mesmo que fizesse uma revisão geral. Só que o resultado não foi tão bom quanto se queria. Estava com uma anemia e havia sangue nas fezes. Fui à net. Nem sempre isso é perigoso, há muitas causas benignas. Além disso, fazia bem a digestão, não tinha incómodos de qualquer tipo. Tranquilo. Mas o médico mandou fazer colonoscopia.
Não quis que eu fosse, que estava bem, que ia com uma amiga (por acaso, mais velha). Ia tranquila e eu também não estava muito preocupada. Pouco depois da hora, liguei. Já tinha feito, estava à espera. E afinal, depois, pouco depois, ligou-me com a voz aflita, que a médica tinha ido falar com ela e que era melhor eu ir ter lá casa já, havia coisas a combinar. Fui a conduzir nem sei como, na maior ansiedade, horrorizada, cheia, cheia de medo. Quando cheguei, a minha mãe estava numa aflição, 'o que vai ser do teu pai? no estado em que está... nem quero pensar no que vai ser...' e chorava, angustiada, amedrontada, estávamos cheias de um medo terrível, aquele medo fundo, cavado, que acompanha as ameaças de morte.
Depois foi uma corrida contra o tempo. Exames que nos matavam de medo, sempre sob o terror de virem ainda piores notícias. Depois foi a operação. Ficou sem metade do intestino mas teve alta num instante e saíu a andar, sem dores. Não havia metástases, ficou bem, e o médico, outro boa-onda, disse-lhe que daquilo ela não morreria. E todos disseram que a sorte foi ter ido ao médico por se sentir cansada. Se não se tivesse investigado, se tivesse tomado medicamentos para ganhar energia, se tivesse achado que era normal e deixasse andar, poderia ter sido bem pior. Não tinha qualquer outro sintoma senão o cansaço. Assim, felizmente, atalhou a tempo.
Não conto isto para alarmar ninguém. É apenas um testemunho que, sabe-se lá, pode ser útil a alguém.
E eu, cansada que ando, sem energia, penso que não é o meu caso pois acho que tenho razões de sobra para me sentir assim. A ver é se, no fim de semana, consigo retemperar-me.
Que me desculpem os que aqui vêm procurando algumas palavras mais animadas ou interessantes. Agora não consigo dar mais que isto.
Uma vez mais, à falta de melhor ideia, abonequei o texto com umas coisas cá de casa. E deixem que vos mostre porque é que a minha canseirinha é bobagem tola quando comparada com a canseira a sério que deve ter sido construir o que aqui abaixo se vê ou com a canseira de quem, para estar num lugar assim, espantoso, tem que subir tudo aquilo (e que vertigens sinto ao ver).
Uma capela no céu
Dias felizes para todos