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Preferia que as luzes estivessem apagadas quando lá chego antes da hora. Geralmente tento chegar antes das outras pessoas.
Atravesso Lisboa por uma das vias mais movimentadas. Gosto de conduzir ao lusco fusco, quando a noite tomba e as luzes da cidade se acendem. Ouço música, hoje era violoncelo, um lamento, e esgueiro-me entre os outros carros conforme posso a ver se chego antes.
Em alguns dos mais modernos edifícios de escritórios da cidade, edifícios totalmente envidraçados, transparentes, quando o escuro cá fora realça as luzes do interior, as pessoas parecem pequenos animais em gaiolas, muitas gaiolas. Ali andam, pequenas e insignificantes, as pessoazinhas que fazem com que os serviços do país funcionem. Formiguinhas, bichinhos, gente indistinta a quem os governos podem facilmente atropelar. Olho-as: podiam ser pequenos números animados, podiam ser células de uma folha de cálculo; mas, por acaso, são apenas pessoas enjauladas.
Em alguns dos mais modernos edifícios de escritórios da cidade, edifícios totalmente envidraçados, transparentes, quando o escuro cá fora realça as luzes do interior, as pessoas parecem pequenos animais em gaiolas, muitas gaiolas. Ali andam, pequenas e insignificantes, as pessoazinhas que fazem com que os serviços do país funcionem. Formiguinhas, bichinhos, gente indistinta a quem os governos podem facilmente atropelar. Olho-as: podiam ser pequenos números animados, podiam ser células de uma folha de cálculo; mas, por acaso, são apenas pessoas enjauladas.
Com o telemóvel vou fotografando estas gaiolas transparentes cheias de pequenas e inofensivas figuras e fico cheia de pena delas, de mim, de nós.
Depois chego. Dispo-me rapidamente e visto o meu fato de banho de natação, azul escuro, coloco a touca, também azul, e atravesso a porta que me separa da piscina.
Ao contrário das piscinas dos hotéis ou das piscinas públicas em que a água está morna, ali não, ali está quente, 33 ºC.
Se não está ninguém, chego a um espaço azul só para mim, paredes azuis, piscina azul e entro na água quente. Tão bom.
Na parte em que gosto de estar a água tem um metro e quarenta de altura. Se eu estiver de pé, a água cobre-me o corpo até ao peito e é quente a água em que o meu corpo se envolve, um manto macio de veludo azul.
Nado tranquilamente, livre, liberta. Preferia que as luzes estivessem apagadas. Preferia que o veludo fosse azul escuro, preferia que o espaço cá fora também fosse escuro, íntimo.
Mas, mesmo assim, é uma sensação apaziguadora, aquilo de que qualquer pessoa precisa.
Depois chego. Dispo-me rapidamente e visto o meu fato de banho de natação, azul escuro, coloco a touca, também azul, e atravesso a porta que me separa da piscina.
Ao contrário das piscinas dos hotéis ou das piscinas públicas em que a água está morna, ali não, ali está quente, 33 ºC.
Se não está ninguém, chego a um espaço azul só para mim, paredes azuis, piscina azul e entro na água quente. Tão bom.
Na parte em que gosto de estar a água tem um metro e quarenta de altura. Se eu estiver de pé, a água cobre-me o corpo até ao peito e é quente a água em que o meu corpo se envolve, um manto macio de veludo azul.
Nado tranquilamente, livre, liberta. Preferia que as luzes estivessem apagadas. Preferia que o veludo fosse azul escuro, preferia que o espaço cá fora também fosse escuro, íntimo.
Mas, mesmo assim, é uma sensação apaziguadora, aquilo de que qualquer pessoa precisa.
A seguir começam a chegar os meus companheiros e a fisioterapeuta, vestida de branco. Nessa altura, começo a fazer os meus exercícios como se tivesse chegado naquela altura. Os meus exercícios começam sempre por andar de ponta a ponta, várias vezes, com os pés no chão, assentando a sola do pé no chão. Caminhar dentro de água, numa piscina cheia, não é fácil, a água oferece resistência e o nosso corpo tende a deixar-se levar pela impulsão.
Os meus companheiros não são muitos, em média seremos entre seis e oito. Quando estamos todos, estou eu, uma senhora de alguma idade, muito bonita, com uma touca branca, tem uma bursite, mal mexe um ombro, uma outra muito conversadora que partiu uma perna, um senhor bem mais velho que eu que está aflito das costas, uma miúda muito novinha com problema nos joelhos, e uns três rapazes, altos, atléticos, cabelo rapado que aparece sob a touca, fortes bíceps, um está aflito das costas, vai ser operado, outro está muito atrapalhado com um joelho, mal pode andar, o outro não sei, tem a cana do nariz amolgada mas não deve lá estar por isso. Pelo físico que têm, presumo que se tenham lesionado a fazer desporto. São muito bem dispostos, conversam uns com os outros, riem, metem-se com a fisioterapeuta que é novinha, e tratam a senhora de idade por 'amor'. Mas a população não é fixa. Há dias em que não estão alguns destes e está uma senhora chinesa, elegantíssima, com um sorriso discreto, outras vezes não está o senhor com dores nas costas e aparece outro, muito sisudo, que não sei de que padece. Quando as pessoas chegam, ao cruzarmo-nos uns com os outros, sorrimos ao de leve, e prosseguimos com os nossos exercícios.
Gosto muito destes exercícios dentro de água quente e gosto, em especial, no fim, da massagem com jactos de alta pressão, jactos submersos. É, então, um veludo quente em sobressalto, e o corpo agradece.
Depois da hidroterapia, passo para a electroterapia, ondas curtas e ultra-sons. Num gabinete silencioso, com uma luz moderada, depois de quase uma hora dentro de água quente, falta sempre pouco para adormecer. A tranquilidade invade de novo o meu corpo. Ouço, do lado de lá da cortina, as vozes das fisioterapeutas, dos doentes, conversam de tudo, mas não lhes presto atenção. Por vezes, dou por mim de olhos fechados.
Aqui são cerca de trinta minutos. Depois vou até ao ginásio. Exercícios, pesos, eléctrodos, alongamentos e, também, massagem.
Ao meu lado, ouço por vezes alguém a gritar. É alguma fisioterapeuta em cima de uma marquesa a alongar ou a repuxar alguém mais aflito. Outras vezes, parece que meditam, doente e terapeuta. Também não presto muita atenção. Enquanto estou com os eléctrodos aproveito para ler as revistas que por lá há, antigas ou novas, pouca diferença faz. Hoje li uma revista que se chama Happy e na qual estive a ler o artigo principal que se referia a uma investigação científica sobre sexualidade. Lá se concluía, a partir das palavras usadas nas pesquisas na internet, que os homens afinal pouco procuram mulheres novas, elegantes. Pelo contrário procuram muito mães, mulheres gordas, mulheres maduras. O artigo exemplificava e dissertava sobre o assunto. É capaz de ser verdade. Também estive a ver as novas tendências na moda que, como sempre, é igual à do ano passado.
Quando saio de lá já é noite cerrada, há muito menos trânsito, a rádio já toca música para a noite, jazz. Como, então, uma maçã fresca, sumarenta, que me sabe tão bem. Depois telefono à família a saber se está tudo bem. Quando chego a casa já é bastante tarde.
A música inicial é Blue Velvet, interpretado por Brenda Lee na versão original. Esta música faz parte da banda sonora do filme homónimo de David Lynch.
O vídeo já aqui acima é uma cena do filme Blue (que integra a trilogia das três cores de que fazem parte também o Red e o White) dirigido por Krzysztof Kieslowski. A artista principal, luminosa e profunda, é Juliette Binoche.
Hoje, para além deste texto que acabam de ler, já escrevi um outro texto sobre o penteado da Judite de Sousa e sobre a técnica de apanhar chocos com fisga. Convido-vos a descerem um pouco mais para o lerem.
Contudo, antes de me despedir, quero ainda convidar-vos a virem também até ao Ginjal e Lisboa, a love affair. Hoje não escrevi nada para que possam degustar com vagar os poemas que dois Leitores me enviaram e que coloquei, agradada e agradecida, junto à poesia de Sophia.
E, por hoje, é isto. Agora que me estou a despedir, chove muito. É tão bom o som fresco da chuva na minha janela. O rio está ali em baixo, escuro, frio mas hoje não me apetece mergulhar nele, hoje apetece-me prolongar em mim a suavidade do macio e quente blue velvet.
Tenham, meus Caros Leitores, uma bela sexta feira. Aos que estejam engripados, desejo que se ponham bons, até para poderem voltar a passear à chuva. Ao que estejam com qualquer outro mal estar, desejo também que se curem rapidamente. Aos que estão bons, desejo que apreciem a vida que é uma coisa tão boa quando estamos bem.
Os meus companheiros não são muitos, em média seremos entre seis e oito. Quando estamos todos, estou eu, uma senhora de alguma idade, muito bonita, com uma touca branca, tem uma bursite, mal mexe um ombro, uma outra muito conversadora que partiu uma perna, um senhor bem mais velho que eu que está aflito das costas, uma miúda muito novinha com problema nos joelhos, e uns três rapazes, altos, atléticos, cabelo rapado que aparece sob a touca, fortes bíceps, um está aflito das costas, vai ser operado, outro está muito atrapalhado com um joelho, mal pode andar, o outro não sei, tem a cana do nariz amolgada mas não deve lá estar por isso. Pelo físico que têm, presumo que se tenham lesionado a fazer desporto. São muito bem dispostos, conversam uns com os outros, riem, metem-se com a fisioterapeuta que é novinha, e tratam a senhora de idade por 'amor'. Mas a população não é fixa. Há dias em que não estão alguns destes e está uma senhora chinesa, elegantíssima, com um sorriso discreto, outras vezes não está o senhor com dores nas costas e aparece outro, muito sisudo, que não sei de que padece. Quando as pessoas chegam, ao cruzarmo-nos uns com os outros, sorrimos ao de leve, e prosseguimos com os nossos exercícios.
Gosto muito destes exercícios dentro de água quente e gosto, em especial, no fim, da massagem com jactos de alta pressão, jactos submersos. É, então, um veludo quente em sobressalto, e o corpo agradece.
Depois da hidroterapia, passo para a electroterapia, ondas curtas e ultra-sons. Num gabinete silencioso, com uma luz moderada, depois de quase uma hora dentro de água quente, falta sempre pouco para adormecer. A tranquilidade invade de novo o meu corpo. Ouço, do lado de lá da cortina, as vozes das fisioterapeutas, dos doentes, conversam de tudo, mas não lhes presto atenção. Por vezes, dou por mim de olhos fechados.
Aqui são cerca de trinta minutos. Depois vou até ao ginásio. Exercícios, pesos, eléctrodos, alongamentos e, também, massagem.
Ao meu lado, ouço por vezes alguém a gritar. É alguma fisioterapeuta em cima de uma marquesa a alongar ou a repuxar alguém mais aflito. Outras vezes, parece que meditam, doente e terapeuta. Também não presto muita atenção. Enquanto estou com os eléctrodos aproveito para ler as revistas que por lá há, antigas ou novas, pouca diferença faz. Hoje li uma revista que se chama Happy e na qual estive a ler o artigo principal que se referia a uma investigação científica sobre sexualidade. Lá se concluía, a partir das palavras usadas nas pesquisas na internet, que os homens afinal pouco procuram mulheres novas, elegantes. Pelo contrário procuram muito mães, mulheres gordas, mulheres maduras. O artigo exemplificava e dissertava sobre o assunto. É capaz de ser verdade. Também estive a ver as novas tendências na moda que, como sempre, é igual à do ano passado.
Quando saio de lá já é noite cerrada, há muito menos trânsito, a rádio já toca música para a noite, jazz. Como, então, uma maçã fresca, sumarenta, que me sabe tão bem. Depois telefono à família a saber se está tudo bem. Quando chego a casa já é bastante tarde.
Em dias assim, trago o veludo quente da água azul colado à minha pele. Ainda está, agora que vos escrevo.
Mergulhem comigo, sim?
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A música inicial é Blue Velvet, interpretado por Brenda Lee na versão original. Esta música faz parte da banda sonora do filme homónimo de David Lynch.
O vídeo já aqui acima é uma cena do filme Blue (que integra a trilogia das três cores de que fazem parte também o Red e o White) dirigido por Krzysztof Kieslowski. A artista principal, luminosa e profunda, é Juliette Binoche.
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Hoje, para além deste texto que acabam de ler, já escrevi um outro texto sobre o penteado da Judite de Sousa e sobre a técnica de apanhar chocos com fisga. Convido-vos a descerem um pouco mais para o lerem.
Contudo, antes de me despedir, quero ainda convidar-vos a virem também até ao Ginjal e Lisboa, a love affair. Hoje não escrevi nada para que possam degustar com vagar os poemas que dois Leitores me enviaram e que coloquei, agradada e agradecida, junto à poesia de Sophia.
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E, por hoje, é isto. Agora que me estou a despedir, chove muito. É tão bom o som fresco da chuva na minha janela. O rio está ali em baixo, escuro, frio mas hoje não me apetece mergulhar nele, hoje apetece-me prolongar em mim a suavidade do macio e quente blue velvet.
Tenham, meus Caros Leitores, uma bela sexta feira. Aos que estejam engripados, desejo que se ponham bons, até para poderem voltar a passear à chuva. Ao que estejam com qualquer outro mal estar, desejo também que se curem rapidamente. Aos que estão bons, desejo que apreciem a vida que é uma coisa tão boa quando estamos bem.