Música, por favor
Katie Melua - The closest ting to crazy
No dia em que chegou, depois de ter recebido a informação de que o dono tinha aceitado a contraproposta e de, nesse mesmo dia, ter obtido a chave, Ana tratou do abastecimento de gás, água, electricidade, comprou alguns electrodomésticos. No dia seguinte comprou também lençóis, um édredon, toalhas turcas, alguma louça e talheres, produtos de higiene e limpeza. A cidade era pequena, tudo muito perto umas coisas das outras e Ana também não perdeu tempo com escolhas. Chegava, pedia para ver e, em poucos minutos, estava decidido. Durante uns dias, até que tudo estivesse operacionalizado, ficou hospedada numa residencial. E todos os dias, quando saía da oficina, ia para casa limpar, esfregar, lavar, arrumar. Estava sozinha, e aparentemente sem grande esforço, a tratar da sua nova casa.
Pediu autorização para restaurar a seu gosto os móveis e o dono, alguém de idade que vivia noutra cidade, disse que fizesse o que quisesse. Então Ana comprou lixas, tintas, pincéis. Ao interrogar o empregado sobre as técnicas de pintura, ele estranhou: ‘Mas é a senhora que vai fazer o trabalho…?’. Ana disse que sim, a menos que ele a quisesse ajudar. O rapaz não estava à espera, ficou sem palavras, até corou. Ela disse-lhe que, se ele quisesse, o contrataria e pagaria um tanto por hora. O rapaz, atrapalhado, disse que nunca tinha feito isso mas, envergonhado para negar ajuda a uma senhora e também na perspectiva de ir ganhar um extra, aceitou. E, então, depois da 7 da tarde, lá estavam os dois a lixar, a pintar, no maior espírito de equipa. Pintaram as mobílias de casca de ovo ou verde água ou, até, umas pequenas cómodas que serviam de mesa de cabeceira, em alfazema muito claro, decapado. O louceiro da sala que tinha portas de vidro foi pintado de casca branco casca de ovo por fora e de verde água por dentro. Apesar da ajuda, esse foi o trabalho mais pesado para Ana. Nesses dias chegava à noite cansada.
Comprou também tecido largo, de lençol: branco, verde claro, azul muito claro, rosa claríssimo, lilás, amarelo muito claro e, também, tecido de renda (do que se usa para cortinados), perguntou onde é que havia uma modista e, falando com a senhora, deu indicações precisas, deixando desenhos, para fazer colchas, cobertas para os sofás, almofadas, com tecidos recortados, com rendas forradas, tudo muito claro, luminoso. A modista estava perplexa com os pedidos, mas no fim, já dava ideias, a criatividade à solta, e ria, nunca tinha feito nada assim.
Também tratou do pequeno quintal. Um dia viu um funcionário do município, homem já de alguma idade, a ocupar-se do jardim perto da praça central. Chegou ao pé dele e disse que tinha um pequeno quintal cheio de mato, a precisar de limpeza, se poderia ajudá-la ao fim do dia, que lhe pagaria um tanto à hora. O homem disse logo que sim. Ana explicou-lhe que queria um pequeno espaço à volta do pinheiro com relva e, no resto, queria ter uma horta: tomate, feijão verde, alfaces, cenouras, salsa, coentros, hortelã. Tudo em pequena escala que o quintal era pequeno. E ali andaram os dois, Ana de mãos na terra e perguntando, aprendendo e o jardineiro, satisfeito, ensinando, ajudando-a.
A vizinhança interrogava-se sobre a nova habitante daquela casa. Viam-na chegar com sacos, viam entregar frigorífico, televisão, coisas assim. Viam-na de janelas abertas a sacudir panos, tapetes, a despejar baldes de água, a varrer, ouviam o barulho de móveis a serem arrastados, viam o rapaz da loja de tintas, viam a modista, viam o jardineiro.
E viam Ana, à noite, sair e ir-se embora.
À noite, por aí sozinha? Parece que está habituada a andar à noite na rua... e a maledicência aflorava aos lábios das vizinhas, reticências na voz, um grãozinho de suspeição...
E todos: Quem é? De onde veio? O que lhe terá acontecido para aparecer aí, assim? É viúva, solteira, divorciada? Estará a fugir a uma marido ciumento? Terá tido problema de dívidas? Terá perdido a casa para o banco? Uma mulher destas a trabalhar em bordados...? Ná...
A vizinhança especulava entre si, cada um tinha a sua teoria. Espiavam-na por detrás das cortinas, tentavam ver algum vulto suspeito, alguma coisa que pudesse desvendar o mistério e a notícia já tinha corrido, já se falava. Mas a verdade é que, de facto, ninguém sabia. Ela entrava e saía em casa, entrava e saía da oficina e ninguém conseguia perceber quem era semelhante personagem.
E viam Ana, à noite, sair e ir-se embora.
À noite, por aí sozinha? Parece que está habituada a andar à noite na rua... e a maledicência aflorava aos lábios das vizinhas, reticências na voz, um grãozinho de suspeição...
E todos: Quem é? De onde veio? O que lhe terá acontecido para aparecer aí, assim? É viúva, solteira, divorciada? Estará a fugir a uma marido ciumento? Terá tido problema de dívidas? Terá perdido a casa para o banco? Uma mulher destas a trabalhar em bordados...? Ná...
A vizinhança especulava entre si, cada um tinha a sua teoria. Espiavam-na por detrás das cortinas, tentavam ver algum vulto suspeito, alguma coisa que pudesse desvendar o mistério e a notícia já tinha corrido, já se falava. Mas a verdade é que, de facto, ninguém sabia. Ela entrava e saía em casa, entrava e saía da oficina e ninguém conseguia perceber quem era semelhante personagem.
Até que um dia, pouco tempo depois, não mais que duas semanas, deu a casa por habitável, a seu gosto.
Convidou, para lá irem jantar, a modista e o marido, o jardineiro e a mulher, o rapaz da loja de tintas e a namorada.
Convidou, para lá irem jantar, a modista e o marido, o jardineiro e a mulher, o rapaz da loja de tintas e a namorada.
Quando saíu da oficina, foi para casa preparar a refeição. De avental, numa azáfama, com mil cuidados, esmerou-se nas entradas, no assado, na salada. Pôs a mesa no quintal. Depois arranjou-se com simplicidade mas, ainda assim, com o cuidado de quem vai receber convidados importantes; e esperou por eles com alguma ansiedade, tomara que o tempero do assado esteja bom, tomara que gostem.
Deviam ter combinado para virem juntos, chegaram ao mesmo tempo, muito aperaltados, tímidos, não estavam habituados a coisas assim. Ana recebeu-os sem grande efusividades mas com muita naturalidade, com afabilidade. Andou a mostrar a casa a todos, elogiou-os com sinceridade, agradeceu-lhes e viu, feliz, como eles estavam orgulhosos e reconhecidos pelo reconhecimento dela.
Música, de novo, por favor
Respighi - Pini di Roma
Depois foram lá para fora. Pôs uma música de que um amigo, em boa hora, lhe tinha falado, uma música muito apropriada para um jantar junto ao pinheiro que já lhe parecia ser seu e serviu o jantar. Já estavam todos à vontade, a conversarem uns com os outros, a contarem histórias da terra, contentes por Ana os ouvir com tanta atenção e Ana ouvia-os mesmo com muita atenção, muito gosto. Quanta genuinidade, quanta simplicidade.
No final, os homens levantaram a mesa e levaram algumas cadeiras que eram de dentro e as mulheres ajudaram na lavagem da louça e na arrumação da cozinha. Ana estava contente.
Depois os convidados saíram, bem dispostos, que noite bem passada, que senhora tão simpática. Mas ninguém ficou a saber nada dela e, se saíram de lá contentes, orgulhosos, saíram não menos intrigados. Quem será esta mulher? Tão fina, tão simples. Mas que veio ela fazer para cá? Alguma coisa se passa com ela... Será que está doente? Coitada...
Essa foi a primeira noite que Ana lá dormiu. Feliz, tranquila, indiferente às dúvidas que pairavam em torno de si.
****
Por hoje é isto, meus Amigos. Hoje cheguei a casa já passava das 11 da noite. Apenas tive tempo para responder aos vossos comentários e para escrever isto que acabaram de ler. Não tive tempo para escolher uma música nem um poema nem de escrever nada lá para o meu Ginjal. Estou aqui a sentir-me em falta até porque gosto imenso das minhas andanças por aquelas bandas. Mas hoje não deu mesmo, é tardíssimo, estou cansada.
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E, tenham, meus Caros, uma bela quarta feira, está bem?
14 comentários:
2º episódio lido com curiosidade, a vida de ana normaliza-se
Estou a gostar desta Ana. Por enquanto parece tudo fluír na vida dela. Será que se vai manter assim?
Beijinhos desta
Ana
Amiga:
Tudo está a correr bem com a Ana. Bom recomeço de vida.
Mas confesso o meu pecado: "Que deixou ela para trás? Que a levou a mudar de vida?"
Ontem estava mesmo murcha, tinha a minha amiga razão.
Desde Domingo, que só vinha a casa dormir e pouco. Foram 3 dias seguidos de saídas agradáveis, mas que a chuva e o frio, tornaram cansativos.
Hoje acordei tarde e ainda cansada. Além disso, estou com uma dor chatinha num rim.
São aquelas coisinhas chatas, que se vão acumulando e acabam por cansar.
Como adivinhou?
Beijinho
Mary
Cara UJM, logo depreendi que este "recomeço" iria ter continuidade. Ainda bem, pois ideias não lhe faltam.
Realmente levantam-se muitas questões sobre a tal mulher, o que será lógico, pois caiu ali como chuva inesperada.
Acho que ainda a vou ver a copiar a UJM e praticar escrita criativa durante a noite, para algum romance que tenha em mente. Porque não?!
Aguardo o fluir das ideias e das teclas...
Felicidades
Cara UJM:
Também eu estou intrigada e roída de curiosidade, tal como todos, (virtuais e reais) para saber quem é esta mulher, tão simpática, com tão bom gosto e tão dotada, que pelo aspeto não ultrapassou ainda os 50.
Que motivo a terá levado ali. (as hipóteses de conflito, para fazer avançar a ação, que passaram pela cabeça da opiniosa Leanor)
Esquecer o mundanismo, a ostentação e o luxo ocos em que vivia e descobrir na humildade desconhecida a genuína amizade?
Sair do desespero da insatisfação da relação que vivia ou do cansaço da satisfação doentia?
Fugir para não repetir aos 50 anos as loucuras dos 20. Fazer outras….
Mas Ana deve saber que às vezes mudamos de coordenadas, mas não mudamos de angústias….
E belos dias de Sol! Abraço da
Leanor formosa e segura
Olá caro Patrício Branco,
Por vezes as ideias formam-se em torno de pequenas sementes. Uma das sementes tê-la-á reconhecido. A ideia daquela música que me indicou no outro dia, tão melódica, tão harmoniosa, a ideia de a ouvir junto a um pinheiro ficou cá a fazer o seu caminho.
Ontem, comecei a escrever com a ideia de avançar para a ocupação profissional desta mulher mas, claro, primeiro tinha que lhe arranjar a casa e, às tantas, parece que tudo se dirigia até àquele pinheiro que estava ali à espera de abrigar alguém, ao som da música de Respighi.
Por isso, agradeço-lhe agora duplamente.
Quanto à vida de Ana se começar a normalizar, parece que sim. Vamos lá agora ver como é que as coisas evoluem.
Olá Ana,
Tem razão. Chegou ali na maior apatia mas parece que, apesar disso, se está a organizar e a ganhar gosto nesta nova vida. Vamos ver se assim será sempre.
(Juro que ainda não sei. As ideias só me chegam quando me ponho a escrever e só tenho ideias até ao ponto em que escrevo. Quando páro, fico sem saber como vai continuar).
Mas ando a gostar também desta Ana.
E, Ana, obrigada pelo incentivo.
Um beijinho!
Estou a simpatizar com esta Ana.
Gosto das cores que escolheu para a casa.E a casa deve estar simpática.
Temos que aguardar pela continuação...
Quem é Ana?!...
Olá Mary (que espero bem que não seja outra vez a Mary on the rocks... que essa moínha no rim me deixa a pensar...).,
Pergunta como sabia eu que ontem estava murchita. Pois, nem sei mas parece que sinto o estado de espírito de quem escreve.
E hoje sinto-a também como se estivesse um bocadinho impaciente mas deve ser do cansaço e disso aí no rim. Espero que isso passe.
Quanto à Ana, parece que está tudo a andar bem e eu que adoro decorar a casa, fazer remodelações, até parece que sou eu que estou a arranjar uma casa de novo. E até parece que vejo a casa, com portas verde clarinho, móveis claros, roupas muito claras, cheirinho a alfazema, a roupa lavada de fresco.
Mas não sei quem ela é. Alguma coisa lhe aconteceu para aparecer assim ali, vinda do nada. Deixou uma vida para trás, parece que sim, mas não sei o quê, porquê, quem.
Tomara que as ideias me continuem a ocorrer. Meto-me nisto e fio-me nas ideias que hão-de vir.
Um beijinho Mary e durma e descanse (e beba muitos líquidos) para ver se vem de novo com flores no cabelo, riso de menina de 12 anos e palavras livres de gaivota branca.
Cara Jeitinho,
Que bom deve ser fazer como a Ana!
Que vontade tantos têm de começar de novo, numa terra diferente, gente diferente,montar uma casa toda de novo e até um emprego novo.
O que terá levado esta determinada Ana a começar uma vida nova a meio da idade?
Corajosa parece ser e sensata será?
Por outro lado entrar numa aventura pondo a sensatez de lado tambem me parece aliciante.
Fico curiosa, embora ande a necessitar de historias com um final feliz.
Até sempre. Um Beijinho
Olá DBO,
Que engraçado o que diz. Ana não sou eu, eu não teria esta valentia (acho eu). Sou muito 'valentona' (faz de conta...) mas estou demasiado habituada a viver abrigada no meu núcleo familiar. Acho que não era capaz de virar costas e recomeçar sozinha uma vida nova, numa terra desconhecida.
Mas, claro, sendo eu a escrever aqui, online, sem filtros nem censura interna, alguma coisa do que aparece escrito terá, mesmo inconscientemente, a ver comigo.
Gosto de começar novos hobbies que desconhecia em absoluto, atirar-me a eles e, no trabalho, o que mais me motiva, são coisas inesperadas, complexas, coisas que não sei se sou capaz, e quando vou passear gosto de ir sem saber bem para onde vou e coisas assim, mas tudo coisas muito menos arrojadas do que uma coisa assim: largar tudo e começar noutro sítio.
Mas, sabe?, também estou curiosa com o que vai ela fazer.
Fico contente com o seu apreço e com o estímulo.
Obrigada!
Olá Leanor, formosa, segura e sempre inspirada,
Leio sempre com muita atenção as suas dicas, as suas suspeitas. Acha que ela corre o risco de continuar a enfrentar angústias apesar de estar longe? Acha que vivia uma vida abastada na cidade e lhe apeteceu viver uma vida frugal? Ou que está a fugir de um amor de alto risco?
Pois eu, que ando com ela na cabeça, acho que é muito provável, tudo isso.
Mas, por enquanto, anda-me a apetecer tratar do lado prático da questão. Como se ela estivesse a anestesiar-se, ocupando-se com a casa, com o trabalho. Talvez, acho eu.
Um abraço, Leanor que agora ainda vou para o Ginjal e depois é que venho para aqui. Estas noites deviam ter mais horas, credo.
Isabel, olá,
Tal como referi acima, há pequenas coisas de que, na altura, nem nos apercebemos mas que acabam por funcionar como a semente que vai germinando.
O seu restauro de móveis, os que pintou de verde clarinho, inspiraram-me parte do que escrevi ontem. Imaginei que a Isabel se sentiria bem numa casa assim, luminosa, arejada, com cores muito suaves.
Vamos ver se a Ana é, de facto, uma mulher bem comportadinha. A ver pela casa, parece ser.
Um abraço, Isabel!
Olá Querida Pôr do Sol,
O que vai a Ana fazer ainda não sei. Parece que está a fazer coisas acertadas, gosto da forma como ela está a agir e acho que a casa deve estar bem gira, de soalho, móveis antigos pintados de claro, janelas altas com portadas clarinhas, tudo muito claro, deve ser bom estar numa casa assim.
Começar de novo deve ser uma coisa muito boa, é como nascer segunda vez mas agora valorizando tudo, não deixando de lado nada do que é bom. Mas coragem para uma aventura assim...?!
Mas ainda não faço ideia do que vai acontecer. Como escrevi em cima, ando numa fase bem comportada. Não consigo imaginar esta Ana, que apareceu apática nesta terra, a fazer maldades. Mas já se sabe que, de vez em quando, me dá uma 'travadinha' e os meus personagens desatam a fazer do bom e do melhor.
Mas acho que uma coisa posso prometer: há-de ter um final feliz que eu só gosto de finais felizes. Para finais infelizes já bastam aqueles a que não se pode escapar.
Em tudo o que esteja ao meu alcance aqui haverá sempre finais felizes. Quero que quem leia se sinta também feliz.
Um beijinho para si, Sol Nascente (porque o Sol a nascer é um recomeço, um recomeço feliz)
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