domingo, maio 13, 2012

Em qualquer parte se nasce, em qualquer parte se atravessa a vida, em qualquer parte se morre, em qualquer parte se renasce - sempre, enquanto houver um corpo, outro corpo


Música, por favor

Glenn Gould - Bach - Partita Nº 4, Sarabande



Este sábado de manhã,  um homem sozinho atravessa o Tejo - de pé
Sentirá que está envolto em beleza, em quietude? Sentirá solidão? Sentirá felicidade por estar ali, sozinho no meio do rio?

                                   

                                            Em qualquer parte um homem
                                            discretamente morre.

                                            Ergueu uma flor.
                                            Levantou uma cidade.

                                            Enquanto o sol perdura
                                            ou uma nuvem passa
                                            surge uma nova imagem.

                                            Em qualquer parte um homem
                                            abre o seu punho e ri.


Este sábado de tarde, junto ao Tejo e em frente de Lisboa, a luminosa, dois corpos
aprendem a conhecer-se sobre a terra
Sentirão reconhecimento por estarem a amar-se num local tão infinitamente privilegiado? Sentirão que há momentos de tal quietude, de tal harmonia, que deverão ser mil vezes abençoados?


                                          Jamais me arrependo
                                          de ter escolhido viver

                                          Mesmo na desgraça

                                          Teço a matriz
                                          do meu próprio fazer:                       
                                          escrevo  leio  e desenleio
                                          descuro  curo  e anseio

                                          Uso o corpo mas primeiro
                                          sei onde a morte deslassa
                                          tomo conta do orgasmo
                                          onde o prazer desenlaça



         ********************************************************************************************************************                           
                                   
Grupo Corpo, coreografia de Rodrigo Pederneiras ao som de música de Marco António Guimarães sobre música de Bach - o prazer de ter um corpo, o prazer dos corpos em movimento, o prazer da vida



****

O primeiro poema é de António Ramos Rosa e pertence a um conjunto que se chama 'Visão Ausência Presença Encontro', in Antologia Poética.

O segundo poema é de Maria Teresa Horta e chama-se Viver, in Poesia Reunida.

****

E tenham, meus Caros, um belo domingo, com música, rodeados de beleza, felizes.

20 comentários:

Olinda Melo disse...

Querida UJM

Estive há pouco no Ginjal. Não deixei nada escrito, não quis perturbar aquele quase recolhimento...

Aqui também, tudo tão perfeito que nos convida à meditação.

Um bom domingo minha amiga.

Beijos

Olinda

patricio branco disse...

magnificas poesias, com forma e conteudo, isto é, com mensagens, alem de ritmo, cadencia, rimas.

Maria disse...

Amiga:
Acordei às seis e pouco, para dar o medicamento ao meu marido. O cão acordou, tive que o ir por a fazer chichi, 10 minutos depois cocó, segurá-lo, primeiro ao colo, depois no chão, para não se sujar, dar-lhe água. São 14 quilos e várias viagens.
Foi assim, que o dono deu o jeito às costas. Está melhor, mas amanhã vai outra vez ao médico.
Estamos muito tristes, mas alguma coisa tem que ser feita. O bicho respira mal, cansa-se muito, engasga-se. Nem sei se sofre ou não.
Nós já não temos forças, o Vasco tem a vida dele e tem problemas de coluna.
Tudo isto, me está a baralhar a cabeça.
Por isso, foi tão bom chegar aqui, ouvir Bach, ver o rio, o homem no barco, ler A.Ramos Rosa e Teresa Horta, ver o bailado.
Acalmou-me. Restituiu-me a paz, por uns momentos.
O pior, vai ser agora, levantar os olhos, ver os olhos do meu pobre canito, fixos em mim, cheios de amor e confiança. Que vou fazer, Amiga?
Desculpe, mais esta seca.
Beijinho da
Mary, a gaivota de asa caída.

Isabel disse...

É tudo tão lindo (fotos, música, poemas e bailado) que não digo nada para não estragar!
Um beijinho e um bom domingo

Anónimo disse...

Cara UJM:
Hoje com a sua sensibilidade e capacidade de renovar a visão da vida e transformá-la em dias mais felizes.
Começa por um momento de espiritualidade a ouvirmos Bach e, já refugiados do mundo carnal, com a alma assim despida leva-a a banhar-se nas ondas de quietude e harmonia, para de seguida exaltar o amor e a perfeição criadora da cumplicidade dos corpos cingidos pelas palavras dos poetas.
Belo momento de exaltação da arte… da vida.
E tenha dias felizes
Abraço da
Leanor

Um Jeito Manso disse...

Olá Olinda,

Por vezes estou com alguma exuberância, apetece-me rir, provocar, animar, mas outras, tal como ontem à noite, só me ocorre que a vida é breve, é tão efémera.

E, no entanto, há tanta beleza que pode fazer valer a pena vivê-la.

Apesar dos abanões que de vez em quando sofremos com a partida de pessoas que constroem fragmentos de vida para os outros, a vida continua disponível para ser vivida.

Louvar a beleza e a vida, louvar o que nos cerca, louvar os afectos, é tudo o que, por vezes, me parece valer a pena.

Obrigada pelas suas palavras sempre tão gentis, Olinda.

Um Jeito Manso disse...

Caro Patrício Branco,

Fico muito contente com as suas palavras. Escuso-me a dizer mais o que quer que seja pois sei que captou na perfeição tudo o que me estava a ocorrer no momento em que compus a mensagem (nunca sei como lhe chame, se post, se mensagem).

Concordo consigo: os poemas são lindos, perfeitos, e são aquilo a que agora se chama, um 'statement'. Louvam a vida, a vida apesar de tudo.

Um Jeito Manso disse...

Mary, gaivota branca de asa caída,

Fala-me de um assunto doloroso. Sei muito bem o que pensa, o que sente. Tive durante 13 anos uma cadela que era uma menina carinhosa, alegre e inteligente, um membro de pleno direito da nossa família.

Depois adoeceu, artroses, depois um tumor, depois foi operada, depois aquilo espalhou-se, teve anemia, levou uma transfusão, esteve várias vezes a soro, tomava imensos medicamentos. Mas sempre corajosa, meiga, asseada. Por vezes caía, vergavam-se-lhe as pernas, sem força e olhava-nos com olhos tão tristes, tão infeliz. E nós seguravámos com todo o cuidado, levávamo-lo ao colo, emagreceu. Quando ela caía eu nem conseguia evitar um pequeno grito, assustava-me, receava o pior. Tinha receio de ser a primeira a chegar a casa não fosse ter acontecido alguma coisa. Foi um sofrimento sem tamanho.

Até que um dia ela piorou mesmo, já não se aguentava e olhava-me com uma tristeza que me feria a alma, uma tristeza naquele olhar meigo.

No hospital veterinário disseram que estava a chegar a um ponto em que pouco havia a fazer, que já era um sofrimento (embora ela estivesse a ser medicada para as dores). O meu marido é que ficou lá com ela, eu não fui capaz. Mas não me esqueço dela olhar para trás, para mim, ao ver-me ir-me embora. É um dos olhares mais marcantes e mais tristes que alguma vez pousaram em mim. Estou a escrever isto numa tristeza que não imagina pois embora tenham passado uns dois ou três anos, a saudade e a recordação de tristeza e perda ainda não passou - e só o faço para lhe dar o meu testemunho (porque não sei dar conselhos).

E, portanto, o meu marido tomou a decisão mais difícil da vida dele. Ficou também numa tristeza tão funda, tão funda. Era uma amiga e uma companhia e pensar que tinha tomado aquela decisão revoltava-o, dilacerava-o.

Mas racionalmente todos sabíamos que era a única coisa possível para evitar mais sofrimento à nossa menininha querida pois, andávamos a prolongar já quase artificialmente a situação há mais de um ano.

Na nossa família foi um desgosto enorme, para todos, uma tristeza. Deixou um lugar vazio na nossa casa e na nossa vida.

São decisões muito difíceis, muito dolorosas. Mas, apesar de tudo, ficamos com a sensação de termos tomado a melhor decisão.

Acho que não devo ter ajudado nada mas, enfim, quando o assunto é este, eu fico com o coração em lágrimas.

Um beijinho, Mary.

Um Jeito Manso disse...

Olá Isabel,

As suas palavras são muito simpáticas e eu fico muito contente que tenha achado isso.

Gostei de escolher os poemas, as fotografias, a música, o bailado.

Queria partilhar convosco esta ideia de que devemos usar os instantes de que é composta a nossa efémera vida para apreciar a beleza e as coisas boas que nos rodeiam. Passa depressa a vida, não nos devemos esquecer disso, devemos abençoar o facto de estarmos vivos, de podermos apreciar a natureza, a arte, a beleza, a vida.

Um beijinho, Isabel, e muito obrigada.

Um Jeito Manso disse...

Leanor, formosa, segura,

Muito obrigada. Quando estou aqui, como estou agora, a escrever dirigindo-me a alguém que não conheço, escrevo ou transcrevo o que, no momento me ocorre. Por vezes não sei bem no que vai dar mas, outras, tenho uma ideia a pairar sobre mim e o que tenho a fazer é reunir as peças que vão dar corpo a essa ideia.

Abalou-me o desaparecimento do Bernardo Sassetti, fiquei mesmo atordoada, gostava muito do grande artista que ele era.

Mas depois o Caro Leitor J. Rodrigues Dias deixou-me aqui um comentário que me espevitou, lembrou-me que a vida continua e contou-me que tinha andado mais de 6 horas no tractor a cuidar da terra-mãe. As suas palavras pegaram em mim e levaram-me a pensar que, apesar de tudo, a beleza e a vida continuam aí.

E, de seguida, tive a ideia de passar da tristeza ao louvor da vida.

Ainda bem que gostou. Fico contente.

Um abraço Leanor e muito obrigada!

Pôr do Sol disse...

Cara Jeitinho,
Permita-me deixar aqui uma palavra de compreenção e apoio para Maria,Mary, pois tal como ela já sofri horrores com a perda de dois elementos da familia, dois cockers lindos, mas totalmente diferentes.

O primeiro era, lindo, preto, de uma inteligencia surpreendente e de uma doçura e dedicação que era chamado por todos como o melhor cão do mundo, morreu com sete anos, foi estupidamente atropelado por um jovem em condução irregular e sem noção de respeito pela vida dos animais. Deixou-nos uma saudade tremenda.
O segundo,entrou na nossa vida para amnisar a falta do Digui era lindissímo, louro, com "nuances" muito bem colocadas, era possessivo, temperamental e nasceu com uma deficiência cardiaca que se foi agravando com os anos.
Gastámos mais dinheiro num ano com ele em veterinarios, exames, analises, que chegaram a ir para laboratorios alemaes, que em tres anos com o resto do agregado.
Depois de muitas noites de vigilia, pois o seu,e o nosso sofrimento era grande, decidi falar com o veterinário que me respondeu que estava lá para tratar animais, para mais nada. Depois de muitas lágrimas decidimos que não tinhamos o direito de ser egoistas e prolongar o sofrimento do nosso amigo. Gostávamos demasiado dele para continuar a vê-lo sofrer.
Esta decisão custou-nos meses de muita tristeza, mas a saudade perdura.São amigos verdadeiros que nos dão tanto.
Querida Maria com o seu desabafo revivi a vida e perda dos meus amigos.
As suas fotografias estão junto às dos outros elementos da familia com o mesmo amor.
São familia, só que falam e andam de modo diferente, e, tal como ela também partem. Desejo-lhe coragem

ERA UMA VEZ disse...

Querida Jeitinho

Permita-me um grande grande abraço de muita força para a Mary.

Por muito denso que seja o nevoeiro, é sempre o espaço que medeia entre dois raios de sol...

Força, OK?

Um Jeito Manso disse...

Queridas Pôr do Sol e Erinha,

Tocam-me as vossas palavras de apoio à nossa Mary. São situações que nos dilaceram o coração e em que as decisões nos deixam arrasados.

Um beijinho às duas.

Maria disse...

Amiga:
Tudo acabou. O Nabão adormeceu há poucas horas, nos meus braços, como sempre lhe prometi.
Não consigo dizer mais nada.
Beijinhos
Mary muito magoada.

Um Jeito Manso disse...

Corajosa Mary,

Admiro a sua coragem. Eu não fui capaz. Imagino como deve estar magoada, sim.

Um beijinho, Mary.

Anónimo disse...

Mary sei bem o que está a passar,em Dezembro o meu fiel amigo, perdeu a mobilidade das patas de trás, arrastava-se,tinha-mos de lhe pegar ao colo, ficou internado para exames e já não saiu, tivemos que tomar a decisão mais dolorosa da minha vida, mas ele estava a sofrer tanto e tinha vivido 12 anos maravilhosos connosco. Tinha um tumor e os médicos diziam que iria piorar perder a visão, etc.Deixo-a como uma frase que uma amiga me disse na altura "Amor é também libertar quando é o momento." Continuo sempre a lembrar-me do meu amigo e os meus filhos todos os dias falam nele, mas ele não merecia sofrer tanto, e por muito o amar tive de decidir para ele ficar em paz.
Um beijinho
Ana

José Rodrigues Dias disse...

Cara UJM:

Permita-me que me dirija a Maria. Já uma vez falámos de cães a propósito de uma situação que se passou comigo, quando escrevi "Que hei-de fazer, amigo" no meu blog.

Só quem passa por isto é que imagina. Há olhares indescritíveis e gestos que nos acompanham...

Guardemos os momentos bons...

Eles gostavam mais de nós quando nós estávamos contentes. Não lhe parece, Maria?

J. Rodrigues Dias

Um Jeito Manso disse...

Caríssimos Ana e José Rodrigues Dias,

Tal como ontem referi, fico tocada por ver como, por esta via etérea, se desenham laços de estima que unem pessoas que não se conhecem e que partilham experiências tão pessoais.

No outro dia li que os laços de amizade que se constroem assim, na internet, são tão fortes e emocionalmente tão sustentáveis como os que se constroem cara a cara. Não sei mas, lendo as vossas palavras tão calorosas no apoio à Mary, sou levada a crer que sim.

As vossas palavras são dirigidas à Mary, gaivota de asa caída, mas eu, se me permitem, meto-me no meio para vos agradecer.

Um abraço.

Anónimo disse...

Por mim pode sempre meter a colherada.Eu sinto uma enorme ligação a este blog,com quem aprendo sempre qualquer coisa e com as pessoas, que são de um enorme bom gosto, sensibilidade e sentido critico.
Obrigada Jeitinho por existir e por nos juntar.
Beijinho
Ana

Um Jeito Manso disse...

Ana, tão simpática,

Era bom que este blogue fosse como o rés do chão da casa de Ana (não me refiro a si mas à mulher mistério): uma casa aberta a quem aqui viesse comentar, ouvir música, aprender uns com os outros, conversar - mas mesmo a sério. E que, quando estivesse calor, pegassem nas cadeiras e fossem continuar o convívio debaixo do pinheiro, na boa, entrando e saindo, sempre na boa. E que uns trouxessem limões e fizessem uma limonadas e outros trouxessem um bolinho, apenas pelo prazer, nada por obrigação, apenas pelo prazer de uma boa companhia. Gostava imenso disso.

Não podendo, olhe..., faço de conta que o blogue é isso mesmo e fico desejando que os meus leitores façam o mesmo.

Um beijinho, Ana.