terça-feira, agosto 14, 2018

Elba. Idris Elba
[E algumas memórias a propósito dos 007 a que nunca liguei patavina]




Na minha terra, quando eu era jovem adolescente -- e digo jovem adolescente porque, como me casei aos vinte, na minha cabeça, para aí a partir dos dezoito ou dezanove, já me via num outro patamar, já era pós-teenager -- na principal sala de cinema era normal a sessão englobar dois filmes. Não me lembro se isto acontecia em todas as sessões ou só nas matinées. E, agora que escrevo isto, fico baralhada. Habituei-me ao nome sem questionar. É que as matinées, tanto quanto me lembro, não eram de manhã: iam para aí das 15 ou 15:30 até às 19:30 ou 20:00. Havia, pois, um primeiro filme, tenho ideia que mais popularucho e, a seguir ao intervalo, o filme mais a sério.

Sempre adorei ir ao cinema mas, a partir da altura em que passei a ir com amigos e, sobretudo, com namorado, o cinema tinha outros encantos e, por vezes, nem era tanto o filme em si o motivo de interesse mas, sim, o convívio, a descoberta, as pequenas ousadias. Nesses primeiros anos de liberdade, todas as sessões tinham, pois, uma graça suplementar: as mãos que se tocavam sem querer, o braço que vinha cautelosamente pelas minhas costas até se instalar sobre os meus ombros, um beijinho silencioso e ingénuo que acontecia como que por acaso. 

Mas, independentemente disso, lembro grandes filmes. Tenho ideia que os rapazes, frequentemente, gostavam mais do primeiro filme. Eu via-os como hoje vejo tretas que passam na televisão e às quais não presto a mínima, entretendo-me com pequenos apontamentos completamente laterais. Saía de lá sem saber dizer o que tinha visto. Era normal os 007 aparecerem nessas primeiras partes. Carros que voavam, perseguições, cenas de pancadaria com acrobacias pelo meio, mulheres plastificadas, amores estapafúrdios. Nada daquilo me dizia alguma coisa, tudo de uma surrealidade que, a mim, me parecia pirosa. Tenho ideia que o único 007 que vi inteiro, e isto em toda a minha vida, foi o 007 e o Casino Royale. Mas não tenho a certeza que tenha sido este. Sei, sim, que foi o primeiro com o Daniel Craig. Gostei mas não guardo ideia nenhuma do que lá se passou. Acho que gostei, sobretudo, dele, em especial quando estava fragilizado. Agora porque é que estava fragilizado não faço a mínima.

E, no entanto, cá em casa, quando dava ou dá o 007, não há zapping. E mesmo a nível de DVD, tenho ideia que temos uns quantos. Mas não faz o meu género. Nada a fazer. Sou mais Dangerous Liaisons ou Lady Chatterley's lover ou, mais recentemente, o Samba. Por exemplo. Nessa altura lembro-me, acho, Les uns et les autres ou Mourir d'aimer ou coisa por aí. 
E lembro-me de uma cena macaca de que já aqui falei, acho. Pelos cartazes pareceu-me que um certo filme haveria de ser bom, alternativo talvez, mas interessante. Sempre as coisas disruptivas me atraíram. Mas o namorado era muito recente e era à noite e os meus pais embirraram. Decidida que estava a ir, na maior bravata, disse-lhes que fossem também. Aceitaram. Pois. Passei pela maior saia justa de toda a minha vida e, ainda hoje, quando me lembro, me encolho. Um horror. 
Hardcore puro e duro. Já não me lembro se era o Trash ou o Flesh do Andy Warhol. Um deles. Sexo de toda a maneira possível e imaginária. Comportamentos desviantes também de toda a espécie e feitio. Coisas com que eu nunca tinha sonhado. E eu ali com um namorado novo e com os meus pais ao meu lado. Só pensava em pedir para nos irmos embora, em pedir desculpa, em enfiar-me pelo chão abaixo. Enterrada no cadeirão, eu dizia ao meu namorado: 'Que horror, que vergonha... No intervalo vamos embora...'. Ele não estava menos encabulado que eu. No intervalo, levantámo-nos e eu a pensar como é que, depois daquelas cenas escabrosas, eu ia ser capaz de encarar os meus pais, pronta para ir para casa e, quiçá, receptiva a uma valente desanda. Acho que até uma bofetada eu era capaz de aceitar de bico calado, como se fosse a coisa mais justa que me poderia acontecer. No entanto, para nosso espanto, os meus pais estavam como se nada de estranho se tivesse passado, impávidos e serenos. Ficámos sem acção para propor que desandássemos. Vi a segunda parte em estado de negação, mentalmente indisponível para assimilar aquela galdeirice, aquela desbunda, aquela pouca vergonha que para ali ia. Com os meus pais, nem uma palara depois disso. Como se nunca tivesse acontecido. Sabedoria em estado puro.
Mas nem sei a que propósito veio isto agora porque queria era falar do próximo 007.

Não prestando, pois, atenção aos enredos e àquela palhaçada toda, o único a que prestei minimamente atenção, pelo charme, foi ao Sean Connery e, como disse, não desgostei do Daniel Craig. Ao Roger Moore nunca achei ponta de graça. Já em novo se antecipava o canastrão em que cedo se tornou. Homens com feições muito perfeitinhas, todos muito bem acabadinhos são, a meus olhos, homens desengraçados.

Portanto, quando hoje ouvi que se fala em Idris Elba para digno sucessor de Daniel Craig na longa galeria de actores que, desde o início dos tempos, vêm protagonizando o agente James Bond, todos os meus sinos tocaram. O meu marido franziu o semblante, diz que não faz sentido mas, cá para mim, é ciúmes. Pelo Idris Elba eu torno-me fã do 007. Pelo Idris Elba eu passo a ficar ao lado dele, quietinha, a papar os 007 de cabo a raso. Ai não que não fico.




Mal posso esperar. Nunca terá havido outro James Bond como ele. 
007 da melhor cepa.

[Aqui em A montanha entre nós com Kate Winslet]


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1 comentário:

Maria Santana disse...

Subscrevo!!!