O meu pai viveu cerca de doze anos depois de ter tido o grande AVC que não o levou mas que o deixou muito incapacitado. Já aqui falei disso: foi um processo lento e doloroso, em especial para ele. Antes era um homem em excelente forma física, que se sentia orgulhoso pelo seu bom estado de saúde, pela sua resistência física e, creio, pelo seu bom aspecto. Quase não tinha cabelos brancos. Sempre teve o cabelo preto e muito liso. Tinha praticado desporto até tarde, até ter partido uma perna a jogar futebol e ter feito uma cirurgia onde lhe puseram uma placa metálica e um parafuso. Mas continuou a fazer caminhadas e a manter-se em forma. Nunca fumou, não tinha hipertensão nem colesterol alto.
Ver-se sem se poder mexer, sem orientação geográfica de proximidade e sem metade do campo visual foi, para ele, um rude, rude golpe.
Mas, com a fisioterapia persistente, voltou a andar. Mas a andar com muitas limitações, sempre apoiado.
E não percebíamos se as flutuações de humor ou a agressividade ou as fixações em temas inexistentes se deviam à medicação ou ao próprio estado. Foram anos complexos.
A fase final foi pior: depois de, em casa, ter caído e ter partido o colo do fémur, tendo sido operado, não voltou a andar. Todos os dias era levantado, cada vez com maior esforço. Mas não queria estar sentado. Implorava que o deixassem ficar na cama.
Creio que foi por essa altura, quando começou a estar permanentemente acamado, que teve a primeira pneumonia. Não sei quantas teve. Talvez três ou quatro. A última foi uma pneumonia por aspiração. Foi a partir daí que passou a ser alimentado através de sonda naso-gástrica.
De cada vez que teve pneumonias preparavam-nos para a gravidade do seu estado, em especial dada a debilidade do estado geral. Numa dessas vezes chamaram-me para me ir despedir dele pois dificilmente estaria vivo à hora da visita. Nesses internamentos também 'apanhou' bactérias multi-resistentes, uma das vezes no coração. Tínhamos que nos cobrir de alto a baixo para chegar perto dele, que, nessas alturas, estava completamente isolado.
Houve uma tarde em que nem sei como não tive eu um colapso nervoso. O monitor cardíaco apitava quase em contínuo: os batimentos ora iam abaixo das 30, ora iam acima do patamar crítico (já não me lembro bem mas creio que 150). Quando começavam a descer, a descer, e o apito era contínuo, a enfermeira dizia para eu chamar por ele e apertar-lhe os pés. Passei a tarde numa aflição, 'Pai! Pai!', e a abaná-lo, a apertar-lhe os pés, as mãos. Estava medicado mas, às tantas, suspenderam parte da medicação pois o cardiologista entendeu que alguma dela estava a conflituar com outra. Os médicos diziam-nos que poderia morrer de um momento para o outro, que já não havia muito que se pudesse fazer.
Contudo, sempre sobreviveu às pneumonias, às bactérias multirresistentes, às instabilidades gerais, ao quadro de falência geral que parecia irreversível.
Para o fim, já tinha que estar permanentemente com oxigénio, mas não foi de problemas respiratórios que morreu.
Recentemente, há menos de um mês, morreu um outro familiar meu: também infecção respiratória, também sobre um quadro clínico de debilidade. Neste caso, infelizmente, não se conseguiu reverter o quadro.
Mas cada caso é um caso.
Vejo que as televisões já começam a apresentar retrospectivas sobre a vida do Papa Francisco. Ultimamente já estava muito inchado. Provavelmente já estava a tratar-se com cortisona. É natural que o seu estado seja crítico pois com oitenta e muitos anos, uma saúde que já andava débil e uma pneumonia bilateral em cima, e a ter necessidade de levar transfusões, se calhar com o coração e os rins já não muito funcionais, as perspectivas não podem ser animadoras. É, pois, natural que o seu estado geral seja reservado.
Mas vejo os jornalistas, quais abutres, já a rondarem, já por lá, vejo os programas de televisão que já parecem louvores póstumos, obituários, e penso que pode acontecer que o Papa Francisco lhes troque as voltas. Quantas vezes estive eu numa aflição, com receio que o telefone tocasse de noite ou ao início da manhã... e, depois, como se por obra e graça, tudo parecia recompor-se...
No entanto, seja como for, a verdade é que somos perecíveis. Todos. Ninguém cá fica.
Quando o quadro clínico é complexo e as hipóteses de sobrevivência (em bom estado, em estado de independência e de lucidez) são diminutas, quando se sabe que, se a pessoa sobreviver, é apenas para sofrer ainda mais, nunca sei bem o que se deve desejar.
Sinceramente, o que desejo é que, se Jorge Bergoglio sobreviver, fique bem. Mais do que isto não sei o que dizer.
Sem comentários:
Enviar um comentário