quarta-feira, março 20, 2024

No reino de Kafka

 

Ao fim da tarde, andei a fotografar florzinhas como, por exemplo, as flores da laranjeira, delicadas, cheirosas, os botoezinhos do limoeiro que coexistem com os limões que, uma vez apanhados, exalam um belíssimo odor cítrico, e os frutos, as nêsperas a tingirem-se de dourado, a natureza a embelezar-se para receber a primavera.

Fotografei também o recanto do terraço onde estão os dois pequenos cadeirões e a mesinha que a minha mãe pintou de azul claro, que vieram de casa dela e que têm por trás as hastes arqueadas e floridas do jasmim amarelo.

Ia, pois, falar dos perfumes, das cores, da beleza.

Mas vou antes falar do que tem acontecido comigo e com o meu marido. 

Não quero fazer generalizações, dizer que tudo funciona mal. Não sei, não faço ideia. Posso apenas falar da realidade que conheço e que me toca de perto.

O que concluo do que vou contar, e antecipo já, é que há ainda muito a fazer. E, como sempre, o principal tem a ver com organização. Definir processos ágeis, realistas, eficientes e honestos é sempre o mais importante. Geralmente as empresas ou as instituições tendem a pensar que a primeira coisa a fazer é informatizar, gastar pipas de dinheiro a automatizar -- e isso é um erro, começar por aí é apenas deitar dinheiro para cima dos problemas.

Uma das novas modas e encontro-a nos portais das Finanças e agora constato que é o mesmo no da Segurança Social é decretar que o assunto sobre o qual reclamámos está em análise e, ao decretarem isso, dão a reclamação por resolvida e, portanto, fecham-na. 

Por exemplo, estando um assunto meu por resolver há quase um ano e tendo eu enviado diversas reclamações, estão todas dadas por resolvidas porque escreveram lá que estão na mesma, em análise.

Idem com o meu marido.

Eu conto qual a minha situação, que tem na base a mesma situação que meu marido.

Ambos trabalhámos a vida praticamente toda em empresas, descontando para a Segurança Social. Ambos somos agora pensionistas da Segurança Social. Mas, no início da nossa vida profissional, descontámos para a Caixa Geral de Aposentações (CGA), eu como professora e ele também como professor e depois na Marinha.

Por isso, quando solicitámos a reforma, pedimos a pensão unificada, ou seja, o somatório das duas parcelas, uma da SE e outra da CGA. Em alternativa, poderíamos receber duas pensões separadas. Preferimos, uni-las. Na altura informaram-nos que não tínhamos que enviar comprovativos dos tempos de serviço inerentes aos descontos para a CGA, pois a CGA tinha lá essa informação. Mas, por via das dúvidas, enviámo-los na mesma.

Passado pouco tempo de termos requerido a reforma, fomos notificados com o valor provisório, isto é, sem a componente da CGA. E foi isso que começámos a receber.

Decorridos 6 meses, recebi uma segunda notificação já com a indicação do valor completo. 

Para quem não sabe, nessa altura recebe-se um conjunto de folhas, frente e verso, com números, fórmulas, cálculos. Diversas parcelas, médias ponderadas, penalizações, bonificações... uma coisa quase impossível de conferir. Os cálculos remetem para os decretos respectivos e só os entendidos na coisa poderão validar tudo aquilo.

Mas, a olho nu, duas coisas chamaram a minha atenção. 

A primeira é que, às tantas, no meio daquela babilónia de cálculos, aparece uma operação aritmética. Agora não estou para ir ali dentro buscar a papelada para aqui pôr os números tal e qual mas imaginem que aparece qualquer coisa como

3.000 x 80% = 2.100

Aparece assim, com o enunciado do cálculo.

Olhei e pensei: estão doidos? O cálculo está errado, o correcto é 2.400.

E depois é o valor errado que entra na sequência de cálculos, portanto fazendo com que tudo esteja mal até ao fim.

Numa outra folha, onde aparecem os valores que vêm da CGA, aparece a data de início e a data de fim dos descontos. E vejo que a data de fim está mal, acaba 11 meses mais cedo. Ou seja, deve influir negativamente nos cálculos e no tempo de serviço.

Liguei para lá a referir aqueles dois erros e diz-me a menina que me atendeu: 'Ah, pois é, se calhar a minha colega que tratou do seu processo enganou-se...'.

Fiquei de boca aberta. Julgava que tudo aquilo era automático, que não haveria margem para erros humanos. 

E diz-me ela: 'Mas o que tem que fazer é apresentar uma reclamação, expondo esses erros.'

Assim fiz. No 1º semestre do ano passado. 

E nunca mais nada.

De cada vez que ia ao portal e apresentava reclamação por não ter resposta à reclamação (e voltava a repetir as minhas razões), recebia a resposta de que estava em análise e pimbas, reclamação dada por resolvida.

Mandei mails, telefonei, coloquei reclamações. Nada.

Hoje resolvi não largar.

Quando se liga para estes sítios, a gente tem que ir com paciência, determinação... e muito tempo pois vai marcando os números correspondentes ao assunto, se quer isto digite 1, se quer aquilo o 2, etc, e depois de estarmos para ali a escrever números, esperamos, esperamos pois aquilo toca, toca, toca, e nada. Até que a chamada cai.

Mas tanto insisti que finalmente fui atendida. A senhora disse-me que a Segurança Social é a porta de entrada mas que os cálculos são da responsabilidade do Centro Nacional de Pensões (CNP) pelo que iam transferir a chamada. E aqui novo castigo: toca, toca, toca até que se atinge o tempo limite e a chamada cai automaticamente.

Continuei a insistir.

Finalmente, do CNP atenderam. Sim, viam que o assunto estava em análise. E que, portanto, eu teria que esperar. Disse-lhe que daqui a nada há um ano que estava em análise e que me dissessem o que é que estava a emperrar, se havia algum problema, se haveria alguma coisa que eu pudesse fazer. Ela leu o teor da reclamação. Disse: 'Mas é que o assunto tem duas coisas: uma é um cálculo que você diz que está errado e outra tem a ver com a CGA. Por isso, temos que esperar que eles digam alguma coisa.'

Perguntei: 'Mas do CNP já enviaram o pedido para a CGA?'

A senhora disse: 'Devem ter enviado porque aqui o que tenho é que está em análise.'

Ainda tentei que tentasse ver em que data tinham enviado o pedido para a CGA. Disse-me que isso não conseguia saber.

Resolvi, então, ligar para a CGA. Já com aquilo quase a fechar fui atendida por um senhor muito simpático. Para meu espanto disse que não havia nenhum pedido da CGA relacionado comigo, nada. 

Quando me mostrei espantada e sem saber o que fazer, sugeriu-me que eu enviasse um mail para a CGA a dizer que no CNP me tinha informado que estavam à espera da resposta da CGA. E que eles me responderiam que ninguém lhes tinha pedido nada.

Lá mandei o mail, e acrescentei, de minha lavra, que fizessem o favor de verificar aquilo das datas e que informassem o CNP das datas correctas.

Não sei se o farão nem sei quando é que este nó estará desfeito. 

Uma coisa aparentemente tão simples...

No caso do meu marido, ainda está um passo atrás, pois a mim já juntaram a parcela da CGA, penso que errada mas já estão a pagá-la. Ao meu marido nem isso. Ainda está apenas com a pensão provisória pois ainda não juntaram a parcela da CGA. Já fez a mesma coisa: reclamações, mails, telefonemas. 

Até que hoje também não desarmou. Na SS, disseram-lhe que o tema está no CNP. Ligou para o CNP: que estão à espera dos cálculos da CGA. Ou seja, a resposta de sempre: o assunto está em análise. 

Então ligou também directamente para a CGA. E, para espanto dele, a resposta é que não fizeram nada porque não lhes enviaram os comprovativos. Ora quer no pedido da pensão quer nas reclamações e mails ele juntava sempre os comprovativos. E isto apesar de nos dizerem que não são precisos. Mas... se agora, afinal, são precisos e não os têm, então não pedem...? E da CNP não estranham passarem meses sem resposta e não questionam a CGA?

Lá enviou um mail para a CGA com os ditos comprovativos.

Vamos ver qual a evolução. Mas é asfixiante. Uma pessoa esbarra em paredes, parece que não vai conseguir furá-las, parece que fica sem saber o que fazer, parece que fica a descrer de alguma vez conseguir resolver os assuntos.

Como aconteceu com a minha mãe. Porque tinha insuficiência cardíaca, porque tinha sido operada a cancro do cólon e mais uma série de coisas, a médica de família tinha-lhe feito um relatório médico que ela enviou para a Segurança Social, para efeito de qualquer coisa chamada Multiusos, que lhe daria direito a ter algum desconto no IRS. Enviou no início de 2021. Responderam que agendariam uma inspecção numa Junta Médica. O tempo ia passando. Volta e meia eu mandava um mail para lá a saber como estava aquilo. Respondiam que se tinha atrasado tudo com a Covid, que esperasse. E o tempo passando. Para aí em Novembro, numa altura em que a minha mãe estava pior, mandei um mail a dizer que o estado de saúde da minha mãe se agravava e que já lá iam 2 anos e tal. Ligaram-me no dia do velório para, então, agendarem uma Junta Médica. Dei-lhes a notícia: tarde demais. Poderiam, ainda assim, ter emitido um relatório pois ainda há que pagar o IRS de 2023. Mas não. Morreu, morreu, azarinho, fecha-se o assunto e é menos um assunto em aberto .

Provavelmente haverá mil razões: falta de organização, falta de pessoal, falta de formação do pessoal. Mas que isto deixa os cidadãos a quem acontecem situações destas a sentirem-se impotentes e desanimados, lá isso deixa...

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Mas não quero que isto abale os meus alicerces, muito menos a minha boa disposição. 

Portanto, que entre o talentoso Jacob Collier (com Tori Kelly)

Witness Me


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Desejo-vos um bom dia

Saúde. Pachorra e ânimo. Paz.

2 comentários:

afcm disse...

E eis que chega agora ao mundo real . O País é assim :burocrata e incompetente.
Os nichos das elites levam ao desastre


Um Jeito Manso disse...

Acha que a rapaziada do Chega fará melhor? Conte-me anedotas que me apetece rir.