De vez em quando apodera-se de mim uma vontade de férias e de passeio e de me meter em novas aventuras que nem sei.
Hoje, enquanto jantávamos, vimos nas notícias que vão avançar as obras para ligar o Rato ao Cais do Sodré. Fiquei toda contente. Disse ao meu marido: até que enfim...!. Ele ficou admirado, olhou para mim sem perceber o meu entusiasmo. Expliquei: quando me reformar vou tirar um daqueles passes que dão para todos os transportes, se calhar até têm com desconto para reformados, e saio de manhã, de mochila às costas e vou à minha vida. O meu marido respondeu: não te esqueças que quiseste ter um cão. Claro que vacilei. Mas disse: e então? fica no jardim. E ele: fica? durante quanto tempo? E eu: Durante o dia. Até chegarmos. Mas depois, perante tantas dificuldades, disse-lhe: ou ficas cá com ele e eu vou sozinha. Aí já não disse mais nada. Cá para mim tem esperança que, até lá, eu amanse.
Comecei a trabalhar aos 20, enquanto estudava. Daí para cá tem sido uma sobreocupação permanente, sem tempo para mim. Desabituei-me, até, de pensar no que verdadeiramente queria fazer pois sabia que nunca tinha oportunidade de o pôr em prática. Primeiro as férias são curtas e tínhamos que nos encaixar em função dos miúdos, depois deles se autonomizaram começaram os problemas com os mais velhos: havia sempre uma avó ou o avô doentes que me impediam de ir para muito longe. E as férias continuaram curtas. Depois dos avós, foram os graves problemas de saúde dos meus sogros, depois o avc do meu pai. Pelo meio vieram os netos e as férias continuaram curtas. E a ocupação profissional sempre exagerada.
Portanto, a bem dizer nunca consegui ter actividades complementares para além dos hobbies que podia praticar em casa, fora de horas.
Uma prima diz a mesma coisa: vai a concertos, a exposições, vai a outros países, vai ao ginásio, ao instituto para massagens. Dizem os filhos que não podem contar com ela para tomar conta dos netos porque nunca tem tempo e pouco pára em casa (isto antes da covid, claro).
A mim, associada à ideia da liberdade, vem esta ideia que a outros pode parecer abstrusa: imagino-me a andar em transportes públicos. Eu que desde há séculos só me desloco em carro... Mas deve ser por isso. Deve ser bom sair de casa a pé, ir para a paragem esperar o autocarro, depois andar de metro, mudar de linha, sempre na boa sem ter que me preocupar com estacionamentos nem com trânsito. Como quando se está em Paris, em Frankfurt, em Barcelona -- em turismo, a palmilhar as cidades, à descoberta, a fotografar.
E escrever. E tenho que ter atenção, não posso arranjar tanta coisa que depois volte ao mesmo, a não ter tempo para escrever.
Só espero é poder mesmo ter esta liberdade e esta vontade quando lá chegar. E saúde. E sorte.
A essa minha colega, que tanto desejou a liberdade da reforma e que tão feliz estava, aconteceu o pior : ficou viúva. Ficou por terra. Quando uma pessoa se habitua ao longo de muitos anos a viver em estreita equipa com outra pessoa, parece que perde a capacidade de fazer e executar planos sozinha. Mas, enfim, a tudo toda a gente se habitua. E não são todas as pessoas que sofrem dissabores quando alcançam a liberdade de movimentos pelo que também não vale a pena pensar nisso.
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O meu marido queixa-se do mesmo, que há sempre mais qualquer coisa para fazer, que passa um dia e outro e outro e há sempre coisas para tratar, coisas que não podem atrasar-se.
Enfim.
Um dia haveremos de acordar quando acordarmos, sem horários, haveremos de fazer o que nos apetecer, haveremos de nos sentir livres, haveremos de sair de mochila às costas e ir por aí.
Até lá, pensando bem, é só ir levando na melhor.
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Quando aqui chego, espreito as notícias. Geralmente nada de muito empolgante. Então vou colocar-me nas mãos do meu amigo algoritmo e ver o que o Youtube tem para me mostrar. Hoje, dois vídeos maravilhosos. Um exemplo. Instinto de sobrevivência, inteligência, coragem, resiliência, espírito de grupo, altruísmo, determinação. Há aqui de tudo. Uma verdadeira maravilha.
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