quinta-feira, fevereiro 03, 2022

A atração pelos transportes públicos, o apelo da liberdade. E o exemplo dos pinguins.

 



De vez em quando apodera-se de mim uma vontade de férias e de passeio e de me meter em novas aventuras que nem sei. 

Hoje, enquanto jantávamos, vimos nas notícias que vão avançar as obras para ligar o Rato ao Cais do Sodré. Fiquei toda contente. Disse ao meu marido: até que enfim...!. Ele ficou admirado, olhou para mim sem perceber o meu entusiasmo. Expliquei: quando me reformar vou tirar um daqueles passes que dão para todos os transportes, se calhar até têm com desconto para reformados, e saio de manhã, de mochila às costas e vou à minha vida. O meu marido respondeu: não te esqueças que quiseste ter um cão. Claro que vacilei. Mas disse: e então? fica no jardim. E ele: fica? durante quanto tempo? E eu: Durante o dia. Até chegarmos. Mas depois, perante tantas dificuldades, disse-lhe: ou ficas cá com ele e eu vou sozinha. Aí já não disse mais nada. Cá para mim tem esperança que, até lá, eu amanse.

A verdade é que começo a ir pensando nisso com uma expectativa fantástica. 

Comecei a trabalhar aos 20, enquanto estudava. Daí para cá tem sido uma sobreocupação permanente, sem tempo para mim. Desabituei-me, até, de pensar no que verdadeiramente queria fazer pois sabia que nunca tinha oportunidade de o pôr em prática. Primeiro as férias são curtas e tínhamos que nos encaixar em função dos miúdos, depois deles se autonomizaram começaram os problemas com os mais velhos: havia sempre uma avó ou o avô doentes que me impediam de ir para muito longe. E as férias continuaram curtas. Depois dos avós, foram os graves problemas de saúde dos meus sogros, depois o avc do meu pai. Pelo meio vieram os netos e as férias continuaram curtas. E a ocupação profissional sempre exagerada.

Portanto, a bem dizer nunca consegui ter actividades complementares para além dos hobbies que podia praticar em casa, fora de horas.

Uma colega que se reformou, uma vez apareceu no escritório para nos vir cumprimentar. Vinha toda gira, com muito bom ar. Quando lhe perguntaram se não se enfadava sem nada que fazer, desatou a rir e disse: às vezes penso que ainda bem que os que trabalham não sabem que é tão bom não trabalhar, senão viviam frustrados.

Uma prima diz a mesma coisa: vai a concertos, a exposições, vai a outros países, vai ao ginásio, ao instituto para massagens. Dizem os filhos que não podem contar com ela para tomar conta dos netos porque nunca tem tempo e pouco pára em casa (isto antes da covid, claro).

A mim, associada à ideia da liberdade, vem esta ideia que a outros pode parecer abstrusa: imagino-me a andar em transportes públicos. Eu que desde há séculos só me desloco em carro... Mas deve ser por isso. Deve ser bom sair de casa a pé, ir para a paragem esperar o autocarro, depois andar de metro, mudar de linha, sempre na boa sem ter que me preocupar com estacionamentos nem com trânsito. Como quando se está em Paris, em Frankfurt, em Barcelona -- em turismo, a palmilhar as cidades, à descoberta, a fotografar.

E imagino-me a andar a saber de actividades de voluntariado e ir ver se é coisa que me agrade (penso frequentemente no apoio à integração de refugiados), a frequentar cursos de jardinagem ou a ir fazer viagens de conhecimento de locais em que a natureza é exuberante ou a aprender a esculpir a madeira. Coisas assim. O que calhar. 

E escrever. E tenho que ter atenção, não posso arranjar tanta coisa que depois volte ao mesmo, a não ter tempo para escrever.

Só espero é poder mesmo ter esta liberdade e esta vontade quando lá chegar. E saúde. E sorte.

A essa minha colega, que tanto desejou a liberdade da reforma e que tão feliz estava, aconteceu o pior : ficou viúva. Ficou por terra. Quando uma pessoa se habitua ao longo de muitos anos a viver em estreita equipa com outra pessoa, parece que perde a capacidade de fazer e executar planos sozinha. Mas, enfim, a tudo toda a gente se habitua. E não são todas as pessoas que sofrem dissabores quando alcançam a liberdade de movimentos pelo que também não vale a pena pensar nisso.

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Voltei a ter um dia complicado. Noto que a impaciência continua a ganhar terreno dentro de mim. Estou a deixar de tentar ser condescendente e a deixar de ter pruridos em mostrar a minha falta de pachorra. Há pessoas que fazem do exercício da lábia o seu modo de vida. Outras são burrinhas todos os dias mas convencidas que são o máximo. Gente assim infecta as organizações. E por delicadeza ou resignação vamos deixando que seja assim. Mas não tem que ser. Não queremos magoá-los. Mas, para não os magoarmos, desmotivamos e prejudicamos muitos outros. E isso é bem pior.

Em tempos trabalhei com um administrador que era bruto como as casas. Quando tinha alguma coisa a dizer, dizia-a onde calhava e da maneira que lhe apetecia. Era mais temido que amado. Respeitado mas temido. Sempre me dei muito bem com ele mas, quando o via assim, fora de si, quase a esmagar quem ele achava que era um estorvo e um atraso de vida, até ficava enervada, com receio do que iria seguir-se. E, no entanto, quase toda a gente o admirava: não perdia tempo com o que não valia a pena, atalhava caminho.

E eu, por vezes, olhando-me de fora, penso que, se calhar, os outros também me vêem assim. E não sei se isso é bom se não.

O pior é que trabalho até bastante tarde e chego aqui, a esta hora, já com a cabeça em água. E depois penso que ainda tenho que fazer isto e aquilo, que não posso esquecer-me de pagar isto e aquilo e de encomendar isto e aquilo e de ainda ir verificar isto e aquilo. 

O meu marido queixa-se do mesmo, que há sempre mais qualquer coisa para fazer, que passa um dia e outro e outro e há sempre coisas para tratar, coisas que não podem atrasar-se. 

Enfim. 

Um dia haveremos de acordar quando acordarmos, sem horários, haveremos de fazer o que nos apetecer, haveremos de nos sentir livres, haveremos de sair de mochila às costas e ir por aí.

Até lá, pensando bem, é só ir levando na melhor.

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Quando aqui chego, espreito as notícias. Geralmente nada de muito empolgante. Então vou colocar-me nas mãos do meu amigo algoritmo e ver o que o Youtube tem para me mostrar. Hoje, dois vídeos maravilhosos. Um exemplo. Instinto de sobrevivência, inteligência, coragem, resiliência, espírito de grupo, altruísmo, determinação. Há aqui de tudo. Uma verdadeira maravilha.



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As pinturas são da autoria do nigeriano Ayoola Gbolahan e vêm, uma vez mais, na companhia de Ludovico Einaudi com Luminous

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Desejo-vos um bom dia
Ar puro. Vida nova. Liberdade. Coragem.

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