domingo, maio 02, 2021

Crónica de um dia

 


Comecei o dia com esforços. Fui lá abaixo apanhar pedras para pôr em volta dos canteiros onde plantei as suculentas. Carregar pedras caminho acima, ainda que num carrinho, é puxado. Andei ainda a transportar coisas de casa para o estúdio pois, se vamos para pinturas gerais, é preciso retirar montes de tralha. O meu marido carregou coisas ainda mais pesadas. Sempre que se cruzou comigo e me viu em trabalhos esforçados, avisou-me que depois não me queixe se ficar dorida.

Claro que este é o género de coisas que me entusiasma. A ele irrita. Mas irrita mais ou menos pois a perspectiva de melhorar as coisas acaba por também o interessar só que prefere não o mostrar pois isso retirar-lhe-ia pretexto para se queixar de que não o deixo ter descanso. 

À medida que vou entrando no espírito da mudança, mais coisas me apetece mudar. Tivesse eu tempo, até a pintar móveis eu me punha.

Depois regressámos. Tínhamos um compromisso. 

Embora não ficasse em caminho, deu-me um daqueles súbitos desejos de gelados. Portanto, já em Lisboa, lá consegui que fizesse o desvio até à Avenida de Roma, onde há os melhores gelados. Quando estávamos a aproximar-nos eis que estranhámos tanta polícia. Não percebi. Mas ele sim: conseguiste que viéssemos meter-nos no meio da manif. Temi o pior. Mas, felizmente, não foi grave: a manif ia num sentido, nós no outro. E muita gente, devo dizer. Toda a gente de máscara -- pelo menos foi o que me pareceu. O pior foi que a gelataria estava fechada. Fiquei desolada, aguada. Mas a que propósito está fechada?!, espantei-me. Ao fim de tantos meses, que suprema desilusão. O meu marido disse: 'É Dia do Trabalhador'. Pois. 

É sempre este azar dos Távoras quando o 1º do Maio calha ao fim de semana. Para mim, é sábado mas, de facto, é 1º de Maio e há que respeitá-lo. Mas, bolas, a falta que aquele belo gelado me fez. Já estava a imaginar a desforra, duas ou três bolas, cada uma maior e mais boazona que as outras. Mas não perde por esperar: guardado está o bocado para quem o haverá de comer. Essa é que é essa.

Já cá em casa, estivemos a arrumar os sacos com coisas que trouxemos de lá. Por exemplo, ainda lá estavam os sacos com as coisas que trouxe da empresa da qual saí o ano passado. Como, ao mesmo tempo, mudei de carro, quer a tralha que estava no outro quer os sacos que trouxe do outro gabinete ainda lá estavam. Apareceram coisas curiosas. De tudo um pouco: um perfume de bolsa, lipsticks, uma caneta de brilhantes, uma carta muito, muito, simpática de uma pessoa que não vejo há uns vinte anos, bloquinhos de toda a espécie e feitio, alguns livros, creme de mãos.

Depois recebemos a visita do simpático casal que nos está a ajudar a pôr em desenho algumas ideias aqui para o jardim. 

Quando se concretizar, conto. Pode até acontecer que mostre. Mas só então. Não gosto de falar do que ainda não é. 

Trouxeram desenhos e explicaram-nos a ideia. Gostámos muito. Há ali alguns aspectos um pouco arrojados que me deixam um pouco balançada. O meu marido, contudo, aderiu logo à ideia. Não sei. Mixed feelings. A ver o que os meus filhos dizem. Talvez se encontre uma solução de compromisso.

Depois, o meu marido esteve a montar um novo aparelho: um cortador de relva. Desgostei-me dos jardineiros: não eram jardineiros, eram meros executantes de duas tarefas: soprar as folhas e aspirá-las e aparar a relva. Uma despesa grande para não fazerem qualquer jardinagem. Mandei-os embora. O meu marido discordou, claro. Também achava uma roubalheira o que se pagava por tão pouco serviço mas dizia que não contasse com ele, pelo que alguém teria que fazer isso. Ainda não sei onde vou desencantar alguém que faça jardinagem com cuidado e desvelo. Mas, se é só para limpar o chão, eu varro. Gosto de varrer. E a verdade é que acho que vamos dar conta da relva. Penso que também vou gostar de andar com o carrinho de cortar a relva. Hoje, andámos os dois, eu ao pé dele, na parte da frente da casa. Quando o cesto ficava cheio de relva cortado eu ia despejá-lo. Estava um cheiro maravilhoso a relva cortada. Andámos até já ter começado a anoitecer. Um prazer.

Para o jantar, mandámos vir uma pizza daquelas boas, em forno de lenha. Soube bem. Estávamos os dois cansados. Impossível ainda ir pôr-me a fazer o jantar. 

Agora à noite, estive a tentar perceber como planificar um roupeiro no ikea mas está a faltar-me qualquer coisa. Desisti. Pode ser que este domingo algum dos jovens me ajude.

E é isto. Não comento nada sobre o que por aí vai pois não sei de nada: não tenho visto notícias ou comentários. Mas, salvo raras excepções, geralmente pouco acontece. Só aquela dor pequena e mansa de cada um, a que não vem nos jornais. 

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As imagens vêm na continuação das de ontem. Imagens de conforto que as pessoas mandam para Cozy Places ao som de Les Indes Galantes de Rameau

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Uma floresta tropical num apartamento nova-iorquino


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Desejo-vos um belo dia do domingo

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