Já contei, não contei? Uma vez escrevi um livro. Duzentas e tal páginas, se bem me lembro. Depois estragou-se o computador. Mas não fez mal, aquilo estava numa disquette. Depois mudou-se o programa em que aquilo tinha sido escrito. Depois perdi a disquette. E, portanto, perdi o livro. Tenho uma certa curiosidade. Pena, não. O que lá vai, lá vai. Não quero manter vivo o passado. Mas tenho curiosidade: como é que eu escrevia, quando escrevia? Melhor: quando me entretinha a escrevinhar.
Agora de uma coisa eu me lembro: ele era um pianista. Ela... ela já não me lembro. Se calhar era eu. Ou a fingir que era eu. Já não faço ideia.
A ideia de um pianista intriga-me, fascina-me. Há a inspiração, a procura pelo virtuosismo, pela compreensão e interpretação da obra, a persistência, a solidão, o prazer da leveza conquistada. Tenho ideia que muito do livro assentava nisso. Lembro-me de estar a escrever noite adentro e quase sentir a dança dos dedos do pianista sobre as teclas. Lembro-me do local em que ele ensaiava. Parecia que o via e que via o pianista lá dentro. O prazer que eu sentia ao escrever, disso lembro-me.
No meu imaginário, os pianistas são homens. Não me importava de escrever outra história em que entrasse um pianista. Não sei porquê não sinto vontade de me aventurar pela personalidade de uma pianista mulher.
E, no entanto, na actualidade, há mulheres que se destacam: são vulcões, são máquinas, são bombas, são aviões. Vê-se-lhes paixão e entrega quando se sentam ao piano. Não sou entendida pelo que não me afoito a dizer se são boas pianistas, se são exibicionistas, se são pianistas-populistas, se são simplesmente fantásticas. Nestas coisas mais complexas o máximo que consigo é dizer se gosto ou se não gosto. Diz o vídeo que aqui partilho que estas aqui abaixo são hot e, vendo as imagens, talvez seja verdade, talvez sejam mesmo as mais hot da actualidade. O corpo delas, a vibração que as percorre, as expressões faciais - tudo é extraordinário
[Será que, vendo bem as coisas, uma mulher assim daria uma boa personagem de um livro?]
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Ah, o meu dia? Bom. Passeio junto à praia, o mar bonito, lanche em família baseado em pastéis de nata e gelados, a alegria da boa companhia e dos verdadeiros afectos, telefonemas de amigos de longa data, conversas postas em dia, depois passeio no campo, com vagar e prazer, fotografias, estas que aqui têm, seguido de descanso ao ar livre antes da noite cair, quando as cigarras se aquietaram. Foi, pois, um dia sereno que nada conseguiu poluir.
Quando se tem a consciência em paz, quando se tem a convicção de que se faz é o que pensamos ser certo, quando o nosso coração e a nossa cabeça andam de mãos dadas, mesmo que enfrentemos incompreensões e cegueiras nada abalará a nossa convicção e tranquilidade.
Não sou dada a balanços, mas sou dada a determinações. De vez em quando há uma força que vem não sei de onde que me leva a tomar decisões que me levam, inabalavelmente, para outros caminhos ou a tomar irrevogavelmente certas decisões. Já lá vai o tempo em que, por tibieza ou por acreditar que há coisas que se compõem com o tempo, eu aceitava conviver com situações que não me agradavam. Fazia fretes, fazia de conta que estava tudo bem, temia ferir susceptibilidades, temia enfrentar situações desconfortáveis, consumia-me por dentro. Agora já não. A vida é curta e nós vamos vendo como ela se vai encurtando. Não podemos desperdiçá-la com o que não interessa.
Talvez esteja a atingir aquele fantástico patamar em que impera a mais absoluta franqueza. Com a sabedoria que têm, com a impaciência de quem sabe que a vida não vai durar para sempre, os velhos dizem o que pensam. Sempre admirei isso. Na volta é lá que estou quase a chegar. E, no dia de hoje e para os que se seguirão, foi esse o propósito que me animou. Lutar pelo que penso ser o melhor para mim e, sobretudo, sobretudo, para os que amo. E seguir. Por um caminho que, a cada dia, se vai encurtando, vou em frente. Chegará o dia em que talvez faça, então, o balanço final mas, se me der para isso, espero que a conclusão seja qualquer coisa como isto:
A companhia está boa, 'tá-se bem mas está na hora de ir pregar para outra freguesia. Fui.
Tirando isso, o que tenho a dizer é que -- alegria!, alegria! -- tenho um livro novo e estou cheia de vontade de o desbravar. E o tempo vai quente, so, so hot, apetece a gente mergulhar na noite, ir em busca da frescura que vem da terra, procurar o abrigo das grutas e a companhia dos bichos, dos bichos que adivinho serem brothers in nature.
Tá-se, minha gente. Tá-se.
Uma boa semana. Sejam felizes.
4 comentários:
Estou tambem nessa fase.
Deixo as prosas para outro dia..:-)
Quanto à música, a Kathia subscrevo. Das outras duas senhoras, que dispenso, deixe-me preferir, patrioticamente, a Mª. João tripeira, e a Argerich, das vivinhas da costa.
Uma boa semana, ainda que erótica soft, como nos vai habituando, por rotina quotidiana.
E, já agora, lhe auguro uma bem sucedida metamorfose, como tem vindo a sistematicamente anunciar.
Volto, no entanto, a mais uma vez, aqui, lembrar O'Neill, de sua sexta casa astrológica: "...Acaso o nosso destino, tac!, vai mudar?" - pragmática e realisticamente, muito bem observado.
Cumprimentos cordiais.
Foi um feliz acaso que me levou ao seu blogue a semana passada. Tenho 85 anos, estou mesmo no fim do caminho...
Gostei bastante do que li em várias postagens, a de hoje incluída. Penso que devia escrever um livro,sim. Escreve muito bem.
Além disso tem comentários para consigo que eu aproximo dos meus nas minhas noites longas.
Perdoe-me se a incomodei por me intrometer...
Desejo-lhe tudo de bom. Um araço amigo da Maripa.
Maripa,
Tenho andado arredada de responder a comentários pois, à hora tardia a que escrevo, falta-me o tempo e a energia mas a este seu tenho que vir, para lhe dar as boas vindas. E faça favor de não dizer que está quase no fim do caminho. É praticamente da idade da minha mãe e eu quero acreditar que ainda vou contar com ela perto de mim por muitos e bons anos. Com exercício do corpo e da mente, com gosto pelas coisas boas da vida, há sempre muito caminho para se andar.
Espero que continue a gostar da minha companhia (apesar de, volta e meia, eu me divertir a saltar para fora dos eixos).
Um abração e um agradecimento pela simpatia das suas palavras.
Saúde e alegria, Menina Maripa!
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