sexta-feira, julho 19, 2019

Dizer alguma coisa



Aqui no quarto está frio, até tive que me tapar. Podia ir desligar o ar condicionado e a coisa resolvia-se mas estou com preguiça. O quarto é óptimo e curioso, com algumas particularidades incomuns. Aliás, quando aqui entrei tive que me pôr à aventura para descobrir algumas coisas e para perceber outras. Lembrei-me dos meus filhos, quando eram miúdos e chegavam a algum quarto de hotel, a irem ver onde se acendiam as luzes, a abrirem gavetas, a espreitar a casa de banho, os roupeiros, o frigorífico.

No corredor cruzei-me com um casal em turismo e invejei-os. Estou aqui e nem consigo aproveitar. Tem piscina, circuito de spa e sei lá que mais mas nem sei onde ficam. Como sempre, não chego a poder usufruir dos sítios bons por onde vou passando. Pensei: podia cá voltar em turismo. Mas não. Imagine-se que encontrava um bocado de mim, algum bocado que por aqui ficasse esquecido, uma sombra, por exemplo, um vestígio desta outra que não consegue usufruir das coisas. Não. Dessa, quando estou em turismo, eu quero distância.

E não posso dizer que o dia tenha sido mau. Longe disso. Intenso, longo, excessivamente preenchido, isso sim. Mas com algumas coisas muito interessantes lá dentro e com um momento divertido, galhofa e risota. A malta do mundo dos negócios quando se abre uma brecha, por pequena que seja, por onde possa atirar-se à paródia, é um vê se te avias, um fartote. Eles dançam, cantam, amalucam e riem de dar gosto. Quem os vê e que os vê. 

E, ao jantar, conversa boa, interessante, versando temas incomuns. Não vou aqui contar que isto não é espaço de reportagem quase em directo. Não. Falar de coisas muito objectivas não pode ser em cima do acontecimento. Sou moça discreta, avessa a fofoca.

Portanto, hoje pouco posso acrescentar. Sobre o mundo exterior não faço ideia.

Não sei se a lua já virou o rabo para o lado de cá, mostrando-os o seu lado esquecido ou se o advogado-sindicalista dos motoristas, com aquela sua voz de quem tem um mamar doce, já fez mais alguma ameaçazinha. Nem sei se a terceira ponte já está de pé ou se vai continuar a ser a eterna terceira miragem. Ou o que é que o Trump hoje twitou. Não sei. Podia o mundo estar a ladrar às calças do Putin ou ter-se avistado um esquadrão de ovnis com kardashians a cavalo que eu, aqui, isolada, não dava por nada.

O que me ocorre já é de ontem, coisa requentada, roupa-velha. Por exemplo: 
  • A notícia de que foi apanhada, no Brasil, uma fábrica de carros falsos da marca Ferrari e Lamborghinis. Contrafacção de bólides. Desatei a rir. O máximo. É preciso estar para além de bandidagem para ter a ideia de fazer carro igual ao outro mas tudo na base do fake. Delicioso. Coisa mais bolsonara não pode haver.
  • A outra é que os procuradores largaram o caso da acusação contra Kevin Spacey. E esta não me dá vontade de rir. O homem viu a sua carreira destruída, a sua reputação arrasada. O carnaval que por aí foi, meio mundo a crucificar o homem, toda a gente tinha sentido a mão dele perna acima. E agora, afinal, não há provas e o próprio rapaz que o acusou, logo depois, poucos dias depois, no meio de contradições e hesitações, abandonou a queixa. E eu fico varada com isto pois, para mim, o peso de acusar um inocente é muito pior do que inocentar um culpado. E nem quero agora falar mais nisto para não ir adormecer completamente indisposta.
E tirando isso não sei sobre que mais possa falar pois, não podendo dizer que tive a cabeça sujeita a lavagem de cérebro, a verdade é que estar para aí umas dezasseis ou dezassete horas num outro comprimento de onda faz-me chegar a esta hora e estar com a sensação de que precisava de por aqui estar a escrever sobre coisas destas, de nada, durante uma ou duas horas, até que a minha cabeça entrasse outra vez no seu carril habitual. Mas como não disponho desse tempo já que daqui a nada tenho que estar a pé, fico-me por aqui. Um zerinho de um texto. Letras vazias a darem corpo a coisa nenhuma. Isto é mesmo apenas uma terapia minha, coisa na base da vontade de escrever para satisfazer uma necessidade meio parva, como se escrever coisas destas fizesse sentido ou falta. Mas, então, fazer o quê?

Mas não me vou sem antes partilhar convosco uma interpretação muito bonita e muito sentida de uma canção também muito bonita, Say something -- Damiyr.

Vejam e ouçam, por favor. Só mesmo um homem assim, lindo de morrer, a cantar uma canção destas com uma voz destas, para me pôr toda comovida a olhar para um computador. Ele há coisas.


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As pinturas são de Paul Signac

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E, parecendo que não, já é sexta-feira e isso é uma coisa boa.

A todos uma bela friday!

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