quinta-feira, setembro 01, 2016

Observar os outros




Dia ainda mais tranquilo que os anteriores. O meu marido tem bicho-carpinteiro, não consegue estar muito tempo sossegado. Então vai dar uma volta a pé de mais de uma hora enquanto eu fico na beira da piscina.

Quando lá chego, procuro duas espreguiçadeiras à sombra das árvores. Fico na segunda linha de espreguiçadeiras. A primeira contorna a grande piscina. Esta segunda, a boa distância da primeira, está debaixo dos pinheiros, palmeiras e sei lá que outras árvores que no outro dia andei a fotografar à noite e que hoje aqui mostro. Lá mais para trás ainda há mais, num relvado também entre árvores. Aí se juntam os adolescentes que conversam, praguejam animadamente, bebem cerveja e riem.

Tenho um livro, tenho o telemóvel, o protector solar 50, uma garrafa de água. Começo por ler mas depois ponho-me a observar os que estão no meu raio de visão. Um conhecido jornalista de televisão que, assim, de calções e óculos escuros, me deixou na dúvida se era. Depois vi que era. Passou despercebido. Eu e ele devíamos ser os únicos portugueses.


Chegou, então, um casal talvez de uns 70 anos, elegantíssimos -- invejei tudo o que ela tinha vestido: um bikini com um corte favorecedor em azul marinho, turquesa e verde esmeralda. O bikini ficou à vista depois de ter despido uma túnica nos mesmos tons, com transparências intercalando zonas de suave aveludado. Aquela túnica até na cidade ficaria linda, com umas calças justas em branco ou em preto. Os chinelos eram igualmente elegantes e o chapéu de palha ainda mais, de abas bem largas, com uma fita de corda fina e com uma espécie de contas douradas, aqui e ali, à volta. A senhora é magra, elegante, de cabelos platinados abaixo da nuca. O marido o oposto: faz lembrar o Strauss-Kahn, uma coisa na base do touro. Entroncado, peludo, calções de pano coçado acima do joelho e por baixo da barriga, boné descorado e velho, cabelos grisalhos meio compridos, apesar de careca na parte de cima. Contudo, curiosamente um homem interessante. Enquanto a mulher protegeu a pele e ali se pôs ao sol, serenamente, ele fumou, viu o telemóvel, escreveu nele, mergulhou e deu umas vigorosas braçadas e o tempo todo manteve-se sempre neste tipo de actividade. Não se deitou nem por um segundo.

Reparei também naquelas duas raparigas muito bonitas, altas, louríssimas, que andam sempre juntas. Encontrámo-las a tomar o pequeno almoço, de tarde cruzamo-nos com elas na praia. Lêem, conversam, vão buscar autênticos baldes de cerveja ao bar da piscina e vão bebendo enquanto tagarelam, depois levantam-se e vão nadar. Parecem-me novas demais para terem vindo só as duas viajar, terão talvez uns 18 anos, e ainda por cima para se alojarem num hotel deste tipo. Miúdas que vêm à descoberta ficam em hostels, coisa assim. Mas nunca as vimos com o que poderiam ser os pais. 


Mas o que me manteve presa toda a manhã -- e, quando o meu marido chegou, estivemos os dois, quase como se estivessemos a ver um filme -- foi o grupinho mesmo à minha frente. Duas inglesas muito inglesas, com muito accent, muito louras, de bikini, elegantes, quase iguais, em espreguiçadeiras ao lado uma da outra. O meu marido disse que eram gémeas mas talvez não. Ao lado da que me pareceu talvez ligeiramente mais velha, um que deve ter ascendentes directos indianos ou paquistaneses mas igualmente muito british. Um pouco mais baixo que ela, um bocado para o entroncado. Ao lado dele, dois miúdos, talvez 8 ou 9 ou 10 anos, mostrando a mistura de raças, muito bonitos, pele e feições a atirar para o pai mas ao mesmo tempo com traços da mãe.

A mulher, quando comecei a reparar nela, fazia meditação em posições de ioga, como se estivesse sozinha no mundo. Ao lado, a que supusémos ser irmã, lia ou via o telemóvel. Ele tomava conta dos filhos, punha-lhes protector, ajeitava o chapéu de sol para lhes fazer sombra. Depois, quando a mulher se pôs numa posição curiosa, de gatas, ele pôs-se na mesma posição, ao lado dela. Mas estavam ambos compenetrados. Se fosse eu e o meu marido não apenas não nos poríamos assim em cima das espreguiçadeiras, em público, como, se o fizessemos, desatavamos ambos a rir (especialmente eu).


Depois foram todos para a piscina. Ela e a que talvez fosse irmã brincavam ruidosamente uma com a outra, davam amonas, uma ia debaixo de água assustar a outra que gritava e ria. Noutro canto da piscina os miúdos brincavam um com o outro. Depois o pai veio buscar uns óculos e uma câmara fotográfica daquelas que funcionam debaixo de água. Ainda tirou algumas fotografias aos filhos mas depois foi fotografar a mulher e a cunhada. Todo ele se ria, encantado, com as brincadeiras efusivas daquelas duas.

Às tantas descobriram uma grande bóia que lá estava a um canto e foi vê-las como crianças ruidosas a tentarem virar a bóia, a pregarem partidas uma à outra e a rirem de gosto. O marido observava e ria mas não interferia, apenas degustava com enlevo.

Quando saíram da água, o marido deu as toalhas aos miúdos, voltou a pôr protector solar neles. Durante as horas que ali estive nenhuma das duas mulheres dirigiu uma palavra que fosse às crianças. Nem as crianças a elas, apenas ao pai.

Depois o casal pegou em raquetes e foram jogar para a piscina dos pequenos. Iam de mão dada, ele sempre sorridente, ela também bem disposta. E lá estiveram divertidos, ela sem grande jeito, ele paciente.

De volta à espreguiçadeira, deitaram-se ao sol e ele deitou a cabeça no ombro da mulher. Depois passou o braço por cima dela e ali se deixaram ficar abraçados. Depois beijaram-se.


Passado um bocado, a outra, louríssima, seios generosos quase a saltarem do curto bikini, pôs-se a besuntar-se com protector solar, tendo pedido ajuda à que talvez fosse irmã. A irmã pôs, espalhou com cuidado, com a unha raspou-lhe o que talvez fossem umas pequenas borbulhas, aproximou o rosto para ver melhor, passou com a mão a ver se sentia irregularidades. Depois inverteram, foi a outra que lhe espalhou nela o mesmo protector. As duas espalhando o creme com cuidado e vagar. A seguir foi ele que quis que a mulher lho pusesse nas costas. Sentou-se na espreguiçadeira dela, de costas para a mulher, entre as pernas dela. A mulher massajou-o com cuidado. Então ele, de repente, deu uma reviravolta e, quase em mergulho, atirou-se para cima dela, e ficou ali um bom bocado, abraçado, cobrindo-lhe o corpo. Ao princípio ela riu, depois abraçou-o e voltaram a beijar-se.

A outra, nada, continuou placidamente a ler e os miúdos também nem aí, cenas daquelas deviam ser usuais.

Eu disse, baixinho, ao meu marido que sempre tinha achado que os homens de tez mais escura são mais fogosos. Como está tisnado como um marroquino tenho a certeza que se sentiu abrangido.

Depois o homem voltou para o seu lugar. Algum tempo depois, levantaram-se e foram de mão dada buscar a ementa. Ele segredava-lhe qualquer coisa ao ouvido e ela ria. Regressaram e ele perguntou aos miúdos o que queriam; depois, como eles não soubessem, pôs-se a ler, em voz alta, a ementa. Perguntou à que talvez fosse sua cunhada o que queria. A mulher era como se não tivesse nada a ver com aquilo, via o telemóvel, ele é que geria os pedidos.


O meu marido disse: 'O gajo é que faz tudo'. E eu disse que sim, era um facto, mas que reparasse ele como o homem o fazia de bom grado, sempre sorridente e amável. Não ligou e, pelo contrário, teceu considerações sobre a colonização e outras tretas que não eram para ali chamadas.

No fim, fiquei a pensar que, tivesse eu tempo e paciência, em torno daquelas personagens, se poderia forjar um enredo bem engraçado.

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Lá em cima, e não me perguntem porquê, apeteceu-me ter o Gattopardo, Luchino Visconti,1963. O Leopardo, uum grande filme. A valsa que se ouve é de Dmitri Shostakovich .

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E queiram agora, por favor, descer até uma evocaçao a propósito do Dia do Topless para verem como  há seios que ficarão para a história do cinema.

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5 comentários:

Abraham Chevrollet disse...

Claro que a beleza está nos olhos de quem vê...mas chega de tamanha amabilidade! Há verdadeiras perfeições doentiamente tapadas,à espera de quem as descubra,lhes dê a conhecer o Sol e as ame. Disponível para espalhar a notícia,participar no movimento de libertação dos seios e apoiar a terna ditadura que eles pensem ,que bom,impor!

Um Jeito Manso disse...

Olha o Abraham...! Presumo que tenha ficado estonteado com o que viu já que o comentário veio parar ao post errado. Certo?

E não sei onde está a amabilidade a que se refere já que o que escreve a seguir não o explica. Quer dizer que não há beleza nos seios em si mas sim nos olhos que os vêem? Não sei. Presumo que haja alguma objectividade nisto da beleza e nisto dos seios terá a ver com a simetria, a suavidade das superfícies curvas. Mas, ok, admito que possa estar enganada.

E vá aparecendo.

AV disse...

Também me entretenho às vezes a observar pessoas que me parecem interessantes e a imaginar as suas histórias. A família com as duas mulheres louras e o marido de origem indiana (presumo ser indiana, já que os paquistaneses e Bangladeshis têm tendência a ser muito reservados na relação entre géneros) é interessante. Os casais ingleses não são dados a grandes demonstrações em público, pelo menos na sua própria terra. Talvez seja o efeito do clima e das férias ...
Gostei de ler a sua descrição destas várias pessoas.

Um Jeito Manso disse...

Olá Ana,

Sabe que aquele grupo é tão curioso que eu acho que, por muitos dias que ali estivesse, não me cansaria de os observar. Ele ficavam sempre na fiada de espreguiçadeiras mesmo à beira da piscina e eu, à sombra das árvores, na segunda fiada, que é razoavelmente distante da primeira. Portanto, podia estar a observá-los sem parecer indiscreta. Encontrei neles uma dissonância tão harmoniosa que atraía a minha atenção. Uma cumplicidade absoluta entre elas que as levava a rir e brincar como adolescentes. Curiosamente não mostravam ligar patavina aos miúdos. Por outro lado, ele tão gentil e solícito com todos e tão cuidadoso com os filhos. E depois aquele chamego entre ele e a mulher, com arroubos verdadeiramente apaixonados. E quando cada um interagia com alguém, os demais não prestavam a mínima atenção.

O meu marido insiste que elas eram gémeas e, de facto, são muito parecidas. Mas eu diria que a casada terá uns 38 ou 40 e a mais nova uns 35 ou 36.

Já não estou lá para poder continuar a vê-los. Mas, enfim, ficou o registo desta família curiosa.

Gostei de ler o que escreveu e vejo que conhece bem culturas que eu não conheço mas que me fascinam.

Volte sempre, Ana Vasconcelos.

AV disse...

Muito obrigada, UJM. Tenho lido o seu blog, tão original, com muito prazer.
Ana