A terra cheira a molhado, o ar está fresco. A vida está numa euforia, as flores estão abertas, coloridas, perfumadas. As tipuanas e os loendros junto ao portão recebem-nos com alegria, mostram que nos querem abraçar. Chegar aqui é chegar a mim, tudo aqui é como se fosse parte de mim. Cada fotografia que aqui vos mostro é quase como se fosse o meu auto-retrato.
A vinha-virgem está a rebentar, as belas folhas recortadas começam a invadir a parede. Agora estão verdes e, ao longo da sua vida, iremos assistir à transfiguração em dourado, em acobreado, em fogo puro -- até que se despedirão para ressurgir de novo na próxima primavera.
O pé de parreira também despontou. O verde vivo das folhas não tarda contrastará com o vinho-escuro dos bagos das suas uvas.
A azinheira -- que era pequenina, um tronco fino, na altura em que se fez o muro -- não tem parado de crescer. O seu tronco é agora um forte tronco adulto que se bifurcou e em que uma das pernas se debruça perigosamente sobre o muro. A pressão é contínua e forte. Aos poucos, o tronco vem entrando no muro. Não sei como é que isto vai acabar mas, até que alguma medida tenha mesmo que ser tomada, gosto de ir presenciando a força imensa da natureza que se impõe mil vezes mais do que os elementos construídos pelo homem.
As figueiras estão carregadas. Em cada canto e esquina dos seus ramos, entre o folhedo, há cachos de pequenos figos. Em tempos, um senhor da aldeia disse-nos que deveríamos mondá-los: retirar os mais pequenos para que os maiores medrassem com maior vigor. Mas não fazemos nada disso, deixamos que cresçam ou que fiquem pequenos, conforme a força da sua mãe lhes consiga chegar.
As ameixas também já começam a ganhar cor. Aborrecem-me as ameixas. Num dia estão ainda verdes para serem apanhadas e no outro, quando cá voltarmos, pode muito bem acontecer que os pássaros já as tenham comido. São doces e boas mas os pássaros ganham sempre a melhor sobre nós.
E as silvas que tudo invadem, perigosas, se não temos cuidado em tudo se enleiam, ferem-nos se não atentamos aos seus avanços -- mas que dão amoras tão boas, tão boas... Negras, sumarentas, doces. Mas ainda não estão nesse ponto. Ainda são apenas um prenúncio de sabor que há-de rebentar em prazer na nossa boca: por enquanto estão ainda verdes envoltas em penugem fúcsia entre pétalas rosadas que se despedem.
Aqui, in heaven, -- junto a esta terra de onde sobre um odor a intimidade, onde os pássaros cantam felizes, onde as flores são exuberantes e em que cada árvore é acolhedora e perfumada como uma mãe -- estou em casa.
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Maria Ana Bobone interpreta Auto Retrato
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