De quantas histórias se faz a história de um homem?
De quantos louvores, de quantos abraços, de quantos passos em falso, de quantos amargos silêncios?
Por quantas vitórias, hesitações e medos tem que passar? Por quantas ilusões tem que se deixar levar, em quantos abismos tem que se perder?
A quanto orgulho tem que resistir, a quanta força tem que recorrer?
Quantas escadas tem que subir, quantas lutas tem que travar, quantos solitários degraus tem que descer?
Quantos livros terá que ler num sobressalto, por quantos momentos de perdição tem que passar, quantas perguntas tem que fazer?
Quantas lágrimas choradas em silêncio, quantas raivas sofridas em surdina, quantos risos não partilhados tem um homem que esconder?
De que vidas se faz a vida de um homem?
E se o seu olhar se fecha, sombrio, uma noite densa cobrindo o que um instante antes era sorriso e leveza, como se regressasse ao interior da sua memória, lá onde se guardam os demónios e os secretos tesouros? E se o seu corpo se mobiliza para dar a conhecer as suas recordações e as suas vontades e se as suas opiniões são expressas com ardor, como se uma chama contida a todo o momento pudesse explodir? E se a sua voz, depois, se modula para deixar espaço a um sorriso, a um inesperado poema? - o que dizer desse homem?
Quantas vidas cabem, afinal, na vida de um único homem?
A mulher olha com estranheza. Não conhece o homem. Quem é? De onde veio? Porque lhe parece tão familiar? Recua no tempo, talvez muitos anos antes, talvez numa outra vida. Recua. Talvez uma sombra deixada num espelho, talvez uma fotografia esquecida num livro. Talvez um sonho.
Enquanto ele fala, a mulher percorre o infinito labirinto da memória, da imaginação, reconstrói outros rostos onde pudesse ter encontrado aquele olhar. Depois olha as suas mãos, tenta perceber se já antes viu aquelas mãos. Já as terá, alguma vez, tocado? E escuta: conhece aquela voz? Já a ouviu, antes, contar segredos, rir, chorar, tocar as nuvens, arder em silêncio?
Mas não sabe. Sabe apenas que conhece aquele homem.
Divaga, pensa que um dia, talvez num outro tempo, esteve sentada junto a este homem, sob árvores muito antigas, olhando o mesmo lago, olhando a superfície espelhada das águas. Tem vontade de lhe perguntar: Lembra-se? Lembra-se que ambos vimos aquele estranho pássaro cruzando o espaço, o seu reflexo numa outra cor, lembra-se que o canto saía do pássaro reflectido na água, não do que cruzava o ar? Lembra-se que a nós isso não causava estranheza porque sabíamos que muitas coisas vêem aqueles cujo olhar já se tocou em muitas outras vidas?
Mas não sabe. Sabe apenas que conhece aquele homem.
De que misteriosas sombras é feito o corpo de um homem?
Divaga, pensa que um dia, talvez num outro tempo, esteve sentada junto a este homem, sob árvores muito antigas, olhando o mesmo lago, olhando a superfície espelhada das águas. Tem vontade de lhe perguntar: Lembra-se? Lembra-se que ambos vimos aquele estranho pássaro cruzando o espaço, o seu reflexo numa outra cor, lembra-se que o canto saía do pássaro reflectido na água, não do que cruzava o ar? Lembra-se que a nós isso não causava estranheza porque sabíamos que muitas coisas vêem aqueles cujo olhar já se tocou em muitas outras vidas?
Enquanto o homem fala, pensa que talvez ele lhe respondesse: Lembro-me. E eu a si ouvia-a falar de tigres atravessando os muros, de palavras que voavam dos espelhos como pássaros infinitos, de livros transparentes, inventados. E, enquanto falava, nasciam rosas azuis aos seus pés e depois eu pegava em si e mergulhávamos os dois nas águas brancas, mornas, e eu ouvia-a dizer que os rios são de leite e que, ao pôr de sol, o leite se transformaria em mel. E, então, esperávamos que o sol se pusesse e ambos, dourados, olharíamos as palavras e os pássaros voando sobre o mel, e o céu seria um imenso espelho e as nossas vidas seriam muitas, infinitas, cruzando os tempos.
Quantos labirintos têm que ser percorridos até que um homem encontre o seu destino?
Quantos passos tem um homem que dar até que, por fim, encontre o lugar mágico que sinta ser o seu?
Quantas vidas, afinal, tem um homem que viver até que consiga viver a sua própria vida?
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Quantos passos tem um homem que dar até que, por fim, encontre o lugar mágico que sinta ser o seu?
Quantas vidas, afinal, tem um homem que viver até que consiga viver a sua própria vida?
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Habré de levantar la vasta vida
que aún ahora es tu espejo:
cada mañana habré de reconstruirla.
Desde que te alejaste,
cuántos lugares se han tornado vanos
y sin sentido, iguales
a luces en el día.
Tardes que fueron nicho de tu imagen,
músicas en que siempre me aguardabas,
palabras de aquel tiempo,
yo tendré que quebrarlas con mis manos.
¿En qué hondonada esconderé mi alma
para que no vea tu ausencia
que como un sol terrible, sin ocaso,
brilla definitiva y despiadada?
Tu ausencia me rodea
como la cuerda a la garganta,
el mar al que se hunde.
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Kate Moss foi fotografada pela dupla Mert Alas & Marcus Piggott
Nina Simone interpreta Human Touch
O poema é Ausencia de Jorge Luis Borges
O último vídeo tem Two English Poems de Jorge Luis Borges (lidos por Tom O'Bedlam)
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E, se me permitem, desçam, por favor, até ao post seguinte: o Cavaleiro Vhils espera por vós.
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Desejo-vos, meus Caros Leitores, um belo sábado.
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