Like a man
Adam Cohen - (o filho de seu pai) em Like a Man
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Nesta fase pós-operatória em que me encontro, tenho que fazer recuperação e, de preferência, em piscina. Assim, fui à procura de uma nesta cidade abrasada, nestes dias de um calor que nos desfaz. Mas, por esta altura, as piscinas fecham para manutenção pelo que não foi fácil descobrir uma que me conviesse.
Finalmente lá a descobri e foi um prazer voltar a poder nadar. Sou bicho de água e se há coisa de que gosto é de estar dentro de água, mergulhar, flutuar, passear-me dentro de água. No entanto, dada a escassez, a piscina estava lotada demais para o meu gosto.
Mergulhei e quando abri os olhos ao meu lado, mas mesmo ao meu lado, estava uma outra mulher. Nadava junto a mim e, não fosse eu saber que não estava numa piscina a fazer natação sincronizada, quase julgaria que os céus tinham despejado ali uma mana gémea para nadar quase colada a mim, repetindo os meus movimentos. Só lhe faltava a mola no nariz. Impudica, quase inconveniente, por pouco não se enlaçava em mim.
Maçada com aquela insólita situação, saí da água e fui-me embora, decidindo que a recuperação, a partir de agora, será feita em seco.
Mas fiquei aguada. Tinha-me mentalizado para uma boa hora de molho, para sentir o meu corpo envolto em água. Não há carícia mais suave do que a da água num corpo nu.
Então, antes de, à tardinha, me dirigir directamente a uma vernissage para a qual tinha sido convidada, vernissage seguida de jantar e soirée dançante, meti-me no carro e, com esforço, conduzi até uma praia praticamente desconhecida. Ninguém. É certo que a noite quase caía mas tanto calor e aquela praia vazia. Tive vontade de me despir toda, de ir nadar nua naquele mar tão convidativo. No entanto, manda a mais elementar prudência que alguns cuidados sejam mantidos. E assim limitei-me a despir a saia.
De resto, mantive tudo e ainda acrescentei uma capeline que, para um just in case, trago sempre no carro e que bem jeito já me tem dado. A minha pele é branca e com este sol, apesar da hora tardia, há que não expor muita superfície de corpo. Aliás, não estando a prever este desvio de rota, nem protector solar tinha levado. E, assim, com as minhas meias de seda preta, cinto de ligas, luvas altas e capeline (noir aussi, what else?) lá passeei pela beira de água, aspirando a maresia que tanto me inspira.
A quem nunca tenha experimentado a extraordinária sensação de passear numa quase noite de verão, numa praia deserta, quando a aragem se torna suave, quando o ar que se aspira não é salgado mas sim estranhamente doce, digo que é coisa que não se deve perder.
Mas tão encantada estava que acabei por me molhar mais do que devia e, assim, dali acabei por não ir directamente para a festa. A noite podia esperar. Voltei a casa, sentindo-me purificada, baptizada de novo.
Despi-me, tomei um duche para não ir com areia ou salpicos de mar. E, claro, com esse estado de espírito já não fazia sentido ir vestida in black. Tinha que ser branco, virgem.
Quando estou com pressa e não tenho uma ideia bem definida, é um saltar de vestidos do roupeiro que não vos digo nada. A chaise longue que tenho no meio do quarto de vestir fica pejada, pejada de roupa.
Até que lá me acertei com um Dior. Acho que era excessivo para a ocasião mas tenho dias assim, toda eu um excesso. Sabia, claro que sabia, que ia ser olhada de viés, mas quero lá eu saber disso. Até porque se os olhares de viés forem masculinos são (geralmente) muito bem vindos. Discretos, educados, mas, por favor, que existam. E, se acompanhados por um piropo, e se o piropo for dito com inteligência, charme, aparente contenção, tanto melhor. E, se o homem for inteligente e saudavelmente sedutor e, se a mulher estiver para aí virada, até se perdoará algum instante de indiscrição, algum inteligentemente disfarçado toque de mal contido desejo. Tudo dentro dos limites da decência, bien sûr. A menos que a mulher permita e aprecie algum laivo de indecência. Tudo depende das circunstâncias e dos actores. Mas mulher que se dress to impress sentir-se-á magoada se não notar, nos outros, o efeito da produção. Homens apáticos, indiferentes, que - perante uma mulher que notoriamente gosta de seduzir e ser seduzida - se mantenham estupidamente inalterados, continuando a conversar assepticamente e seguindo no seu universo paralelo (isto é, sem qualquer intersecção com o universo da mulher, nem sequer a intersecção do olhar), fazem a mulher sentir-se invisível, desinteressante, nula. E isso é imperdoável.
E, portanto, blanche, vestida com um suavíssimo Dior, lá me apresentei. Bem, não, o vestido não é bem branco, talvez um pérola, mas um pérola muito claro, luminoso. Poderá parecer-vos quente para a noite que esteve mas não. É levíssimo, poroso, e o ar circula livremente em volta do corpo.
O meu amor, que já estava apreensivo com a demora (... não sei o que é feito do telemóvel pelo que nem o avisei de que ia chegar mais tarde), quando me viu, mal disfarçou a vontade de rir.
Ia fazer-lhe um ar ameaçador para que nem ousasse dizer qualquer coisa de depreciativo mas corrigi a intenção e dirigi-lhe, antes, um olhar de desafio, de convite.
Viémos de cisne branco...?, sentindo-se incentivado, não resistiu, com aquele ar gozão que me tira do sério. Não lhe respondi. Entre dentes, continuou, sussurrando, Mais logo tenho que ter o trabalho de te depenar antes de te ... Mas, aí, atalhei, Olha lá! ...E não é cisne nenhum, que ideia! Estava a sentir-me virginal a apeteceu-me vir com este vestido multi-usos. Assim, com ele completo, quase podia ser uma noiva mas, daqui a nada, quando for para dançar, tiro a parte de baixo e fica um vestidinho curto e, mais logo, quando sairmos, se estiver frio, como maravilhoso cavalheiro que és, colocar-me-ás essa mesma parte sobre os ombros, pois funciona também como capa.
E afastei-me rapidamente antes que ele continuasse. As inconveniências ficariam para mais tarde e, inspirada como estava, já estava a imaginar os piropos que lhe iria arrancar.
E afastei-me rapidamente antes que ele continuasse. As inconveniências ficariam para mais tarde e, inspirada como estava, já estava a imaginar os piropos que lhe iria arrancar.
Cumprimentei os anfitriões, os restantes convidados, fiz a usual small talk, ouvi elogios, uns sinceros outros nem tanto e senti sobre a minha toilette olhares surpreendidos, censores, incrédulos.
Decorrido algum tempo, dirigi-me aos aposentos privados para retirar a parte de baixo do vestido que já me estava a aquecer demasiado, especialmente as pernas.
Quando estava naquela manobra, dobrada, ouço uma inesperada voz, uma voz quase murmurada, Precisa de ajuda? Estou habituada a lidar com toilettes complicadas, posso ajudá-la a ver-se livre disso. Quer? ... Posso?
Olhei e nem queria acreditar. Entre portas, uma mulher que já tinha visto de longe, também num inconfundível Dior, com uma venda que usava quase como uma máscara, dirigia-se a mim numa pose e num tom de voz muito dúbios, ou melhor, nada dúbios.
Fiquei sem palavras. Mas que era aquilo, senhores...? Ela ali, armada em femme fatale, boquinha de rosa, certamente um Rouge Dior. Pensei, mas querem lá ver...? Só me faltava agora uma destas...
E, então, ouço-a dizer, em voz baixa, insinuante, toda ela sinuosa: Que calor. Hoje, na piscina, sem roupa, estávamos bem melhor, não estávamos...?
Saí de lá quase a correr, com a parte de baixo do vestido meia solta, toda eu ofegante, quase assustada. O meu amor, quando me viu, percebeu que qualquer coisa de extraordinário se tinha passado mas, por mais que insistisse, não lhe contei. Por um lado, havia de gozar até ao fim da vida, nunca mais se havia de calar, e, por outro, a situação ainda era capaz de lhe despertar alguma ideia peregrina.
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As fotografias são de Patrick Demarchelier (nascido em França em 1943), fotógrafo de excepção com trabalhos fantásticos para as principais marcas e revistas de moda. As duas últimas aqui publicadas pertencem, efectivamente, a campanhas Dior.
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E tenham, Caros Leitores, uma quinta-feira em grande estilo. Na piscina, na praia ou no campo, sozinhos ou acompanhados, o que vos desejo é que se sintam bem e se divirtam.
6 comentários:
Olá, UJM
Estive aqui ontem à noite a ler este magnífico texto, a segui-la nesta sua deambulação, caminhando consigo por esses lugares. O desfecho inusitado, aliás, terminou concretizando a ténue ideia com que nos aliciou no início, ilustra bem o seu enorme poder de escrita. (Já era muito tarde, por isso, não comentei)
A capeline, que leva sempre consigo, lembrou-me um episódio da vida de uma amiga minha e talvez venha a aproveitar isso para um post, se ela me deixar. :)
Gostei muito do post onde apresenta a imagem 'onde está o amor', e as suas considerações sobre o tema.
Então, o bebé, os outros meninos, e a linda avó, como estão? Desejo que
a sua recuperação esteja a processar-se dentro da normalidade. Li a resposta ao meu último comentário e vi que tem passado por alguns momentos difíceis. E, com tudo a acontecer ao mesmo tempo...Vai tendo essas grandes alegrias que ajudam a superar tudo, não é?
Beijos.
Olinda
Fico para aqui a pensar o que há de verdade e de criação nestas suas histórias fantásticas...
Invejo esse sentido completo de liberdade que imagino que tem. Tenho lutado por ele, mas ainda não cheguei lá...
Porque não se há-de tomar banho na praia ao anoitecer, se nos apetece?
Desde que os nossos actos não prejudiquem ninguém...
Gostei muito do texto
Um beijinho e um dia feliz
Olá,
Do gosto dos outros -ou do nosso, escreve-se à flor da água, à distância de um gesto, na fímbria da intenção.
Mais um belo texto.
Olá Olinda,
Começo pelo fim: se eu fosse dada a repousos, se fosse obediente, se cumprisse à risca o que os médicos dizem, talvez a coisa estivesse melhor. Não é que, neste momento, estejam más mas ainda não estou a 100%. Cotinuo a ter que intercalar alguma exercitação com repouso. E aqui, no repouso, é que a porca torce o rabo. Especialmente quando estou rodeada pelos meus meninos (e nesta altura estou frequentemente) é muito difícil estar repousda com eles em acelerado movimento à minha volta.
Mas não tenho espírito de doente e, por isso, embora por vezes farta deste repouso forçado e de ainda estar incapacitada para algumas coisas, continuo a andar bem disposta e, frequentemente, até me esqueço da minha condição.
Mas acho que dentro de umas semanitas devo estar boa. Subvalorizei isto - porque, quando consulto a net (e agora tenho consultado) vejo que a recuperação em pousio é coisa para 2 meses (eu é que pensava que seria 2 semanas!).
Quanto aos meninos, hoje um está com febre mas presumo que seja uma dessas mal afamadas viroses de que as crianças pequenas agora tanto padecem. De resto, estão todos crescendo a olhos vistos, fazendo descobertas todos os dias, naquela fase em que os progressos são extarordinários. O bebé recém nascido cresce visivelmente e 'alisa-se' todos os dias, estando cada dia mais bonito.
Quanto ao meu texto, resultou de ter lido no blogue 'Canhões' um texto muito interessante sobre piropos. Apeteceu-me replicar. Depois, como gosto muito de fotografia, fui à procura de imagens de um fotógrafo de que gosto bastante e escolhi aquelas. Depois foi deixar as palavras fazerem o seu próprio caminho. Claro que, de vez em quando, tive que voltar atrás para me moderar já que este é um blogue de família, que se pretende minimamente bem comportado e alguns excessos aqui não ficariam bem. Mas, quando começo a escrever, distraio-me e, se estou para me divertir, sai com cada uma... até me rio das parvoíces que me ocorrem.
Como escrevo à noite, vou-me deitar sempre bem disposta.
Vou ficar à espera da história da capeline da sua amiga. Só pode ter graça.
Um beijinho, Olinda!
Olá Isabel,
Acho sempre graça à forma espontânea como se exprime. Nem sei como lhe responder. Começo a escrever e ocorrem-me situações que são fruto da imaginação do próprio momento. Não tomo apontamentos prévios, nem faço rascunhos, e geralmente pouco revejo, excepto eliminar algum excesso. Mas, é claro, aquilo sou eu a escrever e, por isso, muito daquela forma de pensar é a minha e algumas situações são variantes de situações que me aconteceram ou de que tive conhecimento. Mas, no conjunto, é ficção. Tomara eu ter um Dior daqueles assim sumptuosos...
De resto, tenho uma mentalidade livre, sim. Nunca me preocupei com a opinião dos outros no sentido de, com isso, cercear a minha maneira de ser. No entanto, tenho sempre o cuidado de não ferir susceptibilidades de forma gratuita ou de não fazer nada que prejudique alguém.
Estar na praia ao fim do dia, mesmo ao fim do dia, quando já não há quase ninguém, à hora em que o mar fica espelhado e que as gaivotas vêm pousar no areal, é das coisas de que gosto mesmo muito. A água a essa hora está quase tépida, tudo está suave, não há vento.
Obrigada pelas suas palavras, Isabel, gosto sempre muito de as ler.
Um beijinho.
Olá jrd,
Que belas palavras as suas. Já as li várias vezes. Que bem que me soam, que bonitas são. E que verdadeiras.
Muito obrigada, mesmo!
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