domingo, julho 21, 2024

Paz de espírito

 

Hoje era para ser outra vez dia de festejo mas, porque a covid voltou a atacar a família, a comemoração foi adiada. 

Quer o meu filho quer a minha filha, ao ligarem ao fim do dia, perguntaram o que tínhamos feito. Aparentemente nada e, dito assim, 'nada', temo que dê a ideia de vazio. Ora não. Foi um dia bom, muito agradável, preenchido de bons momentos.

Ao pôr-do-sol, sentada num banco de jardim que pouco tenho usado, a ler um livro de que estou a gostar bastante ('O meu pai voava' da Tânia Ganho), pensei que parece que só agora estou verdadeiramente a desfrutar o prazer de habitar esta casa.

Continuamos com os trabalhos de jardim. Dá ideia que agora que o jardim está, na íntegra, por nossa conta, é que o sentimos como verdadeiramente nosso. Olhamos em volta e há sempre o que fazer. Por exemplo, quando fui abrir a janela do quarto dito 'das meninas' vi um pássaro grande a andar ali em baixo e fiquei feliz, observando-o, mas reparei também que há, por baixo da janela, um arbusto que corta um pouco a luz. Amanhã iremos ajeitá-lo. Reparei também que há guias da glicínia que se estenderam até à armação do balouço e achei isso encantador.

Mas, ao sentir que parece que só agora estou a descobrir o grande prazer de andar aqui pelo jardim, fiquei intrigada pois a verdade é que está a fazer quatro anos que aqui moramos.

Fiz, então, o exercício de descobrir a que se devia isso. 

Não foi difícil. 

O primeiro ano foi o da mudança. Comprámos a casa no início de Agosto e logo de seguida, antes de nos mudarmos, a casa entrou em pinturas. Depois gastámos todas as férias com a mudança. Foi um verão estafante, estafante, estafante. Trabalhava, na altura, em duas empresas, não tinha tempo livre, não conseguia tempo para desfrutar a casa e havia sempre coisas para arrumar.

No ano seguinte, continuava afogada em trabalho, tanto mais que a pessoa com quem dividia a responsabilidade numa das empresas adoeceu, foi operada, depois fez uma bateria de tratamentos. E continuou a trabalhar salvo os dias de internamento ou os dias em que tinha exames médicos ou em que os tratamentos o deitavam abaixo. E, por sua opção, não quis que na empresa se soubesse. Por isso, desdobrei-me até mais não poder para que todos os assuntos dele mais os que eram dos dois continuassem a ser geridos sem que ninguém percebesse o que se passava. Não me sobrava disponibilidade mental para estar em paz a gozar a casa.

No ano seguinte, eu estava com responsabilidades acrescidas numa empresa que estava a atravessar um processo profundo de reestruturação e, no verão, esse meu colega, ao fazer novos exames, recebeu a notícia que mais temia: a doença tinha-se espalhado. Teve que fazer muitos exames, foi-se um bocado abaixo, e, finalmente, teve que se submeter a tratamentos muito agressivos. E continuou a não querer que se soubesse. Eu, que já tinha ideia de deixar de trabalhar, por solidariedade e amizade para com ele adiei os meus planos e desdobrei-me ainda mais, passando por períodos muito complexos, de quase exaustão (e sem querer que ele percebesse pois problemas de mais já ele tinha). 

A acrescer a isso, a minha mãe, por não tomar os medicamentos que devia (sem que eu o soubesse), foi internada pela segunda vez. A seguir, ao ter alta, quis ir para uma residência assistida. Mas foi ainda pior. Regularmente eu ia buscá-la e ia acompanhá-la às consultas de cardiologia e depois levava-a de volta. Foram quatro meses terríveis pois, como não queria tomar os medicamentos, todos os dias ia ao médico da residência com toda a espécie de sintomas na esperança que os médicos suprimissem a medicação a que ela atribuía todos os seus males e, nas consultas de cardiologia, descrevia como andava a passar mal por estar a tomar aqueles medicamentos. Como eu estava com ela, ouvia o que ela dizia, o que as enfermeiras e médicos diziam, desmontava as suas intenções para que se tratasse e percebesse que, se não tomasse os medicamentos, correria risco de vida. Era para ela (e para mim) um pesadelo. 

Todos os dias ela estava como estivesse em estado de emergência. Por fim, só queria voltar para casa. Falava da residência, que era um verdadeiro hotel de luxo, como uma espelunca. Queria ir para casa para não ter quem a controlasse. E voltou mesmo. Mas quase todos os dias tinha sintomas de qualquer coisa em que eu não sabia se era caso de chamar médico a  casa ou levá-la ao hospital. De início eu ia buscá-la e trazia-a para minha casa mas ultimamente já não queria, arranjava mil desculpas. Por vezes lá assumia que tinha medo que os miúdos a contagiassem. Nessa altura, ela já sabia o que estava a miná-la por dentro mas nós não. Pensávamos, na família, que sofria de ansiedade e de hipocondria (em relação a doenças e a efeitos secundários dos medicamentos) e convencemo-la a ter sessões com uma psicóloga mas não descansou enquanto não deixou de ir.

Por isso, esses tempos foram para mim tempos de permanente intranquilidade. Em momento algum eu sentia paz de espírito. No final do ano passado, o seu estado de saúde agravou-se e o desfecho acabou por ser tristemente rápido (se calhar, felizmente rápido) mas, pelas razões de que aqui falei algumas vezes, foi, para mim, um processo traumatizante, angustiante. 

Depois de tantos anos a sofrer o lento declínio da saúde do meu pai e sempre a recear o desfecho que esteve tantas vezes iminente e depois destes tempos de ansiedade e angústia pelo estado da minha mãe, não foi imediatamente que consegui tirar de dentro de mim o estado de ansiedade e medo que vivia permanentemente dentro de mim. Ainda agora, se me falam em ir a algum lado, involuntariamente acontece-me pensar que é melhor não, para não estar longe, não vá acontecer alguma emergência. Só depois me ocorre que esses meus medos já não têm razão de ser. E muitas vezes me vem à cabeça a preocupação em que eu sempre andava sem saber se alguma evolução nos sintomas aconselhava a cuidados médicos imediatos. Só depois penso que já não faz sentido sentir essa preocupação. Nessas alturas, sinto uma grande tristeza ao pensar que é tão estranho que a minha mãe, que tanto gostava de viver, já não exista.

Mas, enfim, aos poucos estou a conseguir assimilar que os meus pais, em especial a minha mãe que era uma presença constante na minha vida (por ser a cuidadora do meu pai e por ultimamente ter sofrido uma alteração tão abrupta na sua maneira de estar que tantas preocupações me trouxe), já cá não estão, já não estão doentes, e que, por isso, já posso viver mais tranquila.

E talvez por isso agora dê por mim a sentir-me admirada por sentir uma paz de espírito tão boa. Estou no jardim, olho para a copa das árvores, olho para o céu, ouço os pássaros, e sabe-me tão bem, tão, tão bem, estar aqui sossegada, a ler, a desfrutar o prazer deste jardim tão bonito, tão tranquilo.

Parece que, finalmente, estou a aproveitar a minha reforma, estes belos dias de ausência de turbulência profissional e em que os meus pais, libertos do seu corpo humano, também estão em paz. 

E isso é muito bom.

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E porque do prazer de estar em casa falo, penso que pode fazer sentido partilhar o vídeo abaixo sobre uma casa muito bonita em Melides, em que se sente que por ali paira uma grande serenidade. A casa tem uma decoração simples e, ao mesmo tempo, requintada, recorrendo a artigos de artesanato, alguns dos quais portugueses.

Inside Carolina Irving’s Coastal Retreat Secluded on Portugal’s West Coast | Design Notes

Carolina Irving welcomes us into her romantic retreat in an unspoilt coastal region of Portugal. When Carolina purchased the property nearly 15 years ago, there was barely one wall left standing from the previous structure. She accepted the challenge, undaunted, and has created a home that is perfectly compact, where nothing is unaccounted for. 

Not simply a weekend pied-à-terre, Carolina’s house had to function as a year-round escape from her home in Paris — for herself, her partner, French documentary producer Bertrand Devaud. Watch the full episode of ‘Design Notes’ as we tour Carolina Irving’s Portuguese home from home.


Desejo-vos um belo dia de domingo

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