Lembro-me de um dia, uma sexta-feira de um Março que me parece longínquo, participar numa reunião ao mais alto nível, na maior e mais nobre sala de reuniões. Estávamos todos surpreendidos e muitos sem perceber ainda o que estava a acontecer.
Sendo uma empresa tão grande, dispersa por várias geografias e com muitas instalações a funcionarem vinte quatro horas por dia, todos os dias do ano e operando num sector estratégico e crítico para o país, tínhamos que tomar uma decisão. E tomámo-la. Ali mesmo foi criado um comité de crise, traçadas as linhas gerais, escrito um comunicado com carácter de urgência.
E ali mesmo combinámos que todos os que tivessem computador portátil pegariam nele e trabalhariam a partir de casa até ordem em contrário e durasse isso o tempo que durasse.
É uma imagem de desolação que guardo desse dia. Naquele escritório, em concreto, toda a gente tinha portátil. Uma pessoa estava cheia de tosse e sentia-se febril. Foi mandada embora de imediato.
E todos pegámos nos computadores e, olhando uns para os outros com espanto e preocupação, despedimo-nos sem saber quando voltaríamos a vê-los.
À maioria deles não voltei a ver.
A partir daí a empresa entrou numa voragem para tentar que todos conseguissem fazer o seu trabalho a partir de casa e para que os que tinham que estar 'presenciais' o fizessem em segurança.
Poucos dias depois, o pai de um colaborador directo morreu de covid. Os casos na empresa sucediam-se. Tínhamos que arranjar maneira de recompor equipas. Foram meses muito difíceis.
De seguida, surgiu-me um convite que não podia recusar, um desafio de loucos. Fui trabalhar para outra empresa. Portanto, deixei de trabalhar com aqueles de quem me tinha despedido em Março.
Durante muito tempo, por segurança, o trabalho foi remoto para quem isso era possível.
Depois passou a híbrido.
Ainda bem que assim é. O normal é que se ajuste a forma de trabalhar. Desde que o trabalho se faça, é bom que haja flexibilidade de parte a parte.
E é verdade: quando alguém se recusa a trabalhar a partir de casa e defende intransigentemente o trabalho presencial não arredando pé do local físico de trabalho, já parece um pouco estranho. Confirmo que, por exemplo, ao ver um colega que entrava todos os dias quase de madrugada e era o último a sair, eu e toda a gente pensávamos que o fulano só podia ser alguém sem vida própria.
É disso que o episódio de hoje da Porta dos Fundos trata. O que aqui abaixo está escrito e que transcrevi do Canal deles não tem nada a ver.
Sexta-feira presencial
É sexta-feira, o expediente começa às 10h. Mando uma figurinha de "bom dia" no grupo da firma e continuo caminhando pela praia. Vou pro judô, tomo banho, chego ao computador de cabelo molhado às 11h30. Vejo vídeos no Youtube enquanto uma reunião acontece. Opa, meio-dia, hora daquele almoço de 2 horas. Mais uma reunião começa e eu entro no link ainda do restaurante. A partir das 15h, ver séries. 16h? Passar um café. Ok, hora de mandar um e-mail que enrolei tanto pra escrever, já são 16:55, hora de uma parada pra um cigarro porque às 17h encerro meu expediente mais cedo. Mais tarde é meu vôo pra Itália. Muito bom ser um CEO que exige trabalho presencial obrigatório.
1 comentário:
UJM
O sonho, esse malvado que nos comanda a vida,
https://www.youtube.com/watch?v=ySJBMSBUJ6U
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