Já aqui falei várias vezes daquele período feliz da minha vida em que convivíamos quase semanalmente com amigos do tempo da faculdade. Éramos três casais a que se juntaram dois outros. Éramos novinhos e os filhos iam chegando, e nós, em grupo, acolhendo uns e outros, na maior alegria e brincadeira.
Mesmo quando a mais complicada do grupo não conseguia engravidar ou quando começou a desatinar com o marido, nós, colectivamente, ajudámo-los a ir superando as dificuldades (até ao ponto em que, vários anos mais tarde e muitas crises disparatadas depois, acabaram mesmo por romper). Ou quando uma outra não conseguia, de maneira nenhuma, engravidar e optaram pela adoção, foi entre todos que acolhemos a criança tal como foi entre todos que os ajudámos a superar os problemas que vieram a enfrentar .
Juntávamo-nos ora em casa de um ou de outro, conversávamos, ríamos, as crianças brincavam. Outras vezes passeámos e conhecemos o país, outras vezes fazíamos picnics.
Nem sempre conseguíamos encontrar-nos todos ao mesmo tempo pois a conjugação de disponibilidades obrigava a encontros em geometria variável mas havia um fio condutor que nos unia. E os miúdos iam crescendo, alguns iam mudando de empregos, as famílias iam evoluindo.
Até que começaram as escolas mais a sério e uns tinham testes, outros tinham festas de anos, depois vieram os namoricos, e era cada vez mais difícil mantermos o hábito de nos encontrarmos ao fim de semana.
Mas, durante anos, éramos assíduos e guardo a melhor das melhores recordações desses anos abençoados.
Em especial um deles era divertidíssimo e ainda hoje nos rimos com as brincadeiras dele.
(Por exemplo, quando estava na cozinha a preparar o almoço e eu na sala e ele, de lá, gritava pelo meu nome, perguntando a seguir: "Queres na brasa?'. E eu, distraída, pensando que se referia aos bifes, caindo sempre. 'Pode ser'. E ele, malicioso: 'Não preferes devagarinho...?')
Daquelas pessoas que não envelhecem, mesmo fisicamente. Era também ele que mais novidades musicais descobria e nos dava a conhecer quando nos encontrávamos em sua casa.
Por essas alturas orgulhávamo-nos das 'aparelhagens': amplificadores, grandes colunas. E o som era puxado, grandes batidas, a música soava alto e bom som, e toda a gente cantava. E alguns dançavam.
Os miúdos estavam na deles, enfiavam-se nos quartos a brincar uns com os outros e não ligavam patavina à farra que os pais faziam. Nunca me lembrei de perguntar aos meus se têm ideia da música que sempre rolava nesses dias mas tenho para mim que lhes passou ao lado.
Já aqui falei da Rita Lee e o que dançávamos e saltávamos, creio que já falei da Sade (para uma onda mais cool e romântica) ou do Simon and Garfunkel para uma onda (nem sei como dizer) talvez mais urbana. Ou o Lou Reed ou o Bruce Springsteen. Tantos.
E havia, sonora, luminosa, festiva, intensa, a Gal.
Cantávamos a plenos pulmões com ela, apaixonados pela vida, apaixonados pela alegria de estarmos juntos, apaixonados pela festa que sempre fazíamos.
E, como geralmente nos encontrávamos ao domingo (o dia em que não havia natação, ginástica, karaté ou o que quer que fosse que sempre algum dos miúdos tinha ao sábado), o Dia de Domingo da Gal com o Tim Maia era quase um hino. Por isso, ainda agora, quando aqui vos desejo um bom domingo, não sei se alguma vez repararam mas costumo escrever um bom 'dia de domingo'.
Quando hoje soube que a Gal tinha morrido senti que se tinha aberto um vazio nas minhas memórias. É certo que os discos, os cds e os vídeos superam as ausências mas saber que ela afinal era mortal e que toda aquela energia e sensualidade e vida eram, afinal, perecíveis deixou-me francamente abalada. Foi mesmo uma bandeira dos meus tempos de alegre juventude que foi descida. Com tristeza.
Pensar que vivemos(os da minha idade) numa época de filmes inesquecíveis, peças de teatro e canções que passados tantos anos ainda são bons e revivem-se com prazer, mas que pouco a pouco os seus protagonistas vão desaparecendo, é triste.
Será que os mais novos sentem também a falta dos que a nós tantos nos marcaram? Ou será que isto é a passadeira rolante da vida que vai empurrando uns para fora para que outros possam ir entrando...?
Penso nisto com alguma nostalgia. Vão partindo aqueles que nos habituámos a ouvir e a ver ao longo da nossa vida.
2 comentários:
Ola Um Jeito Manso,
Pensar que vivemos(os da minha idade) numa época de filmes inesquecíveis, peças de teatro e canções que passados tantos anos ainda são bons e revivem-se com prazer, mas que pouco a pouco os seus protagonistas vão desaparecendo, é triste.
É o que diz, ficam as obras, mas e as pessoas?
Também fiquei triste. Somos todos finitos.
Um beijinho.
Pois é, Pôr do Sol,
Será que os mais novos sentem também a falta dos que a nós tantos nos marcaram? Ou será que isto é a passadeira rolante da vida que vai empurrando uns para fora para que outros possam ir entrando...?
Penso nisto com alguma nostalgia. Vão partindo aqueles que nos habituámos a ouvir e a ver ao longo da nossa vida.
Beijinho, Sol Nascente.
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