domingo, outubro 02, 2022

Não será caso para serem desencadeadas buscas* a tudo o que é lugar onde haja crianças e padres?

 

Com tantos casos de abuso sexual de menores e tanto encobrimento por parte da Igreja Católica, não será de começarmos a suspeitar de que estamos perante uma organização em que não se pode confiar, que acoita criminosos ou gente perversa?

É que é por todo o lado. Não podemos continuar a pensar que são casos isolados. São casos a mais, ao longo do tempo. Dá ideia que há um comportamento que se repete com demasiada frequência na Igreja Católica, quer em paróquias, quer em orfanatos, onde quer que haja crianças ou adolescentes, aparentemente sobretudo quando as vítimas se encontram em situação vulnerável, o que junta a cobardia à maldade, à perversidade. E não apenas se vai sabendo de toda a espécie de comportamentos desviantes por parte de padres, bispos ou arcebispos como, igualmente grave, se vai sabendo que todas as denúncias foram sistematicamente abafadas pela estrutura da Igreja, ao longo dos tempos, ao longo do país, ao longo dos países.

E é inconcebível que haja processos internos mas não denúncia junto das instâncias judiciais. Se for verdade que o Bispo José Ornelas estava sabedor de abusos e não encaminhou o assunto para a Procuradoria ficarei, uma vez mais, indignada. E enojada. 

Quando ouvi sobre as suspeitas que impendem sobre Ximenes Belo fiquei petrificada. Ao mesmo tempo que recebia o Nobel da Paz estava a abusar de crianças? Não quero acreditar em tal coisa. Espero que haja investigação a sério e o mais rapidamente possível. A mancha é suja e grave demais para que a dúvida possa ficar a pairar. 

Penso que a dimensão do que tem passado (e, se calhar, do que ainda se passa) justifica que nos questionemos sobre o que leva tantos membros da Igreja Católica a terem práticas pedófilas. São o celibato e a ocasião que fazem o 'ladrão'? Não me parece. Gente de bem, de bom carácter, mesmo que não consiga controlar a libido, não abusa de crianças. Alguém minimamente decente que, num dia de desvario e descontrolo absoluto violente sexualmente uma criança, não conseguiria continuar a viver pregando como se fosse um emissário de Deus. Alguém, minimamente normal, que tenha praticado tão hediondo crime, abandonaria a Igreja e entregar-se-ia à Polícia.

Alguém consegue receber a hóstia da mão de um padre depois de se ouvirem as denúncias das crianças? Alguém consegue deixar as crianças à guarda de padres depois de se saberem de tantos e tantos e tantos casos?

E os órgãos judiciais do País vão ficar passivamente à espera das queixas, sabendo que, quando as queixas ocorrem, já é geralmente tarde demais, depois dos abusos praticados e dos danos psicológicos terem ocorrido, muitas vezes muitos anos depois? Não seria de agirem proactivamente?

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* Perguntaram-me: 'Buscas para quê? Para ver se apanham alguns em flagrante delito?'

Respondo: Para pesquisarem os computadores os telefones dos padres, para ver se encontram fotografias ou vídeos suspeitos, para ver se encontram mensagens trocadas com crianças ou adolescentes, para verem se encontram qualquer outro material suspeito que indicie a prática da pedofilia.

8 comentários:

Anónimo disse...

E o pior é que nenhum responsável pela igreja garante que isto não continua a acontecer.
E depois eles confessam-se uns aos outros ficando com os pecados perdoados. Rogai por nós pecadores … ámen!
Começo o ter uma ideia de como era a igreja antigamente, quando era mais opaca. Eu olho para a cara do Ximenes e vejo ali um rapazinho violado. É o que me parece

João Lisboa disse...

"Alguém consegue receber a hóstia da mão de um padre depois de se ouvirem as denúncias das crianças?"

Bastaria ""Alguém consegue receber a hóstia da mão de um padre?" 2000 anos de História criminal não chegam?

Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo/a

De tudo o que se vai sabendo, desde colégios mais ricos a orfanatos mais pobres, a sacristias em paróquias rurais ou urbanas, parece que onde há padres e crianças há probabilidades da coisa dar para o torto.

Numa instituição que supostamente deveria ser o exemplo do Bem, o que se passa tem demasiado Mal agarrado à sua história e à sua prática.

Face à dimensão e à gravidade das denúncias, penso que se justificaria uma investigação geral, extensa, profunda.

Podem os violadores de hoje ser os violados de ontem. Não sei. O que penso é que se assim é, esse ciclo infernal tem que ser interrompido.

Um Jeito Manso disse...

Olá João,

Tem razão mas a verdade é que as concentrações de crentes continuam a existir como se as pessoas estivessem em estado de negação, desculpando ou ignorando a gravidade das denúncias.

Claro que não é existência de uma maçã podre que permite concluir que toda a cesta de fruta está podre. Mas já são muitas maçãs podres, é muita gente a ignorar, a fechar os olhos -- e a podridão é contagiante.

E, no entanto, apesar de tanta gente suspeitar ou saber, parece que se continua a fazer de conta que a Igreja não tem nada a ver com o que os padres fazem. Ninguém quer saber dos 2.000 anos de história. Ninguém quer saber. Continua a deixar-se que as crianças permaneçam nos seminários à guarda de padres, que os padres organizem encontros de jovens, como se não houvesse risco. E, pelo número de denúncias, há risco, sim.

Isto das religiões, das seitas, é tramado: parece que as pessoas perdem o discernimento.

Anónimo disse...

Buscas, sim. Esperar pelo meteorito, não.
" ... Diocese do Porto é a primeira do país a dizer que não deve criar qualquer comissão para lidar com eventuais casos de abuso sexual de menores."

https://www.tsf.pt/sociedade/pedofilia-na-igreja-ninguem-cria-uma-comissao-para-estudar-os-efeitos-de-um-meteorito-10818220.html

Diogo Almeida disse...

Eu devo ser das raras pessoas que percebe o mais difícil e não entende nada do mais fácil...

Percebo que sejam chamados por Deus ao sacerdócio, e depois não percebo essa violação do chamado. A ausência de Deus é terrível, assim a Sua Justiça. Padres desses devem tremer que nem varas verdes perante a Face de quem os verdadeiramente chamou.


Um Jeito Manso disse...

Olá Anónimo/a,

A comissões são importantes para que se abra um espaço para que as vítimas denunciem. E uma encoraja a outra. Queira a Diocese daqui ou dali. Mas, com tantos casos, penso que é de levar mais a sério e ser o Ministério Público a avançar e em força.

Por algum motivo, dá ideia que os praticantes, os devotos, continuam a colocar um manto de silêncio e de perdão sobre crimes tão hediondos. Talvez seja como os que, mesmo perante os crimes de guerra de Putin, continuam a não ser capaz de o condenar.

Mas a sociedade, no seu todo, deve agir para que em nenhum outro lugar haja padres com conversas, com toques, com sugestões, com gestos e com avanços sexuais junto de crianças ou adolescentes.

É um caso de Justiça pública, não de religião.

Como vamos conseguir isso? Não sei... Mas temos que tentar.

Um Jeito Manso disse...

Diogo,

O seu comentário impressionou-me. Contém as contradições que devem existir na cabeça dos padres pedófilos e está escrito de uma forma impactante. Deveria estar escrito à porta das igrejas, dos seminários, das sacristias para que os padres tenham bem presente a maldade sem perdão que praticam quando molestam uma criança.

E é bom que perceba as coisas difíceis pois para as fáceis há muito quem perceba, para as difíceis é que é raro...

Um abraço, Diogo.