Tenho estado a ver vídeos sobre treino de cães. Depois de convivermos durante quase treze anos com uma boxer obediente, meiga, dócil, agora estranhamos este cachorro que tem nos genes a vida no campo, a condução de rebanhos, a largueza e a posse de espaços. A nossa cãzinha nunca nos rosnou, nunca nos mostrou os dentes ou tentou morder. Esta fera peluda tem tanto de amorosa, brincalhona, e querida como de irrequieta, teimosa e, quando sente o seu espaço ou as suas posses ameaçadas, de agressiva.
Não apenas não estávamos habituados como não nos passava pela cabeça que um cachorro nosso, tratado com todo o mimo, pudesse ser assim.
Por isso, resolvi instruir-me. Depois de estar há algumas horas a ver vídeos acho que amanhã já saberei lidar melhor com as reacções deste bicho maluco. Não é que sejam frequentes estes comportamentos mas, para nós, são inesperados.
Adiante.
Estivemos no campo. A casa gelada, gelada, um frio húmido e cortante. Muito tempo sozinha e temperaturas baixas à noite dão nisso. As casas são como as pessoas: sem convívio, tornam-se frias.
A terra está a rebentar de cogumelos. Muitos, gordos, uns mais exuberantes, outros disfarçados por entre a folhagem ou sob a caruma. O silêncio é apenas entrecortado pelo canto dos pássaros. A caruma está macia, molhada. De longe a longe vê-se um fio de fumo por entre as brumas da serra. A paz. Se há lugar onde me sinto visceralmente ligada à terra é ali, in heaven. As cores douradas e rubras do outono, os musgos, a natureza a seguir o seu curso em plena liberdade.
Estávamos a caminhar por lá, vi um coelhinho pequenino e fofo, deitado de lado, olhos abertos, morto. Ainda bem que o nosso ursinho peludo não o viu. Fez-me impressão. Tenho ideia que há por aí uma doença que dizima os coelhos. Não sei se terá sido isso ou outra coisa. Sozinha teria muita dificuldade em resolver a situação. Viemos para casa e o meu marido foi sozinho, com uma pá, levantar o frágil corpinho e levá-lo para longe, para onde a nossa fera não o alcançaria.
Estive a ler mais algumas Crónicas do Zonas de Baixa Pressão António Guerreiro. Gosto muito, é inteligente, acutilante, é como se a sua inteligência fosse uma lâmina afiada que não poupa tolos, parasitas, estúpidos, gente convencida, vulgar. Uma inteligência que é, ao mesmo tempo, um radar que localiza ideias, ensinamentos, excertos, instantes. Lê-lo é um prazer. Tenho vontade de assinalar frases para reler depois ou para as trazer aqui mas são tantas que acabo por achar que não vale a pena, mais vale ter sempre o livro à mão, abrir ao acaso e ler. É sempre bom.
Ao fim da tarde, regressámos e fomos a casa da minha filha. A casa já com as decorações de natal, luzinhas acolhedoras. Os meninos contentes. O mais novo, apesar dos chuviscos, ainda andou com o seu afilhado à trela, no pátio. Apesar do tardio da hora, ainda lanchámos na varanda, ao ar livre. É larga e abrigada. Já era de noite e chovia ao de leve mas ali estava-se bem. No fim, a bola peluda nem queria vir, só a correr e a saltar, na maior alegria com os meninos.
As cidades já estão todas natalícias. Olho estas iluminações tão bonitas com alguma nostalgia. Vai ser o segundo natal condicionado. Sempre pensei que nos teríamos visto livres do bicho neste verão uma vez que a população já estaria quase toda vacinada. Afinal, a imunidade que cai ao fim de poucos meses e as novas variantes continuam a trazer as populações no fio da navalha.
E muitas pessoas convenceram-se que, tendo a vacina, tudo estava bem. Ainda não há muito estive num evento com umas centenas de pessoas. É certo que o espaço era amplo e arejado mas, ainda assim, a concentração era considerável. Raras eram as que estavam de máscara. Devo dizer que, a dada altura, veio uma pessoa ter comigo, alegre, abraçou-me e beijou-me, um beijinho em cada lado, ou seja, face a face, a centímetros de distância. Não tive como evitar. Tive sorte, não calhou. Mas foi um risco daqueles...
E sei de muitas reuniões presenciais em salas sem janelas em que estão todos sem máscara. Não sei o que passou pela cabeça das pessoas para acharem que o risco tinha passado.
Sei que não deve haver alarmismos. Mas há pessoas que, perante a ausência de advertências, relaxam. E uns servem de exemplos ao outros, especialmente os maus exemplos.
E os casos começam a multiplicar-se. Portanto, estamos outra vez em Dezembro e de novo a curva começa a empinar. Os casos são menos graves mas um caso menos grave pode contagiar alguém a quem a doença bata com força.
Natal assim -- com distâncias de permeio, sem que possamos estar todos, muitos, em volta da mesma mesa, aconchegados à lareira, os miúdos encavalitados uns nos outros e nós, por perto, a vê-los -- parece que não é Natal. Pelo menos, não é bem Natal.
E apetecia-me um Natal e um Ano Novo à vontade, sem medos, sem máscaras. E apetecia-me estar de férias, não ter horários, não ter compromissos. E apetecia-me não ter preocupações.
Raios partam a porcaria do corona. Quem o inventou, inventou bem inventado.
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