segunda-feira, abril 05, 2021

Domingo de Páscoa.
Um post com culinária e sorrisos dentro

 


Quando acordei percebi logo que estava melhor. Portanto, foi só o tempo de me arranjar e de comer a minha fruta, kefir com cereais e beber um café -- longo, índice 8 e, obviamente, sem açúcar -- para dizer ao meu marido que tínhamos muito que fazer. Como é costume, estava a pé há séculos, já tinha feito o seu passeio matinal e estava a ler um livro gigante de história. Pôs-se logo en garde. Teme estes meus rompantes. Mas, antes de ir atirar-me ao que me ocorreu ao pôr o pé no chão, tive que ir atirar-me ao anho pascal.

Tinha ficado de véspera a descongelar. Antes de o ter congelado, tinha-o limpo de gorduras. Então, fiz assim (a atentem que, ao contrário do que era em tempos de grandes comezainas e lambanças, desta feita o repasto era apenas para dois):

Num tacho coloquei uma mini (cerveja, bem entendido), duas cebolas grandes aos bocados, duas folhas de louro, um generoso fio de azeite, os bocados lavados do anho e, por cima, uma boa quantidade de salsa, coentros e um pouco de sal. Ficou com o lume no máximo até ferver. Depois baixei. Tapadinho, lume mínimo, a carne mergulhada no caldo.

Comuniquei, então, que queria ir limpar aquela espécie de estufa que está no meio da horta. É uma coisa precária que precisa de ser arranjada e que, por ter chão de terra, estava cheia de erva até uma altura desmesurada. A natureza a desafiar a mão humana, quando deixada à sua sorte, rapidamente toma a dianteira. Pensei que quero limpá-la e usá-la.

O meu marido, alertou-me: 'Vais, outra vez, dar cabo do ombro'. E ofereceu-se para ser ele a fazer o que houvesse a fazer. Mas não, apetecia-me mesmo deitar mãos à obra. Disse-lhe que esforçaria o outro braço. Então ficou ele, com o sacho, a dar cabo de uma verdadeira moita de erva alta que circundava a dita estufa. E eu, lá dentro, a arrancar à mão, com a mão esquerda (para poupar o ombro direito). Puxei e puxei e puxei. Arranquei erva verde, erva seca, descobri vasos e pedras rústicas debaixo das ervas.

Os montes de erva que ambos arrancámos foram impressionantes. Depois transportámo-los para o monte de sobrantes que vai compostando. Não conseguimos foi dar conta da manta de urtigas que se formou ao fundo. O meu marido diz que só com roçadora. 

Andámos também a varrer as folhas secas da nespereira. Está carregadinha de nêsperas mas estão tão altas que não sei como vamos conseguir lá chegar. 

Pelo meio, de vez em quando ia a casa vigiar o cozinhado. Cheiroso. 

Com a colher fui virando a carne para que ficasse bem envolvida no caldo.

Depois, como a carne já estava a mostrar querer desprender do osso, sinal de que estava a ficar macia, desliguei. Ficou a maturar enquanto fomos fazer a nossa caminhada. Talvez por ser caminhada pascal, foi mais longa do que habitualmente. 

Quando regressámos, descasquei duas cenouras grandes, um belo molho de feijões verdes, umas batatas normais e uma batata doce grande (das cor-de-laranja). Depois de tudo descascado e lavado, tirei a carne para um prato, juntei um pouco de água (o caldo estava já um pouco reduzido). Coloquei a cenoura às rodelas no fundo, o feijão verde aos bocados largos, as batatas aos cubos e, por cima, a carne. Deixei que fervesse e, depois, coloquei de novo do mínimo.

Quando pensei que deveria estar quase, coloquei o forno no máximo. Quando admiti que o forno estivesse quente, coloquei o conteúdo do tacho num tabuleiro grande de forno. Ficou tudo bem espalhado e assim ingressou no calor. Nessa altura, aliviei e passei para cerca de 180º.

Antes de servir, ao ver que estava tudo a ficar com aspecto quase crepitoso e douradinho de dar gosto, coloquei por cima umas fatias grossas de pão rústico para ficar quentinho.

Quando o tabuleiro foi para a mesa, tirei as fatias de mão para um pratinho à parte pois estavam ali mesmo apenas para aquecerem e ficarem com o cheirinho do cozinhado. Servi.

Devo dizer: a clientela foi escassa mas devo dizer que aprovou. O pãozinho marchou todo, molhadinho no molho grossinho e saboroso do estufadinho do anho pascal. Sobrou ainda o suficiente para outra refeição, o que me agrada pois isto de estar a cozinhar todos os dias há um ano também cansa.

Depois fomos apanhar sol para o jardim.

A meio da tarde recebemos uma mensagem, se estávamos em casa, queriam vir deixar-nos folar. Claro que sim. Passado um bocado, chegou a trupe primaveril e animada. A menina com um vestidinho de cavas, cada vez mais bonita. Os meninos brincalhões, sorridentes, crescidos, bonitos.

Trouxeram o excelente folar feito pela excelente doceira, mãe dos meninos, um folar recheado com doce de abóbora, requeijão e nozes. Bom, bom, bom. Trouxeram ainda folar, também muito bom, creio que recheado com maçã, feito pela sua mãe, outra doceira de mão cheia. E trouxeram um bocado de cabrito do almoço, provavelmente feito pelo chef que, tal como a mãe, é mais dado a salgados que a doces. Prová-lo-emos amanhã.

Trouxeram também ovinhos de chocolate com os quais fizeram caça ao tesouro no jardim. Os meninos correram, brincaram, jogaram às escondidas, os pais estenderam-se e descansaram ao sol na relva. 

Andei sempre de máscara e eles também, excepto o mais pequenino, não resisti a abraçá-los. Meninos queridos.

Quando o sol de pôs, esfriou e foram para casa, eu com pena de não poder despedir-me, abraçando-os e dando montes de beijinhos como na era pre-covid. 

O meu jantar foi simples: uma maçã, um pouco de cheddar maturado e, adivinhem, uma fatia de cada folar. Por mais que queira fugir às tentações, nada a fazer, elas vêm ter comigo.

Resumindo: tive um dia de Páscoa bem melhor do que esperaria. E o dia esteve ensolarado, um sol amável, cheio de pássaros cantando, as rosas, as glicínias, o jasmim perfumando o ar, os sorrisos adoçando-me o coração. O mês de Abril é sempre um mês generoso.

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Há pouco, ao começar a escrever, lembrei-me de que, em tempos, por estas alturas, nos púnhamos a caminho. Uma vez fomos visitar Alhambra e a Mesquita-Catedral de Córdoba. Mas, quase tanto como visitar estes locais maravilhosos, eu gostava de andar pelas ruas das cidades, pelas ruelas floridas. E agora que escrevo penso também em Marbelha, as ruas e os restaurantezinhos bons, o El Balcon de la Virgen, por exemplo. Tem é que ser fora da época da confusão. Na primavera, por exemplo, é bom. Voltámos lá depois mas curiosamente é da primeira vez que mais me lembro. Foi um passeio tão bonito. Gostava de lá voltar, gostava de ver os pátios floridos. 

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As fotografias são de Katerina Plotnikova e são estas e não outras apenas porque as acho muito bonitas

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Uma boa semana.

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